A Lei de Alienação parental e o superior interesse da criança

cuidado necessário na aplicação do mencionado dispositivo legal

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15/10/2017 às 23:41
Leia nesta página:

6 – Do documentário “A morte inventada”:

Trata-se de um longametragem brasileiro, em forma de documentário, dirigido por Alan Minas. Tem sido usado em faculdades de Direito em aulas de Direito de Família ou de Psicologia de Direito para ensino sobre a Lei de Alienação Parental. Importante observação que se deve fazer é que todos os hoje adultos, outrora crianças, envolvidos nos casos citados mostram-se pessoas que realmente experimentaram graves sofrimentos em razão do desacordo entre adultos. Tais indivíduos não devem ser julgados, especialmente porque foram as vítimas dos fatos descritos.

Outra observação importante é que o documentário é parcial, só se preocupando em mostrar um dos lados; em nenhum momento foi dada oportunidade aos acusados de alienação parental de se defenderem. Para qualquer pessoa que busca estudar o assunto sobre a ótica do Direito, tal fato é de importante relevo, porque inobserva um direito fundamental, que é o da ampla defesa.

A nenhuma pessoa pode ser imputada uma conduta em desacordo com a legislação sem que lhe seja dada oportunidade de se defender, e quaisquer documentários ou vídeos que atribuam a um indivíduo conduta ilícita, quer seja no âmbito civil ou criminal, deve ser visto pelo operador de direito com extrema reserva. Essa reserva deve ainda ser mais acentuada porque os profissionais que defendem a teoria em dito documentário pregam que não se deve acreditar na palavra da criança[35]:

“[...] Os autores citados são unânimes em aconselhar a não se assegurar na palavra da criança quando esta diz que não quer conviver com o genitor ausente. Sugerem, por outro lado, que o genitor afastado deve perseverar no esforço de estabelecer e manter contato com o filho, mesmo sentindo a rejeição constante, humilhante e desmoralizante[...]”

Convenhamos que tal sugestão é extremamente preocupante para quem de fato se preocupa com a segurança das crianças, já que ao presumir que as crianças estão mentindo (ou sendo induzidas a mentir), poder-se-ia estar acobertando verdadeiros casos de abuso sexual.

Dito isso, vamos aos casos:

6.1 – Caso Sócrates, Karla e Daniela

Karla relata que só voltou a ver o pai aos 19 anos, quando saiu de casa porque a mãe a agrediu. Aqui finalmente temos um dado real que pode configurar abuso parental. Daniela relata que após ambas terem ido para os EUA ver o pai, este disse não ter buscado vê-las para preservá-las, ao que ela respondeu ‘você não buscou contato para preservar você’.

6.2 – Caso José Carlos e Rafaella.

José Carlos e sua atual companheira reservaram um apartamento na cidade de Recife para que a ex-esposa de José Carlos lá residisse com os filhos Rafaella e Rodrigo. Num determinado momento, a ex-esposa resolveu evadir-se de Recife com destino ao Rio de Janeiro.

Rafaella relata que ‘não sabe porque’ a mãe resolveu retornar ao Rio de Janeiro e mais adiante diz que ‘não sabe se o que o pai havia prometido para a mãe, se ele havia prometido voltar com ela e como não voltou ela teria resolvido voltar para o Rio’.

Em suma, a palavra chave para a compreensão da questão é que Rafaella NÃO SABE. Ela desconhece os motivos da mãe; não sabe na verdade o que aconteceu. Rafaella diz que ela e o irmão achavam que o pai era ‘filho da puta’, mas não diz ser a mãe responsável por eles terem chegado a esta conclusão.

Se a mãe de Rafaella houvesse dito aos filhos que o pai não prestava então poderia ser configurada a alienação nos termos da lei (art. 2, parágrafo único, inciso I da Lei 12.318/2008). Mais adiante, Rafaella relata que o pai exercia os direitos à visitas (ou seja: o pai não estava sendo tolhido da visitação), mas que sentia dificuldades em aproveitar esse período porque parecia que se aproveitasse, estaria ‘traindo a mãe’; relata ainda que sentia dificuldade em contar à mãe que havia se divertido, mas não menciona que essa dificuldade era por conta de algo que a mãe houvesse dito, de forma que essa dificuldade pode muito bem ser imputada ao conteúdo interno da então criança (em sentir-se na obrigação de estar ao lado da mãe) do que à intervenção externa da mãe.

Rafaella ainda diz que ‘você sempre escuta falar mal de seu pai, você sempre escuta dizer que ah, eu tenho de ligar antes para lembrar de seu aniversário senão ele não liga’ e, logo na sequência, ela admite que isso era verdade, pois ela mesma teve de ligar para o pai para que ele lembrasse do aniversário do irmão.

Ou seja: neste episódio em especifico a mãe não disse nada que constituísse campanha contra o pai; a mãe antes relatou a verdade dos fatos. A lei de alienação parental então pretende obrigar as mães a mentirem sobre o pai, omitindo falhas de caráter ou desinteresse dele pelos filhos? À mãe é tolhido o direito de falar a verdade sobre o pai para não que ser acusada de alienação parental?

Rafaella ainda conta que ligava para o pai apenas para pedir dinheiro e que ficava orgulhosa de dizer isso à mãe; ela relata que a mãe era tudo para ela e que para ela, negar o pai era uma forma de demonstrar isso. Não fica claro se essa conduta era incentivada pela mãe ou se era conduta ínsita apenas ao interior de Rafaella, isto é, não fica claro se a mãe era quem fazia com que Rafaella fizesse ou pensasse tal coisa. Rafaella ainda relata que ficou 11 anos sem ver o pai, então o interlocutor atento se pergunta: de fato esse distanciamento é culpa da mãe ou é possível que o pai tenha se acomodado na condição de ‘não posso ver os filhos e então não vou buscar vê-los’? Rafaella relata que ela ligava apenas para pedir dinheiro ao pai, não há sequer um relato de que o pai tenha iniciado o contato.

Em determinada parte da entrevista, Rafaella diz que teve uma mãe muito maravilhosa, carinhosa, atenciosa, mas que ao mesmo tempo falava muito mal do pai dela e coloca que isso fez com que ela criasse ódio ao pai e atrapalhou muito o relacionamento de ambos.

Neste ponto se vislumbra a possibilidade de ter ocorrido abuso parental por parte da mãe, todavia, é apenas um vislumbre, dado que pelas falas anteriores não ficou claro se a mãe fazia campanha falando gratuitamente mal do pai com o objetivo de separar pai e filho, ou se a mãe desabafava perto da filha sobre os problemas comportamentais do pai ou a falta de interesse dele com os filhos. Lembremos que esse homem sequer lembrava do aniversário dos filhos e ficou 11 anos sem vê-los. Imputar à mãe conduta temerária de abuso parental contra o pai quando não se comprova tal conduta (inclusive ouvindo a defesa dela) é temerário para qualquer operador de Direito.

O que se percebe é uma pessoa extremamente sofrida pela falta que lhe fez a ausência da figura paterna, mas que tenta colocar esse sofrimento como se fosse responsabilidade (sem nunca demonstrar o nexo de causalidade) da mãe, posto que colocar como responsabilidade do pai lhe seria muito doloroso.

6.3 – Caso Enéas e Marcelo:

O caso envolve disputa judicial existente, mas em nenhum momento os dados de referida disputa (dados judiciais) são expostos, e a única parte à que se dá voz é o litigante Enéas. O fato de o processo seguir em segredo de justiça não constitui escusa para que o autor do documentário não tenha franqueado os termos para o interlocutor, especialmente porque, no momento em que o autor do documentário expõe a visão de uma das partes torna-se ele obrigado (se quiser fazer trabalho imparcial) a fornecer ao interlocutor informações idôneas quanto ao caso posto em litígio. Quando não o faz, não pode o interlocutor sério ignorar que está sendo ofendido uma premissa básica do direito, que é a ampla defesa.

Outra questão a ser posta em enfoque é que Marcelo (filho) também diz que tem apenas alguns ‘flashs’ de duas brigas ocorridas, sem ser capaz de dar maior dimensão ao conteúdo das brigas. Também não resta provado de forma clara a alegada alienação parental nesse primeiro momento.

Marcelo relata que mesmo quando ouvia a mãe dizer algo errado que o pai tinha feito, ‘não ficava muito clara a imagem de pai que estragou tudo e fez besteira’. Ou seja: novamente não ficou configurada a tese da alienação.

Logo após ouve-se relato de Enéas, uma das partes envolvidas no litigio e é ele quem traz informação de alienação. Novamente a contraparte não foi ouvida.

Marcelo então relata que quando a mãe descobria que o pai estava vindo com oficial de justiça para ver os filhos, que ele, o irmão e a mãe se escondiam nas casas de amigos. Aqui sim pode estar caracterizada a alienação parental pois não obstante a ordem judicial autorizando o pai a ver os filhos, a mãe se omitia ao cumprimento.

6.4 – Caso Paulo (pai), Vitor e Mariana (filhos)

Relata que antes de iniciar novo relacionamento, que a mãe de seus filhos permitia visitas livres, mas que após a mãe começou a restringir o direito. Mais uma vez só uma das partes envolvidas está sendo ouvida.

6.5 – Caso S (mãe) e filho:

Pai usa a força e ameaça para distanciar mãe de filho. No fim do casamento, a mãe dormia no quarto junto com o filho porque tinha medo do pai. Após separação, pai passava todos os finais de semana com o filho e segundo relatos da mãe, quando retornava, o filho sequer olhava para a cara da mãe. Também aqui não se encontra nenhum dado sobre a contraparte que não aqueles fornecidos pela parte interessada. Sequer o suposto alienado (menor) é ouvido.

6.6 – Caso A (pai) e criança

O pai, supostamente alienado, relata que depois de 6 anos de casado, a criança nasceu, eles ficaram um ano juntos, até que ‘sem justificativa’, a mãe mudou-se levando a criança. Ele descobriu onde a criança estava e começou a visitar, mas as visitas ficavam cada vez mais difíceis, até que ele ingressou como regulamentação e, segundo ele, a mulher, para ‘se defender’ no processo de regulamentação de visitas, alegou abuso. Então relata que a psicóloga que atuou no processo judicial colocou no laudo de que existiam indícios de abuso.  Afirma ainda, em sua defesa, que não foi laudo nem parecer. Oras, profissionais que atuam no judiciário não se manifestam sem que sejam em laudos ou pareceres, ou sem que o Magistrado atuante na causa tenha assim determinado.

Estamos falando de uma profissional da área, que atua no Judiciário, que deu parecer no sentido de que houve abuso. Oras, o pai (acusado de abuso) desqualifica a atuação da profissional e o autor do documentário não demonstra ter minimamente ido buscar, junto ao judiciário, informações mais precisas sobre se o que o pai alega é ou não verdade. Ouve-se apenas uma das partes interessadas – o acusado de abuso - que desqualifica o profissional do Judiciário, sem preocupação alguma com a busca de informações junto ao órgão competente.

Porque a profissional arriscaria sua carreira e sua credibilidade de forma gratuita, fazendo uma afirmação inverídica? Porque o diretor do documentário não se preocupou em buscar as informações junto ao Judiciário?

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6.7 – Caso Hélio (avô paterno)

O suposto alienado alega que ele (avô paterno) e o filho (pai) foram acusados em um ‘pedido de providências’ no qual se alegava que ambos abusavam sexualmente da criança. Aqui é importante anotar que o pedido foi feito junto à Vara de Infância e não nas Varas de Família. Regulamentações de visitas e disputas de guarda são afetas às Varas de Família; as Varas de Infância são acionadas quando existe possível risco à criança.

Segundo ele o pedido de providências teria sido fundamentado em um parecer de uma psicóloga.

6. 8 - Das falas dos profissionais:

Só foram ouvidos profissionais em prol da alienação. Trata-se de uma visão parcial que qualquer profissional sério da área de Direito deve também ver com reservas.

6.8.1 - Alexandra Ullian, advogada e psicóloga:

Sugere que o genitor que ingressa com regulamentação o faz não para assegurar à criança o direito de visitações, mas sim para manter o controle. A oferta seria gerenciamento de controle.

Ora, pois que tal alegação desta profissional está dissociada do contexto social brasileiro, em que a regulamentação das visitas é necessária para que se preserve a rotina dos infantes. Não raro vemos casos de pais que retiram os filhos durante a semana e depois sequer os levam à escola no dia seguinte. A falta de criticidade de dita profissional é extremamente preocupante.

Ainda sugere que a alienação parental muitas vezes ocorre ainda quando o casal está unido; segundo ela, a mãe, que é quem mais cuida da criança, não qualifica o pai, não mostra à criança a importância do pai. Dita profissional mais uma vez esquece-se que os lares brasileiros são marcados pela desigualdade, com a mulher mãe tendo de arcar com todo o peso não só das tarefas domésticas, como também da criação e educação dos filhos (é ela quem tem de se ausentar ao trabalho para comparecer às reuniões, é ela quem tem de auxiliar os filhos nas tarefas) e muitas vezes a tarefa do pai se resume a trabalhar. Então a fala da profissional exige que a mãe adjetive qualificativamente um genitor que pouco faz pelo filho, sob pena de ser considerada como alienadora.

Lembremos que sequer a lei citada exige isso: a mãe deixar de qualificar o pai não constitui alienação para os termos da lei, mas só se ela fizer campanha difamatória contra o pai. A lei não define como alienação a mãe não qualificar, mas sim a mãe desqualificar.

Mais grave ainda é quando essa mencionada profissional alega que tem aumentado as denúncias de abuso sem ter a menor preocupação de provar o que diz. Quais estatísticas ela utiliza? Ou é apenas o que se define como ‘achoestatística’?

A profissional alega que havendo uma simples denuncia, imediatamente o genitor é afastado. Isso não é inteiramente verdade; a primeira atitude que se vê amiúde nos tribunais são juízes determinarem o direito de visitações junto aos CEVATs[36].

6.8.2 – Gerardo Carnevale – juiz de direito

Corretamente o magistrado afirma que laudos psicológicos que não tenham ouvido a outra parte não devem ser considerados. E é o que os tribunais tem feito, na maioria dos casos. Os juízes de primeira instância não tem determinado o afastamento total com base em laudo onde não foram ouvidas as outras partes ou com base em simples alegações. Obviamente os magistrados tem tomado providências para assegurar a segurança da criança, determinando visitas monitoradas junto aos CEVATs.

Mais adiante o magistrado diz que chega ‘um relato surpreendente’ de que o pai teria abusado ou a mãe maltratado. A surpresa do magistrado, data vênia, não se justifica, uma vez que pululam casos verdadeiros de abuso parental, prática infelizmente comum que ofende gravemente os direitos dos infantes.

Continua o magistrado alegando que os juízes, diante deste relato, ‘por via das dúvidas’ afasta, mas que esse não seria o caminho. Oras, discorda-se também deste posicionamento, pois o que deve ser observado é o interesse superior da criança. Uma vez chegando ao Judiciário qualquer alegação de abuso, os profissionais que lidam com os infantes têm que tomar a decisão mais benéfica à criança e, no caso de eventual prática de abuso (sexual ou maus tratos) obviamente que seria muito mais prejudicial à criança continuar a ter contato com o possível abusador do que dele ser afastada ou que esse contato fosse monitorado.

Mais adiante o Excelentíssimo Juiz alega que o processo demora muito e que decisão de afastamento causará prejuízos à criança. Oras, a morosidade do Judiciário é responsabilidade estatal. A falha em fornecer justiça célere não pode servir como desculpa para que não se afaste (ou não se determine visitas monitoradas) em caso de risco para a criança. O Estado que se esforce para implementar medidas que deem efetividade ao princípio constitucional que determina que as partes têm direito à uma duração razoável do processo.

6.8.3 – Desembargadora (não nomeada):

Alega que o afastamento total traria outro problema, pois não sendo verdadeiras as alegações de abuso haveria prejuízo para a criança e para o pai. O que a Excelentíssima Desembargadora não considera é  se as alegações forem verdadeiras? Quais prejuízos o infante teria?

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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