Devolução da criança em processo de adoção durante o estágio de convivência

POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À CRIANÇA OU ADOLESCENTE

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO DA CRIANÇA DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA

A responsabilidade civil decorre da obrigação que alguém tem de assumir as consequências jurídicas dos atos que praticar e é necessária a configuração e presença de quatro pressupostos: conduta, dano, culpa e nexo causal.

Sabe-se que a possibilidade de responsabilização civil pode encontrar-se em qualquer violação de fato jurídico onde há presença dos pressupostos.

O presente tópico busca discorrer acerca da possibilidade ou não de reparação civil no caso específico de devolução da criança ou adolescente que se encontra em processo de adoção, mais precisamente, em fase de estágio de convivência com os adotantes.       

3.1 ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA

Previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, o Estágio de Convivência é de extrema importância para a adoção. O art. 46 do ECA estabelece que “a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”.

É durante o prazo do estágio de convivência que haverá a adaptação entre o adotando, o adotante e o novo lar.

De acordo com Cunha (2011) “o estágio de convivência faz-se necessário vez que propicia uma situação de conhecimento recíproco entre adotante e adotado, possibilitando, dessa maneira, o estabelecimento de vínculos entre os mesmos.”

Além disso, Bordallo (2010, p. 242) explica que:

Esta aferição se faz extremamente necessária, pois não basta que o adotante se mostre uma pessoa equilibrada e que nutre grande amor pelo próximo, uma vez que breve e superficial contato nas dependências do Juízo não garante aquilatarem-se as condições necessárias de um bom pai ou boa mãe. Indispensável a realização de acompanhamento do dia-a-dia da nova família, a fim de ser verificado o comportamento de seus membros e como enfrentam os problemas diários surgidos pela convivência.

É imprescindível o acompanhamento da equipe interprofissional do Juízo, já que não é incomum ver casos onde a família que, em primeiro momento mostrou-se perfeita para o adotando, acabe por tornar-se um problema e mostrem-se inadequados para receber uma criança ou adolescente em seu lar.

Nesses casos, o melhor para a criança é que o pedido de adoção seja julgado improcedente. A própria jurisprudência traz casos onde a adoção foi indeferida após o estágio de convivência, como é o caso da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO. AÇÃO DE ADOÇÃO. ADOTANTES INAPTOS PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARENTAL. Demonstrado pelas avaliações sociais que o casal adotante não tem condições psicológicas de exercer a função parental, ocorrendo até mesmo episódios de agressão a um dos irmãos, descabe a adoção pretendida. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70061985164, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 29/10/2014).

(TJ-RS   , Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 29/10/2014, Sétima Câmara Cível)           

Vale lembrar, como ensina Bordallo (2010, p.243), que a adaptação do adotando a essa nova família não é automática e deve-se manter em mente que muitos dos hábitos de quem está sendo incluído no novo seio familiar diferem dos da pessoa que está adotando. É por referido motivo que o Estágio de Convivência mostra-se imprescindível no Processo de Adoção.

3.1.1 Prazo do Estágio

Levando em conta as peculiaridades de cada adoção, a lei autoriza que o juiz fixe ao seu entendimento o prazo durante o qual acontecerá o estágio de convivência entre o adotando e os adotantes.

Como preceituam Farias e Rosenvald (2015, p. 915) “[...] o prazo do estágio de convivência deve ser fixado pelo prudente arbítrio do juiz, apoiado nos laudos da equipe interdisciplinar, não havendo especificação legislativa.”

Isso significa que o período de Estágio de Convivência pode durar todo o tempo que o juiz julgar necessário, tomando por base os laudos da equipe técnica do juízo e o que julgar o correto para o caso concreto que estiver sentenciando.

A única peculiaridade legislativa referente a prazos encontra-se no §3º do art. 46 e está relacionada a adoções por pessoas residentes fora do Brasil. É exigido que seja cumprido, em território nacional, no mínimo 30 dias o estágio de convivência.

3.1.2 Dispositivos Legais Acerca do Tema – Análise do art. 46 da Lei 8.069/1990 (ECA)

Como já abordado anteriormente, a Lei 12.010/09 – Lei da Adoção, trouxe inúmeras mudanças no texto legal do Estatuto da Criança e do Adolescente. Algo que deve ser analisado com atenção são as inclusões trazidas no art. 46 da norma estatutária, que trata especificadamente sobre o Estágio de Convivência.

Um ponto importante é o previsto no §1º do art. 46, que trata sobre a possibilidade de dispensa da realização do mesmo. Traz o texto legal a prerrogativa de que “o estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.”

Ou seja, o Estágio de Convivência pode ser dispensado quando o decurso do tempo em que o adotando ficou sob a guarda legal ou tutela do adotante for julgado pelo juiz do processo como suficiente para que os vínculos familiares tenham sido estabelecidos.

Outra inclusão feita pela Lei da Adoção foi o parágrafo §2º do referido artigo, abordando que “a simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.” Dessa forma, tem-se a necessidade de que essa guarda seja legal e que existam efetivos vínculos entre a criança ou adolescente e a pessoa que exerce o poder familiar.

É de suma importância lembrar que todo o artigo deve ser interpretado visando o Princípio do Melhor Interesse e pesando sempre o melhor para o adotando.

A prerrogativa da adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do Brasil está descrita no §3º do art. 46, que estabelece ainda o prazo, já tratado anteriormente, de duração do Estágio de Convivência obrigatório dos pretendentes a adoção com o adotando.

Por fim, como última inclusão trazida pela Lei da Adoção ao art. 46 da norma estatutária, tem-se a previsão de que o Estágio de Convivência será sempre acompanhado por equipe interprofissional que esteja a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, visando com que o processo de adoção traga efetivamente benefícios reais para a criança ou adolescente em estágio de ser inserido em novo núcleo familiar.          

3.1.3 Acompanhamento por Equipe Interprofissional

Numa inclusão trazida pela lei 12.010/09, prevê o §4º do art. 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente que:

O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.

A equipe interprofissional é composta por Assistente Social e Psicóloga forense, que trabalham lado a lado com o Juiz para garantir um melhor futuro para as crianças e adolescentes em processo de adoção.

É tomando por base os laudos e relatórios emitidos por esses profissionais que o Juiz terá a possibilidade de verificar se o princípio primazia do Melhor Interesse da Criança está sendo observado e seguido.

3.2 A DEVOLUÇÃO IMOTIVADA DO ADOTADO

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 35, dispõe que a guarda concedida para fins de Estágio de Convivência no processo de adoção pode ser revogada por ato judicial fundamentado a qualquer momento. São finalizações completamente motivadas pelos juízes responsáveis pelo processo, que buscam seguir o estabelecido pelo Princípio do Melhor Interesse da Criança.

Entretanto, há inúmeros e frequentes casos onde há devolução da criança pelos pais adotantes sem qualquer motivo plausível para tal ato, como se essas crianças fossem um simples objeto comprado em uma loja qualquer que apresentou defeito.

É o que chamamos de devolução imotivada. Para Queiroz (2014) “a rigor a justiça não reconhece o conceito de devolução, a adoção é uma medida irrevogável, o que enfatiza o caráter legítimo da filiação.” Mesmo assim, as devoluções acontecem com frequência na adoção Brasileira.

Como preceitua Cruz (2014):

Ao longo dos anos, tem-se verificado que muitas pessoas buscam nas crianças abrigadas a figura ideal construída ao longo de toda uma vida, o rosto que se encaixa de modo pleno naquele que teria o filho biológico que, por diversas razões, nunca foi concebido. Na maioria das vezes essa procura não é prejudicial e a adoção cumpre seu papel fundamental na realização pessoal de muitos pais e de muitos filhos, que deixam para trás a marca da frustração e do abandono e passam a substitui-la pela marca do amor. [...] Contudo, nenhuma norma é capaz de prever aquilo que o íntimo do ser humano reserva, como exemplo disso, temos o longo processo de avaliação social e psicológica, que pretende determinar a capacidade do adotante de acolher no seio de sua família uma criança ou um adolescente. Tal processo, na maioria das vezes, é eficaz e consegue filtrar os chamados perfis incompatíveis com a adoção, pessoas que acreditam ter as condições necessárias a suportar o ônus decorrente do poder familiar, mas que só se concentraram no lado positivo de se ter um filho.

Mas como todo processo, a adoção também é suscetível de sofrer falhas. Há crescente problemática quando a imagem idealizada dos pais de como seria o filho se choca com o que realmente encontram – uma criança que com traumas de um abandono dos genitores biológicos, muitas vezes com problemas que os adotantes não estão psicologicamente preparados para lidar.

Novamente explica Cruz (2014):

Os danos psíquicos a criança e ao adolescente que derivam do reabandono são, ainda mais, catastróficos que aqueles originados pelo abandono dos pais biológicos, uma vez que sedimentam uma imagem já construída de rejeição, inadequação e de infelicidade e não podem passar desapercebidos pelo Poder Judiciário, que vem solidificando entendimento no sentido de não haver responsabilidade civil do adotante pela devolução do adotando durante o estágio de convivência.

Sabe-se que a criança, parte frágil no processo, já foi anteriormente vítima do abandono afetivo por parte dos genitores biológicos e um novo abandono poderá ocasionar danos ainda mais profundos que os já existentes, uma vez que, esse reabandono os fará reviver duplamente a mesma sensação que os acompanhou até ali.

3.3 O DANO MORAL

Um dos tipos mais comuns na esfera da responsabilidade civil, o dano moral é, de acordo com o que ensina Gonçalves (2013, p. 384), aquele que “atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio.” Ou seja, todo tipo de dano que ofender a figura da pessoa e não seu patrimônio poderá se configurar como dano moral.

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Dentro da classificação dos danos temos o dano moral como um dano extrapatrimonial.

Assim ensina Cahali (2011, p. 20):

Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.

É essa amplitude de possibilidades que confere ao instituto uma interpretação tão ampla e diferente frente a cada juízo.

3.2.1 Dano Moral Direto ou Indireto

A doutrina classifica o dano moral na forma direta ou indireta, levando em consideração o nexo de causalidade entre o dano e o fato. Quando há lesão a um direito imaterial, temos configurado o dano moral direto.

Ensina Diniz (2008, p. 93):

O dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou o gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III). 

Dessa forma, quando um direito da personalidade for violado ou quando houver alguma lesão a um atributo da pessoa, há configuração de dano moral direto.

Já o dano moral indireto é, segundo o que ensinam Gagliano e Pampolha Filho (2004, p. 87), aquele que ocorre quando há alguma lesão a qualquer bem ou interesse que tiver origem patrimonial, mas que produz, de forma reflexa, um dano na esfera extrapatrimonial do agente.

Por sua vez, Cahali (2011, p. 53) assim preceitua:

Em determinadas situações especiais, o direito reconhece que terceiros – geralmente parentes, mas não necessariamente parentes – venham a ser afetados moralmente, de maneira indireta pelo dano moral inflingido à vítima do ato ilícito; ainda que se trate de uma responsabilidade que se vincula à mesma causa geradora da obrigação, esse direito preserva certa autonomia quanto à sua titularidade e respectivo exercício, a latere da indenização o dano sofrido pelo ofendido diretamente.

É o que se pode observar quando um familiar é acometido de alguma lesão grave que o incapacite ou deforme, causando dor e sofrimento a seus genitores ou filhos.

Essa é a natureza reflexa ou ricochete do dano moral – um dano que reflete não só no acometido pelo ato, como também em seu patrimônio e em seus familiares.

3.2.2 Dano Moral no Direito Brasileiro

Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi introduzido na realidade jurídica brasileira a esfera dos danos extrapatrimoniais, ou seja, foi constitucionalizada a existência dos danos morais no ordenamento jurídico.

Segundo Reis (2010, p. 117):

A importância do dispositivo pode ser aferida a partir da consagração do instituto, quando se iniciaram as indenizações por danos morais nos tribunais brasileiros. O dano moral, prescrito no dispositivo constitucional, ampliou a tutela dos direitos fundamentais da pessoa.

A Constituição pátria finalmente garantia mais uma forma de tutelar os direitos fundamentais que surgiram com a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948.

Ainda de acordo com Reis (2010, p. 118) o legislador da Constituição consignou no art. 5º os direitos e garantias fundamentais da pessoa, dando foco especial a dignidade da pessoa humana, ou seja, justificou tudo desde que haja uma tributação especial ao respeito do ser humano. É nesse mesmo artigo que está ilustrada a entrada da esfera dos danos morais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; 

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

É impossível tratar sobre o dano moral sem citar sua inclusão tão importante na Carta Magna do ordenamento Brasileiro.

Outra importante ferramenta legislativa brasileira, o Código Civil de 2002, também traz menções ao dano moral. Primeiramente em seu art. 186, que prescreve na parte final a possibilidade de indenização ainda que o ato ilícito decorrer de dano exclusivamente moral.

Essa prerrogativa encontra força com o art. 927 do Código Civil, quando pontua que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Sendo assim, é perceptível como foi adotado de forma definitiva o instituto da indenização dos danos extrapatrimoniais, que se encaixam no dano moral.

3.2.3 Prejuízo à criança ou adolescente

É inegável o prejuízo que um novo abandono ocasionado pela devolução acarretará na criança. Dentre os mais prejudiciais, pode-se fazer um destaque especial ao abalo psicológico que a devolução causa no menor em processo de adoção.

De acordo com Souza (2012, p. 11) “uma criança devolvida tem a tripla perda: da esperança, da família e pelo fato de ficar estigmatizada, uma vez que a devolução constará no seu histórico e poderá prejudicar uma próxima adoção.”

Dessa forma, além de ter de lidar com as consequências emocionais do novo abandono, essa criança terá de lidar com uma possível e provável estigmatização, que poderá prejudicar chances futuras de vir a ser adotada por uma família realmente preparada para receber uma nova pessoa em sua família e lhe fornecer todo o amor e cuidado que precisa.

3.2.4 Prova do prejuízo

A prova da existência efetiva de um prejuízo causado pelo ato ilícito é uma das barreiras enfrentadas na configuração no dano moral. Há certa controvérsia na jurisprudência e doutrina quanto ao tema, uma vez que não há simetria de opinião entre a necessidade ou não de que haja provado o efetivo dano.

Entretanto, grande parte dos tribunais está posicionando-se em relação a desnecessidade da prova:

INDENIZAÇÃO DANO MORAL PROVA VALOR. 1. Uma vez comprovado o evento danoso e o nexo de causalidade entre ele e a conduta do agente, está caracterizado o dano moral, independentemente de prova do prejuízo em concreto. 2. A indenização por dano moral não objetiva enriquecer a vítima, mas conceder-lhe um lenitivo e reprovar a conduta do agente, devendo ser fixada em patamar condizente com os danos causados. Ação julgada parcialmente procedente. Recurso do autor não provido, provido em parte o do réu.

(TJ-SP - APL: 9252664902008826 SP 9252664-90.2008.8.26.0000, Relator: Paulo Pastore Filho, Data de Julgamento: 13/06/2012, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/06/2012)

Para Rui Stocco (2007, p. 1714) o dano moral independe de prova, ou seja, verificando-se a ofensa moral nasce o direito a indenização.

Sobre a desnecessidade de prova do dano moral ensina Euripedes Brito (2012):

Ora, o dano moral representa um sofrimento íntimo, uma dor interior, dor na alma, e esta dor não se prova, o sofrimento anímico não se pode provar, é de todo impossível, nossa alma não pode revelada nem para os mais íntimos, mesmo que assim desejemos, a dor não se transfere, pode ocorrer até que venha a se refletir no semblante, no olhar, mas nada de pode provar a respeito.

É a opinião acompanhada por doutrinadores como Sérgio Cavalieri (2009, p. 86), afirmando que “por se tratar de algo imaterial, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para comprovar os danos materiais.”

Entretanto, há julgados onde o entendimento difere:

APELAÇÃO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – AUSÊNCIA DE PROVAS. O ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito (CPC 333 I). Não tendo a autora provado suas alegações, e nem mesmo requerido a produção de provas, não é possível condenar o réu a pagar indenização por danos morais. Negou-se provimento ao apelo da autora.

(TJ-DF - APC: 20140110910905  , Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 01/07/2015, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 27/07/2015 . Pág.: 271)

Levando em conta as diferentes vertentes da aplicação ou não da reparação do dano moral, nasce uma certa insegurança jurídica quanto ao tema e o melhor a se fazer é um estudo completo do caso concreto, para que não haja injustiças na aplicação da lei.

3.2.5 A Quantificação do Dano Moral

A quantificação do dano moral é uma problemática que, segundo ensinamentos de Gonçalves (2013, p. 404) “tem preocupado o mundo jurídico, em virtude da proliferação de demandas, sem que existam parâmetros seguros para a sua estimação.”

Dessa forma é necessária a quantificação do dano, para garantir uma reparação adequada ao caso prático.

3.2.5.1 Arbitramento do dano moral e critérios para sua fixação

Segundo o que preceitua Gonçalves (2013, p. 404) no Brasil não há aplicação do critério de tarifação, onde o quantum da indenização é prefixado, uma vez que, conhecendo de forma antecipada o valor a ser pago, os agentes podem fazer uma pré-avaliação das vantagens que conseguirão quando houver a prática de um ilícito.

Gonçalves (2013, p. 404) continua, explicitando que o critério predominante no Brasil é o do arbitramento feito pelo juiz, utilizando-se do que a lei determinar como perdas e danos.

Inicialmente, por falta de uma regulamentação específica sobre dano moral, os Tribunais Brasileiros utilizaram para fixar o quantum de indenização os critérios que eram estabelecidos pelo Código Brasileiro de Telecomunicações.

Entretanto, muitos dispositivos foram revogados pela Lei de Imprensa, que segundo Gonçalves (2010, p. 405) “elevou o teto da indenização para duzentos salários mínimos.” Completa (2010, p. 405) explicando que “durante muito tempo esse critério serviu de norte para o arbitramento das indenizações em geral.”

Ademais, tal critério não permanece no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Constituição de 1988, que não prevê forma alguma de tabelamento ou tarifação que deva ser seguida pelo juiz.

Termina Gonçalves (2010, p. 412) explicando que, não existe um critério objetivo e uniforme para a fixação e arbitramento do dano moral no ordenamento brasileiro e cabe ao juiz, adequando-se ao caso concreto, agir com bom senso e justa medida, fixando assim um valor razoável e justo a indenização.

3.3 A (IM)POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO PELA DEVOLUÇÃO IMOTIVADA DA CRIANÇA EM PROCESSO DE ADOÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê a irrevogabilidade da adoção em seu art. 46. Falamos aqui na adoção cujo processo já foi concluído e a guarda da criança transferida definitivamente para os adotantes – a efetiva nova família.

Infelizmente, a legislação pátria permitiu uma lacuna no que se refere as devoluções das crianças ainda durante o estágio de convivência no processo de adoção. É sabido que, durante esse período, as chamadas ‘devoluções’ acontecem e são amparadas pelo ordenamento, uma vez que o estágio de convivência nada mais é do que um período de adaptação da criança com a nova família e dessa família com a criança.

De acordo com Martins (2008, p. 40):

Essas devoluções acontecem com requerentes que estão em estágio de convivência com crianças maiores, com idades geralmente a partir dos 04 anos, fase em que a criança já possui uma “história de vida”, como educação, personalidade formada, vontades, gostos etc. As devoluções envolvem diferentes situações, sejam elas de dificuldades de relacionamento, criação, educação, estabelecimento de regras, entre outras. Situações provocadas pela criança, pelo adulto, pelo meio social ou familiar. Estas levam os requerentes a buscarem ajuda institucional para solucionar os problemas, ou até mesmo desistirem da adoção.

Ou seja, as devoluções são mais comuns com crianças em certa idade, que já possuem um histórico e cujo manuseio é questionável e dificultoso de acordo com os adotantes. São casos em que as crianças já têm certo grau de desenvolvimento psicológico e social, o que na visão dos pretendentes a adoção é um obstáculo ao que pretendiam com o processo.

Deve-se notar que, em muitos casos de devolução durante o estágio de convivência, o problema vem com os adotantes, que não estão realmente preparados para receber um novo membro na família ou acabaram por idealizar uma criança que passa a não ser a que está em estágio em sua companhia.

Explica Martins (2008, p. 42):

A devolução é motivada, em grande parte, pelas expectativas fantasiosas dos pais adotivos que, nem sempre, tem com o filho adotivo a mesma complacência que teriam com um filho natural, não por que não queiram, mas por que estão moldados por uma cultura impregnada de mitos e construções históricas, que os leva a crer que não podem lidar com a situação, já que o filho adotivo carrega consigo uma bagagem da vida anterior a adoção que os leva a pensar que não são capazes de viver e trabalhar os conflitos.

Tal expectativa acaba por trazer consequências talvez irreparáveis para a criança que vier a sofrer um novo abandono. Fala-se de transtornos psicológicos e emocionais que, em decorrência da profundidade, podem nunca ser corrigidos e a criança acabara por ter de conviver com os traumas pelo resto da vida.

Entende-se como possibilidade da reparação civil o previsto no art. 186 do Código Civil: a existência do dano, da culpa e do nexo causal. A presença dos pressupostos está clara quando analisada a conduta de devolverem a criança e o dano que esse novo abandono causa ao adotando, que se vê novamente privado da convivência familiar que almeja.

Os tribunais estão entendendo a situação de forma divergente. Há aqueles que punem a conduta dos adotantes frente aos danos que a devolução traz ao desenvolvimento da criança e há aqueles que julgam a possibilidade de devolução como algo crível e possível.

 Assim decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL E MORAL - ADOÇÃO - DESISTÊNCIA PELOS PAIS ADOTIVOS - PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR - INEXISTÊNCIA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - RECURSO NÃO PROVIDO. - Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança. - O ato de adoção somente se realiza e produz efeitos a partir da sentença judicial, conforme previsão dos arts. 47 e 199-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes da sentença, não há lei que imponha obrigação alimentar aos apelados, que não concluíram o processo de adoção da criança. - A própria lei prevê a possibilidade de desistência, no decorrer do processo de adoção, ao criar a figura do estágio de convivência. - Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar, indefere-se o pedido de indenização por danos morais. V.V.P. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL E MORAL - ADOÇÃO - DESISTÊNCIA DE FORMA IMPRUDENTE PELOS PAIS ADOTIVOS - PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DEFERIDA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - A adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se dispõe a tal ato, devendo estas ter consciência e atitude de verdadeiros "pais", que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma incondicional como filho, a fim de seja construído e fortalecido o vínculo filial. - Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança. Contudo, cada caso deverá ser analisado com as suas particularidades, com vistas a não se promover a "coisificação" do processo de guarda. - O ato ilícito, que gera o direito a reparação, decorre do fato de que os re queridos buscaram voluntariamente o processo de adoção do menor, deixando expressamente a vontade de adotá-lo, obtendo sua guarda durante um lapso de tempo razoável, e, simplesmente, resolveram devolver imotivadamente a criança, de forma imprudente, rompendo de forma brusca o vínculo familiar que expuseram o menor, o que implica no abandono de um ser humano. Assim, considerando o dano decorrente da assistência material ceifada do menor, defere-se o pedido de condenação dos requeridos ao pagamento de obrigação alimentar ao menor, enquanto viver, em razão da doença irreversível que o acomete. - Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar, por não ter o menor capacidade cognitiva neurológica de perceber a situação na qual se encontra, indefere-se o pedido de indenização por danos morais.(Desª Hilda Teixeira da Costa) Ação civil pública - Ministério Público - Legitimidade ativa - Processo de adoção - Desistência - Devolução da criança após significativo lapso temporal - Indenização por dano moral - Ato ilícito configurado - Cabimento - Obrigação alimentar - Indeferimento - Nova guarda provisória - Recurso ao qual se dá parcial provimento. (Des. MR)

(TJ-MG - AC: 10481120002896002 MG , Relator: Hilda Teixeira da Costa, Data de Julgamento: 12/08/2014, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/08/2014)

Observa-se que houve parcial dever de reparação do dano causado a criança por parte dos adotantes. Entretanto, houve indeferimento do pedido elaborado pleiteando danos morais em decorrência do abalo psicológico que a devolução causou.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul decidiu de forma adversa um Agravo de Instrumento, onde os adotantes pretendiam mudar a decisão de 1º Grau que os condenou ao pagamento de tratamento psicológico a criança que estava em processo de adoção:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇAO CIVIL PÚBLICA - TUTELA ANTECIPADA - DETERMINAÇAO PARA PROMOÇAO DE TRATAMENTO PSICOLÓGICO AO MENOR SUBMETIDO A SUCESSIVAS TENTATIVAS DE ADOÇAO PELO MESMO CASAL, COM POSTERIOR DESISTÊNCIA - PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A ANTECIPAÇAO DA TUTELA - RECURSO IMPROVIDO.

(TJ-MS   , Relator: Des. Ruy Celso Barbosa Florence, Data de Julgamento: 06/03/2012, 4ª Câmara Cível)

Entendeu-se no caso que, as sucessivas desistências e devoluções que o casal acometeu a criança resultaram em um dano irreparável a sua vida.

Outra decisão seguiu o mesmo preceito da estabelecida em Mato Grosso do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA PARA ADOÇÃO TARDIA ESTABELECIDO. CRIANÇA DEVOLVIDA. DANOS PSICOLÓGICOS IRREFUTÁVEIS. PENSÃO MENSAL CAUTELARMENTE FIXADA. NECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS PSÍQUICOS. O estágio de convivência que precede adoção tardia se revela à adaptação da criança à nova família e, não ao contrário, pois as circunstâncias que permeiam a situação fática fazem presumir que os pais adotivos estão cientes dos percalços que estarão submetidos. A devolução injustificada de criança com 9 anos de idade durante a vigência do estágio de convivência acarreta danos psíquicos que merecem ser reparados as custas do causados, por meio da fixação de pensão mensal.

(Agravo de Instrumento nº 2010.067127-1, de Concórdia, Câmara Especial Regional de Chapecó, Relator: Guilherme Nunes Born. Data de Julgamento: 25.11.2011)

O caso em questão ocorreu na cidade de Concórdia/SC e demostrou o novo olhar que vem se dando as devoluções de crianças durante o Estágio de Convivência, frente aos danos que tais condutas acarretam em longo e curto prazo.

Dessa forma, percebe-se que o entendimento que alguns tribunais estão dando a essas imotivadas devoluções, utilizando-se da prerrogativa que autoriza-as por se tratar de Estágio de Convivência, vem mudando e caminhando para atar-se a um olhar mais atento as crianças grandes vítimas da situação.

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Sobre as autoras
Fernanda Trentin

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora no Curso de Direito na UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste.

louise Caroline Kummer Mallmann

Formada em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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