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Teoria da culpa no erro médico

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01/02/2001 às 00:00

Resumo:


  • A responsabilidade civil no erro médico exige prova inequívoca de culpa por parte do médico, seguindo a teoria subjetiva adotada pelo Código Civil Brasileiro.

  • Para caracterizar a culpa médica, é necessário demonstrar a presença de imperícia, imprudência ou negligência nos atos do profissional, sendo o ônus da prova do paciente.

  • A responsabilidade civil do médico envolve três pressupostos: ato lesivo culposo, dano e nexo causal, e na ausência de qualquer um destes, não se configura a obrigação de indenizar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Tem-se que concordar com o que diz Hildegard Taggesell Giostri(1), em seu livro Erro Médico à Luz da Jurisprudência Comentada pois, fora de dúvida, a responsabilidade no erro médico segue os mesmos ditames gerais da responsabilidade civil genérica, ou seja, é obrigação de quem, consciente e capaz, praticar uma conduta, de maneira livre, com intenção de fazê-lo ou com simples culpa, ressarcir obrigatoriamente os prejuízos decorrentes do seu ato.

Mas, em se tratando de responsabilidade civil no erro médico é indispensável uma prova inequívoca de que houve culpa no proceder do médico. É atribuição do paciente (autor, vítima) fazer prova de que o profissional médico laborou com culpa. Isso porque o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1545(2) (e art. 159 do mesmo Código), adotou a teoria subjetiva – teoria da culpa - que depende da presença de culpa no agir do agente causador do dano, no caso, o médico. Daí a definição de erro médico dada por Júlio Cezar Meirelles Gomes e Genival Veloso França em sua obra "Erro Médico"(3):

"Erro Médico é a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência".

A imperícia, a imprudência ou a negligência, estando presentes em um ato médico que cause dano a um paciente, caracterizam a presença de culpa. Mas essa culpa tem que ser provada pelo paciente, é seu o ônus da prova. Como diz Miguel Kfouri Neto(4): "Segundo a teoria subjetiva, esposada pelo nosso Código Civil especialmente em seus arts. 159 e 1.545, à vítima incumbe provar o dolo ou culpa stricto sensu do agente, para obter a reparação do dano". Sobre isso, é conveniente acrescentar o que diz A. Siqueira Montalvão(5): "Para a caracterização da culpa médica, basta a simples voluntariedade de conduta, sendo portanto a intenção desnecessária, pois, a culpa ainda que levíssima obriga a se indenizar". Mesmo que, em se tratando de vida humana, não se admita culpa "pequena ou levíssima", sem a prova desse elemento subjetivo da responsabilidade civil, a culpa, tudo há de ser debitado ao infortúnio.

Nesse sentido também comenta Vera Maria Jacob de Fradera(6):

"A consideração da natureza da responsabilidade médica como contratual não tem como efeito tornar presumível a culpa. É ao paciente, ou, se for o caso, a seus familiares que incumbe demonstrar a inexecução da obrigação, por parte do profissional. Provada a culpa do profissional com relação aos cuidados dispensados ao doente, será aquele constrangido à reparação do dano causado".

Em acórdão, do qual a ementa vai abaixo transcrita, evidencia-se a necessidade da demonstração, via de regra, da culpa na conduta do profissional em casos de erro médico:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO ESTÉTICO. ERRO MÉDICO NÃO-CONFIGURADO. O tratamento ministrado a paciente sendo o adequado à moléstia apresentada, submetido com as cautelas recomendadas e não havendo prova de ter o profissional da medicina se equivocado, por imprudência, negligência ou imperícia, ao ministrá-lo, não há como pretender a obrigação de indenizar, porque não configurado comportamento culposo que implique responsabilidade civil. Recurso improvido".(7)

Essa culpa, emergindo do artigo 1545 do Código Civil pátrio que abraçou a teoria da culpa, no que se refere a médicos, consiste num agir ou não agir consciente, voltado à busca de um resultado determinado (é um querer deliberadamente realizar certa conduta) ou quando a imprudência, imperícia ou negligência estiverem presentes nos atos desses profissionais. A negligência, do latim neglegentia (de neglegera) tem característica omissiva – é um ato de omissão aos deveres que um caso exigir – seria uma abstenção do comportamento indicado para aquela situação – um não agir (inação, inércia, indolência, preguiça psíquica); a imprudência, do latim imprudentia, tem característica comissiva – é um ato precipitado, intempestivo, irrefletido – seria um agir sem a cautela necessária no caso; a imperícia, do latim imperitia (de imperitus), se caracteriza por um agir sem conhecimentos técnicos suficientes ou com má aplicação dos conhecimentos que possuir – seria uma falta de maestria na profissão – é um agir incompetente, inábil. Uma dessas formas de culpa deve estar no agir do médico, em caso de erro, como diz o acórdão(8): "Para efeito de responsabilização por erro médico, é cediço que a culpa, em uma de suas formas tradicionais, há que ficar devidamente comprovada".

Ensina Miguel Kfouri Neto(9):

"Não é propriamente o erro de diagnóstico que incumbe ao juiz examinar, mas sim se o médico teve culpa no modo pelo qual procedeu ao diagnóstico, se recorreu ou não, a todos os meios a seu alcance para a investigação do mal, desde as preliminares auscultações até os exames radiológicos e laboratoriais – tão desenvolvidos em nossos dias, mas nem sempre ao alcance de todos os profissionais – bem como se à doença diagnosticada foram aplicados os remédios e tratamentos indicados pela ciência e pela prática".

É o que acontece no erro profissional, pois sendo o erro, intrínseco às insuficiências da profissão médica e às características do ser humano, como paciente, o erro existe e acontecerá. Nesse caso não pode a culpa pelo mesmo ser imputada ao médico. É escusável tal erro – e invencível. Há que se diferençar entre um erro que resulte de algo imprevisível, tendo o médico, cônscio de seus deveres, atuado com as precauções devidas, dentro do razoável para as circunstâncias, que pode-se chamar de erro honesto, daquele erro que vem acompanhado da culpa – erro culposo - resultando em lesão aos direitos do paciente, que teriam sido evitados com uma atitude profissional competente, ou seja, não caracterizada pelo agir com imprudência, negligência ou imperícia.

Compete ao juiz, pois, verificar se houve culpa e, sobre isso, é conveniente lembrar o que diz, em seu livro, Suzana Lisbôa Lumertz(10): "Não é preciso que a culpa do médico seja grave: basta que seja certa". Tem que haver certeza na presença de culpa, no agir do médico como, também, assevera o acórdão(11): "A atribuição de responsabilidade e condenação por erro médico exige elementos objetivos e seguros e não meras possibilidades ou conjecturas de que males que surgem após a intervenção médica sejam frutos dessa intervenção".

Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja, deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no caso o nexo causal, não há porque haver indenização, como bem ilustra o acórdão em sua ementa:

"APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A AÇÃO DO MÉDICO E O RESULTADO. Ausente o nexo causal entre a ação e o resultado, resta afastada a responsabilidade civil do médico. Apelo desprovido".(12)

Também nesse sentido há o acórdão(13): "Entendo, assim, não ter agido com culpa o demandado em qualquer de suas formas. O nexo causal está ausente".

A teoria da res ipsa loquitur, ou in re ipsa ou "de que a coisa fala por si mesma" é aplicada quando ocorre prejuízo, por fatos que não causariam dano, a não ser que o agente lesante tenha obrado com culpa (qualquer forma). Nesses casos o juiz – diante da evidência de erro médico (podendo até mesmo serem dispensados os peritos) – chega à ilação e admite a culpa do profissional, como uma evidência circunstancial, de que tal fato não teria acontecido sem a culpa do médico. Isso ocorre, por exemplo, em caso de morte do doente ou amputação de um membro. Há, assim, presunção de culpa contra o médico, conforme o seguinte acórdão:

"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE MÉDICA. OFTALMOLOGISTA. CIRURGIA ELETIVA DE CORREÇÃO DE MIOPIA. SUBSEQÜENTE PERDA DA VISÃO. APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA CULPA IN RE IPSA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. Merece ser acolhida pretensão de indenização (por gastos médicos e de terapia psicológica) e de reparação (por dano moral) de quem submetendo-se a cirurgia de eleição, para correção de deficiência em um dos olhos, vem a obter, como resultado, a perda de visão. Ainda que se não flagre aí uma obrigação de resultado, inegavelmente dessa se aproxima a denominada cirurgia funcional, merecendo ser responsabilizado o médico que, por razões insuficientemente comprovadas, não só não logra êxito - que não lhe era exigido - mas termina por deixar o paciente em situação extremamente pior do que se encontrava antecedentemente, pois sem visão justamente no olho operado. Merece prestígio, em casos que tais, a doutrina da culpa in re ipsa, na medida em que o sistema de responsabilidade civil do médico é o da responsabilidade subjetiva (art. 1545 do Código Civil)".(14)

Também tem por objeto a avaliação da culpa a teoria da "perda de uma chance" (perte d’une chance(15)). Admite-se, nessa teoria, que a culpa do médico tenha comprometido as possibilidades de viver do paciente ou a sua integridade. O juiz não precisa estar convencido de que o prejuízo – lesão – ao paciente foi causado por culpa do médico, pois, segundo essa teoria, é necessário apenas a dúvida de que isso aconteceu por culpa do médico. Há, assim, aqui também, presunção de culpa contra o médico. Os tribunais aceitam o nexo causal existente entre dano e culpa, pois ela se constitui no fato de não ter dado o médico todas as oportunidades ao paciente. O doente não teve todas as chances a que tinha direito de se recuperar. A referida teoria tem sua aplicação, em nossos Tribunais, bem demonstrada através da transcrição da ementa de acórdão que tem por relator conhecido jurista gaúcho:

"Responsabilidade civil. Falha do atendimento hospitalar. Paciente portador de pneumonia bilateral. Tratamento domiciliar ao invés de hospitalar. Perda de uma chance. É responsável pelos danos, patrimoniais e morais, derivados da morte do paciente, o hospital, por ato de médico de seu corpo clínico que, após ter diagnosticado pneumonia dupla, recomenda tratamento domiciliar ao paciente, ao invés de interná-lo, pois, deste modo, privou-o da chance (perte d’une chance) de tratamento hospitalar, que talvez o tivesse salvo. 2. Apelação provida. voto vencido".(16)

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A teoria da culpa nem sempre é conveniente na abordagem do médico em sua atividade como profissional liberal, conforme nos explana Oscar Ivan Prux(17):

"A teoria da culpa não é adequada para ser aplicada em todos os casos de responsabilidade civil de ordem pessoal dos profissionais liberais. Nas obrigações "de resultado", ela se revela inadequada e, nas agressões aos direitos dos consumidores que são perpetradas através de condutas e práticas de mercado (na oferta, na propaganda enganosa, na cobrança de dívidas, no uso de práticas e cláusulas abusivas, etc.) ela se revela além de inadequada, quase impertinente.

Exemplo: por dispositivo expresso do Código de Defesa do Consumidor (art. 38), havendo publicidade/propaganda que seja enganosa, quem tem de provar a veracidade da mesma é o fornecedor, logo a teoria subjetiva fundada na demonstração antecipada da culpa por parte de quem acusa, revela-se, nesse caso, ser totalmente inadequada até impertinente".

No Projeto atual de Código Civil Brasileiro, a teoria da culpa é mantida. Nota-se porém, a supressão do art. 1545 do Código Civil Brasileiro vigente,(18) tendo a responsabilidade civil no erro médico, nesse Projeto, seu regramento englobado na legislação geral da responsabilidade civil. Nele os artigos que tratam deste assunto são: arts. 929 a 945, que regram a obrigação de indenizar e os arts. 946 a 956, os quais tratam da indenização nos casos de responsabilidade civil. O Senado Federal, ao analisar o projeto, no parecer de n° 842, de 1997, esquematizou o tema da seguinte maneira: "Parte Especial Livro I - Do Direito das Obrigações, Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar, arts. 926 a 942 e Capítulo II – Da Indenização, arts. 943 a 953".

Nota-se, pela leitura do Projeto, uma preocupação em aumentar a amplitude do conceito de dano – prejuízo – abrangendo também o dano moral. O vocábulo dano, etimologicamente, vem de demere que significa tirar, apoucar, diminuir. Assim, classicamente, seria como uma diminuição do patrimônio, tanto do ponto de vista material, como do ponto de vista moral.

Para satisfação do dano, na responsabilização do profissional médico na área civil, tem que ser feita prova da sua culpa. Mas há necessidade de lesão, pelo ato médico – nexo de causalidade - a um bem jurídico, contrariando assim o princípio: neminem laedere. As provas têm a função de fazer emergir esse liame. Tem que haver relação de causa e efeito entre o agir do médico e o dano verificado. Pelo Código Civil pátrio, somente os danos diretos e efetivos são passíveis de serem ressarcidos pelo causador do damnum. É necessária uma conduta com culpa em sentido estrito – e a previsibilidade (evitabilidade do procedimento antijurídico) constitui o ponto nuclear da culpa - sendo com esse proceder violada uma norma com um conseqüente resultado lesivo. Não havendo damnum, não haverá lugar para configuração de delito, salvo se a conduta do médico, por si só, já é prevista como fato punível. Caso contrário, para se configurar o delito precisa acontecer a transgressão ao dever de, na vida de relação, evitar danos a interesses e bens alheios. O agir com imperícia, imprudência ou negligência é a ação delituosa que a norma proíbe no caso de erro médico.

Há necessidade de ressarcimento de dois tipos de dano: a saber, o patrimonial e o moral. O Código Civil vigente refere-se às perdas e danos que nada mais são que os prejuízos decorrentes, para o paciente, do erro médico. A palavra dano tem significação ampla no Código Civil Pátrio atual, abrangendo tanto os danos materiais (lesão aos direitos reais e pessoais), como os danos morais (direitos da personalidade e da família). Nesses está incluído, como espécie, o dano estético(19). Se qualquer desses danos ocorre, por erro médico, há necessidade de averiguar-se qual a repercussão econômica negativa que causaram ao paciente – vítima do erro médico. Sendo o dano material (incluindo o dano emergente(20) e os lucros cessantes(21)), será indenizável pelo valor da detrimência no patrimônio do paciente. Sobre os lucros cessantes, diz Jurandir Sebastião(22): "Perspectivas de ganho futuro ou lucro potencial, hipotético e aleatório, não são contempladas".

O dano moral ficou, a partir da Constituição Federal de 1988, admitido explicitamente no art. 5°, inciso X(23), e será o valor da indenização determinado em juízo. Ensina-nos José de Aguiar Dias(24): "Ora, o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão , abstratamente considerada". É conclusivo o que diz Miguel Kfouri Neto(25): "O dano moral puro gera obrigação de reparar à luz do art. 159, do C.C., que não distingue entre direitos patrimoniais e não patrimoniais".

Excluem a responsabilidade do médico o caso fortuito e a força maior, a interferência de terceiros, agindo com dolo ou culpa e não estando subordinados ao médico e a conduta com culpa do paciente, alterando assim, essas situações citadas, a relação de causalidade. Se houver culpa exclusiva do paciente a relação de responsabilidade, envolvendo o médico, desaparece.

Em caso de culpa concorrente – médico e paciente – não vai haver exclusão da responsabilidade, mas cada uma das partes, envolvidas no atendimento médico, vai responder por uma parcela da culpa que lhe couber. A responsabilidade vai ser bipartida entre o profissional médico e seu cliente. Nesse caso, o dever de indenizar, por parte do médico, pode diminuir, se o paciente contribuiu para a produção do evento danoso. Isso pode acontecer, por exemplo, no caso de o paciente não seguir as orientações médicas ou omitir ao médico informações importantes. O concurso de culpas caracteriza uma concorrência de responsabilidades que justificam uma diminuição do valor da indenização – princípio da indenização proporcional nos casos de responsabilidade concorrente. Não consta no atual Código Civil, mas o Projeto do Código Civil, que tramita no Congresso, explicitou o princípio em seu artigo 947: "Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada, tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano". Esse princípio se explica pela análise através da teoria da causalidade adequada(26), ou seja, o que é levado em consideração é o grau de causalidade bilateral – cada um é responsabilizado apenas pelo parcela do damnum da qual foi o causador. Por ter força jurídica, por lógico e justo, a aplicação desse princípio da indenização proporcional, mesmo ausente no atual direito positivo brasileiro, tem aplicabilidade na prática judiciária. Portanto, a conduta do paciente é considerada na avaliação da culpa, como afirma o acórdão(27): "Por óbvio tudo pode ser afastado ao longo do feito, posto que vários fatores haverão de ser examinados, desde a conduta dos agravados como também a cooperação positiva ou negativa da paciente para sua recuperação".

Exoneram, também, o médico, da responsabilidade civil, em caso de dano ao paciente, a força maior ou o caso fortuito. A força maior considera-se um fato natural, superior às forças humanas, não sendo possível ao ser humano evitar sua ação e conseqüências, apesar de identificada e previsível. Não se resiste a ele mesmo que se queira. Portanto, a força maior se caracteriza por ser um evento externo à relação médico-paciente, ao contrário do caso fortuito, em que a característica é haver um acontecimento inerente à pessoa humana. Por isso, Rogério Marrone de Castro Sampaio(28) chama a força maior de fortuito externo. Ao caso fortuito ele chama de fortuito interno. O caso fortuito é aquele fato que decorre da conduta humana, tendo como característica não poder ser previsto e evitado pelos participantes da relação médico-paciente. Assim, independe a sua ocorrência tanto do médico, como do paciente. É obra do acaso – não esperado na conjuntura do que está ocorrendo em um determinado momento. Não há, em qualquer instante, a atuação culposa do profissional médico, tanto no caso fortuito, como na força maior. Ambos, caso fortuito e força maior causam a mesma ação de liberar o médico do cumprimento da obrigação contratual. Há exoneração da responsabilidade civil do médico se a lesão ao paciente é decorrente de caso fortuito ou força maior. O Código Civil Brasileiro incluiu ambos em seu art. 1058(29) pois, mesmo diferentes, suas conseqüências, seus aspectos práticos são os mesmos.

Há independência entre as responsabilidades civil e penal, é o que se depreende da abordagem que faz Fabrício Zamprogna Matielo(30) das repercussões da sentença penal na área cível. Mas, a culpa estando juridicamente determinada, advindo daí uma condenação em termos penais, há efeitos na área cível, tanto em uma ação por erro médico, como em qualquer outra causa de responsabilização civil por dano a outrem. Semelhante é a natureza jurídica da repercussão penal na área cível, quer se trate de erro médico ou ação de responsabilidade civil em geral. O art. 1525 do Código Civil assim dispõe sobre essa repercussão: "A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime". No caso de uma decisão penal condenatória, transitada em julgado, esta será utilizada na área cível como um título executivo, ou seja, há dispensa da instauração de processo de conhecimento para decidir sobre a matéria, já que o mesmo se fez na área penal. Tem o paciente, com a sentença condenatória na área criminal, em suas mãos, um título executivo judicial (art. 584 do Código de Processo Civil, em seu inciso II(31)). Cabe a execução desse, através do competente processo, para ser ressarcido dos danos que sofreu com o erro médico.

Caso a sentença penal for absolutória (dispõe sobre isso o art. 386 do Código de Processo Penal, em seus incisos de I a VI(32)) por insuficiência de provas, cabe a devida ação cível por parte do paciente. Pode, através de um processo de conhecimento, demonstrar no juízo cível a validade da sua pretensão de ressarcimento por danos decorrentes de erro médico. Compete ao paciente provar a existência do fato, que lhe causou dano, e a culpa do médico em demanda no juízo cível. Nesse sentido, expõe-se a ementa de acórdão: "Responsabilidade civil. Erro médico. Absolvição criminal. Desimporta, aos efeitos da perquirição da responsabilidade civil, que tenha sido o agente absolvido na esfera penal, especialmente se o foi com fundamento no inciso VI do art. 386 do CPP (insuficiência de provas). Danos materiais e lucros cessantes".(33)

Na hipótese de sentença absolutória por comprovada inexistência do fato alegado pelo paciente, torna-se inviável juridicamente qualquer demanda cível. A coisa julgada, nesse caso, impede a pretensão, em termos de responsabilidade civil, conforme disposto na segunda parte do art. 1525 do Código Civil. Se for o caso de absolvição, por falta de prova conclusiva de que tenha acontecido o fato, aberto está o caminho para a lide jurídica. Na área cível caberá a demanda por ressarcimento, por parte do paciente. Caberá ao autor da ação fazer as provas da existência do fato.

Na eventualidade da ação penal concluir que o fato atribuído ao médico não se constitui num crime, danos porventura atribuídos, pelo paciente, como de autoria do médico, podem ter sua indenização reivindicada na área do juízo cível.

É válido citar, por ilustrativo, os casos de absolvição do médico por crime impossível (em que o paciente que sofreu danos pode, assim mesmo, pleitear ressarcimento na área cível), de falta de previsão daquela conduta do médico no Código Penal (o paciente também terá, sempre, o juízo cível como possibilidade para se recompor do prejuízo sofrido), de exclusão do dolo na conduta do médico (há possibilidade de ressarcimento no juízo cível), de presença de descriminantes putativas (também pode ser instaurada a devida ação civil de responsabilização civil) e de coação irresistível ou ordem hierárquica (o responsável pelo ressarcimento é o autor da ordem ou o responsável pela coação).

O prazo prescricional para ingressar com uma ação de indenização pelos danos sofridos por parte do paciente é regulado pelo art. 177 do Código Civil pátrio, que estabelece ser vintenária a prescrição. O prazo passa a ser contado da constatação do dano. Sobre isso manifesta-se José de Aguiar Dias(34):

"A duração do prazo prescricional da ação de reparação do dano é objeto de severas críticas por parte de muitos juristas, que censuram no legislador conservar, em face do ritmo da vida moderna, critério cabível nos remotos tempos em que as comunicações se resumiam na precariedade e na lentidão das viagens a cavalo".

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Sobre o autor
Neri Tadeu Camara Souza

advogado e médico em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Médico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Neri Tadeu Camara. Teoria da culpa no erro médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/614. Acesso em: 23 dez. 2024.

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