Considerações sobre o trabalho no cárcere como instrumento de ressocialização

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Resumo:


  • O sistema prisional brasileiro enfrenta problemas como superlotação, falta de dignidade e cidadania aos detentos.

  • A legislação brasileira prevê o trabalho do presidiário como um direito, com remuneração e possibilidade de remição da pena pelo trabalho.

  • O trabalho do preso deve ser visto como uma oportunidade de ressocialização e redução dos efeitos negativos do cárcere, proporcionando condições mínimas de dignidade e respeito aos direitos do condenado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise crítica do sistema prisional brasileiro e da eficácia do trabalho como forma de ressocialização do preso, suas dificuldades e a necessidade de renovação.

Resumo: Este artigo procurou explicar o trabalho do preso, nas unidades prisionais brasileiras, e questionou a instrumentalização do trabalho como elemento efetivo ressocialização do apenado. O presente estudo, concentrado na área do Direito Penal e do Direito Processual Penal, buscou, ainda, elucidar melhores explicações sobre o sistema carcerário e a remição da pena. Por isso, foram analisadas as normas aplicáveis à Execução Penal e os institutos jurídicos dispostos à análise do tema em comento, que dispõem de inúmeros instrumentos que conferem, ao sentenciado, direitos bem definidos em prol da sua ressocialização.


1. INTRODUÇÃO

Em atenção aos constantes atritos advindos da colocação dos institutos típicos da Execução Penal no imaginário popular, tem-se, nesse trabalho, o enfrentamento da ressocialização do apenado, pessoa condenada em decisão irrecorrível, de modo a permitir o entendimento de que, baseado nas oportunidades descritas no ordenamento jurídico vigente, é possível imprimir nova realidade na vida dos egressos do sistema prisional.

Para entender melhor o instituto da remição da pena pelo trabalho nas unidades prisionais, será identificada, como referência de estudo, a Penitenciaria Regional de Teófilo Otoni, no Estado de Minas Gerais. Para tanto e melhor compreensão do tema, será realizado um levantamento de dados na referida unidade prisional. A importância do tema se justifica pelas grandes dificuldades encontradas pelos órgãos do Estado em manter as prisões aptas ao exercício do trabalho, bem como proporcionar à pessoa condenada outras oportunidades senão aquelas oferecidas pelo poder paralelo criado no sistema prisional.

A metodologia empregada na pesquisa e teórico-dogmática, já que utilizados elementos textuais próprios da dogmática jurídica, como a doutrina e as decisões proferidas pelo Estado-Judiciário, com fundamento na necessidade de perquirição da realidade das unidades prisionais brasileiras.

Tratou-se da evolução das penas, da prisão e, assim, do próprio condenado, que no início dos rumos históricos não era considerado detentor de direitos. Ainda hoje, lidamos com o excessivo número de presos nas unidades prisionais, falta de higiene nos espaços, ambientes inadequados, além da falta de comprometimento do próprio governo em tentar buscar uma solução definitiva para os problemas vivenciados por todos, tanto profissionais, como os apenados e seus familiares.

Por fim, expressou-se a urgente necessidade de renovação do sistema prisional brasileiro, defendida a busca por um trabalho realizado junto à sociedade, Instituições de Ensino e dos órgãos estatais, com o fito de projetar nova metodologia capaz de alterar a atual sistemática praticada nos estabelecimentos prisionais.


2. AS MAZELAS DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Com a evolução do ordenamento jurídico e o desenvolvimento político-cultural da própria sociedade, houve a necessidade da criação de mecanismos condutores de maior segurança aos que coabitavam no mesmo espaço, já que vários conflitos decorriam da vida em coletividade.

Um dos mecanismos mais auxiliadores no aperfeiçoamento da noção de segurança e proteção das pessoas em sociedade fora a criação da noção de sanção, ou seja, a responsabilização, ainda que no sentido de castigo, de determinados indivíduos que praticavam condutas prejudiciais à tranquilidade social e até mesmo contra determinadas pessoas.

É certo que a aplicação de um castigo àquele que transgredia regras sempre esteve aliada ao viver socialmente estabelecido, mas a pena, como conhecemos na visão atual impregnada ao cárcere, surgira na Idade Média, quando os clérigos vinculados aos mosteiros católicos desrespeitavam as normas canônicas (FOUCAULT, 2005, p. 79), criando, a partir daí, a noção de uma sociedade disciplinar.

É importante notar que, ainda nessa assentada, a pena teve de se amoldar ao surgimento de delitos cometidos não mais pelos clérigos, razão pela qual, já no século XVIII, a pena residia não mais no suplício humano diante da imoralidade de seu ato, mas justamente no erro causado ao praticar um delito.

Nesse contexto, Cesare Beccaria bem define as três noções morais que muito conduziam as políticas de repressão aos delitos, quais sejam, a natural, a política e a religiosa, como convenções sociais diante das quais a coletividade, percebendo o transgressor dos seus conteúdos, expressava juízos valorativos (axiológicos) para entender e reprimir o ato praticado (BECCARIA, 2017, p. 9).

A noção de pena, decerto, sofrera constantes provocações ao decorrer do tempo. Surgem, assim, os chamados sistemas penitenciários, criados a partir da demarcada noção social sobre a repressão ao delito cometido e amplamente adotado nas legislações de todo o mundo, a partir do contexto jurídico aos quais estavam inseridos.

O sistema da Pensilvânia ou Filadélfico, também chamado de celular, dada a divisão dos espaços físicos do cárcere, fora adotado nos Estados Unidos e criado no fim do século XVII por William Peen, no Estado da Pensilvânia, ao iniciar série de reformas no sistema punitivo nas colônias às quais estava vinculado. O principal argumento desse sistema, na diretriz básica que justificava o exercício moral nas colônias inglesas, fora a separação total dos presos e o seu conseguinte isolamento pessoal, por todo o tempo do cumprimento da pena (FOUCAULT, 2007, p. 199), com sensível relação com a religiosidade e a purgação do mal cometido.

Outro importante sistema, em análise histórica, fora o sistema auburniano, pensado após evidentes necessidades estruturais na New York do século XIX e a falência do sistema celular, que objetivou a possibilidade do trabalho comum entre os presos, como instrumento de redenção, durante o dia, mas, por outro lado, um sistema baseado no silêncio absoluto entre os apenados, sendo possível dialogar somente com os guardas, após concessão prévia, e em voz baixa (BITENCOURT, 2008, p. 128).

Para além das suas multiplicidades, os sistemas auburniano e celular, por certo, apresentaram suas conseguintes fragilidades. Por meio do entendimento acima transcrito, o sistema carcerário, em razão da mudança de pensamento geopolítico da sociedade e a criação de novas regras, direitos e deveres, também sofre as suas transformações, proporcionando assim considerável mudança no aspecto da pena e do seu cumprimento.

Assim, surge o sistema progressivo, no século XIX, para além de suas composições, para oportunizar ao apenado “distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador” (BITENCOURT, 2008, p. 130).

Dessa forma, há a nítida identificação dos chamados regimes de cumprimento de pena, fixados pelo juízo que proferida a decisão, na fase de conhecimento, quais sejam, fechado, semiaberto e aberto, de modo a proporcionar, a partir do cumprimento temporal de parcelas da pena e do comportamento satisfatório no ambiente prisional, a progressão dos regimes e a reaproximação do convívio em sociedade.

Mesmo com a punição do fato, não mais do indivíduo em sua imoralidade, o arranjo jurídico-governamental não fora competente para reestruturar o sistema prisional, até então vinculado aos sistemas seletivos de segregação no cárcere, como aqueles criados na Idade Média.

Por dentro da repressão popular, o sistema prisional tem se desenvolvido desde a sua criação, marcado também pela falta de planejamento do Estado quanto às políticas de sua promoção. Isso nos faz ler alguns dos transtornos causados pela falta de atenção ao sistema e consequente desrespeito às diretrizes normativas aplicáveis aos institutos próprios da Execução Penal.

2.1 A SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL

Um dos principais problemas e mais denunciados pela mídia, bem como pelos grupos de proteção aos direitos humanos, é a superlotação das unidades prisionais em nosso país. A análise sociológica da prisão, decerto, ainda é ponto fulcral para entendermos a dura realidade da criminalidade em nosso país, como bem descreve Salo de Carvalho (2015, p. 628), pois desde sua concepção mais profunda, o cárcere serve para a criminalização da miséria e o populismo punitivo, sobretudo na América Latina.

Pelos dados mais atualizados sobre o sistema prisional, divulgados pelo Ministério da Justiça em abril de 2016, com números de 2014, a população carcerária brasileira passa da marca dos 622mil encarcerados e encarceradas, com maioria jovem (55,07% com até 29 anos de idade), composta por farta parcela de negros e pardos (61,67% do número geral de presos), dentre os quais apena 9,5% concluíram o Ensino Médio (9,5% do número geral de presos).3

Aliás, há multiplicação de números e inconsistências na divulgação, por exemplo, do número de presos e o tempo da prisão do apenado, conforme divulgado pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, em documento técnico datado do início de 2016.4

Se a superlotação é decorrente de uma política jurídica pouco aprofundada na criação de diretrizes públicas para a proteção dos sujeitos de apenados, já que, no Estado Democrático de Direito, “a política criminal deve preservar as garantias individuais, com destaque ao princípio da legalidade dos delitos e das penas, bem como estimular a visão pluralista da sociedade” (ROCHA, 2000, p. 145), a fim de permitir intervenção estatal sempre justificada.

Ora, se vislumbrarmos a questão jurídica da superlotação do sistema prisional, com déficit de mais de 200mil vagas, o Estado brasileiro, diante de sua inércia e provimento irregular da gestão político-criminal, pode ser responsabilizado diante da sua omissão, como recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 580252, interpostos pela Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul em favor de preso submetido aos mais degradantes tratamentos no cárcere.

2.3 FALTA DE DIGNIDADE E DE CIDADANIA AOS DETENTOS

O que ainda ocorre, na grande maioria das vezes, é a total falta de observância do reconhecimento dos direitos da população carcerária, pelo poder público, razão pela qual os homens e mulheres encarcerados nem sempre possuem condições mínimas de sobrevivência nos espaços destinados ao cumprimento da execução penal.5

Isso apenas demonstra que o ser humano, em pleno século XXI, com toda a evolução dos seus direitos fundamentais, ainda é tratado como um simples objeto, sem qualquer perspectiva pragmática de sua execução, ou mesmo a mínima garantia de respeito ao mínimo de sua individualidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, cuja base sistemática projetara a construção constante do Estado Democrático de Direito, assegura como um dos fundamentos da República a dignidade humana, logo no seu artigo 1º, inciso III, conforme se lê:

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Nos últimos anos, cresceram assustadoramente as péssimas condições nas unidades prisionais do país, com as mais variadas demandas e situações, desde a falta de espaços físicos adequados, arejados e com colchões suficientes para o repouso noturno, como a utilização, por mulheres, de pães cortados ao meio ou moldados na forma de absorvente interno para controlar o fluxo menstrual – isso porque os presídios, em sua maioria, não fornecem os insumos materiais mais básicos, e as mulheres, esquecidas no cárcere, não recebem tais instrumentos de higiene pessoal da família.6

Como novos exemplos dessas situações degradantes, podemos citar a recentíssima denúncia do acometimento de um surto de sarna, em presídios no Estado do Piauí,7 bem como a novíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n.º 1.537.530, interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sob relatoria do Ministro Herman Benjamin, no sentido de obrigar o Governo do Estado de São Paulo ao fornecimento de banhos quentes em todas as unidades prisionais do Estado.

Merece destaque, nesse sentido, o trabalho realizado pela Pastoral Carcerária da Igreja Católica, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no sentido de promover o acompanhamento dos presos em suas necessidades físicas e psicológicas, bem como de seus familiares, a fim de encaminhar as mais variadas denúncias e promover as mais variadas atividades na defesa de melhores condições àqueles que estão aprisionados (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2001, p. 35).

Além da Pastoral Carcerária, várias instituições de promoção dos direitos dos presos denunciam os mais variados abusos e humilhantes situações presenciadas no paralelismo praticado nos estabelecimentos prisionais, como as Defensorias Públicas de todo o país.

Ora, o que se discute, diante dessas informações, não é a criação de uma sistemática de benesses aos presos em detrimento aos demais cidadãos, como muitos proferem, mas justamente manter o mínimo de condições ao cumprimento da pena, já que o Estado, enquanto detentor do jus puniendi, é constituído de responsabilidade na manutenção dos espaços prisionais.


3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL NO CONTEXTO DA POLÍTICA CRIMNAL BRASILEIRA E SUA PERMISSÃO AO TRABALHO

Em suas diretrizes descritas na Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal, em simples qualificação, tem como principal fundamento permitir o cumprimento da sentença condenatória transitada em julgado, seja aquela em que são fixadas as penas cominadas na norma penal ou as medidas de segurança, a partir da criação de garantias e deveres indicadas às pessoas condenadas, com o fito de proporcionar sua conseguinte ressocialização.

A execução da pena, decerto, sempre terá como limite os termos da sentença, inclusive para determinar o quantum da pena e o regime inicial para o cumprimento da pena, cabendo, ao juízo da execução, aplicar os institutos então definidos e decidir as questões incidentais argumentadas durante essa fase.

Assumida em sua profundidade, a Lei de Execução Penal pode ser entendida como atenta política público-criminal no sentido de promover o cumprimento da pena, que, decerto, permite a responsabilização jurídico-penal do condenado e, ao mesmo tempo, o compromisso estatal com a defesa dos direitos fundamentais dos apenados.

É importante notar que, para além das questões práticas, a Lei de Execução Penal define sistemática para a individualização da pena segundo a personalidade do agente, a fim de esmerar a classificação dos apenados para a melhor distribuição nos espaços prisionais.8

Em seu art. 11, a Lei de Execução Penal prevê importante ponto na definição de políticas públicas ao tratamento do preso, pois concede, ao Estado, o dever de prestar assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa e de saúde aos condenados localizados nos estabelecimentos prisionais.

Esse dever, decerto, pode se firmar em conjunto com a própria sociedade, como nas atividades de extensão das instituições de Ensino Superior, sempre subsidiárias ao dever precípuo estatal, mas em consonância com as múltiplas competências socialmente estabelecidas.

Nos mais variados artigos, a Lei de Execução Penal traz, em seu bojo pragmático, diversos direitos aos presos, como o acesso às bibliotecas, atividades de especialização, a promoção de políticas assistenciais e de saúde. Ressalta-se que, decerto, o único direito realmente mitigado do preso é o direito à liberdade, mas preserva suas relações para com as demais prerrogativas, como o direito à educação, saúde, desenvolvimento intelectual e, por óbvio, ao trabalho, que inclusive tem nuances específicas em relação ao cumprimento da pena.

É certo, como bem definido anteriormente, há enorme dificuldade, por parte do Estado, em aplicar os institutos básicos descritos na Lei de Execução Penal, tendo em vista falta de planejamento básico nesse sentido, sem contar o entendimento de que o preso, jogado ao cárcere, deve se sujeitar às mazelas do sistema.

3.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO TRABALHO DO PRESIDIÁRIO

Dada a evidente frustração da aplicação da pena nos presídios brasileiros e a consequente dificuldade de acompanhamento das normas para a execução penal, com base na exposição das funções da pena, cabe ao Estado-Judiciário o constante acompanhamento dos atos executórios da pretensão punitiva estatal.

Com esses argumentos é fácil concluir que a pena, não apenas tem uma função punitiva ao indivíduo, mas acima de tudo, busca de forma ampla assegurar a sua principal atividade, qual seja, educadora, que é criar formas de ressocialização da pessoa.

Para vencer tais óbices, uma das formas encontradas para vencer as mazelas do cárcere, já no art. 28 da Lei de Execução Penal, fora o direito do preso ao trabalho, conforme preceitua:

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.

§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Há, decerto, a claríssima limitação de aplicação das normas típicas da relação de trabalho ao exercício laboral prestado pela pessoa condenada, pois, como decidido reiteradamente pelos Tribunais do Trabalho, o trabalho do preso é relação inerente ao seu enquadramento como tal, regido pela Lei de Execução Penal, motivo pelo qual faltaria, às partes, manifestação de vontade no sentido de se portar diante do serviço prestado.

Nesse sentido, vale trazer decisão do Tribunal do Trabalho da 3ª Região – Minas Gerais:

Não há nenhum dispositivo na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT que regule o trabalho do presidiário, pois como reza o art. 28, § 2º, da LEP: "O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho”, sendo assim de vínculo administrativo. Tal dispositivo afasta o reconhecimento do vínculo empregatício mesmo se presentes os elementos do contrato de trabalho como pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade, não tendo direito a férias, 13º salário e outros benefícios concedidos ao trabalhador livre. No trabalho interno não há como ter vínculo empregatício, pois o trabalho nesse caso é um dever, não havendo autonomia de vontade, impedindo a formação do contrato de trabalho

(Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário n.º 0010246-98.2016.5.03.0062. Disponibilização: 14/12/2016, Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Convocado Carlos Roberto Barbosa).

Por óbvio, aqui não estamos discutindo a relação de trabalho desempenhada no estabelecimento do empregador, com vínculo constituído, com nos casos de presos fixados no regime semiaberto e aberto, cujo trabalho externo e os vínculos empregatícios são permitidos.

O preso, ainda que sem vínculo, recebe remuneração pelo trabalho prestado, com exceção aos que prestam serviço à comunidade, dada o caráter voluntário da atividade. Para além da falsa ilusão de que não há, em nosso ordenamento, possibilidade de reparação ao dano causado pela prática delituosa, o art. 29 prevê o trabalho sempre remunerado, ainda que não exista o vínculo, e essa remuneração deverá atender, por exemplo, a indenização em relação ao resultado do crime:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios.

Logo nos artigos 31 e 32 da Lei de Execução Penal, existe a previsão de trabalho para o condenado em caráter obrigatório, na medida de sua aptidão pessoal e laboral, pelo que se lê:

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

Portanto, a ideia central de oferecer o trabalho ao condenado é propiciar meios de oportunizar condições de gradualmente o apenado ter o conhecimento de que pode deixar de praticar condutas contrárias, sendo que isso, apenas busca oferecer formas de melhor interação entre a pessoa do condenado e a vida em sociedade.

Na prática, o trabalho não se constituiria benefício ao preso, mas seu direito enquanto ser humano, com base nas condições mínimas de higiene e de respeito às limitações do condenado. Nesse sentido, ganha destaque as consequentes decisões judiciais no sentido de reconhecer, com base nos direitos do condenado, a obrigação de remuneração daquele que presta seus serviços ao Estado, conforme se discutiu na decisão abaixo:

“O fato de o autor ter laborado voluntariamente com fins de reduzir sua pena em nada altera a obrigação do Estado de remunerá-lo adequadamente, sob pena de configurar locupletamento ilícito por parte do ente público”.

(Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.º 1.0024.12.079816-0/001, sob relatoria da Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade, da 1ª Câmara Cível, julgado em 13 de maio de 2014 e publicado em 21 de maio de 2014).

Assim, é fato que o apenado tem direito ao trabalho, pois, é uma forma de projetá-lo em sua dignidade e, ainda, oportunizar meios para que a pessoa possa, ao final da execução da pena, ter melhores condições inclusive de portar-se em sociedade, minimizando os tristes efeitos do cárcere.

Por óbvio, o trabalho prestado nos estabelecimentos prisionais (ou mesmo fora deles), dada a sua obrigatoriedade legalmente estabelecida, não se confunde com o trabalho forçado vedado na norma constitucional,9 mas forma de controle da atividade realizada pelo detento, pois os trabalhos forçados são justamente a instrumentalização da penúria em detrimento da dignidade do preso, razão pela qual o caráter obrigatório do trabalho “não deve se confundir com os antigos métodos de trabalhos forçados, o sentido dessa obrigatoriedade deve-se alinhar ao preceito constitucional bem como os dispositivos do processo penal e a concepção de reintegração social” (CRISTO, 2017, p. 90).

3.3 A REMIÇÃO PELO TRABALHO

Conforme analisa Fernando Galvão, a remição é “instituto que produz abatimento no tempo de execução da pena” (GALVÃO, 2007, p. 500), e aduz justamente o desconto, no quantum de tempo para o cumprimento da pena, determinada parcela por algum exercício deliberado por parte do apenado.

O instituto da remição está previsto no art. 126 da Lei de Execução Penal, seja pelo trabalho e também pelo estudo, do qual se lê:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. .

Assim, deve existir a contagem de tempo para fins de remição da seguinte maneira, conforme o art. 126, inciso II, da Lei de Execução Penal: para cada três dias de trabalho, será feita a remição de um dia de pena do preso, sendo importante ressaltar que será somente computado o dia efetivamente trabalhado, conforme descrito acima.

Nesse ponto, a sociedade não pode se fechar à realidade do trabalho coo instrumentalização de uma prática pública que minimize, como já apresentado, os efeitos negativos do cárcere.

O que é necessário é a conscientização da população para que compreenda a necessidade de responsabilização do indivíduo e o consequente cumprimento da sanção imposto pelo juízo competente, após o devido processo, mas isso somente é possível se projetarmos base pragmática de proteção aos direitos do condenado.

Outra importante consideração e pensar o trabalho do preso sempre como um direito, cuja obrigatoriedade não pode ser lida como trabalho forçado em sua roupagem agressiva, mas justamente o esforço contínuo do Estado em oferecê-lo ao condenado, como oportunidade de minimização dos desastrosos efeitos de um sistema prisional falido.

É importante, aqui, trazer a experiência do Município de Teófilo Otoni, no Estado das Minas Gerais, ao proporcionar o trabalho aos condenados do regime semiaberto vinculados à Penitenciária local, por meio de parceria entre a Prefeitura Municipal, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ministério Público e Defensoria Pública de Minas Gerais.10

Nesse trabalho, os dezesseis condenados atualmente compõem importante atividade laboral em duplo sentido: no primeiro, há a oportunidade, ao preso, de reintegrar-se à sociedade, ainda que múltiplos os problemas que os envolvam, bem como alcançar a devida remição da pena, e, por outro lado, a Administração Pública persegue sua eficiência na prestação dos serviços público, como os de manutenção de limpeza.

É claro, como apresentado nas linhas cima, o trabalho sempre levará em consideração as aptidões pessoais do condenado, bem como sua livre vontade em perseguir determinada função. Somente dessa forma, considerando o trabalho enquanto direito e pessoal manifestação do apenado, é que a ressocialização pode ter respaldo na noção que permeia as relações no Estado Democrático de Direito.

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Sobre os autores
Sidney Oliveira dos Santos

Especialista em Direitos Humanos pela Universidade Cândido Mendes. Bacharel em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Rede de Ensino Doctum. Agente de Segurança Prisional do Estado de Minas Gerais, vinculado à Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS/MG).

Igor Alves Noberto Soares

Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PPGD/PUC Minas). Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Coordenador do Curso de Direito das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Rede de Ensino Doctum. Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP), da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (CDH/OABMG) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP). Professor Universitário, escritor e advogado militante. E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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