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Novidades sobre a violação de correspondência corporativa

17/10/2017 às 17:55
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Incrível como o impacto da tecnologia no Direito causa perplexidade nos meios jurídicos vez que mesmo após anos de estudo não conseguimos chegar a soluções satisfatórias que deem efetiva segurança as partes envolvidas em questões judiciais decorrentes da utilização dos meios informáticos dispostos no trabalho. Nesta reflexão encontra-se a questão a respeito da possibilidade ou não do monitoramento pelo empregador do correio eletrônico utilizado, no ambiente de trabalho, pelo empregado.

Consideramos um marco nestas discussões o Congresso Internacional de Direito e Tecnologias da Informação realizado em Brasília no Superior Tribunal de Justiça em outubro de 2002 pelo Centro de Estudos Judiciários e onde proferimos a palestra “O Monitoramento do Correio Eletrônico no ambiente de trabalho”1, artigo este citado na grande maioria dos estudos realizados no país sobre o assunto inclusive pelo livro do ilustre Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Dr. Alexandre Agra Belmonte intitulado “O Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas relações de trabalho”2

Desde então durante esses mais de 15 (quinze) anos de reflexão a doutrina e jurisprudência tem passado por diversas, vamos dizer assim “ondas de pensamento” que evoluem conforme o tempo. Inicialmente, as decisões judiciais filiavam-se ao pensamento de que o correio eletrônico era inviolável seja ele privado ou corporativo vez que sua proteção estaria presente em pactos internacionais e em todas as Constituições democráticas no mundo. Após, entendeu-se que correio eletrônico não era abarcado pela Constituição pois a palavra correspondência, insertas nas Cartas Magnas e pactos internacionais, abrangia apenas as correspondências físicas.

No entanto, estes pensamentos sucumbiram para dar espaço a teses mais bem elaboradas que, em 2005, foram sintetizadas em acórdão paradigma3 da lavra do Ministro João Oreste Dalazen do Tribunal Superior do Trabalho que pontuou, exemplarmente, a questão afirmando que o e-mail pessoal seria inviolável pois tratava-se de sacrossanto direito do cidadão a privacidade e ao sigilo de correspondência porém, o e-mail corporativo, não teria razoável expectativa de privacidade e, portanto, o empregador poderia monitorar tanto formalmente quanto o conteúdo das mensagens.

Em sendo assim, a doutrina e jurisprudência seguiam e seguem neste sentido pacificando o entendimento com algumas nuances que variam caso a caso como a de o trabalhador ser cientificado previamente desta possibilidade de monitoramento, a de que o e-mail corporativo não seja exaustivo e indiscriminado pelo empregador, que o simples manuseio pelo empregado do correio eletrônico corporativo utilizado para fins particulares não decorra necessariamente da aplicação de justa causa, que seja avaliado o número de mensagens e conteúdo antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar etc...

No entanto, em setembro de 2017 o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em sua última instância e em decisão não unânime, resolveu rediscutir a matéria e trouxe à baila a questão em julgamento conhecido como Barbulescu versus Romênia4 afirmando que a privacidade dos trabalhadores não pode ser reduzida a zero e que o chat (corporativo) colocado pela empresa a disposição do engenheiro romeno não pode ser monitorado indiscriminadamente e, além da obrigação das empresas de cientificar os funcionários quanto ao monitoramento, estas não devem também acessar o conteúdo das mensagens mesmo que aquela chat seja corporativo e o empregado tenha utilizado, em alguns momento, para fins particulares.

Com isso concluiu o Tribunal Supranacional que o artigo 8ª da Convenção Europeia de Direitos Humanos deve ser aplicado ainda que as comunicações feitas pelo empregado sejam particulares e realizadas em ferramentas tecnológicas de propriedade do empregador, no horário e local de trabalho devendo com isso serem respeitadas a vida privada e o sigilo de correspondência dos envolvidos.

Por isso que, há duas décadas, advertimos que é preciso que haja um melhor aprofundamento sobre estas questões advindas do mundo virtual pois, no caso em comento, colocamos em xeque direitos fundamentais como a honra, a imagem, propriedade, privacidade, inviolabilidade de correspondência dentre outros e não podemos nos conformar que ao confrontar estes direitos teríamos uma solução fácil que pacificaria todas as questões envolvendo o monitoramento correio eletrônico do empregado pelo empregador.

Vale ressaltar que nossa legislação foi entabulada por séculos em situações físicas e não foram preparadas para o que chamo de “informatização do direito”. Institutos seculares e estudos profícuos muitas vezes sequer servem de base para a solução que na maioria das situações depende de conceitos e práticas totalmente novas desvinculadas de qualquer tipo de direito ou norma vigente o que nos levou, à época, até mesmo a cogitar que deveríamos criar uma espécie de Direito das Tecnologias da Informação como um ramo específico e autônomo do direito para estudar o assunto.

Por fim resta a nós alertar a comunidade jurídica que muitos desafios ainda estão por vir e que necessitamos levar estas questões de forma mais intensa para os bancos escolares através de cadeiras especificas e obrigatórias nas universidades, congressos e conferências tendo em vista que este tema dentre outros correlatos precisam de estudos mais consistentes para assegurar tanto os profissionais de direito como os atores sociais a terem mais garantias no momento da utilização dos meios tecnológicos colocados a disposição pelo empregador para empregado no ambiente de trabalho levando assim, a sociedade a uma maior segurança jurídica.

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Notas

1 Conferência proferida no “Congresso Internacional de Direito e Tecnologias da Informação” realizado pelo Centro de Estudos Judiciários, nos dia 3 e 4 de outubro de 2002, no auditório do Superior Tribunal de Justiça e publicado na Revista CEJ, Brasília, nº 19, p. 24-39, out/dez 2002.

2 BELMONTE, Alexandre Agra. O Monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho. Editora Ltr, 2ª edição São Paulo.

3 TST-RR-613/2000-013-10-00, Rel. Min. João Oreste Dalazen, 1ª Turma, DJ de 10/06/05.

4 Julgamento da Grande Câmara do Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso de Bărbulescu c. Roménia número de pedido 61496/08

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Sobre o autor
Mario Antonio Lobato de Paiva

Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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