Capa da publicação O sistema eleitoral brasileiro: não seria o momento de modificá-lo?
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O sistema eleitoral e a proposta de modificação do modelo eleitoral brasileiro

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06/11/2017 às 12:20
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SISTEMA PROPORCIONAL

História

 Com o avanço do sistema de representação popular, assegurado através de eleições,a sociedade acaba por se deparar com os inconvenientes no sistema majoritário. Divindindo-se um país em distritos,os candidatos eleitos por tais circunscrições responderão mais diretamente ,na atividade política ,aos cidadãos que nelas residem que sobre determinado segmento da sociedade como um todo ,de uma determinada minoria.Os votos destes seriam de certa forma "desperdiçados’’,pois não encontrariam representatividade ao não conseguir eleger um candidato que persiga seus interesses.

Cristian Klein(2007) cita como o exemplo as eleições de 1974, no Reino Unido, no qual o partido liberal obteve 19,3 % dos votos nacionais, entretanto só conseguiu 2,2% das cadeiras. Caso o sistema fosse proporcional sua bancada teria sido oito vezes maior.

Dessa forma, em meados do século XIX, a defesa do sistema proporcional surge como proposta para corrigir essa distorção, permitindo que os diversos segmentos sociais consigam participação na atividade política. Stuart Mill(1857 apud Souza e Barreto,1980,p.8m), analisa que em um sistema democrático em que o voto da maioria é aquele responsável pelas decisões, a minoria é, nesse caso, anulada, em um sistema em que "uma parte do povo governa o resto: uma parte tem negada a sua justa e igual cota de participação’’.

Bonavides (2002,p.253) ressalta que o principio da representação proporcional  é que :  

“[...]a base sobre a qual se assenta é desfazer valer válidos todos os sufrágios,não deixar restos sem eficácia,não dar tudo o vencedor,como no   sistema majoritário,onde o eleitorado vencido perdeu o seu voto porque não elegeu ninguém"

Cintra (2008) lembra que, ao contrário do que se pensa, o sistema proporcional foi defendido inicialmente por liberais,como Mill,e não por socialistas. Ampliando-se o sistema de votação para novas camadas da sociedade, com a diminuição das restrições econômicas para participação como cidadãos ativos, e com a maior parte da sociedade sendo composta por esses indivíduos antes excluídos, as elites acabariam por tornar-se minoria eleitoral e não conseguiriam eleger seus representantes.

Evitava-se, assim mesmo, segundo o autor, uma polarização entre liberais e socialistas, com a doção do sistema. Dessa maneira, em 1900 a Bélgica seria o primeiro país a usar o sistema proporcional em uma eleição nacional e até 1920 a grande parte da Europa Ocidental já  o adotava .

Apuração dos votos

O sistema proporcional requer uma aplicação de fórmulas para que se apure os resultados de uma eleição, que podem, inclusive, mudar a ordem em que os candidatos deveriam ser eleitos, caso fosse contado pelo maior número de votos que cada um receberia. Esse é um dos temas questionados pelo projeto de reforma política, dada certa distorção de eleitos.

 Entre os sistemas utilizados, o Direito Eleitoral brasileiro adotou o método do quociente eleitoral, definido "[...]dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior"(Código Eleitoral,art.106). Determina-se, assim, quais partidos e coligações podem participar dos resultados ao atingir determinado limite.

Feito isso, determina-se o quociente partidário para definição, a princípio, do numero de cadeiras que o partido ocupará. Divide-se, então, o número de votos do partido ou coligação pelo quociente eleitoral. O partido elegerá quantos candidatos seu quociente partidário indicar.

Em um fictício país, houve eleições parlamentares, na qual 39 cadeiras estavam em disputa:

                                     Tabela 1-Votação dos partidos

Partidos/Coligações

      Votos

Quociente Partidário

A

        150

     0,75

B

        500

     2,25

C

        3450

    17,25

P (D/E/F)

        3700

    18,5

 Neste universo de sufrágios, o quociente eleitoral será de 200 votos.Assim o partido A não poderia participar da casa representativa.O quociente partidário do B seria 2,25 e elegeria portanto 2 representantes,enquanto a agremiação C teria quociente 17,25,elegendo,no mínimo, 17 candidatos.A coligação,com quociente 18,5,elegeria 18. Ainda assim,duas cadeiras iriam ficar desocupadas.O que poderia ser feito ao 0,25; 0,25 e 0.5 restantes dos respectivos quocientes para que fosse respeitada a proporcionalidade?

O problema das sobras tem diversas tentativas de solução. Na técnica das maiores sobras, ficaria com a cadeira aquele que obtivesse maior número de votos não utilizados que os outros.Em nosso exemplo,o partido B teria 100 votos,enquanto o partido C e coligação teriam, respectivamente,50 e 100. B e P ficariam com as cadeiras.Por esse sistema, o resultado seria B com 3 eleitos, C com 17 e P com 19. Esse método favoreceria demasiadamente os pequenos partidos, conforme crítica de Bonavides (2002,p.254),pode ocorrer que :’’um partido, com apenas cem ou duzentos votos a mais da metade do total obtido por outro,eleger tantos representantes quanto este.’’

O método adotado no Brasil foi a técnica da maior média. Nesta, "divide-se o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares obtido mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher’’ (Código Eleitoral, art. 109,inciso I). Em nosso exemplo, o partido B teria média 166,66,o partido C ficaria com 191,66 e a coligação P ficaria com 194,73.

A coligação ganharia a primeira cadeira. Em uma eleição em que sobrasse mais uma cadeira, esse procedimento seria repetido com a nova formação obtida com o ganho de uma cadeira anterior por esse processo.P teria agora média 185. A segunda cadeira caberia,portanto ao partido C.O resultado por esse sistema seria o partido B com 2 cadeiras ,o partido C com 18 e a coligação com 19.

Contrapontos

Mesmo servindo como uma solução para que se fossem representados determinados segmentos da população que não se elegeriam em sistema majoritário, o proporcional enfrenta diversas objeções. Em primeiro lugar, o próprio propósito a que ele se propõe é questionado. Um número excessivo de legendas partidárias compondo o parlamento,beneficiadas pelo sistema, acaba provocando sérios problemas de governabilidade. Para lograr maioria no congresso, o governo precisa fazer concessões, conceder ministérios, dificultando a administração.

Outro ponto a ser levantado é a corrupção. Um número elevado de partidos para compor uma coalizão acaba abarcando interesses distintos apenas para se manter a governabilidade .Bonavides(2002,p.252) ainda afirma o descrédito a que o eleitor pode ser levado com isso,que "arrefecem o sentimento de confiança na legitimidade da representação’’. Tais coalizões passariam por oportunistas, pela divergência ideológica entre os partidos e ainda assim unidos.

O favorecimento das pequenas agremiações,os chamados partidos "nanicos’’ também é outra crítica do autor.Essas minorias acabam por conseguir maior força do que efetivamente conseguiriam numericamente,tornando-se donos do poder,mesmo sendo insignificantes numericamente.

Cintra (2008) lembra o fato de que os deputados eleitos geralmente concentram a maior parte dos votos em determinadas regiões,um conjunto de municípios vizinhos,seus redutos eleitorais,constituindo-se assim em uma espécie de "distritos informais". Esses deputados lutarão para conseguir emendas parlamentares e trazer investimentos para essas regiões, e garantir a satisfação de suas bases para uma eleição futura, mesmo que representem o estado como um todo.

Candidatos cujos votos se concentram em regiões metropolitanas não tem o mesmo efeito,pois as mesmas obras dificilmente seriam credidatas a um único parlamentar. Esses geralmente não tratam as emendas como "o cerne de sua atividade parlamentar". Esses deputados, e os que tiveram votação dispersa pelo estado, normalmente tratam de temas amplos, como saúde educação, economia ou defendem interesses de classe ou universais

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Uma crítica, ainda, ao sistema proporcional, se dá pelas fórmulas eleitorais. A população, em geral, desconhece seus princípios e não sabe que pode acabar elegendo um candidato que não gostaria porque o partido superou o quociente eleitoral. Um dos casos mais famosos se deu nas eleições de 2010.O humorista Tiririca foi o mais votado do país, conquistando 1.353.820 votos.

Ao mesmo tempo, seu partido acabou conquistando mais três vagas com o resultado. Um dos beneficiados foi o deputado Valdemar da Costa Neto(com 174.826 votos), acusado de participar dos esquemas do mensalão(TIRIRICA...,2010). Outra distorção interna foi o fato de a deputada Luciana Genro,do Psol-RS, não conseguir se reeleger, mesmo sendo a oitava mais votada e conseguindo 129 mil votos, ao mesmo tempo em que seu colega de partido, Jean Willis, foi eleito com apenas 13 mil votos, porque o deputado mais votado do Rio de Janeiro, Chico Alencar, reelegeu-se pelo Psol, recebendo mais de 240 mil votos, ultrapassando o quociente eleitoral do estado, de acordo com reportagem de Verônica Lima e Rádio Câmara(2010).


O SISTEMA ALEMÃO MISTO

Sistema Misto é aquele que combina os princípios majoritário e proporcional. A Alemanha é um dos países mais conhecidos por adotar este sistema, tanto por ele ter sido uma solução num contexto de grande relevância histórica (pós-Segunda-Guerra), quanto por ser uma forte evidência de que esta combinação pode dar certo para fins democráticos.

Este sistema misto nasceu do embate entre dois colossos políticos alemães do pós-guerra: o partido democrata-cristão e o partido social-democrata. Após a primeira Guerra Mundial, vigorou a Republica de Weimar até 1939, que adotava o sistema proporcional. Durante a segunda guerra, Hitler adotou um modelo de exceção - o nazismo, em que o sistema eleitoral era manipulado pela política vigente. Após a Segunda Grande Guerra, a Alemanha vencida foi obrigada a formular uma nova Constituição.

Participaram deste processo os dois maiores e mais importantes partidos- naquele contexto em que a força do Ocidente impôs sua ordem-, o democrata-cristão- que propôs o sistema majoritário- e o social-democrata- que propôs o sistema proporcional. Estes estavam com força e influência equiparada, visto que não havia grandes movimentos sociais divergentes naquela Alemanha, onde a devastação da guerra tornou a população refém dos ocidentais vencedores. Logo, a solução encontrada por neste país foi unir suas duas propostas de sistema eleitoral.

O modelo misto, por sua eficácia, tornou-se popular sendo então adotado por países como as Filipinas, a Coréia do Sul, a Tailândia, Taiwan, a Itália, a Rússia, a Ucrânia, a Nova Zelândia, a Hungria e a Venezuela. Mas porque ele deu certo? Para conhecer a resposta, é necessário entender como ele funcionou e como funciona na Alemanha. O sistema Misto une o sistema majoritário, que permite que metade dos deputados eleitos sejam dos distritos uninominais, e o sistema proporcional, em que a outra metade das vagas na Câmara Federal alemã é eleita por voto em listas partidárias fechadas.

Inicialmente, o modelo alemão adotava o sistema em que cada eleitor possui apenas um voto para o candidato do distrito e o da lista fechada, isto ocorreu na primeira eleição, em 1949. A partir de 1953, cada eleitor possuía um voto para o candidato da lista fechada e outro para o do distrito. Uma breve análise do que acontecia na Alemanha no período entre 1949 e 1953 pode explicar a mudança no modelo e por que o primeiro não se manteve.

A primeira eleição distrital, em 1949, era disputada, praticamente, entre os dois maiores partidos, o democrata-cristão e social-democrata (CSU), deixando de fora partidos pequenos, como o Liberal (FDP). Conforme Cintra(2008) ,para não perder seu voto, o eleitor do pequeno partido votava estrategicamente no candidato “menos pior". Mas ao fazer isso, o eleitor do partido pequeno continuava a ser prejudicado, pois não obtia votos na lista proporcional- seu voto valia para a lista e para o distrito.

A mudança que resolveria este problema veio com a instituição do voto duplo. Com este novo modelo, o eleitor do partido liberal podia votar no candidato “menos pior" do partido grande -nos distritos em que seu partido não tinha chances de ganhar- e atribuir seu segundo voto para seu partido de preferência, favorecendo-o na lista fechada. Como diz Cintra (2008, p.33) “[...] o sistema alemão satisfaz em grau elevado a exigência da proporcionalidade. Mas pode também, ser julgado muito satisfatório à luz do que se espera da aplicação do sistema majoritário, em nível de Parlamento Federal".

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Sobre o autor
Gian Paolo Bosco

ADVOGADO. Aprovado para Procurador dos municípios de Belo Horizonte/MG e São Luís/MA. Acadêmico de Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Estagiário por 2 anos no Ministério Público Federal pelo 10º Ofício Criminal e Cível da PRMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOSCO, Gian Paolo. O sistema eleitoral e a proposta de modificação do modelo eleitoral brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5241, 6 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61516. Acesso em: 24 abr. 2024.

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