Uma questão de teoria da argumentação: caso Aécio Neves

11/10/2017 às 12:23
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O artigo traz alguns conceitos da teoria da argumentação e faz comentários com relação a caso em que se entende que a providência de aplicação de medidas cautelares está sujeita à apreciação pela Casa Legislativa competente.

1. UM CASO CONCRETO

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir se cabe à corte adotar eventuais medidas cautelares contra parlamentares, como o afastamento de suas atividades legislativas, sem o aval do Congresso.

O julgamento tem impacto direto no afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato de senador.

Parlamentares de oposição e da base têm criticado o Supremo pelo resultado do julgamento em setembro, que impôs a Aécio recolhimento noturno e o impediu de atuar como senador.

A ação em julgamento foi proposta por três partidos (PP, PSC e SD) e pede que medidas cautelares impostas a parlamentares sejam enviadas em 24 horas para que o Congresso dê seu aval.


2. A CONSTITUIÇÃO E AS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO

Veja-se o artigo 53 da Constituição:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001).

Assim observa-se: primeiro, a competência para resolver sobre a prisão de seus membros caso tenham sido eles detidos em flagrante por crime inafiançável e, segundo, para sustar o andamento de ação penal que porventura tenha sido recebida contra senador ou deputado por crime ocorrido após a diplomação.

A partir de quando um parlamentar possa ser alvo de investigação por crime comum perante o foro apropriado, também esses agentes políticos haverão de se sujeitar a afastamentos temporários da função, desde que existam elementos concretos de particular gravidade, que revelem a indispensabilidade da medida para a sequência dos trabalhos judiciários dentro do que dita o artigo 319 do Código de Processo Penal., que trata de providências cautelares diversas da prisão.

Tem-se, pois, na Constituição, uma norma de ordem pública envolvendo prisão de parlamentar.

Ora, tem-se das lições de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito), que as normas de ordem pública têm aplicação restrita.

Na analogia é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, de forma que haja uma qualidade comum a ambos.

Na analogia há a criação de uma nova norma jurídica; na interpretação extensiva o efeito é da extensão de uma norma para casos não previstos por esta.

O intérprete deve eliminar a amplitude das palavras nessa hipótese constitucional.

Não cabe falar, pois, para o caso, em analogia.

Em seu voto, no julgamento noticiado, o ministro Fachin argumentou que o Congresso pode se manifestar apenas em caso de prisão de parlamentar, mas não quando se trata de medidas cautelares.

— Ao Poder Legislativo, a Constituição outorgou o poder de relaxar a prisão em flagrante, em juízo político. Estender essa competência para permitir a revisão por parte do Poder Legislativo das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais significa ampliar a imunidade para além dos limites da própria normatividade que lhe é dada pela Constituição. É uma ofensa ao postulado republicano e uma ofensa à independência do Poder Judiciário — disse o ministro Fachin.

Não é argumento correto o entender de que se o Parlamento pode o mais(sustar prisão de parlamentar) pode o menos(sustar medidas cautelares diversas da prisão).

O próprio texto constitucional prevê a possibilidade de o Judiciário exercer poder cautelar.

Explica-se que o artigo 5º, inciso XXXV, ao dispor que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", assegura tutela jurisdicional adequada e concede a magistrados poderes para evitar que o provimento jurisdicional final perca utilidade.

Exige-se que as medidas cautelares que venham a ser aplicadas, se enquadrem no âmbito da adequação, fator que concerne ao principio constitucional da proporcionalidade. A medida, outrossim, há de ser necessária para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, do que se lê do artigo 282, I, do Código de Processo Penal.

Sendo assim a gravidade do delito deve ser avaliada concretamente, para que o juiz possa aplicá-la, sempre que possa deferi-la, de ofício, ou a requerimento das partes, durante o processo ou ainda decretá-la, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Parquet, na fase do inquérito policial.

É a linha trazida por Weber Batista(Liberdade Provisória, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 25. e 40), quando observou que a prisão é contraproducente e só deve ser usada como último recurso e somente quando nenhum outro meio for adequado. A pedra de toque da liberdade provisória, que vem como freio a prisão provisória, que é aquela que surge durante a investigação, durante o processo, é a necessidade de medida coercitiva mais grave, pois sempre que possível a prisão provisória deve ser substituída por providência cautelar menos grave.

As medidas cautelares, que são hoje previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, por força da edição da Lei 12.403, já referenciada, bem como a prisão cautelar (prisão preventiva, prisão temporária), devem ser vistas dentro de um quadro de necessidade de cada uma delas, de forma que a prisão é a última ratio. Isso porque proíbe-se o excesso.

Não estamos diante do chamado poder geral de cautela, tão conhecido no processo civil. Ali, vige o principio dispositivo(artigo 130 do CPC) e lá os direitos, em regra, são disponíveis. Ao contrário, no processo penal, os direitos são indisponíveis e o sistema é o acusatório.

Discute-se se o confronto da adoção dessas medidas cautelares e a oitiva da parte contrária, o contraditório.

Aliás, o parágrafo terceiro, do artigo 282, determina que ¨ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.¨

Bem disse Guilherme de Souza Nucci(Prisão e liberdade, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 31) que descarta-se a oitiva se houver caso de urgência ou o perigo de ineficácia da medida, o que soa, como bem disse, lógico e óbvio.

Soma-se a douta posição de Paulo Rangel(Direito Processual Penal, 20ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 863), para quem somente se intima a parte contrária se a medida cautelar não exigir urgência ou houver perigo de sua ineficácia.

Aplica-se com relação as medidas cautelares, no campo processual penal, o princípio da fungibilidade diante de eventual inexecução das obrigações assumidas. Assim pode o juiz substituir a medida anteriormente adotada, pode impor outra medida, além da já imposta ou decretar a prisão preventiva(artigo 312 do Código de Processo Penal, diante da garantia da ordem pública, da ordem econômica, como conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova de existência do crime ou indícios suficientes de autoria), em último caso.

Dentre as diversas medidas cautelares, expostas no artigo 319 do Código de Processo Penal, fala-se na suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais(artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal).

O que se quer é a suspensão, pois tem que existir uma relação de conexidade entre a função exercida pelo agente e a infração cometida. Isso porque o fato do agente público cometer um crime não pode autorizar a suspensão de suas atividades funcionais , se o crime não tem nada a haver com o exercício da função pública.

Como bem disse Guilherme de Souza Nucci(Prisão e liberdade, pág. 85) a medida pode ser ideal para crimes contra a administração pública, como, por exemplo, corrupção, concussão, prevaricação, bem como para delitos econômicos e financeiros, evitando-se a preventiva, que tenha por fundo a garantia da ordem econômica. Assim a suspensão do exercício da atividade econômica pode ser suficiente para aguardar o desenvolvimento do processo.

No artigo 319 do CPP observa-se que há a medida de recolhimento domiciliar, no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalhos fixos.

A medida cautelar repete a figura do regime aberto, na modalidade de prisão albergue domiciliar. Neste caso, o condenado deve recolher-se à sua casa todos os dias, no período noturno, bem como nos dias de semana e dias de folga.


3. A RETÓRICA E OS SOFISMAS

Ao contrário de filósofos seus contemporâneos tão importantes como Platão, Aristóteles considera a retórica útil porque:

  • A verdade e a justiça não devem ser vencidas;

  • Há alguns auditórios que nem mesmo a ciência mais exata consegue persuadir;

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  • É preciso ser capaz de argumentar sobre coisas contrárias, para dominar o tema e para, sempre que alguém argumente contra a justiça, ser possível refutar os seus argumentos;

  • Devemos ser capazes de nos defender verbalmente.

Apesar desta utilidade, a retórica também pode ser usada de forma injusta e causar grandes danos.

Para Perelman(Teoria da Argumentação), isso significa que, ao contrário do que acontece com os silogismos científicos, os silogismos dialécticos têm por fim persuadir ou convencer. Não constituem inferências formais, válidas e constringentes, mas apenas argumentos que procuram fazer admitir teses, que podem ser ou não controversas e que, consoante os casos, são mais ou menos verosímeis, mais ou menos fortes e convincentes. Por este motivo, os argumentos dialéticos não são nem demonstrativos nem impessoais. São raciocínios persuasivos, que incidem sobre a opinião e que, por isso, devem ser distinguidos dos analíticos, que incidem sobre a verdade.

Ao permitir que o Parlamento possa ser a última palavra em sede de medidas cautelares diversas da prisão, os que assim entendem, incidem em vício de argumentação.

A ela estão submetidos todos, inclusive aqueles que exercem um mandato parlamentar.

Por ser eleito pelo povo, o parlamentar não está acima da lei. Ele não está submetido a decisão apenas por seus pares. Ele, parlamentar, como todos, estão sujeitos ao crivo do Poder Judiciário seja em sede de medidas cautelares ou ainda executivas que se seguirem a uma eventual condenação, situação essa cuja execução independe do crivo do Parlamento.

Assim, é um sofisma entender que o parlamentar por ser deputado ou senador, eleito pelo povo, não pode vir a sofrer a medida de suspensão de sua função pública prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Sofismo ou sofisma significa um pensamento ou retórica que procura induzir ao erro, apresentada com aparente lógica e sentido, mas com fundamentos contraditórios e com a intenção de enganar.

Os ministros, porventura, favoráveis à tese de intervenção do Legislativo nas decisões do Judiciário tentarão apresentar é um paralogismo, no sentido de que se o parlamentar pode o mais(relaxar prisão, por ilegalidade, baseado em razões políticas) pode o menos. Isso é fugaz.

Um paralogismo é um raciocínio falaz, ou seja, falso mas que tem aparência de verdade. Para alguns, o paralogismo é diferente do sofisma, pois não é produzido de má-fé, isto é, não é intencionalmente produzido para enganar. Para Aristóteles, qualquer falso silogismo era considerado um paralogismo, pois contém obrigatoriamente uma premissa ambígua.

Com o paralogismo, a ordem inverte-se.

Para Aristóteles, paralogismo é um silogismo ou qualquer argumento formalmente falso. Immanuel Kant define o Paralogismo como uma falsa argumentação da psicologia racional, que se ilude achando que pode deduzir do simples o geral.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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