O sistema penal e os direitos

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O artigo investiga o sistema penal, para salientar que este deve ser visto com "desconfiança" no que se refere a sua estrutura.

O sistema penal é visto tradicionalmente como um controle formal das condutas encaradas como negativas à sociedade, as quais ofendem os bens jurídicos mais relevantes das pessoas de bem, enquanto o desvio é considerado um dano pela maioria dos juristas (principalmente, os positivistas), sendo os desviantes, nesse episódio, vistos como um elemento negativo, um mal que lesa a ordem, a tranquilidade e a justiça social. 

No entanto, dados estatísticos do sistema penal apresentam que se está criminalizando a pobreza, sugerindo, de tal modo, que muitos “desviantes” tenham o condão de evidenciar, de acordo com Alessandro Baratta (1997), a antecipação ou a necessidade de mudanças estruturais na sociedade, economia e sistema penal brasileiros, pois, como sustentou Ana Lúcia Sabadell (2005), o crime tem um papel útil para a sociedade, seja quando contribui para o progresso social, criando impulsos para a mudança de algumas regras sociais, seja quando a sua ocorrência oferece a ocasião de afirmar (ou debater) a validade das regras a serem seguidas, mobilizando a sociedade em torno de valores coletivos.  

A ponderação é das mais interessantes no sentido de ressignificar certos tipos de crimes cometidos, demonstrando que, nem sempre, os mesmos resultam de um ato do indivíduo mal, visando abalar a paz social e, logo, acabar com a tranquilidade e os ideais das pessoas de “bem”, mas que sua causa pode estar associada a uma grande fraqueza do Estado, no que diz respeito ao seu dever de cuidado da vida em coletividade, especialmente, na garantia da efetivação do mínimo existencial da pessoa humana.

Levando-se em conta o momentâneo estágio do capitalismo, selvagem e perverso, adotado no Brasil, em que há uma intensificação no sentido de reduzir a vida (Misse, 2011) à economia, à competição, ao individualismo e ao materialismo, traduzindo a lógica das elites na subordinação, na massificação e na alienação, em detrimento de valores como honestidade, generosidade, solidariedade, respeito e tolerância, a exclusão social e a falta de perspectivas podem ser apontadas como algumas das principais causas desta criminalidade violenta que nos aflige e aumenta cada dia mais.

Pense-se, por exemplo, em como se encontra o jovem brasileiro que, não por acaso, figura, predominantemente, nas primeiras posições das estatísticas dos homicídios, latrocínios, estupros, roubos e outras formas de violência e criminalidade, por ser, talvez, a categoria social mais afetada por tudo o que se afirma. 

Michel Misse (2011), por sinal, há algum tempo, já apontava que muitos jovens das classes populares da cidade do Rio de Janeiro não têm nem ânimo, nem ambição, que não estejam relacionadas à busca inconsequente pelo gozo no consumo, na festa, no sexo e nas drogas.

Segundo o autor (MISSE, 2011), esta categoria social, extremamente vulnerável aos apelos do ethos do consumo e da orgia, como os jovens das classes média e alta, está tendo que optar entre, de um lado, um salário miserável, uma escola completamente desligada do mercado de trabalho, a precarização das estruturas e das relações de trabalho, o futuro incerto, a sobrevivência por meio do “biscate”, o fantasma da desempregabilidade e, de outro lado, pela sedução do tráfico de drogas, dos assaltos e da vida orgástica, que, de uma forma passageira, traduz, mais rapidamente, a realização dos seus desejos.

Diante desse quadro, podemos nos interrogar: o perfil do nosso jovem fornece um “raio x” do contexto social, político, econômico e cultural aqui instalado?[1]

Conforme Agostinho Ramalho Marques Neto (2009), a desigualdade traçada no neoliberalismo apresenta dois grupos distintos: os incluídos são aqueles que contribuem para o desenvolvimento da economia com suas aptidões e atitudes competitivas; enquanto os excluídos não possuem “vez” e nem “voz” na sociedade, sendo, como resultado lógico, desprovidos da efetivação de seus direitos.

Assim, a ideia capitalista, vigente no neoliberalismo, tornou o homem (pessoa humana) um sujeito do desejo que busca pela felicidade a qualquer preço, concentrada na obtenção de um corpo perfeito, bem como no sentimento de pertencimento a uma sociedade voltada ao culto do consumo.

Na busca de suprir essa falta, os ditos excluídos têm visto como única saída para a obtenção da felicidade pregada o caminho da criminalidade, por não estarem inclusos no sistema posto.

Nesse ponto, é determinante afirmar que o sujeito desviante tem se apresentado como aquele que não teve efetivamente garantidos os seus direitos fundamentais. Ou seja, é pontuado como alguém (ou ninguém?) que o atual sistema encara, na perspectiva de Agostinho Ramalho, como excluído.

Por outro lado, a ideia de que, talvez, os verdadeiros desviantes estejam por detrás (passando despercebidos) desse modelo perverso de vida deve ser considerada, pois a grande massa está sendo explorada a custo de uma promessa de bem viver inacessível a todos.  

Desde o mensalão até os escândalos atuais,  envolvendo a elite econômica brasileira, temos tido a oportunidade de destituir, no Brasil, aquela ideia de que se tratava de algo imaginário os escritos de Karl Marx no sentido de que o Estado estaria a serviço dos interesses dos detentores dos meios de produção, os quais o utilizam como instrumento de opressão às classes economicamente menos favorecidas. Ou seja, as apontadas e mistificadas teorias da conspiração.

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Perceba-se, a dicotomia demonstra que a tarefa de se evidenciar o desviante e aquele criado pelo sistema de vida em vigor se apresenta das mais difíceis, face à radicalização das aspirações individuais e coletivas hoje avistadas, o que tem gerado um caos, representado, principalmente, pela inefetividade de direitos básicos e pela ganância de detentores de capital “mal-intencionados”.Qual será a saída?

Somos da ideia, primeiramente, de que é crescente a necessidade de um questionamento investigativo, por parte da sociedade como um todo e, especialmente, do poder público, a respeito das causas da criminalidade e não somente da infração cometida, pois a apuração da prática de um delito, bem como do sujeito que o comete, é o mínimo que se espera por parte do sistema penal, devendo a vertente do Estado dotada desta finalidade fazê-lo.

É de se levar em conta uqe, na empreitada, a compreensão da dinâmica da criminalidade e do sujeito da criminalidade, envolve um conjunto de fatores subjetivos, estruturais, intersubjetivos, que são, por suas naturezas, complexos e dialéticos na maneira de se correlacionarem.Ou seja, o crime é resultado de um feixe de elementos.

Dentre as estratégias de redução da violência e da criminalidade, o Estado deve, prioritariamente, adotar a ideia de agir como promotor da justiça social, criando políticas públicas que promovam uma distribuição de renda igualitária apta a prover as necessidades básicas do sujeito de direito como pleno emprego, saúde, educação, cultura, moradia, lazer, entre outros.

Precisamos, acima de tudo, para resolver nossos problemas de convivência e crescermos enquanto nação (conceito relacionado à identificação), de modo que sejamos livres iguais (Daniel Sarmento), levar os direitos a sério (Ronald Dworkin). Isso só será possível, se compreendermos, juridicamente dizendo, já que há uma falência política no Brasil, que o conceito de direito engloba as leis em conformidade com a Constituição e a correção material (concreta) (Robert Alexy).


Referências

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal. Trad. de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 1997. 

LEITE, Alessandro da Silva; DUARTE, Hugo Garcez Duarte. Ethos capitalista e criminalidade: sujeito desviante ou (in) efetividade dos direitos humanos? In: Revista Direito & Paz – Unisal – Lorena/SP – Ano XV – Nº 29 – 2º Semestre/2013 – pp. 561-590.

MISSE, Michel. Crime e Violência no Brasil Contemporâneo: Estudos de Sociologia do Crime e da Violência Urbana. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

NETO, Agostinho Ramalho Marques. Neoliberalismo e Gozo. IN: A Lei em Tempos Sombrios. Renata Conde (organizadora). Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2009.

SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma Leitura Externa do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.


Notas

[1] Trabalhamos essas ideias em: LEITE, Alessandro da Silva; DUARTE, Hugo Garcez Duarte. Ethos capitalista e criminalidade: sujeito desviante ou (in) efetividade dos direitos humanos? In: Revista Direito & Paz – Unisal – Lorena/SP – Ano XV – Nº 29 – 2º Semestre/2013 – pp. 561-590.

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Sobre os autores
Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito.

Amanda Roberto de Oliveira

Graduanda em direito pela FADILESTE.

Edná Cristina Medeiros dos Santos

Acadêmica em direito pela FADILESTE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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