Feminicídio: Violência doméstica e familiar

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O presente trabalho tem como foco, apresentar o contexto de violência em que as mulheres estão submetidas no âmbito familiar, bem como os fatores em que tal brutalidade desenvolve no meio social.

MOREIRA, Adriana Nogueira

SOUZA, Gerald Gonçalves2

Professor Orientador: SANTOS, Alvaro Homero Huertas

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem como foco, apresentar o contexto de violência em que as mulheres estão submetidas no âmbito familiar, bem como os fatores em que tal brutalidade desenvolve no meio social. Mostrando que a violência praticada contra as mulheres acontece em diversas classes sociais e evidenciando que essa taxa de homicídio de mulheres é o reflexo da cultura brasileira. Utilizando o método qualitativo e referências bibliográficas para demonstrar que esse comportamento já é uma pratica corriqueira no seio familiar.

Palavras-chave:Feminicídio; Comportamento; Violência. 

INTRODUÇÃO

         As mulheres ao longo da história foram vítimas de diversas atrocidades, tendo tratamento diferenciado no meio social e familiar. No ambiente familiar eram vistas como um objeto de posse do qual o homem poderia usufruir da maneira que bem entendesse. Aos olhos da sociedade, desde sua concepção como mulher, já tinham tarefas atribuídas como aquela de cuidar da casa, dos filhos; caso contrário, eram merecedoras de violência psicológica, física e até mesmo à morte.

         Esse comportamento social foi um dos fatores para o aumento quantitativo nos índices de assassinatos de mulheres, desenvolvendo trajes discriminatórios e complexos de inferioridade na mulher brasileira. Nessa ótica cultural de submissão da mulher aos caprichos do homem, formou-se uma sociedade preconceituosa, enraizada na visão de que o sexo feminino nasceu para ser apenas um objeto, com a qual possui uma relação de obediência, sendo subordinadas as ordens dos seus maridos e a ter uma conduta ilibada.

          No entanto, na busca por melhores tratamentos foram feitas diversas reivindicações ao longo do tempo, bem como modificações no ordenamento jurídico e promulgação de lei especifica para evitar que tais condutas continuassem trazendo sofrimento psicológico para à vítima. Além disso, demostrando para a sociedade quais as consequências para quem pratica o crime. Diante de tais lutas nasceu a lei nº 11.340/2006, para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, conhecida como Lei Maria da Penha. E na mesma direção, ampliando o rol de proteção da mulher, foi incluido ao art. 121, § 2º, o inciso VI, ao Código Penal, qualificando o crime de homicídio.

Grande parcela do número de feminicídio acontece no ambiente doméstico e familiar da vítima. Geralmente começa pela violência psicológica, posteriormente parte para as agressões físicas até terminar em morte. Muitas dessas vítimas tem uma triste ilusão de acharem que por terem laço sanguíneo e/ou afinidade, nunca serão vítimas de feminicídio. A lei 11.340 define quando ocorre violência doméstica e familiar, no art.5°:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

 I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

No levantamento feito pelo Mapa da Violência 2015, dos 4762 homicídios de mulheres em 2013, 2.394 foram cometidos por familiar da vítima, que representa 50,3% dos homicídios. Isso corresponde perto de 7 (sete) homicídios diários. Todavia, 1.583 dessas mulheres foram mortas pelos parceiros ou ex-parceiros. O que representa 33,2% do total de homicídios, representando 4 (quatro) homicídios diários.

         Este número alarmante reflete a história da cultura brasileira, sob a ótica da submissão das mulheres a vontade dos homens, impondo regras de convívio, caso contrário seriam punidas, através de violência psicológica, física e até mesmo com sua própria vida.

          Muitos dos assassinatos onde a vítima tem relações fraternais com o agressor são retratados pela mídia como crime passional, expressão utilizada para designar o homicídio que se comete por paixão. Porém esse sentimento muitas das vezes, esconde o desejo de vingança, menosprezo e discriminação pelo fato da condição de mulher. Conforme explica Guilherme de Souza Nucci:

 Culturalmente, em várias partes do mundo, a mulher é inferiorizada sob diversos prismas. Pior, quando é violentada até mesmo morta, em razão de costumes, tradições ou regras questionáveis sob a aura dos direitos humanos fundamentais. No Brasil, verificou-se (e ainda se constata) uma subjugação da mulher no nível cultural, que resvala em costumes e tradições. Constitucionalmente, todos são iguais perante a lei. Essa afirmação normativa não bastava, tendo em vista que as mulheres continuavam a sofrer dentro de seus lares (principalmente) inúmeras formas de violência física e psicológica. Adveio a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) contendo normas explicativas, programáticas e determinadas, com o fito de tutelar, de maneira mais eficiente, a condição do sexo feminino, em particular nos relacionamentos domésticos e familiares. O feminicídio é uma continuidade dessa tutela especial, considerando homicídio qualificado e hediondo a conduta de matar a mulher, valendo-se de sua condição de sexo feminino.NUCCI, Guilherme De Souza. Código penal comentado. 17º ed. – Rio de Janeiro: Editora Forence, 2017.p.455

Através da análise quantitativa de homicídios de mulheres, principalmente aquela ocorrida nas relações doméstica e familiar, se fez necessário uma maior proteção a parte vulnerável, qualificando o assassinato da mulher, como feminicídio. Conforme, o art. 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal.

Art. 121- Matar alguém:

 Pena- reclusão, de seis a vinte anos.

VI- contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;

Pena- reclusão, de doze a trinta anos.

 § 2 - A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I- violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição da mulher.

 Já sabido,a mulher é o sujeito passivo do feminicídio, porém isso não basta para que se enseja a qualificadora. Para tanto, é necessário que a conduta delitiva do agressor envolva violência doméstica e familiar, ou ocorra menosprezo ou discriminação à condição da mulher. Diante da aplicação extensiva da lei 11.340/06, para configuração do feminicídio, pode-se abranger os travestis, transexuais, homossexuais, entre outros.

Contudo, como vimos anteriormente, para se falar em feminicídio, é imprescindível que o sujeito passivo seja uma mulher. Uma questão longe de simples, o conceito de mulher para a qualificadora do feminicídio hoje, causa grandes indagações inclusive, dentro do nosso ordenamento jurídico.

       Os procedimentos cirúrgicos tais como a neofaloprastia e a neocolpovulvoplastia, trata-se da mudança do órgão genital que obviamente em decorrência destas, nos deparamos tão somente com mudanças estéticas. Contudo, não é possível se falar em mudança genética por exemplo, tampouco existe mudança no que se concerne os registros cíveis em decorrência da cirurgia apenas.

       No entanto, existem três critérios que nos trazem esclarecimentos diante desta problemática: o critério psicológico, o critério biológico e o critério jurídico cível.

        Psicológico: Nos casos em que o sujeito nasce homem, mas acredita pertencer por alguma razão, ao sexo feminino ou vice e versa, quando a mulher acredita por razões próprias, ser um homem.

       Como bem salienta Barros (2015), O grande problema de adoção deste critério é que ele surge tão somente da visão subjetiva do indivíduo, sendo incompatível com o princípio da legalidade, em sua vertente nullumcrimennullapoenasine lege stricta.

Biológico: Este critério determina ser a mulher, aquela cujo sexo morfológico determinar. Sexo genético e sexo endócrino.

.

      Tal critério é apontado e defendido por Barros, que assevera:

Entendo que deve ser sempre considerado o critério biológico, ou seja, identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a neocolpovulvoplastia altera a estética, mas não a concepção genética, não será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio. franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br

       Jurídico cível: É aquele no qual se obtém registro cível como pertencente ao sexo feminino. Aqui encaixaria o transexual que formalmente obtém o devido registro no qual passa a ser identificado civilmente como mulher, porque para efeitos da qualificadora, esta pessoa será considerada mulher. Contrariando o entendimento doutrinário acima e esclarecendo a defesa da utilização deste critério, Greco em seu texto, nos diz:

Das três posições possíveis, isto é, os critérios psicológico, biológico e jurídico, somente este último nos traz a segurança necessária para efeitos de reconhecimento do conceito mulher.Além disso, não podemos entender tal conceito a outros critérios que não o jurídico, uma vez que, in casu, estamos diante de uma norma penal incriminadora, que deve ser interpretada o mais restritamente possível, evitando-se uma devida ampliação do seu conteúdo que ofenderia, frontalmente, o principio da legalidade, em sua vertente nullumcrimennullapoenasine lege stricta.(GRECO, ROGERIO, Código penal comentado. 2017p.337)

 

 

Desta forma, concordamos com o critério defendido por Rogério Greco, devido à segurança jurídica que depende o nosso Código Penal e  na qual deve o mesmo, pauta-se no princípio da legalidade. Sendo assim, para que se configure sujeito passivo do feminicídio deve existir de fato o registro cível notificando o devido sexo feminino para tal qualificadora.

 Outra questão a ser debatida é a seguinte: A qualificadora do crime de feminicídio é objetiva ou subjetiva? Entendemos que é subjetiva, pois na verdade, a conduta do agente está interligada na motivação do crime e não nos meios executórios. De acordo, com o posicionamento defendido pelo autor Rogerio Sanches:

Ressaltamos, que a qualificadora do feminicídio é subjetiva, pressupondo motivação especial: o homicídio deve ser cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Mesmo no caso do inciso I do § 2"-A, o fato de a conceituação de violência doméstica e familiar ser um dado objetivo, extraído da lei, não afasta a subjetividade. Isso porque o § 2-A é apenas explicativo; a qualificadora está verdadeiramente no inciso VI, que, ao estabelecer que o homicídio se qualifica quando cometido por razões da condição do sexo feminino, deixa evidente que isso ocorre pela motivação, não pelos meios de execução. SANCHES, Rogério Cunha. Código penal para concurso. 9º ed. – Bahia: Editora Jus Povivm, 2016.p.349

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          Além do mais, visando ampliar o rol de proteção da parte mais fraca, principalmente nas relações familiares, onde grande parcela dos crimes acontecem, foi incluído no § 7° a causa de aumento de pena de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I– durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; é nítido que esse crime acontece por diversos fatores, seja porque o companheiro da vítima não aceita a gravidez, praticando o crime sem pudor; entre outros fatores que obviamente não justificam tal conduta. O legislador visando coibir que esta conduta acontecesse no seio familiar ou no contexto social, incluiu uma causa que agrava a pena, quando o crime for contra mulher grávida ou nos três meses posteriores ao parto. É de suma importância que tal fato ingresse na esfera de conhecimento do agente para majoração da pena prevista no feminicídio, pois o direito penal não admite a responsabilidade sem culpa.

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; o fato do agente que comete o homicídio contra pessoa menor de 14 anos, maior 60 anos ou contra pessoa deficiente já majorava a pena em 1/3. Tendo em vista, que estas pessoas necessitam de maiores cuidados, o legislador incluiu uma causa de aumento que varia 1/3 até a metade. Quando ocorre o conflito entre as majorantes deverá se utilizar do princípio da especialidade.

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima; Tal crime, quando cometido na presença do familiar da vítima pode vir a causar danos psicológicos irreversíveis. Diante de alguns fatos, por exemplo; muitos casos de pais que mataram suas esposas na presença dos filhos, dentre outros casos... Repudiando tais condutas, foi introduzido uma causa que agrava a pena quando o crime ocorre na presença do familiar da vítima. É importante que o fato ingresse na esfera do conhecimento do agente no momento do cometimento do delito, pois o direito penal não admite a responsabilidade sem culpa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A qualificação do crime de feminicídio foi um progresso na busca por maior proteção a parte hipossuficiente na relação familiar, visando diminuir a taxa de homicídio de mulheres, na mesma esteira, dando uma maior reprovabilidade pra quem pratica o crime. Além do mais, necessitamos mudar o conceito cultural desenvolvido na sociedade, através de medidas mais enérgicas, modificando a forma de pensar. Possibilitando desenvolver formas que ampliam os laços de proteção, antes que ocorra o homicídio da mulher.

Referências bibliográficas 

GRECO, ROGERIO, Código penal comentado. 11° ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017

NUCCI, Guilherme De Souza. Código penal comentado. 17º ed. – Rio de Janeiro: Editora Forence, 2017.p.455

Mapa da violencia 2015 Júlio JacoboWaisefilsz

SANCHES, Rogério cunha. Código penal para concurso. 9º ed. – Bahia: Editora Jus Povivm, 2016.p.349

http;//feminicidionobrasil.com.br

https://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidio-e-neocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais

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Sobre os autores
Adriana Nogueira Moreira

Graduada em Direito Pós Graduada em Direito Constitucional Especialista em Ciências Criminais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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