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Inconstitucionalidade e ilegalidade das rinhas de galo

27/12/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Sumário: 1. Introdução. 2. Ilegalidade das brigas de galo. 3. Pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. 4. Pronunciamento dos Tribunais de Justiça dos estados. 5. Galistas tentam alterar a Lei de Crimes Ambientais para legalizar as brigas de galo. 5. Conclusão.


Resumo: A ilegalidade das brigas de galo com a edição da chama Lei Juarez Távora. Pareceres, doutrina e jurisprudência. A inconstitucionalidade das brigas de galo a partir da Constituição Federal de 1988. Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal se manifesta sobre as rinhas. Projetos de lei para legalizar as rinhas. Conclusão.


1. Introdução:

Desde que o publicitário Duda Mendonça, conhecido por ter trabalhado na campanha de Lula à Presidência da República, foi preso participando de um campeonato de brigas de galos no Rio de Janeiro a legalidade das rinhas vem sendo suscitada.


2. Ilegalidade das brigas de galo

:

No Brasil, as brigas de galo estão proibidas desde 1934, com a edição do Decreto Federal 24.645 que proíbe "realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar privado."

Nesta ocasião a doutrina se manifestou amplamente sobre o tema.

Em 26 de outubro de 1970 o advogado Sérgio Nogueira Ribeiro [1], a pedido da saudosa Lya Cavalcati, presidente da Associação Protetora dos Animais- RJ, dirigiu-se ao Instituto dos Advogados do Brasil - RJ relatando que em 28/2/70 a polícia interditara a sede do Centro Esportivo Carioca, situado na rua Chantecler 76, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, após prender e autuar em flagrante pessoas que naquele local promoviam brigas de galos e realizavam apostas em dinheiro. Entretanto, ao encaminhar o processo à justiça, que recebeu o n. 51.402, e correu pela 17ª Vara Criminal, o Juiz, em sentença prolatada em 29/8/70, julgou improcedente a acusação e absolveu os réus por entender que as brigas de galos não constituem crueldade contra os animais. E solicitou um parecer daquele Instituto. [2]

As rinhas estão, ainda, implicitamente proibidas pela Constituição Federal e pela Lei de Crimes Ambientais, art. 32.


3. Pronunciamento do Supremo Tribunal Federal:

A inconstitucionalidade de leis que autorizam brigas de galo já foi declaradada pelo Supremo Tribunal Federal, quando se manifestou sobre a constitucionalidade da Lei 2.895, de 20.03.1998, que autorizava rinhas de galo no Estado do Rio de Janeiro. O pedido foi encaminhado à Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro, por representação da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal e a Associação Fala Bicho- RJ.

Inconstitucionalidade da referida lei. O ADIn resultou na seguinte ementa que põe fim a qualquer polêmica jurídica sobre a legalidade das rinhas. Diz a ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MEIO-AMBIENTE. ANIMAIS: PROTEÇÃO: CRUELDADE. "BRIGA DE GALOS". I. - A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre "galos combatentes", autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: C.F., art. 225, § 1º, VII. II. - Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro.

Vitória semelhante teve a Ação de Inconstitucionalidade movida contra a Lei Estadual de Santa Catarina, Lei Estadual 11.366, de abril de 2000, a pedido do Procurador da República do município de Joinville, Cláudio Valentim Cristiani.

O Procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra uma lei catarinense que permitia a criação, exposição e competições entre aves da espécie Galus-Galus. A Adin 2514 foi impetradado no Supremo Tribunal Federal, em 3 de setembro de 2000.

Na ação, argumentou-se que a lei estadual afrontava o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, que determina o dever jurídico de o poder público e a coletividade defender e preservar o meio ambiente das práticas que submetem os animais a crueldades.( Revista Consultor Jurídico, 03 de setembro de 2001. www.conjur.uol.com.br, acessado em 31/10/2004)


4. Pronunciamentos dos Tribunais de Justiça dos estados

:

Em 1990 foi aprovada por decurso de prazo no município de Salvador a Lei municipal 4.149/90, que permitia a realização de brigas de galo naquele município.

Tal lei feria frontalmente o art. 214, inciso VII, da Constituição Estadual da Bahia, assim redigido:

"O Estado (da Bahia) e municípios obrigam-se, através de seus órgãos da Administração direta e indireta a:

VII — proteger a fauna e a flora, em especial as espécies ameaçadas de extinção, fiscalizando a extração, captura, produção, transporte, comercialização e consumo

Com esses argumentos a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal dirigiu representação à Procuradoria de Justiça daquele Estado, e o então Procurador-Geral de Justiça, Dr. Carlos Alberto Dutra Cintra impetrou um ADIn junto ao Tribunal de Justiça daquele Estado, em 30/1/91, para a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal de Salvador 4.149/90.

O ADIn foi julgado procedente em Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça da Bahia, tendo como relator o Des. Jatahy Fonseca, e a seguinte ementa:

"Ação direta de inconstitucionalidade. brigas de galos. Procedência.

É inconstitucional a lei municipal que disciplina a briga de galos porque submete os animais a crueldade (art. 214, VII, da Constituição Estadual e art. 225, § 1º, item VII, da Constituição Federal)". (3) Salvador, 12 de junho de 1992.

No Rio Grande do Sul o desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, suspendeu a vigência da Lei nº 1.416/95, do município de Quaraí, que institui o "cambate galístico como atividade de preservação das raças e aprimoramento zootécnico das aves usadas nesse esporte".

A lei, entre outras disposições, assegurava a todas as entidades, desde que legalmente constituídas, amplo apoio e desembaraço imediato na expedição de quaisquer documentos para funcionamento.

Também afirmava que "seria permitido aos criadores, possuidores, aficionados do esporte galístico, amplo apoio no sentido de realizarem apresentações públicas dos seus melhores atletas, desde que, sejam realizadas apresentações em instituições ou instalações adequadas para esse fim".

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) foi proposta à Justiça pelo Procurador- geral, Roberto Bandeira Pereira. O procurador alegou que "sob qualquer ângulo que se enfoque o tema, não poderia o legislador municipal pretender ‘legalizar’ pratica vedada reitederadamente, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal", segundo dados do TJ gaúcho.

Processo nº 70009169624

(Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2004, www. conjur.uol.com.br, acessado em 31.10.2000).


5. Galistas tentam alterar a lei de crimes ambientais para legalizar as rinhas de galo:

Não obstante farta jurisprudência o Deputado baiano Fernando de Fabinho entrou com o projeto de lei 4.340, de 2004 para alterar a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, Lei de Crimes Ambientais, pretendendo descriminalizar expressamente "a realização de competições entre animais".

Ora, a tentativa de alterar a lei para descriminalizar as brigas de galo já ocorreu em 1998, por iniciativa do então Deputado Antônio Ebling, com o projeto de lei 4.790, que foi considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, que acompanhou o voto do relator, Deputado Rosinha. Na mesma ocasião projeto de lei do Deputado José Thomaz Nono pretendia alterar o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais para legalizar os rodeios. Aos inúmeros e mails enviados ao Deputado Rosinha, este deu a seguinte resposta também por e mail:

"A fim de podermos estabelecer um diálogo em bases reais e, sobretudo para desfazer alguns equívocos, esclareço que não sou o autor do Projeto de Lei n.º 4.548, de 1998, cuja autoria é do Deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL). Sou o relator do PL na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ).

O PL n.º 4.548/98, que dá nova redação ao caput do artigo 32 da Lei n.º 9.605, de 1998 e que "dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências", é justificado com o argumento de que a Lei, com a atual redação, pode restringir a prática de certos esportes e manifestações culturais que envolvam a utilização de animais domésticos ou domesticados. No mesmo rumo seguem os Projetos de Lei n.º 4.790/98 e n.º 1.901/99, a ele apensados. O PL n.º 4.548/98 e seus apensados já foram rejeitados na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias em sessão realizada no dia 15 de setembro de 1999.

Ocorre que o artigo 32 da Lei n.º 9.605/98 não considera crime utilizar animais em práticas esportivas ou manifestações culturais, mas sim "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". Ou seja, a lei protege os animais de possíveis abusos e maus-tratos na prática de atividades culturais, esportivas e folclóricas.

A bancada do Partido dos Trabalhadores é favorável à preservação e, até mesmo, ao estímulo às nossas tradições e manifestações culturais, tão ricas e variadas. Entretanto não podemos permitir que excessos sejam cometidos contra os animais, sejam silvestres ou domésticos. Vale lembrar que a coação à crueldade contra os animais também está contemplada na Constituição que, em seu inciso VII do § 1º do art. 225 determina claramente que incumbe ao poder público: "proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade".

Ademais, conforme a legislação penal anterior à Lei 9.605/98, considerava-se contravenção penal "tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo" (Decreto Lei 3.688/41 ou Lei das Contravenções Penais, art. 64). Portanto, o art. 32 da Lei 9.605/98 apenas transformou uma conduta que era contravenção penal em crime, revogando, tacitamente, o art. 64 do Decreto Lei citado.

O meu parecer na CCJ será contra o PL n.º 4.548, mantendo a atual Lei, sem alteração.

Espero ter esclarecido alguns equívocos que envolvem o assunto. Agradeço o interesse de todos e até mesmo as manifestações apaixonadas. O exercício da cidadania percorre obrigatoriamente o debate e as diferenças. Coloco-me à disposição. Um abraço,

Deputado DR. ROSINHA"


Conclusão:

As brigas de galo são cruéis. Uma conceituação genérica e abrangente de crueldade e maus tratos nos ensina Dra. Helita Barreira Custódio em seu parecer de 07 /02/97, elaborado para servir de subsídio à redação do Novo Código Penal Brasileiro. Diz ela : " crueldade contra os animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa ( ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas ( didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas ( econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao vôo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra do boi ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus-tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal."

As brigas de galo são ilegais e inconstitucionais e merecem o repúdio de todos. Alterar a Lei de crimes ambientais seria um retrocesso na história do direito ambiental

A inconstitucionalidade do projeto de lei do Deputado Fernando de Fabinho é clara e manifesta, ao se confrontar os conceitos de meio ambiente e fauna à luz da Constituição Federal. A lei de Política Ambiental, Lei 6.938/81 define, em seu art. 3º, o meio ambiente como " o conjunto de condições, leis, influências e interações da ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas. Inclui entre seus recursos ambientais a fauna e a flora.

A Constituição Federal dedica um capítulo inteiro ao meio ambiente, consagrando e consolidando o amplo conceito legal do meio ambiente, com todos os seus recursos naturais, e impôs ao Poder Público e todas as pessoas o dever de protegê-los e preservá-los.

Além disso dedicou o inciso VII, § 1º, do art. 225 à proteção específica e expressa da fauna, sem fazer distinção entre fauna silvestre, exótica ou doméstica, animais domésticos ou domesticados.

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Assim que, a alteração proposta é de manifesta inconstitucionalidade ao pretender afastar da proteção da Lei 9.605/98 as inenarráveis crueldades e atrocidades cometidas contra animais domésticos e domesticados.

A jurisprudência já está firmada no sentido da inconstitucionalidade das brigas de galo, o que encerra qualquer tentativa de debate sobre o tema.


Bibliografia:

Dias, Edna Cardozo. Tutela Jurídica dos Animais. Mandamentos 2000.

Site da revista Consultoria Jurídica. www.conjur.uol.com.br


Notas

1 RIBEIRO, Sérgio Nogueira. Crimes passionais e outros temas. Rio de Janeiro: Itambé,1975, p. 83-88.

2 Honrado com a indicação do Dr. Otto Vizzeu Gil, que presidiu a sessão desta Veneranda Casa do dia 15 do corrente, passo a relatar a indicação apresentada pelo advogado Sérgio Nogueira Ribeiro, datada de 1º de agosto do corrente e subscrita pelos nosso colega Laércio Pellegrino e Othon Sidou.

Afirma o proponente que de 7 a 9 de julho deste ano, na rinha do Centro Esportivo de Alcântara, município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, teve lugar — não obstante os protestos de associações de proteção aos animais, junto ao Governador do Estado, Raymundo Padilha — um torneiro nacional de briga de galos que teria contado com a participação de cerca de dois mil concorrentes.

Desenvolvendo com erudição e longamente os fundamentos da sua proposta, aos fundamentos da sua proposta, o Dr. Sérgio Nogueira Ribeiro escudou-se em precedentes ético, doutrinários, jurisprudenciais e legislativos de alta valia para concluir que a chamada briga de galos é ilegal no Brasil e, por isso, pede que o Instituto dos Advogados Brasileiros encaminhe ao Senhor Ministro da Justiça ofício solicitando que Sua Excelência recomende a todos os governadores ‘o imediato e definitivo fechamento das rinhas de galos, em respeito à lei e ao sentimento de piedade que deve caracterizar todo ser humano.’

Em face dos debates que a proposta suscitou quando aprovada por maioria em sessão do dia 15 corrente e embora essa aprovação já evidencie ser ela estatutária, ainda assim entendo que me cumpre como Relator esclarecer, PRELIMINARMENTE, que logo no item 2º do § 1º do art. 1º, inclui-se dentre os fins do Instituto, o da ‘colaboração, com os poderes públicos, no aperfeiçoamento da ordem jurídica, por meio de representações, indicações, requerimentos, sugestões’, etc.

Ressalta da mera leitura desse dispositivo que a proposta ora em causa está prevista nos Estatutos desta Casa.

Isso posto, passemos ao

MÉRITO da proposta:

Não é primeira vez que vem à baila neste Instituto matéria calcada na Lei Juarez Távora, assim chamada porque foi ao tempo em que era Ministro da Agricultura e por inspiração desse ilustre brasileiro, que o Presidente Getúlio Vargas, então chefe do Governo Provisório, promulgou o Decreto 24.645, de 10 de julho de 1934, estabelecendo medidas de proteção aos animais.

Realmente o precedente ocorreu quando o signatário pediu e conseguiu o amparo desta Casa contra pretendida tentativa de revogação parcial daquela lei, para que fossem legalizadas as touradas. Era então nosso presidente o saudoso colega Justo Mendes de Moraes, sendo Prefeito da cidade do Rio de Janeiro (então Distrito Federal), o primo dele, ou seja o General Ângelo Mendes de Moraes, empenhadíssimo em realizar aqui as chamadas "corridas de Touros." Afigurava-se-lhe que isso daria maior brilho às comemorações do IV Centenário desta Cidade.

O projeto derrogatório de parte da lei citada já fora aprovado pela Câmara dos Deputados (tinha o n.º 763, de 1950) e foi graças ao apoio maciço desta Casa que em ofício enviado ao Senador Melo Viana, então na Presidência do Senado, que veio a ser reconsiderada a matéria, obstando-se o Senado da República a aceitar o ponto de vista da Câmara dos Deputados, em memorável sessão que ocorreu a 27 de julho de 1950.

Brilhantemente relatado pelo Senador Luiz Tinoco e com apoio dos demais membros da Comissão, ou sejam, os Senadores Waldemar Pedrosa, Augusto Meira, Atílio Vivacqua, Joaquim Pires, Aluísio de Carvalho e Ferreira de Souza, este último eminente Professor de Direito e membro desta Casa, foi o projeto rechaçado na base daquela nossa proposta, assim mencionada na exposição do Senador Relator, na seguinte passagem:

‘Releva atentar, ainda, na importante deliberação tomada pelo Instituto dos Advogados do Brasil que, na sua qualidade de colaborador do Legislativo, resolveu encaminhar ao Senado sua contribuição a respeito do assunto.

O plenário daquele respeitável Sodalício aprovou, por expressiva maioria, o parecer de sua Comissão Permanente de Direito Penal, contrário à realização de touradas no Brasil.

Qualquer regra que imponha punição ou penalidade há de denominar-se juridicamente penal! Ora, a indicação sobre as touradas foi encaminhada pelo Instituto dos Advogados à sua Comissão de Direito Penal, consoante a boa doutrina. Eis que este organismo especializado e técnico oferece ao plenário o seu parecer contrário àqueles jogos, opinião reforçada pelos componentes do organismo máximo dos advogados brasileiros.’

Continuou o Senador Relator:

‘Temos recebido apelos de todos os recantos do País para conhecer a proposição. Se não bastasse a convicção jurídica e de humanitarismo, a sinceridade dessas exortações teria de ser forçosamente levada em conta. São as associações de proteção aos animais; são outras entidades; são patrícios anônimos e desconhecidos que apelam para nossa compreensão e equilíbrio.

A nós repugna conceber a simples hipótese de que o homem possa servir, ele próprio, de objeto ao despertar de instintos inferiores, adormecidos pela civilização e sofreados pela cultura.’

Para terminar, a Comissão decidiu:

‘A marcha ascensional da cultura e do progresso do Brasil não pode ser obstada por iniciativas de tal jaez, que constituem a malversação dos princípios de generosidade e nobreza inerentes ao nosso povo. E como representante desse povo, de quem recebemos o mandato legislativo, preferimos ficar ao lado dos seus anseios. Atendemos, assim aos apelos que nos foram e ainda são dirigidos, através de considerável número de mensagens.

De acordo com o exposto, tendo em vista razões de ordem jurídica e moral, oferecemos parecer contrário ao Projeto.

Pela rejeição.

Sala Ruy Barbosa, em 27 de julho de 1950.’

Anexo, como parte integrante deste relatório, a p. 6.071 do Diário do Congresso Nacional de 2 de agosto de 1950, contendo o parecer, da Comissão do Senado, acima transcrito.

A matéria foi então, também, largamente divulgada pela imprensa, como, se vê da 2ª p. Do Diário de Notícias de 22 de julho de 1950, sob o título: Manifesta-se contra as touradas o Instituto dos Advogados do Brasil, onde vem transcrita a proposta do signatário, fortalecida com o apoio que então recebeu dos nossos saudosos colegas Baltazar da Silveira, Pena e Costa, Letacio Jansen e outros, e que recebeu ainda o parecer favorável da Comissão de Direito Penal, então composta dos advogados Serrano Neves, Dario Almeida Magalhães e Dyonisio da Silveira, tendo votado vencido o advogado Evandro Lins e Silva, posteriormente Ministro do Supremo Tribunal Federal. Anexo também cópia dessa publicação como parte integrante do presente.

Meus arquivos guardam dezenas de publicações, dentre as quais nem faltou uma deliciosa charge de Péricles (O Amigo da Onça), na revista O Cruzeiro, de 5 de agosto de 1950 (anexo n. 3).

Cartas e manifestações de apoio de associações de proteção aos bichos e de pessoas de todas as camadas sociais, revoltadas com a possibilidade da implantação das touradas no Brasil, me foram enviadas às dezenas.

Evidentemente, embora haja analogia entre esse velho caso das touradas com o das rinhas de galos, ora suscitadas, há diferenças que devem ser salientadas. No caso das touradas, temos um homem (ou um grupo de homens) que lutam contra um animal com todas as vantagens que lhes dá a racionalidade e com todos os requintes de maldade que lhe dão as chamadas armas brancas para sangrar e acicatar o pobre animal encurralado, levado a uma desesperada atitude de agressividade, numa inútil luta pela sobrevivência, pois sua morte é certa.

No caso dos galos temos duas aves da mesma espécie que lutam por instinto, estimuladas pela ilusão do prêmio que não se lhes dá, ou seja, a posse da fêmea ideal, como aliás ocorre na maioria de toda a escala zoológica onde o macho luta pela fêmea. Nada se parece com a tourada que é uma luta artificialmente provocada sem a menor recompensa ou ilusão de recompensa sexual para o pobre touro. Além disso devemos considerar também que a tourada era um hábito nitidamente anti-brasileiro. Contrariava as nossa tradições e tentava-se infiltrá-lo nos hábitos esportivos do Brasil, com todos os requintes de sua típica perversão e sadismo. A briga de galos, embora também eticamente reprovável, não atinge, a meu ver, o requinte de crueldade que a música e a encenação da tourada não bastam para dissipar. A briga de galo, porém, está fartamente implantada como vício e como hábito de nosso povo — sobretudo do homem rural com menor escolha de divertimentos que o homem urbano — e tal ponto que o Presidente Jânio Quadros, que num mínimo de tempo conseguiu atingir um máximo de ridículo, foi chistosamente criticado por ter, conforme lembram os nossos três colegas que assinam a Proposta relatada, promulgado o Decreto 50.620, de 18 de maio de 1961, vedando, desnecessariamente, o funcionamento das rinhas de galos". Esse decreto foi revogado pelo de n. 1. 233, de 22/6/62, em face da pressão exercida pelos chamados galistas sobre o Governo parlamentar de então. Mas essa revogação em nada alterou o art. 3º do supracitado Decreto 24.645, de 10/7/34, de proteção aos animais, que considera maus-tratos as brigas de galos.

Assim este Instituto, convocado novamente a se manifestar em defesa dos bichos e desta vez provocado pela sensibilidade de uma ilustre, talentosa e digna patrícia, a Senhora Lya Cavalcanti, Presidente da Associação Protetora dos Animais, que — diga-se de passagem e à guisa de tardio agradecimento — tanto já colaborou conosco quando ocorreu o episódio das touradas, não pode, a meu ver, senão chegar às seguintes

CONCLUSÃO:

Achando-se em vigor a chamada lei Juarez Távora, o já citado Decreto n. 24.645, de 10 de julho de 1934, que coloca todos os animais existentes no País sob a tutela do Estado (art. 1º), e, consequentemente, dando-lhes assistência em Juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras dos animais (§ 3º do art. 2º); definindo a lei como maus-tratos (art. 3.º), uma série de atos, como, por exemplo:

‘I, praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;

:.................................................................................................................................................................

IV, golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interesse da ciência;

..................................................................................................................................................................

VI, não dar morte rápida, livre de sofrimento prolongado, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não;

..................................................................................................................................................................

XXIX, realizar ou promover lutas entre animais das mesmas espécies ou de espécies diferentes, touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar privado;

..................................................................................................................................................................

XXX, arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculos e exibi-los para tirar sorte ou realizar acrobacias.’

Estabelecendo também a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941):

‘Art. 64 — Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena — Prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa de dez a cinqüenta centavos.

.................................................................................................................................................................:

§ 2º — Aplica-se a pena com aumento de metade se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.’

Tudo isso demonstra à sobeja, que a briga de galos é ilegal e evidentemente também anticaridosa.

Por conseqüência, parece-me procedente e, assim, dou todo meu apoio pessoal à proposta dos três colegas já referidos, aceitando como boa, válida e oportuna a sugestão final da indicação em que solicitam à Casa o encaminhamento de ofício ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça rogando-lhe, com apoio nos textos legais citados, uma recomendação a todos os Governadores dos Estados (e acrescentaria eu: à Sua Excelência o Senhor Governador do Estado do Rio de Janeiro, em particular, por ter ali se realizado o "Torneio Nacional de Briga de Galos"), o imediato e definitivo fechamento das rinhas de galos em todo Território Nacional, em obediência à lei e em respeito ao sentimento de piedade, sem o qual o homo sapiens, além de perder sua sapiência, deixa de ser humano e transforma — nessa modalidade de culto e apreço à volúpia da violência e da maldade — no ser mais perigoso e vil da escala zoológica.

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1973. Thomas Leonardos — Relator."

3 Tribunal de Justiça Bahia

Tribunal Pleno.

Ação Direta de Inconstitucionalidade 880-8 (Salvador)

Requerente — Ministério Público

Requerida — Câmara Municipal de Salvador

Relator — Des. Jatahy Fonseca

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Briga de Galos. Procedência.

É inconstitucional a lei municipal que disciplina a briga de galos porque submete os animais a crueldade (art. 214, VII, da Constituição Estadual e art. 225, § 1º, item VII, da Constituição Federal).

ACÓRDÃO

Vistos, examinamos, relatados e discutidos os presente autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 880-8 (Salvador), sendo requerente o Ministério Público e requerida a Câmara Municipal de Salvador,

ACORDAM os Desembargadores componentes do egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em Sessão Plenária, por unanimidade, em declarar inconstitucional a Lei Municipal n. 4.149/90.

O Ministério Público do Estado da Bahia, no uso de sua atribuição legal, por seu Procurador-Geral de Justiça, requereu perante o egrégio Tribunal de Justiça a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.149/90 que ‘permite a realização de brigas de galos e determina outras providências’.

Tal lei foi aprovada pela Câmara Municipal de Salvador, passando pela sanção do Executivo Municipal por decurso de prazo.

Afirmou o requerente que a Lei Municipal referida feriu frontalmente o art. 214, item VII, da Constituição Estadual e art. 255, § 1º, item VII da Constituição Federal.

Argumentou o requerente que, por tais dispositivos constitucionais, é obrigação do Estado e do Município atuar na proteção dos animais, a fim de que não sejam eles submetidos a crueldade, portanto, vedado se lhe torna editar leis que estimulem justamente o contrário, ou seja, a crueldade contra os animais.

Acrescentou, ainda, que a citada Lei Municipal fere também o art. 64 da Lei de Contravenções Penais e o art. 3º, XXIX, do Decreto Federal n. 24.645/34.

Concluindo, o requerente disse que a prática da briga de galos é ilegal e inconstitucional, merecendo o repúdio de todos, porque outra coisa não é que o estímulo à crueldade e aos ganhos fáceis.

Acompanhando a inicial, veio o processo administrativo n. 380/91 — PGJ, onde constam vários documentos de Sociedades Protetoras de Animais encaminhados à Procuradoria-Geral da República, denunciando a prática contravencional da Sociedade Galista, amparada pela Lei dita como inconstitucional e solicitando providências cabíveis.

Concedeu-se liminar para suspensão da citada Lei.

A Câmara Municipal de Salvador prestou as informações solicitadas (fls. 18/35 v.).

A Prefeitura Municipal não prestou as informações solicitadas.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pela procedência da presente ação (fls. 37/38).

Examinados, os autos foram incluídos em pauta para julgamento.

É o relatório.

Como visto, a Procuradoria da Justiça opinou pela procedência da ação (vide fls. 37/38).

O Procurador-Geral de Justiça do Estado da Bahia propôs a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 4.149/90, aprovada pela Câmara Municipal de Salvador.

Afirmou o requerente que tal lei fere frontalmente dispositivo inserido nas Constituições Estadual (art. 214, item VII) e Federal (art. 225, § 1º, item VII) que obrigam os Estados e Municípios a darem proteção à fauna e à flora, vedando as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem sua extinção e submetam os animais a crueldade.

Tem razão o requerente ao dizer que a prática da briga de galos é ilegal e inconstitucional, merecendo o repúdio de todos, uma vez que é estímulo à crueldade e aos ganhos fáceis.

Ora, estabelece o art. 214, item VII, da Constituição Estadual, em repetição ao já estabelecido no art. 225, § 1º, item VII, da Constituição Federal que:

‘O Estado e Municípios obrigam-se, através de seus órgãos da Administração direta ou indireta, a: VII proteger a fauna e a flora, e espécies ameaçadas de extinção fiscalizando a extração, captura, produção, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e sub-produtos, vedada, na forma da Lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem sua extinção ou submetam os animais à crueldade’.

Em contraposição ao citado preceito constitucional, a Lei Municipal n.º 4.149/90 permite a realização de brigas de galos (art. 10) e, indo mais além, ingenuamente, tenta modificar conceito moral e legal, ao estabelecer em seu art. 2º que ‘não constituem jogo de azar as apostas sobre brigas de galo, nem estas significam tratamento cruel de animais’.

Ora, uma lei que é frontalmente contrária a preceito constitucional não pode subsistir. Do mesmo modo, as normas constitucionais, quando necessárias, serão explicitadas, regulamentadas por lei complementar que nunca pode ser confundida com uma simples Lei Municipal.

Assim, a Constituição veda práticas que submetam os animais a crueldade. Portanto, a Lei Municipal n. 4.149/90 não pode pretender definir que briga de galo não seja tratamento cruel de animais ou que não se constituam jogo de azar as apostas em rinhas.

A inconstitucionalidade desta Lei Municipal é tão flagrante que a própria Câmara Municipal, em suas informações de fls. 18/19, reconhece-a dizendo que se incumbirá de solucionar a inconstitucionalidade arguída pelo Ministério Público.

Por tais razões, dá-se pela procedência da ação para declarar inconstitucional a Lei Municipal n.º 4.149/90.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em Sessão Plenária, aos 12 dias do mês de junho do ano de 1992."

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Sobre a autora
Edna Cardozo Dias

doutora em Direito pela UFMG, professora de Direito Ambiental, presidente da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Edna Cardozo. Inconstitucionalidade e ilegalidade das rinhas de galo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 538, 27 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6103. Acesso em: 29 mar. 2024.

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