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Persistência não exige idade nem tempo de advocacia

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O tema relacionado aos limites impostos pela Constituição aos editais de concurso público revela-se inesgotável devido às inúmeras vertentes existentes, demandando comentários sempre que nova situação se apresenta.

Neste texto, discutiremos a discordância da co-autora, aluna do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, contra o edital de abertura do XII Concurso para Provimento de Juiz Federal Substituto da 3.ª Região, devido à exigência de alguns itens que obrigavam o candidato a comprovar, no momento da inscrição: I – idade superior a 25 anos; II – certidão expedida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comprobatória da inscrição em seus quadros por um período de, no mínimo, 2 anos; requisitos que a co-autora não possuía. Além de abordarmos esse caso, explicitaremos outros que apresentaram problemas parecidos.

Voltemos, então, a falar da situação enfrentada pela co–autora, ela precisou recorrer perante a comissão de concurso, tendo seu pedido indeferido com base no disposto nas Leis n. 5.010/66, com a redação dada pela Lei n. 7.595/87, as quais consignavam essas exigências.

Inconformada com o evidente desrespeito ao seu direito líquido e certo, recorreu da referida decisão, por meio do Mandado de Segurança (MS) n. 2004.03.00.058988-6, para salvaguardar seu direito violado, conseguindo a liminar pleiteada por intermédio de decisão proferida pelo eminente Des. Federal da 3.ª Região André Nabarrete, relator do processo do qual destacamos o seguinte trecho:

(...) Há que se considerar ainda se as exigências de idade mínima de vinte e cinco anos e de dois anos de exercício profissional estão em conformidade com os princípios constitucionais. Penso que não. É fácil ver que o legislador pretendeu assegurar com tais condições a maturidade e experiência do candidato. Para isso, todavia, teve de eleger um discrímen, o qual, porém, é nitidamente arbitrário. Preferiu vinte e cinco anos de idade, mas podia ter definido vinte e seis, vinte e sete ou qualquer outra. Idêntica é a situação da experiência mínima, à qual se pode agregar ainda o óbice de que a mera inscrição na OAB não tem relação direta e necessária com experiência profissional. Ressalto que não se trata de negar as peculiaridades da função, as quais, entretanto, podem ser avaliadas pelo próprio concurso, sem que seja necessário desatender ao princípio fundamental de igualdade.

O conteúdo da liminar concedida reflete com exatidão o dos princípios constitucionais balizadores da matéria, em particular, o da razoabilidade.

Com efeito, o eminente magistrado deixou clara sua posição, no sentido de que os requisitos de idade mínima e tempo de advocacia revelam-se arbitrários, não servindo para apurar a eficiência do candidato.

Cumpre observar que o art. 21 da Lei n. 5.010/66, com a redação dada pela Lei n. 7.595/87, a qual exige idade superior a 25 anos e inscrição na OAB por 2 anos para o exercício do cargo de Juiz Federal, não foi recepcionado pela Constituição Federal (CF) de 1988, por não observar a correlação lógica exigida para a restrição de norma constitucional, desrespeitando o princípio da razoabilidade.

Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito de lei diversa que limitava a idade para ingresso no cargo de Juiz Substituto, conforme a ementa abaixo transcrita:

Concurso para ingresso na magistratura de carreira. Limite de idade. A Lei n. 6.750/79, art. 46, V, que impõe limite de idade para inscrição de Concurso para Juiz de Direito Substituto da Justiça do Distrito Federal e Juiz de Direito dos Territórios Federais perdeu o vigor com a promulgação da CF de 88. Posto que é incompatível com as disposições contidas nos arts. 5.º e 7.º, XXX, da Lei Maior. Recurso Ordinário provido (ROMS n. 635/DF; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 1990/0009954-4, 2.ª T., rel. Min. José de Jesus Filho, j. em 16.11.1992).

Tal entendimento também se encontra consubstanciado na seguinte ementa do STJ: "A lei não pode criar limitações que a Constituição expressamente proscreveu, entre as quais, discriminações no critério de admissão por motivo de idade (RDA 184/141)".

Ora, se a CF superveniente dispõe em sentido contrário à lei anteriormente editada, é elementar a sua revogação. É cristalino o descompasso da restrição imposta nos incs. I e V do art. 21 da Lei n. 5.010/66 com os direitos previstos na Magna Carta no art. 7.º, XXX:

"Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil".

Outrossim, sobreleva notar que o disposto no referido comando constitucional aplica-se, indubitavelmente, aos servidores públicos, conforme expresso no art. 39, § 3.º, no qual, aliás, mais uma vez, faz a CF referência ao princípio da razoabilidade nos seguintes termos: "§ 3.º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7.º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir".

Insta relembrar que, a respeito do tema, foi editada, em 2003, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a seguinte ementa, traduzindo a jurisprudência da mesma forma pacífica nesse Egrégio Tribunal: "O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido (Súmula n. 683 – DJU de 9.10.2003, publicada também nos DJUs de 10 e 13.10.2003)".

A flagrante inconstitucionalidade dos itens do edital revela-se também cristalina em razão do instrumento utilizado. Com efeito, não poderia jamais um edital, mero ato administrativo, e, nesse caso, produzido pelo Poder Judiciário, vir a restringir os efeitos de norma constitucional. Principalmente se a lei que disciplinava a matéria não fora recepcionada pela ordem constitucional vigente.

É oportuna, dessa forma, a transcrição de acórdão proferido recentemente pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Mandado de segurança. Idade mínima para inscrição em concurso público para provimento do cargo de Juiz de Direito substituto. O acesso aos cargos públicos civis não pode ser impedido, de regra, em razão da idade, considerando o disposto pelo art. 7.º, XXX, da CF/88. Somente se mostraria possível a imposição de limite de idade nas hipóteses explícita ou implicitamente previstas pela carta federal. Segurança concedida (Pleno, MS n. 70.006.128.177, rel. Des. Antônio Carlos Stangler Pereira, j. em 30.6.2003).

Cumpre consignar que as restrições dos editais, por serem desarrazoadas, afrontam a CF, a qual estatui ser a ordem econômica fundada na valorização do trabalho (art. 170) e a ordem social, no primado do trabalho (art. 193), de forma a garantir a dignidade da pessoa humana, fundamento também da República Federativa do Brasil (art. 1.º, III).

Nesse contexto, cabe, ainda, ressaltar que os requisitos do edital do XII Concurso para Provimento de Juiz Federal Substituto da 3.ª Região impugnados não contêm, consoante bem observou o eminente desembargador, relação de correspondência com a finalidade maior de um concurso público, ou seja, aferir a eficiência do candidato, afrontando, pois, a redação do inc. II do art. 37 da CF: mormente quando preconiza que as provas e títulos deverão estar de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego.

Em outras palavras, as exigências de idade mínima do candidato e de tempo mínimo de exercício de profissão para a qual se exija o grau de bacharelado em Direito não traduzem a eficiência do candidato empossado no cargo de Juiz Federal. Tampouco significa que o candidato sem esses requisitos não cumprirá eficientemente suas funções, uma vez empossado no cargo.

Tem-se, assim, que os fatores de discriminação previstos nos editais só se legitimam se compatibilizados com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego oferecidos, conforme já tivemos oportunidade de esclarecer:

Em outras palavras, pode-se concluir que o tempo por si só não pode ser utilizado como fator de discriminação, a menos que a natureza do cargo ou emprego assim se justifique. Em arremate, tempo é elemento neutro, que jamais pode ser tomado como fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, sob pena de violência à regra da isonomia.

Nesse contexto, cumpre designar, uma vez mais, a necessidade de se estabelecer uma correlação lógica entre a exigência formulada e a finalidade a ser alcançada.[1]

Esse também é o entendimento do Mestre ADILSON ABREU DALLARI, conforme se apura do excerto colacionado:

Como regra, a idade não mais pode ser erigida em fator obstativo da acessibilidade, excetuados, evidentemente, o limite mínimo para o trabalho adulto e o máximo, que coincide com o estabelecido para a aposentadoria compulsória. Isso porque, para os admitidos em regime de emprego, o art. 7.º, XXX, o impediria, já que ali se dispõe ser proibida a adoção de critério de admissão por motivo de idade. A mesma vedação se impõe para os admitidos no regime de cargo, ex vi do art. 39, § 2.º, de acordo com o qual aos servidores da Administração direta, autarquias e fundações públicas aplicam-se, entre outros incisos do art. 7.º, o mencionado inc. XXX.[2]

Não é diferente a posição dos tribunais, os quais, em suas decisões recentes, vêm decidindo, como desarrazoadas, as exigências dos editais as quais não se coadunam com a natureza do cargo a ser preenchido por concurso público, a exemplo da seguinte ementa de decisão do STF, que se coaduna com a citada Súmula n. 683 do mesmo Tribunal:

A estipulação de limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.º, XXX, da CF (proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil aplicável aos servidores por força do disposto no art. 39, § 2.º, da CF), quando tal limite possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido (...) (RE n. 197.84/MG, rel. Min. Moreira Alves, j. em 19.5.1998).

Nesse mesmo diapasão, dispõe a ementa de decisão do Egrégio Tribunal Federal da 3.ª Região, cuja transcrição se faz oportuna:

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O art. 39, § 2.º, da Constituição da República, combinado com o art. 7.º, XXX, prescreve o limite de idade para ingresso no serviço por intermédio de concurso. A discriminação somente é possível se houver adequação no tocante às funções de cargo e idade. Remessa oficial a que se nega provimento (TRF, 3.ª Região, 4.ª T., REO n. 90.03.03029101, rel. Des. Lúcia Figueiredo, DJU de 30.9.1991).

Melhor sorte não merece a exigência de exercício da advocacia por um período mínimo de dois anos, por afrontar os princípios da eficiência, isonomia e do amplo acesso ao trabalho, também porque impede a participação de servidores públicos que não podem advogar.

Outrossim, a utilização desse critério acaba por atingir resultado inverso do preconizado pela CF, pois penaliza exatamente os eficientes. Imagine-se, por hipótese, que um bacharel em Direito recém-formado consiga lograr êxito logo no primeiro concurso público prestado. Se posteriormente desencantar-se com a carreira e resolver prestar novo concurso, estará impossibilitado de participar pelo simples fato de não possuir o tempo de advocacia exigido no edital, sendo penalizado por sua competência, o que não se pode admitir.

Cumpre consignar que o constituinte, ao proclamar o princípio da isonomia no caput do art. 5.º, pretendeu conferir a igualdade material aos cidadãos brasileiros, estabelecendo a igualdade de todos, não só perante a lei, mas no próprio texto legal. A igualdade que a CF proclama, contudo, não impede que a lei dê tratamento desigual aos seus destinatários. Quanto à possibilidade de lei vir a fazer tais distinções, preleciona o Mestre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: "as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida".[3]

Destarte, resta evidente que a aplicação do princípio constitucional em tela destina-se a impossibilitar discriminações de caráter gratuito, que não se coadunem com a finalidade pública a ser atingida. A esse respeito, cabe transcrever as lições de ADILSON ABREU DALLARI: "Ressalvados os requisitos de capacidade civil e habilitação legal, toda e qualquer outra condição deve guardar total pertinência com o trabalho que vier a ser executado, sob pena de nulidade, pois a regra geral é a proibição de distinções puramente discriminatórias".[4]

Tem-se, também, por ilegal o momento em que é feita a exigência da comprovação dos mencionados requisitos pelo edital do concurso em tela, pois é ofensora do princípio da eficiência. Assim, o momento legítimo para a cobrança das exigências formuladas no edital é aquele que precede o início efetivo das atribuições, ou seja, a posse.

De acordo com essa afirmação, encontramos a lição do eminente Des. JOÃO DE DEUS BRINGEL, transcrita ipsis litteris:

Inscrição não é pré-investidura. É ato, apenas, de relacionar candidatos a um certame que finda no preenchimento de cargos, não se podendo, por isso, exigir os requisitos para a investidura no ensejo da inscrição, eis que tais condições deverão ser provadas, apenas, pelos candidatos aprovados (MS n. 2000.07712-6/CE, julgado em 22.3.2001).

De resto, outra não é a orientação já consolidada no STJ, a teor da Súmula n. 266/2002: "O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público."

Esse já era também o entendimento do STF antes mesmo da edição da súmula acima transcrita, conforme a decisão abaixo colacionada:

Constitucional. Servidor Público. Concurso público. Habilitação legal. Cargo público: requisitos estabelecidos em lei (art. 37, I, da CF).

I – A habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigida no momento da posse. No caso, a recorrente, aprovada em primeiro lugar no concurso público, somente não possuía a plena habilitação, no momento do encerramento das inscrições, tendo em vista a situação de fato no âmbito da universidade, habilitação plena obtida, entretanto, no transcorrer do curso: diploma e registro no Conselho Regional. Atendimento, destarte, do requisito inscrito em lei, no caso (art. 37, I, da CF).

II – RE conhecido e provido (RE n. 184.425/RS, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 12.6.1998, Informativo do STF n. 114).

Segue colacionado o recente entendimento consubstanciado do STJ a respeito do tema:

Constitucional e administrativo – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – concurso público – requisitos – limitação – idade mínima – impossibilidade.

1 – Uniforme e pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Superior Tribunal de Justiça sobre não se poder limitar o acesso a cargos públicos impondo-se limite de idade. Aplicação, pela Administração, do princípio da razoabilidade dos atos públicos, levando-se em consideração a natureza do cargo pretendido.

2 – A exigência de idade mínima em concurso público deve ser aferida no momento da posse, por ser tal requisito relativo à atuação da função, e não na ocasião da inscrição para o provimento do cargo.

3 – Precedentes do STF (RE n. 156.404/BA) e STJ (RMS n. 1.511/CE e n. 14.156/PE).

4 – Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão de origem, conceder a ordem e determinar que seja feita a inscrição definitiva do impetrante no referido certame público. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios, a teor das Súmulas n. 105/STJ e n. 512/STF (ROMS n. 13.902/PE; ROMS n. 2001/0145351-4, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 17.12.2002).

É evidente que a exigência do preenchimento dos requisitos no momento da inscrição é inconstitucional por desconsiderar a regra constante do caput do art. 37 da CF sobre a observância ao princípio da razoabilidade na administração pública.

Ademais, sendo no momento da posse que se encerra o ciclo de ingresso na administração pública, não se atende à finalidade maior do concurso a exigência antecipada de títulos que só serão necessários se o candidato comprovar, nas fases do concurso, aptidão para o exercício das funções.

A respeito disso, já consignamos:

"Ao assim proceder, estaria a Administração restringindo, de forma indevida, posto que desarrazoada, a participação de candidatos que possam não preencher a exigência no momento da inscrição, mas que, certamente, poderão fazê-lo no momento da posse".[5]

Dessa forma, os argumentos desenvolvidos ao longo deste trabalho demonstram de maneira cristalina que o ingresso em carreiras públicas demanda persistência, a qual não exige nem idade nem tempo de advocacia.


Notas

[1] SPITZCOVSKY, Celso. Concursos Públicos: limitações constitucionais para os editais: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2004. p. 210.

[2] Regime dos servidores da administração direta e indireta: direitos e deveres. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 60-61.

[3] Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.

[4] Regime constitucional dos servidores públicos. 2. ed. São Paulo: RT, 1990. p. 34.

[5] SPITZCOVSKY, Celso. Op. cit. p. 154.

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Sobre os autores
Celso Spitzcovsky

advogado, professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo no Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Daniela Dias Graciotto

advogada, aluna do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPITZCOVSKY, Celso ; GRACIOTTO, Daniela Dias. Persistência não exige idade nem tempo de advocacia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 560, 18 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6175. Acesso em: 28 mar. 2024.

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