4. Os dados e informações nos editais da ANP e nos contratos de concessão
4.1 As obrigações de confidencialidade nos editais da ANP
De acordo com o que prevêem os editais para a contratação de atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, o pagamento da taxa de participação para um bloco ou grupo de blocos habilita a empresa a receber um pacote de dados e informações. Para receber esses pacotes, os representantes legais das empresas necessitam assinar um termo de confidencialidade, conforme modelo constante do edital.
De maneira geral, o termo de confidencialidade, em sofrível redação, estabelece as seguintes regras:
1. todos os dados e informações fornecidos à empresa são considerados "Informação Confidencial";
2. a Informação Confidencial poderá ser divulgada no âmbito da empresa e de suas afiliadas, observado o disposto no termo de confidencialidade;
3. a empresa, que recebe o pacote de dados, se compromete a não divulgar qualquer Informação Confidencial, sem a autorização expressa da ANP, salvo se a informação (in verbis):
"a) já seja do conhecimento do abaixo-assinado [15] na data da revelação (sic) exceto aqueles que foram transferidos também em caráter confidencial durante rodadas de licitações realizadas pela ANP;
b) seja do conhecimento público ou assim venha a se tornar, desde que não seja em decorrência de ato ou omissão do abaixo assinado;
c) seja desenvolvida de forma independente pelo abaixo assinado, sem a utilização de qualquer Informação Confidencial (sic);
d) tenha sido adquirida, de forma independente, de terceiro que não esteja, sob qualquer forma legal conhecida do abaixo-assinado, proibido de tal revelação";
4. a empresa deverá comunicar a ANP se, por determinação legal, for obrigada a divulgar qualquer Informação Confidencial;
5. a empresa deverá destruir ou, se solicitado, devolver as Informações Confidenciais à ANP.
Esta última regra foi aprimorada, a partir do edital da 3ª Rodada de Licitações, de tal forma que o novo enunciado prevê que, se solicitado pela ANP, a empresa deverá destruir ou devolver todas as Informações Confidenciais.
4.2 D & I no Contrato de Concessão
A cláusula décima-sétima do contrato de concessão estabelece a obrigatoriedade do concessionário de manter a ANP constantemente informada a respeito do progresso e dos resultados das operações, de acordo com as melhores práticas da indústria do petróleo. Ainda segundo essa cláusula, o concessionário deve colocar à disposição da ANP os seguintes documentos:
a) mapas;
b) seções;
c) perfis;
d) dados e informes geológicos e geofísicos;
e) interpretações;
f) dados e registros de poços e testes;
g) relatórios ou outros documentos definidos em regulamentação específica, que contenham as informações necessárias para a caracterização do progresso dos trabalhos, obtidos como resultado das operações e do contrato em questão;
h) os demais documentos exigidos em outras cláusulas do contrato de concessão.
A inclusão dessa cláusula no contrato de concessão foi motivada pela regra contida no inciso VIII do art. 43 da Lei do Petróleo, que estabelece que uma das cláusulas essenciais do contrato de concessão é a que estabelece a obrigatoriedade de o concessionário fornecer à ANP relatórios, dados e informações relativos às atividades desenvolvidas. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que a redação desse inciso deveria contemplar, isto sim, o fornecimento à ANP de "relatórios contendo dados e informações". Dessa forma, em linha com o inciso XI do art. 8º e o caput do art. 22 da Lei nº 9.478/97, cabe à agência reguladora a definição dos padrões a serem observados pelas empresas concessionárias para a apresentação de tais relatórios.
Por outro lado, a obrigatoriedade de o concessionário disponibilizar para a ANP mapas, seções e interpretações, estabelecida na cláusula décima-sétima, não encontra suporte em qualquer dispositivo da Lei do Petróleo. Adicionalmente, como já discutido, esses elementos gozam da proteção à propriedade intelectual conferida pela Constituição Federal, pelo TRIPS [16] e pela Lei nº 9.610/98. Em conseqüência, a obrigatoriedade fixada na cláusula décima-sétima deve se limitar ao fornecimento de dados e informações obtidos como resultado das operações de exploração e produção, realizadas sob o contrato.
É bem verdade que, ao longo da execução do contrato de concessão, ocorrem situações nas quais a divulgação à ANP de mapas, seções e interpretações é do interesse do próprio concessionário. É o que ocorre, por exemplo, quando o concessionário busca a aprovação da agência para planos de avaliação de descobertas realizadas próximo ao final da fase de exploração e para planos de desenvolvimento. Nesses casos, entretanto, cabe exclusivamente ao concessionário decidir acerca de que mapas, seções e interpretações devem ser apresentados ao órgão regulador.
Adicionalmente, a agência estará submetida ao cumprimento do disposto na legislação do direito autoral em relação à utilização desse material para outros fins que não a análise do pleito do concessionário. No tocante à sua divulgação, a autarquia estará, ainda, vinculada às restrições impostas pela Portaria da ANP nº 114/2000, como se discutirá adiante.
Na minuta do contrato de concessão da sexta rodada de licitações, foi incluído um parágrafo que apenas reafirma o princípio estabelecido no caput do art. 22 e a previsão contida no inciso VIII do art. 43, ambos da Lei do Petróleo, bem como a obrigação da agência reguladora em relação ao cumprimento dos períodos de confidencialidade determinados nas Portarias nº 188/98 e nº 114/2000 e na cláusula de confidencialidade do contrato de concessão.
Na disciplina do contrato de concessão e do art. 3º do Regulamento Técnico nº 4/2001 (Amostragem de Rochas e Fluidos) da ANP, aprovado por meio da Portaria nº 283, de 14 de novembro de 2001, as amostras de rochas e de fluidos são equiparadas aos dados e informações [17]. Nessa linha, a cláusula décima-sétima permite que o concessionário envie ao exterior amostras de rochas, fitas magnéticas e outros dados técnicos, obrigando-se a fazê-los retornar ao País. Enquanto o material estiver fora do País, deve ser mantida cópia da informação ou dado ou equivalente de amostra em território nacional. Em contrapartida, o concessionário deve, ainda, entregar à ANP cópia dos resultados do processamento ou análise realizados, imediatamente após recebê-los. Pelas razões já apontadas, não há que se falar na entrega, à agência reguladora, de dados e informações interpretadas. Para os blocos licitados a partir da 5ª Rodada de Licitações foi incluída, nos respectivos contratos de concessão, a exigência de autorização prévia e expressa da ANP para que se faça a remessa de amostras de rochas, dados e informações ao exterior.
3.4.3 A cláusula de confidencialidade do contrato de concessão
A cláusula de confidencialidade dos contratos de concessão estabelece a regra geral de que todos os dados e informações obtidos como resultado das atividades de exploração e produção serão considerados confidencias e, portanto, não poderão ser divulgados pelo concessionário, sem o prévio consentimento da ANP.
No contrato de concessão da primeira rodada de licitações, a mesma cláusula, em confusa redação, estabelece, ainda, as exceções a essa regra: quando os dados e informações já forem públicos ou se tornarem públicos através de terceiros autorizados a divulgá-los; quando essa divulgação for imposta por lei ou determinação judicial, ou feita de acordo com as regras e limites determinados por bolsa de valores em que se negociem ações do concessionário, ou de suas afiliadas; para consultores ou agentes do concessionário; para possíveis cessionários de boa fé [18]; e para instituições financeiras a que o concessionário esteja recorrendo. Em todos esses casos, a divulgação de dados e informações deve se dar mediante prévio acordo de confidencialidade, em que esses terceiros se obrigarão a cumprir o disposto nesta cláusula, sem que haja, contudo, o benefício das exceções previstas para a divulgação sem o consentimento prévio da ANP, acima enumeradas. Por razões óbvias, entretanto, o acordo de confidencialidade não será exigível nas hipóteses em que os dados forem públicos ou em que a divulgação seja imposta por lei ou determinação judicial ou ainda quando a divulgação se der de acordo com as regras aplicáveis às bolsas de valores [19].
Em que pese ao disposto na cláusula em questão, se a divulgação for determinada por lei ou determinação judicial, evidentemente, não se cogitará de autorização prévia da agência reguladora, mesmo que tal divulgação seja feita por terceiros, e não diretamente pelo concessionário. O que se poderia cogitar nesses casos é, tão-somente, o estabelecimento da obrigatoriedade da comunicação da divulgação à agência reguladora.
Nos termos da cláusula em tela, as obrigações de confidencialidade permanecem, mesmo após a extinção do contrato de concessão.
Adicionalmente, "a ANP se compromete, durante a fase de exploração, a não divulgar quaisquer dados e informações obtidos como resultado das operações e que digam respeito às parcelas retidas pelo concessionário, exceto quando essa divulgação for necessária no cumprimento das disposições legais que lhe sejam aplicáveis ou dando curso às finalidades para as quais foi constituída".
Vale mencionar, ainda, que em que pese à possibilidade da divulgação de D&I quando estes se "tornarem públicos através de terceiros autorizados a divulgá-los", não há na regulamentação aplicável aos D&I previsão de autorização para terceiros procederem à sua divulgação.
O edital da segunda rodada de licitações trouxe três inovações na cláusula de confidencialidade. Por meio da primeira passou-se a permitir ao concessionário a divulgação de dados e informações para suas afiliadas. Essa alteração, todavia, veio acompanhada de outra, que excluiu, aparentemente por erro material, a possibilidade de divulgação feita de acordo com as regras aplicáveis às bolsas de valores onde se negociem ações de afiliadas do concessionário. Por meio da terceira alteração, o compromisso da ANP de não divulgar D&I relativos à área de concessão foi ampliado para vigorar também ao longo da eventual fase de produção.
Nos contratos da terceira rodada de licitações, passou-se a admitir a divulgação de D&I para consultores e afiliadas dos possíveis cessionários de boa fé, bem como para os consultores de instituições financeiras a que o concessionário esteja recorrendo.
Com a realização da quarta rodada, mais uma inovação foi incorporada ao regime de confidencialidade dos D&I de exploração e produção de petróleo e gás natural. Desta feita, foi contemplada a possibilidade de divulgação para concessionários de área adjacente, bem como seus consultores e afiliadas, com vistas à celebração de eventual acordo para individualização da produção [20].
A cláusula de confidencialidade do contrato de concessão da quinta rodada de licitações foi reescrita, o que resultou num texto consideravelmente mais claro e objetivo. Em contrapartida, foi incorporada a obrigação do concessionário de, no prazo de trinta dias, dar conhecimento à ANP da relação de dados e informações repassados a terceiros, das razões da divulgação e da relação de terceiros que tiveram acesso ao material, bem como de fornecer uma cópia do acordo de confidencialidade, nas hipóteses de divulgação de D&I para cessionários de boa fé, seus consultores e afiliadas, e para concessionários de área adjacente, com vistas à celebração de acordo para a individualização da produção. Adicionalmente, a possibilidade de divulgação feita de acordo com as regras e limites determinados por bolsa de valores em que se negociem ações de afiliadas do concessionário, como previsto nos contratos da primeira rodada de licitações, foi novamente contemplada, embora um provável erro material possa ainda trazer alguma dúvida na interpretação desse dispositivo [21]. Não foi incorporada qualquer alteração na cláusula de confidencialidade do contrato de concessão da sexta rodada de licitações.
Em que pese ao aprimoramento da redação da cláusula de confidencialidade, sobretudo a partir da minuta da quinta rodada de licitações, ainda não foi contemplada a possibilidade de divulgação de D&I de um concessionário para outra empresa de petróleo, não necessariamente concessionária de outro bloco, com vistas à participação conjunta dessas empresas nas rodadas de licitações promovidas pela ANP. Ao que tudo indica, o motivo pelo qual essa divulgação não é prevista no contrato de concessão é que tal permissivo ensejaria a possibilidade de acesso ao pacote de dados e informações disponibilizado pela ANP em cada licitação, sem o pagamento da correspondente taxa de participação, que nos termos do art. 15, V, da Lei do Petróleo, constitui uma das fontes de receita da autarquia. Assim, uma solução que contemple tanto o interesse da agência reguladora, como o das empresas de petróleo, converge para a possibilidade de divulgação de D&I, excluídos aqueles constantes do pacote preparado pela ANP, em cada rodada de licitações.
5. Os dados e informações nas portarias da ANP
5.1 A Portaria n° 188/98
A Portaria nº 188 da ANP, de 18 de dezembro de 1998, disciplina as atividades de aquisição de dados aplicáveis à pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, em linha com o disposto nos artigos 8º, incisos III e IX, e 22, caput, da Lei do Petróleo.
O art. 1° contém as definições utilizadas ao longo desse instrumento normativo. De acordo com esse dispositivo, somente duas classes de empresas poderão executar as atividades de aquisição, processamento e interpretação de dados geológicos, geofísicos e geoquímicos para sua utilização nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural:
a) as empresas concessionárias; ou
b) as empresas de aquisição de dados (EADs), definidas como aquelas especializadas em aquisição, processamento, interpretação e venda (sic) de dados [22], que se refiram, exclusivamente, à atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural.
Em conseqüência, os dados adquiridos em razão das atividades de E&P são caracterizados, respectivamente, como:
a) dados exclusivos: assim considerados aqueles cuja aquisição foi realizada por empresa concessionária, em sua área de concessão, por meio de EAD por ela contratada ou por meios próprios; ou
b) dados não-exclusivos [23]: entendidos como aqueles adquiridos por EAD – em área sob concessão ou não –, com a autorização da ANP [24].
São definidos ainda no art. 1º, os três estágios de cognição considerados para efeito da regulamentação em tela:
a) aquisição ou coleta de dados;
b) processamento/reprocessamento de dados [25]: atividades de tratamento de dados que visam à prepará-los para posterior interpretação;
c) interpretação de dados: estudo dos dados adquiridos e processados, formalizado por meio da produção de relatórios, mapas e outros documentos.
Para os fins da Portaria nº 188/98, o termo "dados" compreende tanto o produto da atividade de aquisição, como o resultado dos procedimentos posteriores: processamento, eventual reprocessamento e interpretação, conforme as definições acima.
Por fim, o art. 1º estabelece a definição do período de confidencialidade, durante o qual, os dados – exclusivos e não-exclusivos – não poderão ser divulgados pela ANP para terceiros.
Nos termos do § 1º do art. 2º, as autorizações outorgadas às EADs pela ANP para a realização das campanhas de aquisição de dados têm caráter intuitu persone, e assim, somente poderão ser objeto de cessão de direitos mediante o prévio consentimento por parte da agência reguladora. Os direitos de comercialização dos dados não-exclusivos poderão, contudo, ser cedidos para outra EAD, devendo a cessão ser comunicada à ANP, no prazo de trinta dias, como previsto no § 3º do art. 14. Por força do disposto no inciso II do art. 4º, as EADs detentoras de direitos de comercialização de dados não-exclusivos são obrigadas a oferecer a possibilidade de aquisição dos direitos de uso desses dados a qualquer empresa nacional ou estrangeira que tenha interesse na sua aquisição [26].
As empresas concessionárias, por seu turno, estão dispensadas de requerer autorização para a aquisição de dados em sua área de concessão, devendo, entretanto, fornecer à ANP as informações listadas no art. 7º, com a antecedência mínima de vinte dias da data prevista para o início das operações [27]. Os §§ 2º e 3º do art. 5º, revogados pelo art. 1º da Portaria nº 35, de 1º de março de 1999, estabeleciam, respectivamente, a prioridade para executar o levantamento de dados, numa determinada área, da concessionária em relação à EAD e, entre as EADs, daquela que primeiro obtivesse a autorização da ANP. Dessa forma, passou a viger apenas a regra prevista no § 1º do mesmo artigo, segundo o qual, quando coincidirem as operações de aquisição de dados na mesma área de uma bacia sedimentar, caberá às empresas (concessionária e EAD ou, duas ou mais EADs) acordar um programa de operações que possibilite o regular desenvolvimento dos trabalhos, evitando qualquer interferência mútua. A revogação do § 2º do art. 5º resultou num conflito entre a Portaria nº 188/98 e o contrato de concessão, mais precisamente, entre a regra contida no § 1º do art. 5º e aquela estabelecida no parágrafo do contrato de concessão que trata do levantamento de dados em bases não-exclusivas, inserido na cláusula que descreve o objeto do contrato, que determina que de nenhum modo tais levantamentos poderão afetar o curso normal das operações [28]. Como tanto os contratos de concessão celebrados antes como aqueles celebrados após a revogação do § 2º do art. 5o contêm o referido dispositivo, conclui-se que os direitos do concessionário estão resguardados.
Por outro lado, a revogação do § 3º do art. 5º, associada à sempre presente possibilidade de as EADs não chegarem ao acordo previsto no § 1º do art. 5º, deu origem a uma lacuna na regulação dos levantamentos de dados em base não-exclusivas, em desacordo com a atribuição da ANP estabelecida no inciso III do art. 8º da Lei do Petróleo e, assim, a eventual controvérsia entre as EADs deverá ser resolvida nos termos do art. 20 da Lei do Petróleo, que determina que o regimento interno da ANP disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos. Dessa forma, com a exclusão de uma regra objetiva de decisão criou-se um desnecessário e indesejável espaço para o exercício do poder discricionário do órgão regulador.
Por força do disposto no art. 8º, II, é vedada às concessionárias qualquer possibilidade de comercialização de dados exclusivos. Nesse sentido, é importante salientar que a prática de ressarcimento por sunk costs, por meio da qual, nas operações de cessão total ou parcial dos direitos de E&P, as empresas cessionárias pagam às cedentes o valor correspondente aos custos incorridos até a data da cessão – dentre os quais se incluem os de aquisição de D&I – não pode ser confundida com a atividade de comercialização de D&I, concluindo-se, assim, por sua licitude. O mesmo dispositivo, por outro lado, permite que as concessionárias efetuem a troca de seus dados exclusivos pelos dados de outra empresa – concessionária ou não – ainda que esses dados sejam referentes a bacia sedimentar situada no exterior [29]. A Portaria nº 188/98 não estabelece a obrigatoriedade de autorização prévia, nem de comunicação posterior à ANP das operações de troca de dados.
Embora não se tenha estabelecido na Portaria nº 188/98 a obrigatoriedade de celebração de acordo de confidencialidade, é de todo recomendável que se proceda à execução desse instrumento, quando houver divulgação de dados, originais ou processados, por concessionária ou por EAD, à semelhança do previsto na cláusula de confidencialidade do contrato de concessão.
As EADs (art. 4º, V) e as concessionárias (art. 8º, III) são obrigadas a fornecer à ANP, no prazo de sessenta dias contados da data da conclusão do trabalho, cópia dos dados e dos relatórios de aquisição, processamento, reprocessamento e interpretação, conforme o caso. Todavia, como já assinalado, a obrigatoriedade do fornecimento de cópia do produto da interpretação de dados e informações à ANP, tanto por parte das concessionárias como por parte das EADs, não encontra suporte no art. 22 ou em qualquer outro dispositivo da Lei do Petróleo. Ademais, como também já se demonstrou, o resultado do trabalho de interpretação desfruta dos direitos estabelecidos na Constituição Federal, no TRIPS e na Lei nº 9.610/98. Assim, a divulgação, para terceiros, de dados e informações interpretadas se dará nos termos e nas condições estabelecidas a exclusivo critério da empresa – concessionária ou EAD – titular dos direitos de propriedade intelectual.
O art. 14 da Portaria nº 188/98 estabelece os períodos de confidencialidade a que têm direito as EADs e as empresas concessionárias, contados da data de conclusão das operações de aquisição, como mostrado a seguir [30]:
a) EADs:
1. dados sísmicos: dez anos;
2. dados de magnetrometria e gravimetria: dez anos;
3. dados geoquímicos: dez anos;
4. dados de poços: dois anos.
b) Concessionárias:
1. dados sísmicos: cinco anos;
2. dados de magnetrometria e gravimetria: cinco anos;
3. dados geoquímicos: cinco anos;
4. dados de poços: dois anos.
De acordo com o disposto no § 1º do art. 14, os dados de batimetria são acessíveis ao público desde sua aquisição. Por extensão, os demais dados geológicos e geofísicos não relacionados no art. 14 não estão, da mesma forma, protegidos pelo regime da confidencialidade.
O § 4º do art. 14 dispõe que "o prazo de confidencialidade a que têm direito as concessionárias terminará antecipadamente, caso, por qualquer motivo, seja rescindido ou extinto o contrato de concessão". Aqui, é importante ressaltar que pela dicção desse dispositivo, o encerramento antecipado do prazo de confidencialidade não se verifica nas hipóteses de transferência do contrato de concessão. Adicionalmente, como o direito ao período de confidencialidade do concessionário que efetuou o levantamento dos dados é conferido por meio de portaria, não há que se cogitar que esse direito, nos casos de transferência do contrato, passe a ser da titularidade do novo concessionário, como ocorre com os direitos e obrigações estabelecidos no contrato de concessão. Em outras palavras, a empresa concessionária que adquiriu os dados permanece com o direito ao período de confidencialidade, mesmo que a área de onde os dados foram adquiridos passe à titularidade de outra concessionária, seja por efeito de devolução de área e posterior processo licitatório, seja por meio de processo de cessão de direitos.
Para se compreender o alcance do regime da confidencialidade em favor do concessionário, deve-se, ainda, cotejar a regra estabelecida no art. 14 da Portaria nº 188/98 com o correspondente dispositivo do contrato de concessão. Com efeito, como já mencionado, os contratos de concessão das rodadas zero e um prevêem o compromisso da ANP de não divulgar, durante a fase de exploração, D&I relativos às áreas retidas pelo concessionário, exceto quando a divulgação for necessária para o cumprimento das disposições legais que lhe sejam aplicáveis ou dando curso às finalidades para as quais foi constituída. A partir da segunda rodada esse compromisso foi estendido às áreas retidas durante a fase de produção [31].
Dessa forma, conclui-se que na vigência do contrato de concessão, mesmo ultrapassados os prazos previstos no art. 14 da Portaria nº 188/98, os D&I das áreas retidas pelo concessionário estarão protegidos e, portanto, não poderão ser divulgados pela agência reguladora, em face do regime de confidencialidade do contrato de concessão. Nesse caso, a divulgação somente poderá ocorrer em razão de imposição legal, determinação judicial, bem como nas hipóteses em que a ANP der curso as atividades para as quais foi constituída, como por exemplo, para instruir processos com vistas à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural (art. 8º, inciso VIII, da Lei do Petróleo). Em se tratando de áreas retidas pelo concessionário, não se pode cogitar, evidentemente, da hipótese de divulgação de dados, por parte da ANP, para a promoção de licitações (art. 8º, inciso IV, da Lei do Petróleo).
Em relação às áreas devolvidas pelo concessionário, aplicam-se tão-somente os prazos estabelecidos no art. 14, observada ainda a regra a limitação imposta no § 4º.
Por fim, o art. 16 da Portaria nº 188/98, de maneira atécnica, estabelece que uma vez esgotados os períodos de confidencialidade, os dados passam a ser de propriedade "exclusiva" da União, como se até então, concessionário e União ou, EAD e União, conforme o caso, fossem co-proprietários dos dados. Na realidade, o que ocorre é que, de acordo com o caput do art. 22 da Lei do Petróleo, o único titular dos D&I é a União, sendo que no período de confidencialidade, a ANP está impossibilitada de divulgá-los a terceiros.
Ainda, segundo o disposto no art. 16, transcorridos os períodos de confidencialidade, cabe à agência reguladora, a seu exclusivo critério, torná-los acessíveis a terceiros. Esta última regra expõe outra antinomia entre o disposto na Portaria nº 188/98 e as regras do contrato de concessão e do termo de confidencialidade do edital de licitações da ANP (anexo IV), já que esses instrumentos permitem ao concessionário a divulgação de D&I, sem o prévio consentimento da ANP, quando esses D&I já forem públicos ou se tornarem públicos por meio de terceiros autorizados a divulgá-los. Neste caso, da mesma forma, como tanto os contratos de concessão e os termos de confidencialidade assinados antes como aqueles assinados após a publicação da Portaria nº 188/98 contêm o mencionado dispositivo, conclui-se pela licitude da divulgação de D&I públicos por parte do concessionário, desde que esses D&I sejam relativos a sua área de concessão. Da mesma forma, o receptor do pacote de dados poderá divulgar D&I públicos para terceiros, pois assim o autoriza o termo de confidencialidade constante do edital da ANP.
No caso específico do termo de confidencialidade do edital de licitações, nota-se uma contradição ainda mais evidente, pois ou os dados estão protegidos pelo regime da confidencialidade e, portanto, não podem ser divulgados e não podem constar do pacote de dados disponibilizado pela ANP ou são públicos e, assim, sujeitos à regra do art. 16 da Portaria nº 188/98, que confere à ANP a exclusividade da decisão de divulgá-los a terceiros. Assim, na realidade, o correto seria a agência tão-somente alertar o receptor do pacote de dados em relação à necessidade da observância dessa regra em vez de exigir a assinatura desse inócuo termo de confidencialidade.
5.2 A Portaria n° 114/2000
A Portaria nº 114/2000 regulamenta o acesso aos dados e informações sobre as bacias sedimentares brasileiras e, a exemplo da Portaria nº 188/98, tem por fundamento os artigos 8º, incisos III e XI e 22, caput, da Lei do Petróleo.
O art. 2º contém a relação de termos definidos utilizados nesta portaria. A primeira definição – dados – é equivalente à formulada na Portaria nº 188/98. O mesmo artigo estabelece ainda três categorias de dados:
a) dados públicos: aqueles que não se encontram em período de confidencialidade;
b) dados confidenciais: aqueles que se encontram em período de confidencialidade;
c) dados secretos, nos quais se incluem, de maneira genérica, interpretações, e ainda a seguinte relação exemplificativa (in verbis): "dados de valoração de reservas, estudo de viabilidade técnico-econômica e custos de produção por campo referentes às atividades específicas de determinada empresa, que contêm informações de seu exclusivo interesse estratégico e comercial".
Implicitamente, a noção de período de confidencialidade não se aplica aos dados secretos, e portanto, se conclui que tais dados não se tornarão públicos.
Das definições relativas a estágios de cognição estabelecidas na Portaria nº 188/98, duas são reafirmadas na Portaria no 114/2000:
a) reprocessamento de dados;
b) interpretação de dados.
Mais duas definições foram incorporadas à Portaria nº 114/2000:
a) período de confidencialidade: "período de tempo regulamentado pela ANP durante o qual o dado será mantido em sigilo";
b) banco de dados de exploração e produção/BDEP: "acervo de informações e dados públicos, confidenciais e secretos sobre as bacias sedimentares brasileiras organizado e mantido pela ANP".
O art. 3º lista os requisitos para o acesso a dados públicos por parte de pessoas físicas e pessoas jurídicas, dentre os quais se destaca, nos dois casos, a apresentação das razões pelas quais se deseja ter acesso aos dados [32]. No caput do art. 4º é explicitada a regra segundo a qual, os dados confidenciais e os secretos que estejam armazenados em seu banco de dados não serão divulgados a terceiros pela ANP. A ANP reserva-se, entretanto, o direito de acessar tais dados, conforme estabelece o parágrafo único do art. 4º. Embora não haja previsão expressa, deve-se admitir a possibilidade de renúncia ao período de confidencialidade, quer por parte do concessionário, quer por parte da EAD, se assim, por qualquer razão, lhes convier. O acesso gratuito aos dados públicos pelas universidades, para fins acadêmicos, é garantido por meio do § 3º do art. 5º. Por analogia, pode-se admitir que o acesso gratuito aos dados públicos deve ser estendido aos centros de pesquisa e demais instituições, desde que assegurada a finalidade acadêmica.
No art. 6º é enunciada a regra geral que proíbe as pessoas físicas e jurídicas de divulgar a terceiros os dados aos quais tiveram acesso. O mesmo dispositivo estabelece as exceções à regra geral, trazendo a relação de terceiros aos quais é permitida a divulgação dos dados:
a) consultores contratados;
b) empresas afiliadas;
c) empresas parceiras em concessões da ANP;
d) empresas com as quais tenha vínculo contratual que não caracterize compra, venda (sic) ou cessão de dados [33].
São ainda previstas as hipóteses de divulgação por determinação do governo federal, da ANP e em razão da legislação vigente. Não obstante, como já ressaltado, independentemente da regra contida neste dispositivo, a possibilidade de divulgação de dados públicos é garantida ao concessionário, nos termos da cláusula de confidencialidade do contrato de concessão, desde que tais dados sejam relativos a sua área de concessão.
Por meio do art. 7º, a ANP avoca a prerrogativa de outorgar a autorização a pessoas físicas residentes no Brasil e a pessoas jurídicas, constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, para o exercício das atividades de reprocessamento e de interpretação de dados para fins de comercialização. É importante ressaltar, entretanto, que o respaldo legal para a regulação, pela ANP, das atividades de levantamento de dados destinados à comercialização em bases não-exclusivas – estabelecido no inciso III do art. 8º da Lei do Petróleo –, e para organizar e manter o acervo dados e informações – determinado nos artigos 8º, XI e 22, caput, também da Lei do Petróleo –, não legitima a ANP para exercer a regulação das atividades de processamento ou reprocessamento de dados e, por mais forte razão, de interpretação de dados e informações.
Assim, a exigência, estabelecida na Portaria nº 114/2000, de autorização da agência reguladora para o exercício das atividades de reprocessamento de dados e de interpretação de dados e informações, mesmo que para fins de comercialização, constitui flagrante desrespeito ao princípio constitucional da legalidade, já que não encontra suporte na Lei nº 9.478/97 ou em qualquer outro dispositivo legal. Pela mesma razão, a exigência de anuência prévia da ANP para a cessão dos direitos de comercialização do produto da atividade de reprocessamento de dados, estabelecida no parágrafo único do art. 9º, configura também violação do referido princípio constitucional.
No inciso III do art. 8º é estabelecida a obrigatoriedade do fornecimento de cópia do produto das atividades de reprocessamento de dados e de interpretação de dados e informações. Partindo-se do princípio de que informações constituem o produto da atividade de processamento ou reprocessamento de dados, como já discutido, conclui-se que a exigência do fornecimento de cópia do resultado do reprocessamento (informação) tem amparo na regra estabelecida nos artigos 8º, XI e 22, caput, da Lei do Petróleo, que conferem à ANP a atribuição de administrar o acervo de dados e informações. Por outro lado, a obrigatoriedade do fornecimento à autarquia do produto da atividade de interpretação de D&I constitui violação dos princípios estabelecidos na Constituição Federal, no TRIPS e na Lei nº 9.610/98, como também já ressaltado.
O art. 9º confere o período de confidencialidade, em favor da pessoa física ou jurídica que executou a atividade de reprocessamento de dados, de cinco anos contados da data da conclusão do trabalho. Contudo, vale ressaltar que, em relação ao reprocessamento de dados geofísicos (sísmica, magmetrometria e gravimetria) realizado por EAD, prevalece o disposto nos artigos 14, a, I e II e, § 2º da Portaria nº 188/98, segundo o qual o período de confidencialidade a que essas empresas têm direito é de dez anos.
Por fim, o art. 12 determina que as infrações às disposições da Portaria nº 114/2000 estarão sujeitas às sanções previstas na Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999 [34]. A respeito, deve-se atentar também para o disposto no Regulamento de Procedimento de Imposição de Penalidades, aprovado por meio da Portaria nº 234, de 12 de agosto de 2003, em especial nos artigos 3º, VIII, IX e X; 4º, III; 5º, VII, VIII, X e § 3º; 8º, II; e 9o (35).