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A tributação dos atos nulos, anuláveis, ilícitos, criminosos e imorais

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Conta a História que, na Roma Antiga, tendo o Imperador Vespasiano instituído um tributo sobre os mictórios públicos (cloacas), logo foi sugerida, por seu filho Tito, a extinção da nova exação, em decorrência de sua origem espúria. Convicto, indagou Vespasiano, empunhando uma moeda: Olet? (Tem cheiro?). Ao que lhe respondeu o filho: Non olet! (Não tem cheiro!), ficando assim demonstrado que a receita advinda da tributação não é acompanhada das características do fato tributado.

Da Antiguidade Romana até o presente, muita coisa se passou na seara tributária, contudo o princípio do non olet, em que pese hesitações e negativas diversas, continua válido.

E isso acontece, porque não se pode confundir a concreção da hipótese de incidência tributária, ou seja, a materialização do fato gerador tributário, abstratamente em lei previsto, com a nulidade, anulabilidade, ilicitude, crime ou imoralidade circunstancial, ocorrente no surgimento desse fato gerador concreto.

Nesse sentido, dispondo o art. 43, do Código Tributário Nacional, que o imposto de renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza, para que nasça a obrigação tributária respectiva, basta que se adquira a disponibilidade de uma renda ou de um provento qualquer e nada mais. Pouco importa se essa renda ou se esse provento tem origem na prostituição, no jogo de azar, no tráfico de entorpecentes ou, ao contrário, numa atividade comercial, industrial ou profissional regular, posto que tal circunstância, para esse fim, não é legalmente referida.

Do mesmo modo, nos termos dos arts. 1º e 2º, da Lei Complementar Nacional nº 87/96, é bastante, para o surgimento da obrigação de pagar ICMS, a venda da mercadoria, o transporte da carga ou o uso do serviço de telefonia, por exemplo; nada importando se essa mercadoria foi adquirida por pessoa absolutamente incapaz ou sob coação, se a carga é roubada ou se o telefonema serve a organizações criminosas. O relevante, para efeitos tributários, é que a hipótese de incidência, legalmente preconizada, materializou-se em fato gerador da obrigação de recolher ICMS.

E tanto isso é verdadeiro que, num espectro mais amplo, aplicável a todos os tributos, preceitua o Código Tributário Nacional, em seu art. 118: "A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos."

Comentando esse dispositivo legal, Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., Forense, 2004, pág. 714, averba:

"A validade, invalidade, nulidade, anulabilidade ou mesmo a anulação já decretada do ato jurídico são irrelevantes para o Direito Tributário.

Praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária erigiu em fato gerador, está nascida a obrigação para com o Fisco. E essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato.

Se nulo ou anulável, não desaparece a obrigação fiscal que dele decorre, nem surge para o contribuinte o direito de pedir repetição do tributo acaso pago sob invocação de que o ato era nulo ou foi anulado. O fato gerador ocorreu e não desaparece, do ponto de vista fiscal, pela nulidade ou anulação."

Todavia, não se quer dizer que o tributo deva incidir diretamente sobre atos proibidos ou imorais, como que abrangidos na correspondente hipótese de incidência, mas apenas que a receita eventualmente oriunda desses atos há de ser tributada. Recorde-se, a propósito, que tributo, na escorreita definição do art. 3º, do CTN, configura: "prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada." Assim, não deve o tributo sancionar atividade ilícita, seja no sentido de punir, seja no sentido de legitimar tal atividade. Nessa linha de pensamento, expõe Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 24ª ed., Malheiros, 2004, págs. 129-130:

"Não se pode, entretanto, admitir um tributo em cuja hipótese de incidência se inclua a ilicitude. A compreensão do que se está afirmando é facilitada pela distinção, inegável, entre hipótese de incidência e fato gerador do tributo. Cuida-se, com efeito, de dois momentos. O primeiro é aquele em que o legislador descreve a situação considerada necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária. Nessa descrição a ilicitude não entra. O outro momento é o da concretização daquela situação legalmente descrita. Nessa concretização pode a ilicitude eventualmente fazer-se presente. Aí estará, assim, circunstancialmente. Sua presença não é necessária para a concretização da hipótese de incidência do tributo. Mas não impede tal concretização, até porque, para o surgimento da obrigação tributária, como já visto, a concretização do previsto é bastante. Por isto, a circunstância ilícita, que sobra, que não cabe na hipótese de incidência tributária, é, para fins tributários, inteiramente irrelevante."

Também Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário, 16ª ed., Renovar, 2002, pág. 490, anota:

"Ademais, o fato de o Estado cobrar imposto de renda da pessoa que aufira rendimentos da exploração do jogo do bicho, ou de uma casa de prostituição, não tem o condão de legitimar tais atividades. Isso porque o CTN, em seu art 3º, prescreve que a prestação tributária não constitui sanção (legalização, validação) de ato ilícito."

Por outro lado, sendo o fato gerador da obrigação tributária um fato econômico a que o direito imprime relevo jurídico ou, dito de outra forma, um fato jurídico de apreciável consistência econômica, apto, portanto, a servir de medida de capacidade econômica do contribuinte, não poderia sua ocorrência, ainda que circunstancialmente ilícita, criminosa ou imoral, passar despercebida. É o que ensina Amílcar de Araújo Falcão, na sua clássica monografia Fato Gerador da Obrigação Tributária, citado por Luiz Emygdio Rosa Júnior, Ob. Cit., pág. 203, verbis:

"Não pode ser de outro modo, se se tomar em consideração que a natureza do fato gerador da obrigação tributária, como um fato jurídico de acentuada consistência econômica, ou um fato econômico de relevância jurídica, cuja eleição pelo legislador se destina a servir de índice de capacidade contributiva. A validade da ação, da atividade ou do ato em Direito Privado, a sua juridicidade ou antijuridicidade em Direito Penal, disciplinar ou em geral punitivo, enfim, a sua compatibilidade ou não com os princípios da ética ou com os bons costumes não importam para o problema da incidência tributária, por isso que a ela é indiferente a validade ou nulidade do ato privado através do qual se manifesta o fato gerador: desde que a capacidade econômica legalmente prevista esteja configurada, a incidência há de inevitavelmente ocorrer."

Ademais, considerando que "o tributo é uma entidade amoral", como ensina Zelmo Denari (Curso de Direito Tributário, 6ª ed., Forense, pág. 176), a exoneração tributária das atividades proibidas ou não recomendadas, em contraposição à taxação das atividades lícitas ou socialmente úteis, antes de configurar consectário da moralidade, ensejaria isto sim séria violação ao principio da isonomia, vez que trataria desigualmente fatos de idêntica conotação contributiva, diversos, apenas, em sua emanação originária.

Atento a essa inaceitável possibilidade, objetou, não faz muito tempo, o Excelso Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, à unanimidade, no julgamento do Habeas Corpus nº 77.530-4/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, manifestando-se, peremptoriamente, nos seguintes termos:

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"Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: "non olet". Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética."

Contudo, dada a dialeticidade do Direito, abalizadas opiniões existem em contrário, valendo transcrever a de Misabel Abreu Machado Derzi, que, em nota de atualização à já citada obra de Aliomar Baleeiro, afirma:

"Em verdade, antes e depois da Lei nº 9.613/98, o correto é concluir que, estando comprovado o crime do qual se originaram os recursos ou o acréscimo patrimonial, seguir-se-á a apreensão ou o seqüestro dos bens, fruto da infração. E é absolutamente incabível a exigência de tributos sobre bens, valores ou direitos que se confiscaram, retornando às vítimas ou à administração pública lesada. Pois o tributo, que não é sanção de ato ilícito, repousa exatamente na presunção de riqueza, em fato signo presuntivo de renda, capital ou patrimônio. Coerentemente, a Lei nº 9.613/98, que disciplinou os crimes de "lavagem de dinheiro", por exemplo, renovou, em alguns aspectos, as normas processuais pertinentes e determinou, como efeitos da condenação, a perda dos bens, direitos e valores, objeto do crime, assim como a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza (art. 7º, I e II).

Imposto poderá incidir sobre a ostentação de riqueza ou o crescimento patrimonial incompatíveis com a renda declarada, no pressuposto de ter havido anterior omissão de receita. Receita, em tese, de origem lícita, porém nunca comprovadamente criminosa. Não seria ético, conhecendo o Estado, a origem criminosa dos bens e direitos, que legitimasse a ilicitude, associando-se ao delinqüente e dele cobrando uma quota, a título de tributo. Portanto, põem-se alternativas excludentes, ou a origem dos recursos é lícita, cobrando-se em conseqüência o tributo devido e sonegado, por meio da execução fiscal, ou é ilícita, sendo cabível o perdimento dos bens e recursos, fruto da infração."

Ainda assim, especialmente à luz dos dias que correm, em que a criminalidade, a ilegalidade e a imoralidade assumem proporções cada vez maiores e mais organizadas, a tributabilidade dos atos nulos, anuláveis, ilícitos, criminosos e imorais constitui imperativo da mínima partição dos ônus e encargos públicos sobre todos, de modo a suprir o Estado dos recursos necessários à consecução dos seus fins sociais.

Se efetivada a persecução criminal, e punidos os infratores, plenamente restará assegurada a preservação da ordem jurídica e comunitária. Enquanto isso não acontece, porém, que, pelo menos, a capacidade econômica externada nesses proscritos atos contribua, como qualquer outra, para a manutenção do bem comum. Ou, caso tal contribuição não aconteça, que sinalize essa falta a própria prática do crime, como ocorreu ao Agente Eliot Ness, que somente conseguiu desmontar a máfia de Al Capone, a partir da comprovação da sonegação do imposto de renda.

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Sobre o autor
João Pedro Ayrimoraes Soares Júnior

Procurador do Estado do Piauí e Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES JÚNIOR, João Pedro Ayrimoraes. A tributação dos atos nulos, anuláveis, ilícitos, criminosos e imorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 546, 4 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6105. Acesso em: 5 nov. 2024.

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