A Lei 8.245/91, que dispõe sobre a locação dos imóveis urbanos e seus procedimentos, é regida, dentre outros, pelo princípio da supremacia da ordem pública, que prevê que a vontade das partes não é e não pode ser absoluta, devendo respeitar os princípios da moral e da ordem pública, buscando o melhor para a coletividade.
Inúmeras são as regras impostas pela Lei de Locações às partes ao se subordinarem a uma relação locatícia. São exemplos da aplicação do princípio da supremacia da ordem pública: a vedação do aluguel cobrado em moeda estrangeira ou vinculado a variação cambial ao salário mínimo; a vedação de cumulação de espécies de garantias em um único contrato; o rol taxativo de casos em que o locador poderá pedir o imóvel durante a vigência do prazo do contrato locatício; o prazo dado para desocupação voluntária; além dos procedimentos e requisitos a serem observados nas ações de despejo, consignatória renovatória etc.
Ocorre que, aproximadamente na década de 90, o modelo de contrato desenvolvido no mercado americano chamado de built to suit ou contrato de construção ajustado ou, ainda, traduzido do inglês, “feito para servir”, chegou ao Brasil como uma forma de contrato locatício atípico. Posteriormente a Lei 12.744 de 2012, em seu artigo 3º, incluiu na Lei 8.245 de 1991 o artigo 54-A, que prevê, regula e dá segurança jurídica a essa espécie contratual.
O conceito de built to suit pode ser encontrado no próprio caput do artigo 54-A, de um lado, a parte (locador) se compromete a promover a aquisição, construção ou uma substancial reforma feita por si ou por terceiro em um imóvel a ser locado e, de outro lado, a outra parte (locatário) se compromete a locar este espaço por um tempo e aluguel previamente determinados. Importante destacar que as instruções e projetos para essa construção ou substancial reforma serão feitas pelo locatário ao locador e que, inclusive, durante a construção ou reforma, poderá ser contratado o pagamento do aluguel ou parte dele.
Além disso, prevê o legislador, expressamente, que, além dos procedimentos previstos na Lei de Locações, prevalecerá também as condições que as partes livremente pactuarem entre si, ampliando a aplicação do princípio da autonomia da vontade das partes nos contratos de locação.
Essa amplitude da autonomia da vontade das partes e, por consequência, a limitação da supremacia da ordem pública, ocorre principalmente para evitar a demasiada proteção que a Lei 8.245/91 garante ao locatário; isso porque o locador estará investindo, construindo e reformando um espaço especificamente para aquela locação e a partir do que foi pré-estabelecido pelo locatário.
Uma das mudanças mais claras do contrato de locação comum para o built to suit encontra-se prevista no parágrafo segundo do artigo 54-A. Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, este deverá pagar multa convencionada que não poderá exceder a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.
Essa previsão, bem como a amplitude do princípio da autonomia da vontade entre as partes, tem o intuito de proteger o locador para não ser pego de surpresa, desamparado em caso de denúncia do contrato antes do prazo findar-se, tendo em vista ter pactuado, visando um contrato longo, geralmente entre 10 e 20 anos, e se programado dispendendo tempo e dinheiro para a construção ou reforma de um espaço com as especificações pré-estabelecidas pelo locatário.
Considerando-se que, muitas vezes, aquele imóvel projetado pelo locador, especialmente para aquela locação, não será facilmente locado por outras pessoas, justamente por ser um projeto com padrões e critérios estabelecidos pelo locatário é que essa amplitude do princípio da autonomia da vontade entre as partes se faz necessária e vem sendo acolhida fielmente pelos tribunais brasileiros.
Por fim, verifica-se que o built to suit é um contrato específico, pactuado, geralmente, entre grandes construtoras, como locadoras, e grandes empreendimentos e marcas, como locatários, em que ambas as partes possuem benefícios, pois, de um lado, o locador previamente terá conhecimento de seu lucro e o prazo dele e, de outro lado, o locatário não imobilizará capital para ter um imóvel adequado à sua atividade, podendo, locador e locatário, estipular cláusulas e regras com maior autonomia e, principalmente, que sejam adequadas àquela locação específica.
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