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Produtos essenciais à luz do Código de Defesa do Consumidor e os efeitos desse status nas relações consumeristas

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14/03/2021 às 16:10
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4PRODUTOS ESSENCIAIS

4.1 Conceito

Seria impossível ao legislador mencionar, na Lei 8.078/90, todos os casos possíveis a fim de resguardar os direitos do consumidor, sendo assim, o código de defesa do consumidor é uma lei principiológica, carregando consigo princípios gerais que norteiam as relações de consumo dando base ao magistrado no momento de decisão, funcionando como um sistema de cláusulas abertas, muitas vezes somente exemplificando, criando a possibilidade de interpretação ao julgador no caso concreto.

Devido a este sistema, existem termos que ainda não estão devidamente pacificados. O artigo 18º do código de defesa do consumidor trata da responsabilidade dos fornecedores dos produtos duráveis ou não duráveis, taxando-a como solidaria, ou seja, independente da posição na cadeia de comercialização o legislador optou por arrolar a todos com responsabilidade solidaria, criando assim uma segurança ao consumidor e evitando a morosidade na identificação do responsável.

 Ainda no artigo 18 legislador garante que o vicio do produto deve ser sanado no prazo máximo de trinta dias, na não observância desse prazo o consumidor pode escolher entre a troca do referido produto por um de mesma espécie, em perfeitas condições de uso, ou restituição do valor pago ou ainda o abatimento proporciona do preço do produto. No §3º do mesmo artigo, o legislador afirma que, sendo o produto essencial, o consumidor tem o direito à troca imediata ou a restituição imediata da quantia paga ou ainda o abatimento do valor do produto, todos com caráter imediato.

O produto essencial é aquele que possui importância para as atividades cotidianas do consumidor não sendo razoável exigir que o consumidor deixe seu produto essencial para conserto pelo prazo de 30 dias, quando o bem é fundamental para desenvolver suas atividades. (BENJAMIM, MARQUES, BESSA, 2007)

O referido no artigo 18, § 3º, tem gerado muitas discussões, a respeito do que vem a ser produto essencial, uma vez que inexiste lei que destaca quais destes integram o rol de produtos essenciais, pois é muito subjetivo afirmar que este seja todo produto indispensável ao seu proprietário, sendo que algo pode ser de uso indispensável para um individuo, demonstrando sua essencialidade, para outro possa não ser, isso faz com que haja uma necessidade dessa regulamentação.

Como também pontua Fernanda Mafra Ferrari (2016):

A partir deste ponto de vista, é possível elencar como essenciais alguns produtos e serviços óbvios, tais como: alimentos, medicamentos, fornecimento de água, de energia elétrica e serviço de telecomunicação. Em outras palavras, produtos e serviços fundamentais para a sobrevivência digna de um consumidor.(08/10/2016.www.pgadvogados.com.br/noticias/35/O+que+torna+um+produto+essencial%3F)

Diante do exposto, podemos visualizar que os produtos essenciais, para o nosso ordenamento jurídico, são aqueles fundamentais para as atividades e para o cotidiano do consumidor, ademais, verifica-se uma peculiaridade frente a outros produtos: a necessidade de troca do produto ou restituição imediata deste, partindo do pressuposto da real necessidade por este produto.

4.2 Características

A caracterização dos produtos essenciais é uma proteção garantida ao consumidor pelo seu código de defesa, visando proteger o consumidor quando da aquisição de produtos que tenham um caráter de essencialidade, uma vez que, não se pode haver a garantia de um correto funcionamento de determinado produto, faz-se necessária sua proteção junto ao fornecedor, sujeitando o fornecedor a reparar o produto de natureza essencial imediatamente, ou devolver a quantia paga pelo produto, ou ainda, o abatimento do valor do produto de acordo com o vício do mesmo.

Para evitar abusos, espera-se que a jurisprudência interprete de forma ampla a norma do § 3° do art. 18, que afasta a imperatividade do prazo para conserto. Somente neste caso, a interpretação será conforme o princípio da proteção da confiança do sujeito protegido pela nova lei, o consumidor. (MARQUES, 1999).

A vasta interpretação da norma facilita a relação de consumo, já que o consumidor se encontra resguardado caso haja vício no produto e este ainda se assegura quanto ao prazo diferenciado na sua reparação.

Para o consumidor se valer do disposto no código de defesa no capitulo referente aos produtos essenciais se tem como necessário a determinação de quais produtos são considerados essenciais ao direito. Para isso o Decreto n° 7.963, de 15 de Março de 2013, no seu artigo 16 prevê:

Art. 16.  O Conselho de Ministros da Câmara Nacional das Relações de Consumo elaborará, em prazo definido por seus membros e formalizado em ato do Ministro de Estado da Justiça, proposta de regulamentação do § 3º do art. 18 da Lei nº 8.078, de 1990, para especificar produtos de consumo considerados essenciais e dispor sobre procedimentos para uso imediato das alternativas previstas no § 1º do art. 18 da referida Lei.      (Redação dada pelo Decreto nº 7.986, de 2013)

Observa-se que tal determinação resta em aberto desde 2013, padecendo os consumidores de uma solução que especifique quais produtos tem sua essencialidade admitida pela letra da lei. Há de se salientar que previamente este decreto postulava um prazo de três dias para o Conselho de Ministros da Câmara Nacional das Relações de Consumo, para a elaboração da referida especificação dos produtos essenciais.

Tem-se, portanto, com a caracterização dos bens essenciais, a determinação de quais produtos possuem garantias exclusivas dessa caracterização, como a prevista no §3º do artigo 18, do CDC, quanto ao direito do consumidor à troca,restituição da quantia paga ou ainda o abatimento do valor do produto, todos com caráter imediato, no caso de vício no produto.


5 JURISPRUDÊNCIAS DE PRODUTOS ESSENCIAIS

Existem nas jurisprudências vários entendimentos já pacificados do que vem a ser produtos essenciais, tendo em vista a necessidade do consumidor em ter a reparação do vício dos mesmos. A seguir alguns exemplos de produtos já reiterados pelos tribunais.

A geladeira, por se tratar de um produto indispensável à vida doméstica, servindo como meio principal de prolongar a vida útil de alimentos, veio por este motivo, a configurar a lista desses produtos. Considerada um bem essencial, pois é praticamente inimaginável ficar sem uma por um curto período de tempo. Concordando com esse entendimento tem-se a jurisprudência que reitera:

TJ-RS - Recurso Cível: 71005270004 RS

recurso inominado. consumidor. reparação de danos. vício de produto. aquisição de geladeira com defeito. produto encaminhado à assistência técnica por diversas vezes. demora superior a trinta dias para efetuar o conserto. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. inteligência do artigo 18, § 1º, II, do código de defesa do consumidor. consumidor que ficou SETE meses sem a geladeira. dano moral excepcionalmente configurado, pois se trata de produto essencial. quantum indenizatório fixado em r$ 1.500,00, pois arbitrado em consonância com os parâmetros utilizados pelas turmas recursais cíveis em casos análogos. (BRASIL, 2014).

Também faz parte do entendimento dos tribunais reiterados que além da reparação do vício do produto, ainda ficam obrigados de reparar os danos morais e materiais que o consumidor eventualmente enfrentar por conta do produto, sendo comprovado no caso concreto.

TJ-RS - Recurso Cível: 71004854592 RS

CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. REFRIGERADOR QUE FOI ENTREGUE COM AVARIAS E SEM CONDIÇÕES DE USO. DIREITO À SUSBTITUIÇÃO DA MERCADORIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NO caso concreto. IMPOSSIBILIDADE DE USO DE BEM ESSENCIAL. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSOU O MERO DISSABOR, NECESSITANDO ARMAZENAR SUA COMIDA NA GELADEIRA DO VIZINHO, CARACTERIZANDO DESÍDIA DA RÉ NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. QUANTUM fixado em R$ 2.000,00 MANTIDO. (BRASIL, 2014).

TJ-SC - Apelação Cível : AC 20140635057 SC 2014.063505-7

CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO INCONTROVERSO. GELADEIRA. BEM ESSENCIAL. AQUISIÇÃO MEDIANTE FINANCIAMENTO, EM PERÍODO ANUAL FESTIVO. INTERRUPÇÃO DO FUNCIONAMENTO DIAS APÓS A ENTREGA. SUBSTITUIÇÃO EFETIVADA MESES DEPOIS, APESAR DE INSISTENTES PEDIDOS DE TROCA. PERDA DE PRODUTOS ACONDICIONADOS À ÉPOCA. AUXÍLIO DE VIZINHOS PARA PRESERVAÇÃO DOS MANTIMENTOS CONSUMIDOS, MUITOS DESTINADOS À FILHA MENOR DA DEMANDANTE. DANO MORAL EVIDENCIADO. MONTANTE COMPENSATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. (BRASIL, 2015).

Portanto, a geladeira é considerada, de forma pacífica por nossos tribunais, como um bem essencial ao consumidor, que concedem concomitantemente indenização material e moral, a fim de reparar o dano causado pelo vício desse produto essencial.

Outro produto que configura o rol de produtos tidos como essencial é o fogão, pelos mesmos motivos demonstrados acima, já que é imprescindível para o dia-a-dia. Quanto a este produto, também já há vários entendimentos a respeito, não tendo o que se duvidar quanto sua essencialidade.

TJ-RS - Recurso Cível 71005618822 RS (TJ-RS)

INDENIZATÓRIA.CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. FOGÃO.PRODUTO ESSENCIAL. POSSIBILIDADE DE USO IMEDIATO DAS ALTERNATIVAS DO ART. 18, § 1º DO CDC. DANO MORAL INOCORRENTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005618822, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, Julgado em 10/09/2015).

TJ-RS - Recurso Cível 71005196225 RS (TJ-RS)

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. DEFEITO NO PRODUTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSISTÊNCIA TÉCNICA DESIDIOSA. RESTRIÇÃO NO USO DE PRODUTO ESSENCIAL (FOGÃO) POR TEMPO EXCESSIVO (6 MESES). DANOS MORAIS CARACTERIZADOS EM CONCRETO E EM CARÁTER PUNITIVO. A autora comprova que adquiriu o produto junto à primeira requerida e que restou privada da utilização do bem, em decorrência da inadequação na conduta e do descaso das recorridas ao providenciar a reparação dos defeitos, o que ocasionou à recorrente a restrição na utilização de bem essencial (fogão) por longo período (6 meses). O direito da autora aos danos morais, resta configurado de forma excepcional, em razão da essencialidade do produto e do agir desidioso das recorridas, haja vista o caráter punitivo dos danos morais. Assim, deve ser reformada a sentença recorrida para condenar as recorrentes ao pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 2.000,00, conforme entendimento desta Turma Recursal. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71005196225, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em 27/01/2015).

TJ-SP - Apelação: APL 02051623720108260100 SP 0205162-37.2010.8.26.0100

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. AQUISIÇÃO DE BEM MÓVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. VÍCIO OCULTO DO PRODUTO. INTEMPESTIVIDADE.

Termo inicial de contagem para interposição do recurso. Regras do art. 4º da Lei n. 11.419/2006. Art. 508 do CPC. Observância do prazo pela ré. Intempestividade não reconhecida. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. Inadimplemento contratual. Situação que ultrapassou o mero aborrecimento ou dissabor cotidiano. Longo tempo sem possibilidade de uso de fogão. Dificuldades em permanecer sem bem de natureza essencial. Indenização devida. (BRASIL, 2010).

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O fogão é, portanto, um produto considerado bem essencial e dispondo de indenização moral e material pelos danos causados pelo vício do produto. Pois, de forma evidente, a sua impossibilidade de uso traz consigo dificuldades e transtornos que ultrapassam o mero aborrecimento ou dissabor do cotidiano.

Mais um exemplo acerca é o celular, no caso de vício, aplicar-se-á o que dispõe o CDC acerca de produtos essenciais, podendo o consumidor exigir imediatamente a substituição do produto por outro da mesma espécie, a restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço. Isto provém da crescente necessidade do aparelho celular nas relações interpessoais, a própria jurisprudência tem reconhecido a utilidade do telefone celular na atividade profissional, tornando-o indispensável.

TJ-RJ - RECURSO INOMINADO RI 00207862220098190042 RJ 0020786-22.2009.8.19.0042 (TJ-RJ); Data de publicação: 10/09/2010

Ementa: ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 1ª TURMA RECURSAL RECURSO N 0020786-22.2009.8.19.0042 RECORRENTE : CAMILA ESTEVES MULLER RECORRIDAS : CASAS BAHIA COMERCIAL LTDA E MOTOROLA INDUSTRIAL LTDA. EMENTA - Relação de consumo. Aquisição de aparelho telefônico celular que veio a apresentar defeito no prazo de garantia contratual. Aparelho que é utilizado para serviço essencial. Falta de predicado do produto colocado no mercado de consumo. Garantia do consumidor de ter produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, na exata dicção do art. 4º, II, "d" do Estatuto Consumerista. Direito subjetivo de exigir a substituição do bem defeituoso de forma imediata, aplicando-se a regra do parágrafo 3º do art. 18 do CDC. Posicionamento recente da ANATEL identificando a aparelho celular como produto essencial. Prevalência dos direitos fundamentais do consumidor previstos no art. 6°, III, IV, VI e VIII do CDC. Dano imaterial configurado, não se podendo arredar que a situação desbordara ao mero aborrecimento ou dissabor, informando tribulação espiritual pela supressão temporal não razoável do serviço importante atualmente. Quantum indenizatório que deve ser arbitrado com observância do princípio da razoabilidade. Provimento parcial do recurso. Ante o exposto, na forma do art. 46 da lei 9.099/95, voto pelo provimento parcial do recurso para condenar as recorridas, solidariamente, na obrigação de trocar o produto, no prazo de 10 dias a contar da publicação do acórdão, sob pena de multa diária de R$ 50,00, limitada a R$ 1.000,00, bem como indenizarem a recorrente a título de dano moral no valor de R$ 1.000,00, acrescido de correção monetária a contar da publicação do acórdão e juros de 1% ao mês desde a citação. Sem ônus de sucumbência. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2010. ANDRÉ LUIZ CIDRA Juiz Relator”.

TJ-RS - Recurso Cível 71003750726 RS (TJ-RS); Data de publicação: 22/01/2013

Ementa: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. SOLIDARIEDADE ENTRE COMERCIANTE E FABRICANTE, AINDA MAIS EM SE TRATANDO DE TELEFONE CELULAR, TIDO COMO PRODUTO ESSENCIAL, OBRIGANDO À IMEDIATA SUBSTITUIÇÃO, CONFORME O ART. 18, § 3º, DO CDC . ADEMAIS, REMETIDO O APARELHO AO FABRICANTE HÁ MAIS DE ANO, ATÉ HOJE NÃO FOI REPARADO OU SUBSTITUÍDO. OBRIGAÇÃO DAS RÉS DE QUITAR O FINANCIAMENTO CONTRAÍDO PELA AUTORA PARA A AQUISIÇÃO DO TELEFONE. DANO MORAL CARACTERIZADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71003750726, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 18/12/2012).

Desta forma, a norma cumpriu um importante papel de sua aplicação: acompanhar a evolução social, visto que, em 1990, ano da lei de defesa do consumidor, as atividades e o cotidiano das pessoas não possuíam a necessidade de um celular, de forma oposta ao que ocorre na sociedade atual, em que um único dia sem este produto representa um dano de grande proporção para o consumidor, em consonância a este entendimento, o celular passou a ser considerado como bem essencial de forma pacífica em nossos tribunais.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHAO, Lara. Produtos essenciais à luz do Código de Defesa do Consumidor e os efeitos desse status nas relações consumeristas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6465, 14 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61217. Acesso em: 18 abr. 2024.

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