A Lei nº 13.491/17 e seus reflexos na atividade de Polícia Judiciária Militar

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22/10/2017 às 23:06

Resumo:


  • A Lei n. 13.491/17 promoveu alterações no Código Penal Militar, ampliando a competência da Justiça Militar.

  • Essa mudança resultou em novos critérios para considerar um crime como militar, incluindo situações previstas no art. 9º do CPM.

  • Os crimes praticados por militares da ativa e por militares da reserva, reformados ou civis, em determinadas situações, passaram a ser considerados militares, alterando a competência da Polícia Judiciária Militar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo visa apresentar as alterações produzidas no Código Penal Militar pela Lei n. 13.491/17, que ampliou, significativamente, a competência da Justiça Militar, com um viés voltado para a atividade de Polícia Judiciária Militar.

1. INTRODUÇÃO                                                                                                            

No dia 13 de outubro de 2017 foi sancionada a Lei n. 13.491/17, que surpreendeu o mundo jurídico, dada a inesperada e profunda alteração de impingiu no Código Penal Militar (CPM), ao ampliar significativamente a competência da Justiça Militar, com a nova redação dada ao seu art. 9º.

É o que destacou Aury Lopes Jr.[1], ao ponderar que:

Foi com bastante perplexidade que a comunidade jurídica recebeu a Lei 13.491/2017, recentemente sancionada e que amplia a competência da Justiça Militar Federal e, como veremos, também da Justiça Militar estadual.

Indo de encontro a toda uma tendência de esvaziamento da jurisdição militar (inclusive, em muitos estados, é recorrente a polêmica sobre a extinção da Justiça Militar estadual) para que ela se ocupe apenas daqueles crimes em que existe uma real afetação do interesse militar. Há décadas a jurisprudência consagrou que não basta ser crime militar, praticado por militar e em alguma das situações do artigo 9º do CPM, é preciso que exista a ‘efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos das forças armadas’ ou uma ‘situação de interesse militar’. Sem dúvida tal critério deverá ser revisto, diante da ampliação da competência a seguir explicado.

Eis a nova redação:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:   (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;           

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou      (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;    (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

Em que pese a atualidade da alteração legislativa, o assunto já tem sido alvo de interessantes análises jurídicas, algumas destacaremos aqui, e até mesmo de ferrenhas críticas que desacreditam a capacidade, bem como a isenção, dos juízos militares e da Polícia Judiciária Militar para o efetivo enfrentamento da nova gama de ilícitos penais que agora se apresentam sob a sua tutela.

Nessa vertente, visando apresentar uma contribuição para o debate, e tendo a plena convicção da capacidade jurídica e técnica que as Instituições Militares detêm para a condução da persecução criminal, bem como dos juízos militares para o recebimento dessa nova demanda e o seu legal processamento, ambos criticados somente por aqueles que as desconhecem, analisaremos como deverão se comportar as Autoridades de Polícia Judiciária Militar doravante.


2. O MOMENTO DA FIXAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR

A atribuição de Polícia Judiciária Militar, ou seja, a atribuição legal para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (APF) ou do Inquérito Polícia Militar (IPM), bem como a prática dos atos de persecução criminal na sua fase pré-processual, serão fixadas a partir do juízo de tipicidade formal que se exerce sobre um fato tido como criminoso – o amoldamento da conduta ao tipo penal incriminador.

Nesse sentido, conforme já destacamos na obra “Crime militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria & prática”:

Às Polícias Civis de cada estado-membro, segundo Denílson Feitoza, incumbe a investigação das infrações penais comuns que não cabem à Polícia Federal e cujo processamento se dará perante as respectivas Justiças Estaduais Comuns – sua atribuição é residual.

À Polícia Federal cabe, precipuamente, a investigação dos crimes cujo processamento se dará, em regra, perante a Justiça Federal, conforme estabelece o art. 144, I, da CRFB/88188.

Compete à Polícia Judiciária Militar, como regra estabelecida no art. 8º, “a”, do CPPM, “apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria”. 

No âmbito da Justiça Militar da União, a atribuição de Polícia Judiciária será exercida pelas Forças Armadas (Exército, Marinha ou Aeronáutica) e, no âmbito das Justiças Militares Estaduais, pelas Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, em relação aos seus respectivos integrantes.

Destarte, a par da notitia criminis acerca da ocorrência de um fato criminoso, tendo como autor um militar estadual ou das Forças Armadas, surge a necessidade imediata de se definir qual a autoridade policial com atribuição para assumir as investigações policiais.

E é exatamente nesse instante que incumbe ao aplicador da lei penal militar perquirir, nos termos do art. 9º do CPM, que é o elemento especializador capaz de tornar determinado fato um crime militar ou de afastar a tipicidade penal militar, se se trata de um crime militar ou de um crime comum, e é neste momento que se instala a atribuição de Polícia Judiciária.


3. UM NOVO CONCEITO DE CRIME MILITAR

Até a edição da Lei n. 13.491/17, podia-se dizer que a adequação típica penal militar se dava por meio do seguinte binômio: amoldamento ao art. 9º e em um crime militar em espécie, descrito na Parte Especial do CPM. Esse binômio sofreu uma profunda ampliação.

Agora, o conceito de crime militar para fixação da competência do juízo militar e, consequentemente, para o exercício da atribuição de Polícia Judiciária Militar passou a ser: amoldamento às situações do art. 9º e em um crime descrito na Parte Especial do CPM ou na legislação penal comum brasileira.

Há quem diga que temos aqui um novo conceito para o crime impropriamente militar, que passa a ser aquele previsto no CPM com igual definição na lei penal comum, bem como qualquer um previsto na legislação penal comum, quando praticado nas situações do inciso II do art. 9º do CPM.

Ocorre que não houve a criação de novos tipos penais militares de modo a torná-los impróprios. Os crimes militares continuam a ser somente aqueles previstos no CPM, os quais se subdividem em propriamente e impropriamente militares.

Na verdade, o que houve foi uma ampliação de competência da Justiça Militar e, por decorrência, da atribuição de Polícia Judiciária Militar, para a apuração de crimes comuns, que serão considerados militares, quando praticados nas situações especiais do inciso II do art. 9º do CPM.

Destaca-se que as situações descritas no aludido inciso aplicam-se apenas aos militares da ativa. Assim, qualquer crime, previsto no CPM ou na legislação penal comum, será considerado militar quando praticado, em síntese, por militares da ativa nas seguintes situações: (1) entre militares da ativa; (2) em lugar sujeito à Administração Militar contra qualquer pessoa; (3) de serviço ou agindo em razão da função, ou em período de manobras ou exercício, em qualquer lugar e contra qualquer pessoa; (4) contra o patrimônio ou a ordem administrativa militar.

Ressalta-se, outrossim, que a alteração legislativa não ampliou apenas as situações em que os militares da ativa cometem crimes militares. Refletiu, também, nas situações descritas nas alíneas “a” a “d”, do inciso III, do art. 9º, do CPM, que estabelecem quando os militares da reserva remunerada ou reformados e civis, estes somente no âmbito do Justiça Militar da União[2], praticam crimes militares. Essa constatação se deve ao fato de que o mencionado inciso III remete a sua aplicação aos crimes compreendidos no inciso II.

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Por essa razão, agora, todos os crimes compreendidos pelo inciso II, ou seja, crimes descritos no CPM e na lei penal comum, praticados por militares da reserva remunerada ou reformados e civis, serão militares quando praticados nas situações do inciso III, do art. 9º, do CPM que são, em síntese: (1) contra militar da ativa que esteja em serviço em qualquer lugar ou, se de folga, em local sujeito à Administração Militar; (2) contra funcionário da Justiça Militar que esteja no exercício da sua função; (3) contra patrimônio sob a Administração Militar; (4) contra a ordem administrativa militar.

Verifica-se que, até então, o único crime comum cuja investigação era, e continua sendo, legalmente atribuída à Polícia Judiciária Militar no âmbito estadual é o crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual em serviço, tendo o art. 9º recebido apenas um aprumo constitucional com a inserção da expressão “Tribunal do Júri” no seu novo §1º, no lugar de “justiça comum”, mencionada no revogado parágrafo único.[3]

Certo é que a aludida alteração, aplicável apenas no âmbito estadual, ressuscitará a discussão acerca da criação do Tribunal do Júri no âmbito das Justiças Militares, assunto este que há algum tempo já havia sido tratado por Fernando Galvão[4], quando disse que “A instituição do Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual não constitui nenhuma excepcionalidade, posto que este órgão jurisdicional não é privativo da Justiça Comum Estadual e também existe na Justiça Comum Federal”; e, agora, vem a ser reforçado pela Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (FENEME)[5], em nota técnica expedida acerca da nova lei:

Outro ponto muito importante, nos crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militar estadual e do Distrito Federal a serviço, passam a ser tratados exatamente como na Constituição Federal: competência do júri, e não mais da justiça comum como trazia o texto do parágrafo único do artigo 9º anterior.

Isso reacende a discussão do júri em sede de justiça militar, como ocorre com a justiça eleitoral, federal, pois o júri não pertence a justiça comum, é um Instituto que pode ocorrer em qualquer justiça.

Outra alteração, esta afeta apenas aos crimes militares praticados pelos militares das Forças Armadas, se deu com a inserção do § 2º, que, na verdade, somente veio a firmar o que a doutrina e a jurisprudência já sinaliza como sendo a constitucional intepretação do CPM, conforme realça Aury Lopes Jr.[6]:

É verdade que parte da doutrina e inclusive da jurisprudência do STM já sustentava que a competência do júri só se aplicaria à Justiça Militar estadual, fazendo uma leitura literal e restritiva do artigo 125, parágrafo 4º da Constituição. Contudo, também é verdade que esse desvio de função das Forças Armadas, para exercerem um policiamento urbano ‘a la carte’, é algo novo, posterior à mudança do texto constitucional. A aplicação por analogia (ou interpretação extensiva se preferir) do artigo 125, parágrafo 4º da CF aos militares das Forças Armadas, diante dessa nova situação, também seria plenamente sustentável.

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Sobre o autor
Maurício José de Oliveira

É Major da Polícia Militar de Minas Gerais. Exerce a função de Chefe da Seção de Assessoria Jurídica da Diretoria de Recursos Humanos da PMMG. Possui graduação em Ciências Militares, bacharelado em Direito, Especialização em Direito Público, em Segurança Pública e em Gestão Estratégica em Segurança Pública. Membro Colaborador da Comissão de Direito Militar da OAB/MG. Membro efetivo-curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa da PMMG. É autor dos livros: Comentários ao Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais – CEDM (Lei n. 14.310 de 2002) - 3ª edição; Crime Militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria & prática. É professor na Academia da PMMG, nas cadeiras de Direito Penal Militar e Processos Administrativos. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6206960816866778

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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