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Os princípios dos regimes de bens no NCC

11/01/2005 às 00:00
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RESUMO

O presente trabalho enfrenta os aspectos do regime matrimonial de bens à luz do Novo Código Civil, partindo de sólidos pressupostos, tendo por guia a doutrina pátria. Para um melhor esclarecimento pormenoriza os novos princípios que norteiam e justificam as mudanças (cruciais) nos regimes de bens, tendo por base o estudo das mudanças pelos princípios.

PALAVRAS-CHAVE: Regimes de Bens, Novo Código Civil, Direito de Família


RESUMEN

El presente trabajo enfrenta los aspectos del régimen matrimonial de bienes a la luz del Nuevo Código Civil, partiendo de sólidos presupuestos, teniendo como guía la doctrina patria. Para un mejor esclarecimiento pormenoriza los nuevos principios que nortean y justifican las mudanzas (cruciales) en los regímenes de bienes y tiene por base al estudio de las mudanzas por los principios.

PALABRAS-LLAVE: Los régimenes de Género, el Nuevo Código Civil, el Derecho de Familia.


INTRODUÇÃO

No Direito de Família, há muito tempo se revelou impositivo um ordenamento legal que refletisse as mudanças culturais ocorridas no século passado e que inspiraram as alterações consagradas na Constituição da República. E este ordenamento legal mais atual resplandece no horizonte jurídico através do novo Código Civil.

O novo Código delimita os regimes de bens no casamento: comunhão parcial, relativa aos bens adquiridos em comum, excluídos os bens comprados com o dinheiro de apenas um cônjuge, mesmo que depois do casamento; comunhão universal, que envolve todos os bens presentes e futuros, com poucas exceções; separação de bens, que permanecem sob a administração exclusiva de cada cônjuge; o regime de participação final nos aqüestos, no qual cada cônjuge possui patrimônio próprio anterior ao casamento e tem direito, à época da dissolução da sociedade conjugal, à metade dos bens adquiridos após a união.

O presente estudo pormenoriza o estudo dos regimes de bens no novo Direito de Família, através dos princípios que embasam as alterações. O Princípio da Variedade dos Regimes de Bens, o Princípio da Liberdade dos Pactos Antenupciais e o Princípio da Mutabilidade Justificada são devidamente debatidos, para que não sejam apenas aceitos, mas sim entendidos. Por isso traz-se as posições favoráveis às mudanças e também às contrárias, para que ao final possam ser determinados quais os pontos que prevalecem.


1 CONCEITO DE REGIME DE BENS

Na família existem relações entre os cônjuges, entre os cônjuges e os filhos

e entre os cônjuges e terceiros. Quanto às relações entre os cônjuges, podem ser elas de

natureza pessoal ou patrimonial.

Preleciona, José Antônio Encinas Manfré faz um comentário afirmando que não se pode negar os efeitos patrimoniais do matrimônio, efeitos esses regulados pelos regimes de bens:

No casamento, sobrelevam os vínculos afetivo-pessoais entre os cônjuges e destes para a prole. Sem embargo, a comunhão de alma e corpo que se instaura entre homem e mulher que se casam traz inafastáveis conseqüências patrimoniais para ambos, quer durante, ou principalmente, se dissolvida a sociedade conjugal. (2003: 01)

Maria Helena Diniz assim conceitua o regime de bens:

De forma que o regime matrimonial de bens é o conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes do casamento. É constituído, portanto, por normas que regem as relações patrimoniais entre marido e mulher, durante o matrimônio. Consiste nas disposições normativas aplicáveis à sociedade conjugal no que concerne aos seus interesses pecuniários. Logo, trata-se do estatuto patrimonial dos consortes. (2001: 145)


2 BREVE ESTUDO HISTÓRICO

Num breve estudo histórico apresentamos o antigo código civil, O Código Civil Brasileiro, que vigorou desde 1917 até o início de 2003, elaborado por Clóvis Bevilácqua, que foi dominado pelo privatismo doméstico. Deu-se mais atenção ao individual, do que ao coletivo. Adotando uma postura de despotismo patriarcal, em que a vontade do pai era muito mais importante que a dos demais membros da família; a família ilegítima é ignorada.

É importante destacar no Código Civil/1916 o art. 230, que prescrevia que era irrevogável o regime de bens entre os cônjuges. Uma vez casados, por exemplo, pelo regime de comunhão, não poderiam eles, mais tarde, transmudá-lo para o da separação e vice-versa. O regime matrimonial, pelo nosso ordenamento jurídico, era imutável.

Washington de Barros Monteiro traz os motivos que embasavam a irrevogabilidade de regimes no ordenamento civil de 1916:

Essa irrevogabilidade do regime de bens inspira-se em duas fortes razões, o interesse dos cônjuges e o interesse de terceiros. O interesse dos cônjuges exige a inalterabilidade do regime, porque, depois de casados, poderia um deles, abusando de sua ascendência ou da fraqueza do outro, obter modificações em seu proveito.

O interesse de terceiros também reclama a manutenção do mesmo regime durante a vigência da sociedade conjugal, porque bem poderiam os cônjuges, uma vez conluiados, introduzir-lhe alterações, que viessem prejudicar direitos de outrem, credores, por exemplo, que tivessem contato com determinador regime matrimonial, no ato de contratar com um deles. (1979 : 145)

Neste mesmo sentido, Silvio de Salvo Venosa tem toda razão quando, a respeito do que se cuida, menciona que a proteção do legislador de 1916 corria a favor da mulher casada do século XIX, já que era tida como dotada de menor experiência no trato das riquezas econômicas do casamento, quase sempre administradas pelo marido.

Dois marcos legislativos estabeleceram sulcos de divisão na história do regime matrimonial de bens consagrado pelo ordenamento jurídico brasileiro (Código Civil de 1916): a Lei n.º 6.515, de 26 de dezembro de 1977 e a Constituição Federal de 1988.

A primeira institui mudança radical, transformando em comunhão parcial de bens a comunhão universal de bens, que o silêncio dos nubentes até então gerava. E a segunda, acabou por perfilhar completamente o direito de igualdade entre o homem e a mulher no casamento.

2.1 O Anteprojeto de Código Civil de Orlando Gomes [1]

Sabedor das mazelas do Código Civil de 1.916, o professor Orlando Gomes propôs-se a elaborar um projeto de reforma do Código Civil, a convite do então Ministro da Justiça, Oscar Pedroso d’Horta, nos idos de 1.961, sob o governo de Jânio Quadros. Em 1.963, aos 31 de Março, o Projeto foi entregue, terminado.

O princípio igualitário teria grande influência no regime de bens. Ora, se a mulher teria seu papel na economia do lar, colaborando para o seu sustento, com bens reservados seus, o melhor regime de bens seria o da separação total com comunhão de aqüestos.Adotou-se, assim, como regime legal de bens, o da "separação total com comunhão de aqüestos". Tal se caracterizaria pela coexistência de três patrimônios: o patrimônio pessoal do marido, o patrimônio pessoal da mulher e o patrimônio comum.

Admitia-se a livre estipulação das relações patrimoniais mediante pacto antenupcial, mediante formalização de escritura pública. (Cf. ALMEIDA JÚNIOR: 2003)

Porém, a mais interessante inovação para a época é a contida no artigo 167, que permitia a alteração do regime matrimonial, exceto no caso de regime de separação obrigatória. Eis a íntegra do artigo citado:

Art. 167. Alteração do Regime Matrimonial. Ressalvados os direitos de terceiros, o regime de bens do casamento, exceto o de separação obrigatória, poderá ser modificado em qualquer tempo, a requerimento dos cônjuges, havendo decisão judicial permissiva, que será transcrita no registro próprio.

Portanto, para que os cônjuges alterassem o regime de bens, bastava um requerimento subscrito pelos mesmos, endereçado ao Juiz, que, se deferido, deveria ser transcrito em registro próprio, sempre, contudo, preservando-se direitos de terceiros.


3 O ADVENTO DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Em 16 de Janeiro de 1.975, o Professor Miguel Reale, na qualidade de "Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil", entregou ao Sr. Armando Falcão, Ministro da Justiça do Governo de Ernesto Geisel, o Anteprojeto de Código Civil, que contou com a colaboração, dentre outros, de José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro.

Coube a Clóvis do Couto e Silva os estudos sistematizados sobre o Direito de Família, no Projeto do Código Civil. Miguel Reale, segundo ele próprio, tão-somente desempenhou um papel de coordenador-geral, não só deste capítulo mas como de todo o Código, propondo a estrutura ou sistemática do projeto, que foi aceita pelos colaboradores, sem prejuízo, é claro, de elaborar os textos que considerasse necessário acrescentar ou substituir, como de fato ocorreu. (Cf. SILVA, 2002, p. 1.451)

O Projeto do Código Civil foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 1984, após longos debates de 1.063 emendas. Depois, fora enviado ao Senado Federal, que ali permaneceu até Novembro de 1.997, quando fora aprovado com outras 332 emendas. Foi publicado no Diário Oficial da União, em 11 de Janeiro de 2002, sob a nomenclatura de Lei 10.406/2002, que "institui o Código Civil".

Uma das justificativas para a lentidão na apreciação e votação do Código fora a das profundas alterações políticas que caracterizaram a passagem do sistema militar para o regime democrático. Outrossim, seria providencial aguardar os trabalhos do Legislador Constituinte, com sua nova Constituição, que poderia alterar as bases da legislação privada.

Demais, o próprio Código Civil de 1916 levou mais de dezesseis anos de discussão. O Projetista Clóvis Bevilácqua o entregara em 1899, e sua votação completou-se somente em 1916.


4 PRINCÍPIOS VIGENTES

4.1 Variedade dos Regimes de Bens

O novo Código Civil adota o princípio relativo à variedade dos regimes, assim o ordenamento não somente contempla modelo específicos ou típicos, como permite aos nubentes estipular a respeito o que lhes aprouver, salvo os casos especiais. Assim, prevê o art. 1.639: "É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver".

A posição de José Antônio Encima Manfré demonstra a importância deste princípio:

Trata-se do sistema que melhor atende ao interesse dos consortes e o mais ajustado às nossas tendências morais, além de ser de nossa tradição jurídica. Melhor do que a lei, cada casal escolhendo o regime matrimonial da preferência, regulará de modo soberano, os respectivos interesses. (2003: 31)

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Entretanto, a probabilidade de diversificação não pode contrariar disposição absoluta de lei, sob pena de nulidade (art. 1655), assim como princípios de ordem pública, fins e natureza da instituição matrimonial.

4.2 Liberdade dos Pactos Antenupciais

O Princípio da Liberdade dos Pactos Antenupciais permite aos nubentes a livre escolha do regime que lhes convier, para regulamentar os interesses econômicos decorrentes do ato nupcial, podendo os nubentes escolher entre os regimes legais ou podem combiná-los formando um regime misto ou especial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que respeitados os princípios de ordem pública, os fins e a natureza do matrimônio.

É o que determina o art. 1.639 do Código Civil ao estatuir: "É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.". E também o parágrafo único do art. 1.640: "poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este Código regula".

Sobre as limitações da liberdade dos pactos antenupciais, têm-se a doutrina de Maria Helena Diniz:

O pacto antenupcial deve conter tão-somente, estipulações atinentes às relações econômicas dos cônjuges. Considerar-se-ão nulas as cláusulas que contravenham disposição legal absoluta, prejudiciais aos direitos conjugais, paternos, maternos, etc. (CC, art. 1.655). Igualmente não se admitem cláusulas que ofendam os bons costumes e a ordem pública. Exemplificativamente, nulas serão as cláusulas, e não pacto, que (a) dispensem os consortes dos deveres de fidelidade, coabitação e mútua assistência; (b) privem a mãe do poder familiar ou de assumir a direção da família, ficando submissa ao marido; (c) alterem a ordem de vocação hereditária; (d) ajustem a comunhão de bens, quando o casamento só podia ser realizar-se pelo regime obrigatória da separação; (e) estabeleçam que o marido, mesmo que o regime matrimonial de bem não seja o da separação, pode vender imóveis sem outorga uxória. (2002, p. 148)

Neste mesmo sentido têm-se os ensinamentos de Regina Beatriz Tavares da Silva:

Em regra geral vigora o princípio da autonomia da vontade, ou da liberdade, quanto à escolha pelos nubentes de um regime de bens tipificado em lei ou de um regime de bens tipificado em lei ou de um regime misto, ou ainda, de regras especiais, desde que a convenção não prejudique os direitos conjugais ou paternos, ou outra disposição absoluta da lei, casos em que a convenção será havida como nula. Essa autonomia na escolha de regras mistas ou especiais advém do caput destes dispositivo, inobstante o art. 1.640, parágrafo único estabeleça que os nubentes, no processo de habilitação possam escolher qualquer dos regimes tipificados neste Código. (2002, p. 1.451)

E reforçando têm-se a doutrina de João Andrades Carvalho:

Partindo da liberdade de escolha como caráter marcante do regime matrimonial de bens, podem os nubentes optar por regras próprias na organização desse regime. (...) E como todo o contrato que pretende eficácia no mundo jurídico, essa convenção antenupcial há que se amoldar a determinadas regras inscritas na lei. Quando a lei permite aos nubentes a estipulação "do que lhes aprouver", ela se assegura a reservatio mentalis de que essa liberdade tem uma dimensão jurídica, situada dentro do ordenamento legal vigente. Não se trata de uma liberdade sem limites, ou de um desmesurado direito de agir. Há um espaço legal que não pode ser invadido nem desrespeitado pelos nubentes. (Carvalho, 1996, p. 31)

Embora nosso Código Civil acolha o princípio da variedade dos regimes matrimoniais de bens e assegure aos nubentes o direito de estipularem, quanto a seus bens, o que lhes for conveniente, prefere um tipo de regime estabelecendo que, se os noivos não escolherem o regime de bens ou de sua liberdade de escolha for exercida de forma defeituosa, vigorará o regime legal.

4.3 Mutabilidade Justificada

A discussão acerca da mutabilidade do regime de bens vem há muito tempo, com fortes argumentos, embasando, o entendimento. Contra a mutabilidade citam-se Caio Mário da Silva Pereira e Sílvio Rodrigues; diversamente, favoráveis à alteração, doutos de igual envergadura como Orlando Gomes e Carvalho Santos.

Um fato que ilustra essa batalha ideológica quanto a mutabilidade é que durante a passagem pelo Senado Federal foi acrescentado o segundo parágrafo ao art. 1.639, passando a redigir-se da seguinte forma: "É lícito aos nubentes, antes de celebrar o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhe aprouver. §§"

Vigia no Código de Beviláqua o princípio da Imutabilidade do Regime de Bem, medida compreensível para aquela época (conforme demonstrado anteriormente e pelos motivos já citados), mas completamente incompreensíveis suas razões nos dias atuais, quando a igualdade entre marido e mulher, na esfera do casamento, não é apenas uma figuração constitucional, mas, bem mais que isso, uma realidade da contemporaneidade.

Rolf Madaleno escreve que:

considerando a igualdade dos cônjuges e dos sexos, consagrada pela Carta Política de 1988, soaria sobremaneira herege aduzir que em plena era de globalização, com absoluta identidade de capacidade e de compreensão dos casais, ainda pudesse um dos consortes apenas por seu gênero sexual, ser considerado mais frágil, mais ingênuo e com menor tirocínio mental do que o seu parceiro conjugal. Sob esse prisma, desacolhe a moderna doutrina a defesa intransigente da imutabilidade do regime de bens, pois homem e mulher devem gozar da livre autonomia de vontade para decidirem refletir acerca da mudança incidental do seu regime patrimonial de bens, sem que o legislador possa seguir presumindo que um deles possa abusar da fraqueza do outro.

Além disso, é interessante anotar a opinião de Débora Gozzo, segundo a qual:

A maioria dos nubentes se sente constrangida para discutir questões de cunho patrimonial antes do casamento, entendendo que essa natural inibição inicial poderia levar a escolhas erradas quanto ao regime, além de instalar um clima mais propício para os casamentos por interesse. Seria certo então deduzir que com o passar do tempo, quanto mais sedimentado o relacionamento conjugal, quanto maior a intimidade dos cônjuges quanto mais fortalecidos os seus vínculos familiares e as suas certezas afetivas, mais autorizada estaria a modificação de seu regime patrimonial no curso do casamento, facilitando a correção dos rumos escolhidos quando ainda eram pessoas jovens e inexperientes. (1992 : 126-7)

Entretanto, existem críticas a essa posição. Alegando que a igualdade do casal não condiz com a plena realidade, pois até hoje há casais cujos integrantes não estão necessariamente em igualdade de condições, seja material ou emocionalmente, máxime quando os bens advêm de família.

E também existe o problema referente a terceiros, pois o controle judicial, por si só, não é suficiente para elidir eventual fraude. Conforme preleciona Leônidas Filippone Farrula Júnior:

... estando os cônjuges em conluio, por mais precauções que venha adotar o Magistrado, é possível que prejuízos sejam causados a terceiros. Ou aqueles mesmo podem, em especial no que toca ao aspecto jurídico e à valorização social, ser os prejudicados. Basta Ter-se em mente hipótese em que uma pessoa, casada sob o regime da separação de bens, solicita empréstimo bancário e a instituição financeira condicionada a celebração do mútuo à adoção, por parte do mutuário, do regime universal de bens, pois a esposa daquele é detentora de expressivo patrimônio, suficiente para salvaguardar a solução da obrigação (exemplo oferecido por Sueli Silveira Lobo da Silva Lima). Tal exemplo de fiança/aval, aceitas em razão do patrimônio comum, sem a necessária cautela de se ter cada cônjuge, de per si, como fiador/avaliador. (LEITE coord., 2002, p. 316-7)

No mesmo sentido deste argumento tem-se as doutrinas de Caio Mário da Silva Pereira, que proclama: "a proteção dos interesses de terceiros, para alguns, é fator preponderante da imutabilidade do regime patrimonial". (1994, p. 358)

A posição favorável à mutabilidade alega que não será lei ou norma que, em qualquer circunstância, irá coibir as práticas ilícitas e as operações camufladas. Fortalecendo essa afirmação tem-se a doutrina de João Andrades Carvalho, no que se refere ao direito de terceiros:

Ora, se o casamento não foi instituído à luz do interesse de terceiros, também não pode o regime de bens estar submetido a tais interesses. As pretensões de terceiros não estão dotadas de tal magnitude que possam se enrustir na coluna dorsal do matrimônio, em sua dimensão econômica. Para proteger os interesses de terceiros, máxime credores, preservando-os contra eventuais conluios dos cônjuges, a lei lhe empresta instrumentos próprios, põe-lhes à disposição institutos específicos como a fraude à execução, a fraude a credores, etc. O devedor, dentro ou fora da sociedade conjugal, tem tratamento igual. Em nada se diferencia o devedor casado do devedor condônimo. O devedor casado não tem mais ou menos privilégios do que o devedor solteiro. (1996, p. 29)

Ultrapassada a discussão acerca da conveniência da mutabilidade, averigua-se que com essa norma o Brasil vem alinhar-se a diversos países, como a França, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Espanha, dentre outros, onde já se vigora dispositivo de igual natureza à citada alteração.

Um dos primeiros casos de alteração de regime de bens ocorreu no Rio Grande do Sul, em julho de 2003. A juíza da 3ª. Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, Dra. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, atendeu o pedido do casal, alterando o regime de comunhão universal para comunhão parcial de bens. O casal entrou na justiça para modificar a disposição da empresa em que são sócios pelo fato de o novo Código Civil não mais permitir sociedade entre cônjuges casados pelo regime de comunhão universal de bens.

Conforme se apura na sentença dos autos 00113454988/2003 da 3ª. Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre:

Até o advento deste novo diploma, o regime em que se contraía o casamento era irrevogável, mas a regra esculpida no art. 1.639, §2º, do novo Código Civil, termina com esta vedação, e dá ao regime de separação de bens maior flexibilidade: permitindo seja alterado, e só veda a possibilidade de mudança nas hipóteses dos incisos do art. 1.641, que não se aplicam a este caso em exame.

Outro ponto ressaltado por Leônidas Filippone Farrula Júnior é quanto ao tempo para se pleitear a alteração do regime, pois ao contrário do que ocorre na França, onde é exigido o tempo mínimo de 02 (dois) anos de casados, o novo dispositivo do Código Civil não impõe qualquer lapso temporal. E o mesmo autor profere a seguinte crítica a essa lacuna: "A ausência de tal requisito traz um inconveniente, qual seja, a de que requerimentos sejam feitos precipitadamente, sem que se tenha exigido amadurecimento maior do casal para determinar o que lhe seja melhor". (LEITE, 2002, p. 316)

E no mesmo sentido tem-se o questionamento sobre os motivos ensejadores da mudança do regime admitida no § 2o, pois a lei é omissa nesse aspecto. Tal omissão gera grande subjetivismo de interpretação, sendo certo que parâmetros deverão ser estabelecidos pela jurisprudência e pela doutrina.

Sobre os procedimentos legais para regularizar a mudança do regime de bens, Leônida Fillipone Farrula Júnior afirma que:

Diversos cuidados deverão, outrossim, adotar-se nos procedimentos de mudança de regime. Por exemplo, para evitar-se o favorecimento de um cônjuge em relação ao outro, é indispensável saber se ambos ostentam plena capacidade de discernimento e se conhecem as conseqüências do pedido. Ainda, necessários verificar-se todo o patrimônio envolvido, devendo vir aos autos, por exemplo, declaração de rendimentos de cada qual, certidões cartorárias tanto pessoais quando de bens imobiliários etc. Para afastar eventual fraude de terceiros, seria aconselhável verificar se os requentes têm filhos, dívidas e se são sócios de alguma pessoa jurídica, perquirindo-se, igualmente, quanto à saúde financeira desta. Seria de boa cautela também proceder-se à citação editalícia de eventuais terceiros interessados, preservando-se o Princípio da Publicidade, norteador da eficácia dos atos jurídicos. (LEITE, 2002, 318)

Outro ponto importante para que a mutabilidade do regime de bens não seja usada para fraudes é o dever de averbar na certidão de casamento, assim como no RGI da situação dos bens envolvidos e do domicílio do casal (cf. art. 167, da Lei n.º 6.015/73). Tal averbação deverá ser feita na Junta Comercial, se comerciante pelo menos um dos cônjuges.


CONCLUSÃO

O presente estudo trata das mudanças ocorridas no Direito de Família, através da ótica dos princípios que norteiam e embasam toda a regulamentação.

Os Princípios da Mutabilidade do Regime de Bens, da Liberdade dos Pactos Antenupciais e da Variedade dos Regimes de Bens, visam atualizar o Direito de Família com os ditames constitucionais e também com as alterações sociais.

O Princípio da Mutabilidade do Regime de Bens admite a alteração do regime matrimonial adotado, desde que haja autorização judicial, atendendo a um pedido motivado de ambos os cônjuges, após a verificação da procedência das razões por eles invocadas e da certeza de que tal modificação não causará qualquer grava-me, a direito de terceiros.

O Princípio da Liberdade dos Pactos Antenupciais, possibilita aos nubentes ajustarem o que lhes aprouver sobre os bens, desde que respeitados os limites legais.

E por último o Princípio da Variedade dos Regimes de bens, contempla modelos específicos, assim como permite aos nubentes estipular novos regimes ou combinar regras de um e outro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTA

1 Apresenta-se o Anteprojeto de Orlando Gomes no presente trabalho, porque o mesmo já previa muitas das mudanças ocorridas com o novo Código Civil de 2002.

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Sobre a autora
Izaura Uliana Yokohama

advogada, especializanda em Direito Civil e Processual Civil pela UNIPAR – Universidade Paranaense

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YOKOHAMA, Izaura Uliana. Os princípios dos regimes de bens no NCC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 553, 11 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6167. Acesso em: 25 nov. 2024.

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