Precedentes vinculantes: novo enfoque dado pelo Código de Processo Civil de 2015

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08/10/2017 às 09:12
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4. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E FORMAÇÃO DOS PRECEDENTES

É inegável que o Novo Código de Processo Civil teve como um de seus objetivos a uniformização da jurisprudência nacional, ressalvadas as peculiaridades de cada competência assegurada constitucionalmente.

A exposição de motivos do Novo Código de Processo Civil arremata com precisão a ideia:

Mas talvez as alterações mais expressivas do sistema processual ligadas ao objetivo de harmonizá-lo com o espírito da Constituição Federal, sejam as que dizem respeito a regras que induzem à uniformidade e a estabilidade da jurisprudência.

A adoção, ou a inclinação, da sistemática Common Law no ordenamento brasileiro vem ganhando força, especialmente, com a vigência do Novo Código.

A ideia é manter em consonância as decisões judiciais, de forma a garantir maior segurança jurídica ao jurisdicionado. Conforme apregoa a melhor doutrina, a desestabilização dos entendimentos jurisprudenciais acaba por gerar insegurança e descontrole social, à medida que as lides aumentam vez que cada juiz ou tribunal aplica de forma destoante um entendimento sobre a mesma matéria. 

Assim, a formação de uma padronização em temas já exaustivamente debatido e fixado a melhor tese, é essencial a manutenção da jurisprudência integra e idônea, de modo a contribuir com a celeridade processual, a economia financeira do Estado e a segurança jurídica.

NEVES (p. 1.300) advoga no mesmo sentido:

Se é verdade que o desrespeito pelos juízos inferiores de entendimentos já consolidados pelos tribunais gera a quebra da isonomia e a insegurança jurídica, tornando o processo uma verdadeira loteria jurídica, ainda mais grave é a instabilidade presente nos próprios tribunais quanto ao respeito à sua própria jurisprudência.

Nesse contexto, o Código expressamente estabeleceu norma nesse sentido:

Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Trata-se do dever geral atribuído aos Tribunais nacionais, de maneira que não há espaço para que haja dentro dos órgãos fracionários do Tribunal divergência acerca do mesmo tema já consolidado.

Nesse sentido, é dever do Tribunal ao tomar conhecimento da dissonância interna, conforme determina o artigo 926, do Novo CPC, e, regimento interno, elucidar aquela divergência, adotando a tese que melhor representa o instituto.

Com um entendimento sólido, o juízo de admissibilidade, por exemplo, passa a ser realizado com mais segurança e, consequentemente, possa reduzir consideravelmente a elevada interposição de recursos sem qualquer amparo legal, a não ser protelando o feito.

Demais disso, preceitua o § 2º que, na edição dos enunciados das súmulas dominante daquele tribunal, este deve levar em consideração as circunstancias dos precedentes que a originaram, ou seja, deve o Tribunal trabalhar em cima das peculiaridades que deram vazão àquele entendimento, sob pena de aplicar, ao caso concreto, entendimento fora do contexto para o qual esse fora criado.

Para assegurar essa proposta faz-se necessário dar efetividade a formação dos Precedentes, em especial, aqueles vinculantes dispostos no artigo 927 do Código Novo. Assim, passa-se a analisar os seus dois principais institutos: os incidentes.


5. DOS INCIDENTES

O Código trouxe à baila os já conhecidos incidentes processuais. Trata-se de um mecanismo processual para resolver questões prejudiciais ao desenrolar do processo meritório.

O Legislador evidenciou esses dois incidentes como peças chaves assim como o fez para as Súmulas vinculantes da Suprema Corte Constitucional.

Nessa esteira, os coloca dentre o rol dos chamados precedentes vinculantes ao qual deverão ser necessariamente observados por juízes e Tribunais.

5.1 O Incidente de Assunção de Competência (IAC)

O Código de Processo Civil de 2015 no artigo 947 traz as elementares do incidente de Assunção de Competência, atualizando o instituto da uniformização da jurisprudência prevista no art. 555, § 1º do CPC/73.

Para entender o instituto é necessário ter conhecimento do significado da palavra assunção, que, na melhor tradução é o ato de assumir para si a responsabilidade sobre a confecção de determinada demanda.

No caso, o Órgão Colegiado a que determinar o regimento interno de cada Tribunal julgará o recurso, reexame necessário ou processo de competência originária, assumindo a responsabilidade sobre a tese a ser firmada, desde que estes tenham relevante questão de direito, com grande repercussão social e, ainda, que não sejam processos de demandas repetitivas a luz do que noticia os artigos 976 e seguintes do diploma referido.

O Código considera a matéria de tal relevância que, o relator reconhecendo que determinado recurso preenche os requisitos para levar ao órgão competente, poderá propor o incidente ex-ofício.

A principal novidade do tema e, elogiada pela doutrina, está no fato de que não há mais a obrigatoriedade do recurso passar em dois órgãos diferentes como até então.

Agora o mesmo órgão firmador da tese, reconhecendo o interesse público do incidente, deverá julgar o recurso, em homenagem ao Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo.

Percebe-se, com isso, que será realizado um duplo juízo de admissibilidade, o primeiro pelo relator e outro pelo Órgão colegiado.

O objeto do presente artigo, no entanto, encontra-se seu norte no parágrafo terceiro do art. 947, ao anunciar que, o acórdão do respectivo órgão especial julgador vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, ressalvadas a possibilidade de revisão.

Observa-se, com isso, que mais uma vez o legislador dá concretude a força dos precedentes, de modo que, após esse julgamento, o paradigma servirá de base a todos os juízes vinculados a este Tribunal, evitando, claro, a interposição de recursos sem qualquer respaldo jurídico, apenas pelo inconformismo ou procrastinação.

Registre-se, por oportuno, que apesar dos avanços, o instituto pode ser criticado pela manutenção de palavras que dá margem a discricionariedade do magistrado, tais como: relevante questão de direito, repercussão social e interesse público.

5.2 Do Incidente de Resolução de Remandas Repetitivas (IRDR)

Da leitura do artigo 976 do Código de Processo Civil depreende-se, ab initio que, um dos objetivos que o instituto deve cumprir é assegurar a isonomia e a segurança jurídica.

Amorim, 2016, p. 1399, advoga nesse mesmo sentido:

O tratamento isonômico de diferentes processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, gerando dessa forma segurança jurídica e isonomia, é a justificativa do incidente ora analisado.

Essa não é outra a preocupação do legislador ao dar mais concretude aos Precedentes no Código de 2015.

Fazendo um salto sobre as várias peculiaridades do instituto, posto que não esteja sob objeto de análise, pode-se constatar a grande importância do instituto para o Poder Judiciário brasileiro.

Os Tribunais pátrios estão abarrotados de processos empilhados ou, atualizando os termos, nas famosas “caixas” do Processo Judicial Eletrônico (PJe).

E, a demanda é cada vez mais crescente. Diante dessa lamentável realidade o legislador busca alternativas processuais para tentar desafogar os gabinetes. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) teve sua origem para responder ao jurisdicionado com mais rapidez e segurança jurídica aos chamados processos de massa.

A ideia é fazer com que os Tribunais a partir do julgamento desse incidente possam ao se deparar com uma lide dessa natureza poder resolver de imediato à demanda, garantindo assim o Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo, além de assegurar a isonomia e a segurança jurídica entre os jurisdicionados sob questão idêntica.

Nesse sentido, pode ser observado pelo que noticia o artigo 985 do Código de Processo Civil:

Art. 985.  Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

Nessa toada, observa-se que o legislador visa dar uma resposta mais rápida as demandas de massa, evitando, assim, decisões divergentes sob a mesma matéria.

De acordo com o disposto acima a razão de decidir do incidente será aplicada a todos os processos que tramitam sob a jurisdição do Tribunal que o julgou, abrangendo os Juizados especiais.

Quanto aos Juizados o incidente vem em um momento oportuno, atualmente as conhecidas Turmas Recursais estão abarrotadas de Recursos Inominados sobre idêntica questão de direito, podendo ser resolvidos através desse mecanismo processual.

Registre-se, ainda, o fato de que a tese firmada no julgamento do Incidente de Demandas Repetitivas, conforme art. 985, II, NCPC, não sendo objeto de revisão, deverá ser aplicada nas demandas que ainda poderão vir a ser formadas, desde que sejam idênticas as questões de direito objeto da lide.

Destaca-se, por fim, que nos termos do art. 987, existe a possibilidade de, após o julgamento do incidente, ser interposto Recurso Especial ou Extraordinário aos Tribunais respectivos.

A tese firmada nesses Tribunais terão efeitos vinculantes em todo território nacional e não apenas na jurisdição do Tribunal local ou região em sendo Tribunal da Justiça Federal.

Além desses dois incidentes, pode-se mensurar também como fator de grande destaque no que tange aos Precedentes aqueles formados a partir do julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos, com procedimento estabelecido no artigo 1.036 e seguintes do Código vigente.


6. IMPORTÂNCIA DOS PRECEDENTES PARA A NOVA ORDEM JURÍDICA INTRODUZIDA PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Como visto a adoção do Sistema de Precedentes passa por um processo de aceitabilidade no ordenamento pátrio.

Para NOGUEIRA (2016), com o regime de Precedentes o processo passa por uma valorização como espaço de criação do direito pelo Estado-juiz:

A admissão de um regime de precedentes concretiza uma nova fase do direito processual, onde os resultados obtidos no processo são qualificados por não se esgotarem nos limites da lide. O processo passa a ser valorizado como espaço de criação do direito pelo Estado-juiz, de participação democrática da sociedade e de vivência da norma. 66 É meio de desenvolvimento do direito material, o que é expresso mediante os precedentes oriundos da atividade jurisdicional

A sistemática do modelo Civil Law ainda possui preponderância no país em razão de questões históricas. Não obstante, os precedentes vêm ganhando um espaço de destaque, em especial com a edição do Novo Código de Processo Civil.

A valorização de outras fontes normativas faz com que o magistrado não se vincule à literalidade da Lei. Para tanto, a uniformização, a estabilidade e a coerência da jurisprudência é essencial para assegurar esse propósito.

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Assim, a importância da utilização dos Precedentes está na sua possibilidade de racionalizar o processo, desafogar o Poder Judiciário e dar mais qualidade aos julgados.

Além disso, assegura, ainda, maior segurança jurídica e isonomia aos jurisdicionados, ao passo que, com a obrigatoriedade de uniformização e coerência jurisprudencial, os juízes e Tribunais terão o dever de decidir em consonância com a tese jurídica firmada por uma das fontes dos Precedentes ou, ao menos, fundamentar o porquê da divergência, quando for o caso.


7. CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se inferir que o Novo Código de Processo Civil tem como uma de suas principais premissas a uniformização da jurisprudência e a criação de um sistema de Precedentes a ser hierarquicamente obedecido pelos juízes e Tribunais.

Observa, com isso, que a ideia é assegurar maior Segurança Jurídica e Isonomia aos jurisdicionados, evitando decisões sobre a mesma questão de direito com entendimentos conflitantes.

Assim, o Código trouxe mecanismos processuais capazes de garantir essa vontade legislativa, como por exemplo, os incidentes e a ampliação dos poderes do Relator.

Nesse passo, constata que a vigência do Novo diploma legal veio em um momento em que a sociedade clama por um Judiciário mais célere, efetivando com isso, o Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo e da Inafastabilidade da Jurisdição.

Em última análise, é de fácil compreensão que ao se efetivar o Sistema de Precedentes uma grande quantidade de demandas serão abortadas, seja ab initio conforme artigo 332, seja pelo 932 no que tange à atuação dos relatores em grau recursal, contribuindo significativamente para desafogar o Poder Judiciário, e, o mais importante, garantido um julgamento de qualidade jurídica sob aqueles que efetivamente necessitam do duplo grau de jurisdição.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Estabeleceu o Novo Código de Processo Civil, Brasília, DF, 2015.

BRASIL, Guilherme MungoA concepção do precedente judicial pelo direito brasileiro: aspectos históricos, atuais e prospectivosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4074, 27 ago. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31291>. Acesso em: 7 jul. 2017.

DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandre; BRAGA, Paula Sarno.  Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2015.

DONIZETTI, Elpídio. A Força dos Precedentes no Novo Código de Processo Civil. 2015. Disponível em: <www.revistas.unifacs.br>. Acesso em 09 de junho de 2017.

MARINS, Lucas Belloc. A Sistemática da Teoria do Precedente Judicial e a Gradual Introdução de Princípios da Common Law no Direito Brasileiro. disponível em: <www.abdpc.org.br>. Acesso em 11 de jun. de 2017.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. 8º Edição – Salvador: JusPodivm, 2016.

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Sobre o autor
José Miguel Lima Parente

Graduando em Direito (Estácio CEUT)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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