4. O QUE MUDA PARA A AUTORIDADE POLICIAL-MILITAR
Conforme já adiantado por Rodrigo Foureaux[7], foram mitigadas as Súmulas 06, 75, 90, 172, editadas pelo STJ[8], que extirpavam da competência da justiça militar os crimes decorrentes de acidente de trânsito na condução de viatura, o crime de promoção ou facilitação de fuga de preso de estabelecimento penal comum e os crimes de abuso de autoridade e tortura.
Agora, todos os fatos criminosos praticados nas situações descritas nas alíneas do inciso II, do art. 9º, do CPM, quando o sujeito ativo for militar da ativa, e do inciso III do mesmo dispositivo castrense, quando o sujeito ativo for militar da reserva remunerada ou reformado ou civil, passam a ser de competência da Justiça Militar dos Estados ou da União, a depender do sujeito ativo do crime. Isso impõe o imediato declínio da atribuição legal em relação aos mencionados crimes que se encontram atualmente sob investigação pela Polícia Judiciária comum, com a necessária remessa à autoridade policial-militar para o seu prosseguimento.
Nessa esteira, assim asseverou Amilcar Fagundes Freitas Macedo[9]:
Outra significativa modificação diz respeito às eventuais investigações policiais em curso, as quais, segundo penso, devem migrar para a polícia judiciária militar, em razão do que preceitua o artigo 144, §4°, da Constituição Federal, combinado com o artigo 8° do Código de Processo Penal Militar.
Reforçando o aludido entendimento, Eduardo Luiz Santos Cabette[10] assim se manifestou:
Ocorre que no caso da alteração da competência da Justiça Comum para a Militar, não se trata de competência territorial relativa (‘ratione loci’), mas sim de competências absolutas em razão da matéria (‘ratione materiae’ – crimes militares) e em razão do cargo (‘ratione personae’ – militares). Esses casos são excepcionados até mesmo pelo artigo 43, CPC de forma expressa. A ‘perpetuatio jurisdicionis’ ali é determinada apenas quanto à competência territorial, excetuando-se as alterações de ‘competência absoluta’. Portanto, pode-se dizer que à unanimidade o entendimento será de que os feitos em andamento deverão ser remetidos à Justiça Militar para prosseguimento. Isso deve ser aplicado também com relação aos Inquéritos Policiais em andamento na Polícia Civil que versem sobre casos onde houve alteração da competência, pois, em se tratando agora de crimes militares, passam a ser de atribuição da Polícia Judiciária Militar.
Dentre os crimes comuns com maior incidência, tendo como sujeitos ativos militares da ativa e praticados nas situações descritas nas alíneas dos incisos II, do art. 9º, do CPM, e que, até então, somente não eram alvos de IPMs por ausência de tipicidade na Parte Espacial do CPM, destaco os seguintes:
a) Lei n. 10.826/03: os crimes como o de porte ou posse ilegal de arma de fogo ou o de disparo de arma de fogo, praticados em serviço ou em lugar sujeito à Administração Militar, bem como o comércio ilegal de arma de fogo entre militares, passam a ser investigados pela Polícia Judiciária Militar;
b) Lei n. 4.898/65: todos os casos de abuso de autoridade praticados por militares passam a ser investigados pela Polícia Judiciária Militar, em concurso material com os demais crimes militares que podem advir da conduta, como a lesão corporal, o homicídio, o constrangimento ilegal e a violação de domicílio.
c) Lei n. 9.455/97: tratam-se dos crimes de tortura que, quando praticados por militares em serviço ou em razão da função contra civis, passam a ser alvo de IPM. Destaca-se que, como as autoridades policiais-militares se restringiam, até então, a apenas investigar as lesões corporais, homicídios, constrangimentos ilegais etc., praticados pelos militares, doravante, devem perquirir se tais condutas vão além dos mencionados crimes e se traduzem em atos de tortura, procedendo, assim, ao competente indiciamento.
d) Lei n. 8.666/93: tratam-se dos crimes resultantes de condutas praticadas na condução de certames nas Instituições Militares.
e) Lei n. 11.343/06: a Lei de Tóxicos passa a ser aplicada de forma complementar ao art. 290 do CPM, que prevê o crime de “Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar”. Ou seja, o tráfico de drogas e o porte de drogas para uso, praticados por militar em serviço ou em lugar sujeito à Administração Militar, continuam a ser tipificados no art. 290 do CPM, que é norma especial em relação à Lei de Tóxicos – decorrência do princípio da especialidade – é o que esclarece Rodrigo Foureaux[11], que “Na hipótese em que houver previsão do mesmo fato como crime no Código Penal Militar e na legislação penal comum, deverá ser aplicado, a princípio, o Código Penal Militar, em razão do princípio da especialidade, como a hipótese do crime de lesão corporal e de estupro”. Agora, aplicam-se os demais crimes tipificados na Lei de Tóxicos e não previstos no CPM, bem como os procedimentos de persecução criminal nela previstos, como o flagrante postergado e a infiltração de agentes de investigação.
f) Crimes decorrentes de violência doméstica: a presente alteração põe uma pá de cal na discussão se a Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) havia retirado a tipicidade penal militar dos crimes decorrentes de violência doméstica, praticados entre militares da ativa[12]. Firma-se, assim, a atribuição de Polícia Judiciária Militar nesses casos, que poderá, inclusive, no caso de sanção presidencial do já aprovado Projeto de Lei da Câmara nº 7, de 2016, que autoriza à autoridade policial a aplicação de medidas protetivas de urgência à mulher em situação de risco atual ou iminente à sua vida ou à integridade física e psicológica, fazer o uso deste mecanismo legal.
No mesmo sentido das digressões acima, tem-se que todos os crimes tipificados no Código Penal comum, não previstos do CPM, mas praticados nas situações dos incisos II e III, do art. 9º, do CPM, ganham conotação militar para fins de processamento e julgamento perante aos juízos militares, bem como passam a se sujeitar à investigação perante a Polícia Judiciária Militar.
5. REFLEXÕES FINAIS
Há muito os destinatários do Direto Penal Militar, em especial os militares estaduais, clamavam pelas alterações legislativas ora promovidas no CPM, não por acreditarem em uma investigação policial direcionada ou numa Justiça Militar corporativista, pelo contrário, todos os militares são cônscios da seriedade, rigidez e celeridade da investigação e processo criminal nas Justiças Militares, mormente naqueles Estados que têm Tribunais de Justiça Militar instalados (Minas Gerias, São Paulo e Rio Grande do Sul).
O objetivo almejado e, agora, alcançado, era o fim da aplicação das famigeradas Súmulas 90 e 172 do STJ, que impunham o desigual duplo processamento, nas Justiças militar e comum, com possibilidade de decisões opostas, por um mesmo fato, como, por exemplo, o crime militar de lesão corporal e o crime comum de abuso de autoridade, o que não mais se dará.
Requeria-se, também, para os fatos praticados por militares no uso de suas funções, uma investigação criminal conduzida por uma autoridade policial que, além de deter o conhecimento legal, jurídico e doutrinário, é capaz de submetê-los aos meandros, às táticas e técnicas militares, de modo a extrair de todo o contexto fático a melhor verdade possível.
Enfim, inicia-se uma nova fase no cenário penal e processual penal militar, que exigirá tanto da Polícia Judiciária Militar quanto das Justiças Militares a justa medida na aplicação da lei que, agora, passa a ser submetida à doutrina e à jurisprudência em construção.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 01 abr. 2017.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, DF, 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.
BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.
BRASIL. Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências. Brasília, DF, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.
BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2003. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Crimes militares praticados contra civil – Competência de acordo com a Lei 13.491/17. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61211/crimes-militares-praticados-contra-civil-competencia-de-acordo-com-a-lei-13-491-17>.
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LOPES JR., Aury. Lei 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-20/limite-penal-lei-134912017-fez-retirar-militares-tribunal-juri>.
MACEDO, Amilcar Fagundes Freitas. Ampliação da competência da Justiça Militar vem em boa hora. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-18/amilcar-macedo-modificacao-codigo-penal-militar-vem-boa-hora>.
Oliveira, Maurício José de. Crime militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria e prática. Belo horizonte: Diplomata Livros Jurídicos e Literários, 2016.
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