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Os embriões como destinatários de direitos fundamentais

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26/12/2004 às 00:00
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Notas

1 Deixaremos de usar a expressão útero materno pois, atualmente, como já bem referiu Oliveira Ascensão, é possível encontrar três tipos diferentes de maternidade: a genética, a uterina e a biológica. In Direito da Saúde e Bioética, Lex, Lisboa, 1991, p.14.

2 Como v.g. direito à identidade pessoal e genética.

3 A expressão nascituro tem sido resguardada aos embriões já implantados ao útero. Sobre as diversas formas de vidas extra-uterinas e suas implicações jurídicas: José de Oliveira Ascensão (Direito e Bioética, Direito da Saúde e Bioética, Lex, Lisboa, 1991, p.9), Paula Martinho da Silva ( A Procriação artificial, aspectos jurídicos, Moraes Editores, 1986), Antunes Varela (A condição jurídica do embrião humano perante o direito civil, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Pedro Soarez Martinez, Almedina, Coimbra, 2000, p.619).

4 Artigos 2240; 42; 1855 e 2033 do Código Civil Português e 458; 462 § único; 1169 e 1718 do Código Civil Brasileiro.

5 Brasil: Lei 8974 de 5 de janeiro de 1995;Decreto 1752 de 20 de dezembro de 1995; Resolução do Conselho Federal de Medicina 1358 de 11 de novembro de 1992; Internacional: Informe Warnock; Recomendação 1046 (24.09.1986) da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa; Recomendação 1100/1989 da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre o uso de embriões e de fetos em humanos na pesquisa científica.

O Comitê Nacional de Bioética da Itália reconheceu, por unanimidade, o dever moral de tratar o embrião humano, desde a fecundação, segundo os critérios de respeito e tutela que se devem adotar em relação aos indivíduos humanos aos quais se atribui comumente a característica de pessoa. Em consequência o Comitê proclamou moralmente ilícitas:

I-a produção de embriões para fins de experimentação médica ou para fins comerciais ou industriais;

II-a produção múltipla de seres humanos geneticamente idênticos mediante a fissão germinada ou clonagem;

III-a criação de quimeras;

IV-a produção de híbridos "homem-animal-irracional";

V-transferência de embriões humanos para útero de animal irracional.

Alguns membros do Comitê entenderam a ilicitude de:

I-a supressão ou manipulação nociva de embriões;

II-o diagnóstico anterior ao implante, destinado a suprimir os embriões caso sejam ineptos a vida (seleção eugênica);

III-a formação, em proveta, de embriões que não sejam destinados ao implante no útero materno;

O Comitê afirma, ainda, que o respeito pela vida do embrião deve merecer prioridade sobre outros valores e que, portanto, devem ser definidas normas jurídicas aptas a garantir aos embriões não aproveitados a possibilidade de vida e desenvolvimento.

6 O Problema da natureza e tutela jurídica do embrião humano à luz de uma concepção realista e personalista do Direito, Mário Bigotte Chorão, O Direito, ano 123° , 1991, p.571

7 Mário Bigotte..., ob. Cit, p. 572.

8 Mário Bigotte..., ob. Cit, p. 573.

9 Células Totipontentes são células capazes não só de se transformarem em um indivíduo novo mais em qualquer tipo de tecido celular, por isso são, atualmente, a "galinha dos ovos de ouro" da medicina.

10 Como exemplo podemos citar o Informe Warnock ( Relatório da Comissão de Pesquisa sobre Fertilização Humana e Embriologia, reunida em julho de 1984, na Inglaterra, e liderada por Mary Warnock) que veda a pesquisa em embriões com mais de 14 dias de vida.

11 "? El embrión humano posee una naturaleza razonable? – debemos responder afirmativamente. E efecto, desde Aristóteles, la natureza es sinónimo de principio de operaciones y este principio está presente en el embrión desde el comienzo. Y él está en acto, no solamente en potencia. De la mism manera que un recién nacido ya es un ser parlante (un ser dotado de linguaje oral desde el comienzo, a pesar de que no tenga aún la capacidad para expressarse a través de las palabras, el embrión humano ya es un ser racional, aunque no tenga la capacidad para formular razonamientos. La razón o la autoconciencia in actu, es, en sentido filosófico, un accidente. Lo que interesa es que la naturaleza a la que pertenece el individuo sea una naturaleza racional. Es por ésto que calificar al embrión de persona no contituye un abuso de lenguaje" (Roberto Andorno, El embrión humano ¿ merece ser protegido por el derecho?, www.bioeticaweb.com/Inicio_de_la_vida/embrion_humano.htm, página consultada em 1712/02.

12 "Bem se pode dizer, sem com isso incorrer em qualquer excesso retórico, que a concepção realista, personalista e jusnaturalista de personalidade jurídica se situa nos antípodas da visão positivista e formalista. Com efeito para ela: a) a personalidade jurídica singular é um atributo inerente, por natureza, à pessoa em sentido ontológico, constituindo seu reconhecimento um verdadeiro direito natural do homem; b) todos os indivíduos humanos têm, por consequência, essa qualidade; c) a existência desta remonta ao momento da concepção, sendo, portanto, o nascituro sujeito de direitos, mormente do direito à vida; d) o conceito de pessoa jurídica singular é uma categoria chave da ciência jurídica, necessária e adequada à representação do ser humano como sujeito de direitos." (Mário Bigotte...,ob. Cit.,p. 584)

13 Teixeira de Freitas, ainda nos idos do século XIX, encarregado de apresentar, em 1860, o Projeto do Código Civil Brasileiro, incluiu, naquele esboço, um conceito de pessoa, não acolhido pelo ordenamento positivo, bastante inovador não só à época como até hoje. Contrário ao conceito "pessoa natural", por entender inexistente a "pessoa não-natural", construiu sua própria designação de "seres de existência visível", que tinha conceito no artigo 221 de seu esboço: "Art.221. Desde a concepção no ventre materno começa a existência visível das pessoas, e antes de seu nascimento ellas podem adquirir alguns direitos, como se já estivessem nascidas." Em remissão a esse artigo explica o autor que "A proposição do texto, em sua forma exterior, diverge da redacção, que os códigos e os autores têm impregnado até hoje para designar a existência antes do nascimento. Esta existência é real, seus efeitos jurídicos não deixam duvidar, e sobre elles não há divergência alguma; mas tem-se imitado o Direito Romano, as palavras tem sido infiéis ao pensamento, e aquilo que é verdade se diz que é uma ficção"( Freitas, Teixeira, Código Civil, Esboço, Tipografia Universal de Laemmert, Rio de Janeiro, 1860, p.153)

14 Artigo 2° do Novo Código Civil Brasileiro (Lei 10.406 de 10//01/2002) e artigo 4° do Código Civil Brasileiro de 1916.

15 Com orientação semelhante os Códigos de Espanha, Portugal, França, Alemanha, Suíça, Japão, Chile, Itália, dentre outros.

16 Jussara Maria Leal de Meirelles, A Vida Humana Embrionária e sua proteção jurídica, Renovar, Rio de Janeiro, 2000, p. 52.

17 Jussara Maria..., ob. Cit., p. 52/53.

18 "Em defesa de tal posicionamento, Francisco Amaral recorda que o artigo 4° do Código Civil reflete a transição entre o direito romano e o direito brasileiro marcada pela função intermediadora do direito português. Demonstra que o direito justinianeu, recebido em Portugal por intermédio do direito canônico e também pela via castelhana, influenciou os diversos projetos que se sucederam no processo de codificação brasileira, no que diz respeito à personalidade jurídica do nascituro. Porém, reflete o autor que a fórmula adotada no artigo 4° evidencia a influência da doutrina alemã, cujo conceitualismo abstrato e positivista fez afastar a paridade entre nascituro e pessoa natural."(Jussara Maria..., ob. Cit., p. 58)

19 A parte geral do novo código civil brasileiro, Saraiva, São Paulo, 1986, p. 86.

20 Início da personalidade da pessoa natural no projeto do código civil brasileiro, Revista dos Instituto dos Advogados de São Paulo, Editora RT, São Paulo, número especial de lançamento, p.82.

21 " A dicção genérica do art. 4° do CC vigente que atribui direitos ao nascituro, desde a concepção, é digna de elogios, permitindo reconhecerem-se-lhe todos os direitos compatíveis com a sua condição de pessoa por nascer, ainda que tais direitos não tenham sido expressamente atribuídos pelo código. (ob. Cit. p. 85)

22 Silmara Juny..., ob.cit, p.86.

23 Silmara Chinelato afirma que " Apesar de aparentemente contraditório o art. 4° do CC brasileiro, é este digno de elogios pelos juristas estrangeiros, tendo em vista que sua interpretação sistemática demonstra ter ele adotado a teoria concepcionista,(...) Status e direitos são reconhecidos ao nascituro, independentemente do nascimento com vida: status de filho (art. 458), de filho `legítimo´ - segundo a terminologia adotada antes da Constituição Federal de 1988 – conforme arts. 337 e 338, de filho reconhecido [art. 353 e art. 26, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente], direito à curatela [arts. 458 e 462], à representação [arts. 462, caput c/c 383, V e 385, todos do CC], direito de ser adotado [art. 372]. Entendendo-se como não taxativo o art. 4° , outros direitos são reconhecidos ao nascituro, como o direitos a alimentos. Apenas certos efeitos dos direitos patrimoniais materiais relativos à doação e a herança, ficam resolutivamente condicionados ao nascimento sem vida." (grifo nosso)

24 No mês de agosto de 1996 foram destruídos na Inglaterra 3300 embriões que haviam sido guardados em baixa temperatura mas após cinco anos de congelamento não foram solicitados pelos doadores.

25 O Papa João Paulo II tem se pronunciado apelando para os cientistas e juristas a fim de que levem em conta a dignidade singular da reprodução humana.

26 Jaramillo, Francisco Jose Herrera, El derecho a la vida y el aborto, Ediciones Universidade de Navarra, S.A, Pamplona, 1984, p. 144

27 Artigo 24 da Constituição da República Portuguesa e 5°, caput, da Constituição Brasileira.

28 Ives Gandra da Silva Martins, Fundamentos do Direito Natural à Vida, in Revista dos Tribunais n° 623, RT, São Paulo, 1997, p.624.

29 E adiante consigna: "Nenhum egoísmo ou interesse estatal pode superá-lo. Sempre que deixa de ser respeitado a história tem mostrado que a ordem jurídica que o avilta perde estabilidade futura e se deteriora rapidamente. (...) Nenhum ordenamento é justo sem tal respeito. Nenhum povo permanece no tempo quando o desrespeita. E a decadência das civilizações, normalmente, coincide com o desrespeito pela injusta ordem legal a tal direito."(ob. Cit., p.630)

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30 J J Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3 edicao, Coimbra Editora, 1993, p.174

31 Sobre o referendo sobre a legalização do aborto em Portugal: Vida e Direito, Reflexões sobre um referendo, Cascais, 1998.

32 Canotilho, embora reconheça o direito a vida como prioritário, afirma que a vida intra-uterina deve ter valor relativo. Opinião que discordamos. Diz o autor: "(...) o conceito constitucional de vida humana parece abranger não apenas a vida das pessoas mas também a vida pré-natal, ainda não investida numa pessoa, a vida intra-uterina (independentemente do momento em que se entenda que esta tem início). É seguro, porém, que:(a) o regime de proteção da vida humana, enquanto simples bem constitucionalmente protegido, não é o mesmo que o direito à vida, enquanto direito fundamental das pessoas, no que respeita à colisão com outros interesses ou direitos constitucionalmente protegidos(...);(b) a proteção da vida intra-uterina não tem que ser idêntica em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a formação do zigoto ate o nascimento. ( JJ Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3° edição, Coimbra Editora, 1993, p.175.

33 Ob. Cit., p. 160.

34 Apud Jussara Maria Leal de Meirelles, p. 160.

35 Otero, Paulo, Personalidade e identidade pessoal e genética do ser humano: um perfil constitucional da bioética, Almedina, Coimbra, 1999, p. 65.

36 Otero, Paulo, ob. Cit., p. 65/67. No mesmo texto o autor indica diplomas internacionais como a 50ª Assembléia Mundial da Saúde, Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem, Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano quanto às aplicações da Biologia e da Medicina do Conselho da Europa, Resolução de 16 de março de 1989 do Parlamento Europeu, todos eles condenando expressamente a clonagem humana.

37 Otero, Paulo, ob. Cit., p.76.

38 Otero, Paulo, ob. Cit. P. 78.

39 Manoel Duarte..., ob. Cit., p. 11/112.

40 José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,2ª edição, Almedina, 2001, p.116.

41 "(...) conceito normalmente utilizado quando se refere uma posição que tem como objeto imediato um bem especifico da pessoa (vida, honra, liberdade física, integridade, nome, imagem, palavra); ou os direito-liberdades, que designam e definem espaços de decisão e de acção individual livres da interferência estatal.", in José Carlos Vieira..., ob. Cit., p. 117.

42 Sobre o instituto da representação: Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Vol II, Almedina, Lisboa, 2002,p 207.

43 Dizemos poder parental porque é bem provável que haja conflitos de interesses entre os "pais"e o embrião. O Poder parental dá a qualquer parente o poder de defender os interesses do embrião.

44 Alguns magistrados no Brasil têm chamado curador à lide para solução desses tipos de conflitos de interesses. Para nós, trata-se de curador ao ventre, figura já designada, em época Romana, para proteção dos interesses dos nascituros.

45 Carl Wellman, The Concept of Fetal Rights, Law and Philosophy, An International Journal for Jjurisprudence and Legal Philosophy, vol. 21, 2002, p.65.

46 Wellman, Carl, The Concept of Fetal Rights, Law and Philosophy, Volume 21 (2002), p.67

47 Sobre esse tema: Carl Wellman, ob. Cit., p. 68/69

48 Jose Maldonado y Fernandez del Torco, La condicion juridica del nasciturus en el Derecho Español, Madrid, 1946, p.30/33.

49 Jose Maldonado, ob. Cit., p. 33.

50 "No que respeita aos limites imanentes, embora seja de rejeitar um modelo pré-formativo, que sustente a recondução à hipótese normativa constitucional de todas as limitações possíveis, acima referenciadas (nos termos da chamada teoria interna), deve admitir-se uma interpretação das normas constitucionais que permita restringir à partida o âmbito de proteção da norma que prevê o direito fundamental, excluindo os conteúdos que possam considerar-se de plano constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando não estão ressalvados na definição textual do direito. Essa delimitação substancial justifica-se, desde logo, pela vantagem prática de evitar que venha a considerar-se como uma situação de conflito de direitos aquela em que o conflito é apenas aparente: não tem sentido fazer uma ponderação quando estamos perante um comportamento que não pode, em caso algum, considerar-se constitucionalmente protegido, pois que, não existindo à partida um dos direitos, a solução só pode ser a da afirmação total do outro." (Jose Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª edição, Almedina, 2001, p.279)

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Sobre a autora
Maria Claudia Chaves

Advogada, RJ e Mestranda em Ciências Jurídicas na Universidade Clássica de Lisboa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Maria Claudia. Os embriões como destinatários de direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 537, 26 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6098. Acesso em: 28 mar. 2024.

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