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Educação e violência: a quem interessa um ensino fundamental público de qualidade?

18/11/2020 às 18:45
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O descaso com o ensino fundamental é patente quando nos deparamos com um número alarmante de analfabetos no Brasil.

“Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios” (Darcy Ribeiro)

A frase acima do antropólogo, político e escritor Darcy Ribeiro, proferida em 1982, demonstra, com clareza, a real situação em que vivemos: um país dos mais violentos no plano mundial e sem educação; esta última palavra em ambos os sentidos no vernáculo: falta de instrução e ausência de boas maneiras.

Educar, do latim educare, educere, advém da partícula e (fora) e ducere (conduzir), tem o significado de “conduzir para fora”, ou seja, preparar uma pessoa para o mundo, para a vida em sociedade, instruí-la. Historicamente, nosso país pouco conhece ou simplesmente ignora esse verbo.

No Brasil colônia não havia qualquer interesse de Portugal na propagação da educação, que se restringia a alguns filhos de colonos e índios, estes últimos, em verdade, catequizados. Em meados do século XVIII, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, que detinham o monopólio educacional, novos rumos na educação foram idealizados e o intuito primacial era o de preparar uma elite para questões relacionadas à política e à economia. Contudo, a continuação dessa formação era feita em Coimbra, na metrópole, a partir do final do século XVIII e início do século XIX (Arno, Wehling; Maria José C. M. Wehling,  A formação do Brasil Colonial, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994).

Portanto, por três séculos a intenção dos portugueses nunca foi a de possibilitar às suas colônias uma educação de qualidade, uma vez que sempre foi mais fácil governar uma população ignorante, despreparada.

No século XIX, após a nossa independência, diferentemente de países como a Alemanha, França e Japão, que iniciaram uma verdadeira revolução educacional, com investimento maciço nesse setor e uma efetiva política educacional,  entre nós, foi criada, no ano de 1827, a primeira lei sobre o ensino elementar, que vigorou até 1946, estabelecendo as “escolas de pequenas letras em todas as cidades, vilas e lugarejos”.

Ao longo dos decênios seguintes, na Primeira República (1889 a 1930) e no período da Era Vargas (1930 a 1945), uma vasta gama de medidas foram tomadas para o aperfeiçoamento da educação no país, mas com pouquíssimo êxito.

O ensino público fundamental, que já não era de qualidade nos anos 1950, seguiu uma trajetória descendente, até que, em meados dos anos 1960, a classe média, ciente da decadência da escola pública, passou a matricular seus filhos em escolas particulares.

Na ditadura militar (1964 a 1985) estabeleceu-se verdadeiro caos no nosso já deficiente sistema educacional, pois a desvalorização da classe dos professores foi acentuada e, a exemplo do que sucedera nos séculos anteriores, nosso ensino básico tornou-se ainda mais deteriorado. A partir da redemocratização do país e, até os dias de hoje, pouco foi feito para melhorar o ensino fundamental, que continua entre os piores do planeta.

O descaso com o ensino fundamental é patente quando nos deparamos com um número alarmante de analfabetos no Brasil: aproximadamente 13 milhões (IBGE 2017), sem contar outros tantos milhões de analfabetos funcionais. Segundo pesquisa realizada pelo IPM (Instituto Paulo Montenegro) e pela ONG Ação Educativa, somente 8% das pessoas em idade de trabalho são consideradas plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e números.

As causas da catástrofe educacional tupiniquim são as mais variadas e não seria possível em poucas linhas examiná-las. Na realidade, em nenhum período de nossa história houve o real interesse de nossos governantes na implantação de um ensino fundamental de qualidade. Tanto é certo que, atualmente, se gasta mais com o ensino superior público do que com o fundamental, em verdadeira afronta ao bom senso. Se já causa perplexidade a existência de um ensino superior gratuito mesmo para alunos de classe média, média alta e alta, que representam a maior parte do corpo discente, maior estranheza existe no fato do Estado despender somas bilionárias anuais para estudantes que têm plenas condições de pagar, mesmo que fosse uma quantia inferior àquela estabelecida na seara privada, em detrimento de milhões de alunos que necessitam de um ensino básico eficaz.

Nas melhores universidades públicas e particulares do Brasil, nos cursos de pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), inclusive, o aluno tem, a cada dia, maior dificuldade de se expressar, de escrever corretamente, de lançar novas ideias, fruto de um ensino fundamental ineficiente, diante de uma metodologia que privilegia o “estudo na véspera da prova” e não permite a assimilação adequada do conteúdo ministrado (Pierluigi Piazzi, Aprendendo inteligência, Editora Aleph, 2008), além de não incentivar, desde os primeiros anos escolares, a leitura própria e agradável para cada faixa etária, com títulos que, efetivamente, causem interesse e despertem a figura do leitor.

Investir em educação (e o Brasil não gasta pouco) é privilegiar o ensino fundamental, o que jamais foi feito. A consequência trágica dessa constatação é o aumento descomunal da violência, verdadeiros atos diuturnos de barbárie que estamos a presenciar.

Se a educação de qualidade, por si só, não fosse capaz de elidir a escalada de violência em nosso país, pelo menos faria com que não estivéssemos entre as nações mais perigosas para se viver e, ainda pior, sem presídios suficientes e dignos para abrigar tantos criminosos.

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Sobre o autor
Rogério Donnini

Advogado e professor do Programa de Mestrado e Doutorado da PUC-SP, da Escola Paulista da Magistratura e da Facoltà di Giurisprudenza della Seconda Università degli Studi di Napoli, Itália. Livre-docente, doutor e mestre em Direito Civil pela PUC-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DONNINI, Rogério. Educação e violência: a quem interessa um ensino fundamental público de qualidade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6349, 18 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61421. Acesso em: 24 nov. 2024.

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