Adoção à brasileira: o direito aos alimentos, os efeitos sucessórios e a anulação do registro civil com base na jurisprudência brasileira

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5. DA ADOÇÃO À BRASILEIRA

A adoção à brasileira é aquela em que um indivíduo registra, como sendo seu o filho de outrem. De acordo com o artigo 242 do Código penal (CP), essa prática é considerada ilegal pelo ordenamento jurídico brasileiro e, envolvem outras três tipificações: o parto suposto; a entrega de filho com idade inferior a 18 anos para pessoa inidônea; e falsidade ideológica.

Dentre as práticas que de algum modo facilitam esse processo pode-se citar que a Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.915/73) em seu artigo 54, que regula o registro de recém-nascidos feito pelo Cartório de Registro Civil, no momento de registrar não solicita nenhuma investigação que venha a comprovar os laços biológicos ou a veracidade dos documentos apresentados, o que facilita essa pratica.

Por sua vez, outro fato que contribui para a informalidade desse processo é o tempo e o dinheiro gasto devido a enorme burocracia de que é dotada a adoção legal. Nessa via, ainda existe o receio por parte dos adotantes de o pedido de adoção ser negado pelo juiz competente por uma possível ausência de pré-requisito exigido.

A seguinte critica é observada:

“A chamada Lei da Adoção, em vez de agilizar o processo de adoção e reduzir o tempo de crianças e adolescentes institucionalizados, acabou impondo mais entraves para sua concessão. E, ao invés de esvaziar os abrigos, certamente, vai é esvaziar a adoção”. (DIAS, 2010, p. 12).14

Com a nova Lei, o processo de adoção carece dentre outros critérios de acompanhamento por equipe multiprofissional, visando sempre o interesse do adotando, especialmente sobre a irrevogabilidade da medida (art. 166, §2°, ECA). No mais, o total consentimento dos responsáveis do adotando deve ser colhido em audiência pelo juiz, com a presença do Ministério Público, depois de esgotados todos os esforços para a manutenção da criança junto à família natural ou extensa (art. 166, § 3°, ECA).

Destarte, não mais existe a possibilidade de se dispensar o estágio de convivência, salvo se a criança já esteja sobre a tutela ou guarda legal do adotante (art. 46, § 2°, ECA).

Ainda nesse contexto, salienta a nota de MARIA BERENICE DIAS:

É absolutamente equivocado o prestígio que se empresta à família natural, quando se busca manter, a qualquer preço, o vínculo biológico, na vã tentativa de manter os filhos sob a guarda dos pais ou dos parentes que constituem a chamada família estendida. Essas infrutíferas tentativas fazem com que as crianças, ao serem rejeitados por seus pais e parentes, acumulem sucessivas perdas e terrível sentimento de abandono que trazem severas sequelas psicológicas15.

Esse é um ponto de fundamental relevância no contexto da adoção, nota-se que existe uma imensa vontade de manter o adotando no anseio da família biológica ou de parentes consanguíneos mesmo quando infrutíferas essas tentativas. As frustradas tentativas fazem com que as crianças e adolescentes carreguem consigo o sentimento e a sensação da rejeição por parte daqueles que deveriam os acolher, acarretando dificuldades de lidar com esse sentimento que é uma realidade na vida deles e que esses ainda estão descobrindo a vida, aprendendo a viver no mundo onde os adultos é quem comanda. Destarte, toda essa legislação deve incansavelmente buscar arraigar sempre, o melhor interesse para ao adotando, como preceitua o ECA, já que elas são a parte frágil dessa relação de desigualdade.

Uma pesquisa liderada por LIDIA WEBER, feita com pais e filhos adotivos e com a população em geral. Com resultado, mostrou que há fatores determinantes para disparidade de crianças e adolescentes institucionalizados e postulantes à adoção.

O principal ponto de desencontro é o preconceito, consciente ou não.

De acordo com as opiniões de boa parte da população as pessoas: teriam medo de adotar crianças mais velhas (acima de 6 meses) pela dificuldade na educação; teriam medo de adotar crianças de cor diferente da sua pelo "preconceito dos outros"; teriam medo de adotar crianças com problemas de saúde pela incapacidade de lidar com a situação e pelas despesas altas que teriam; teriam medo de adotar uma criança que viveu muito tempo em orfanato pelos "vícios" que traria consigo; medo de que os pais biológicos possam requerer a criança de volta; medo de adotar crianças sem saber a origem de seus pais biológicos, pois a “marginalidade" dos pais seria transmitida geneticamente; culpabilizam somente os pais pelo internamento e abandono dos filhos e pensam que o governo deveria controlar o número de filhos, principalmente em mulheres pobres; pensam que uma criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas; acreditam que a adoção visa primordialmente o adotante e não a criança, sendo um último recurso para pessoas que não conseguem ter filhos biológicos; acreditam que a adoção pode servir como algo para "desbloquear algum fator psicológico" e tentar ter filhos naturais; acham que quando a criança não sabe que é adotiva ocorrem menos problemas, assim, deve-se adotar bebês e "fazer de conta" que é uma família natural; acham que as adoções realizadas através dos Juizados são demoradas, discriminatórias e burocráticas e recorreriam à adoção "à brasileira" caso decidissem adotar; consideram que somente os laços de sangue são "fortes e verdadeiros". (Weber; Gagno; Cornélio & Silva, 1994; Weber & Cornélio, 1995; Weber & Gagno, 1995).

É visível que os adotantes procuram por um biótipo ao invés de um filho. É imaginável se esse filho com todas ou algumas características supracitadas fosse concebido pelo vinculo biológico, esses pais não cuidariam dele? Cuidariam sim e de seu interesse e continuariam na tentativa de dar o melhor para esse filho e manteriam a unidade familiar. A adoção está envolta numa nuvem de muitos preconceitos, um deles é a idade do adotando, que de alguma forma influencia muito nessa “escolha”. Não é levado em consideração que a criança ou adolescente não herdará as características (boas ou ruins) de seus genitores, cada qual formará a sua personalidade e poderá aprender novos e melhores valores na nova família que é proporcionada pela adoção. Essa postura é preconceituosa e prejudica o adotando e muitas vezes os adotantes procurem a adoção informal no intuito de “selecionar”, “escolher” a acriança ou adolescente que venha a suprir os seus anseios para fazer parte da família. Com isso os dispostos a adotar acabam optando pela adoção à brasileira, pois acreditam que ela seja mais rápida e fácil e por terem o receio que seus perfis não sejam aceitos pelos avaliadores. Mas, as suas consequências carecem de considerável análise.

Desse modo, é criada uma relação frágil, devido a não proteção do Estado, se descoberta, pode ser cessada mediante anulação de relação de filiação e do registro irregular. Contudo, além de não ser recepcionada pelo ordenamento e segurança jurídica, não goza da irrevogabilidade destinada à adoção legal.

Além disso, pode acarretar graves consequências para a criança, sendo que elas ficam sujeitas a traumas devido a sua retirada das famílias nas quais acabaram por construir vínculos afetivos, estando sujeitas a uma nova realidade, tendo que aprender novamente a conviver com mais uma perda familiar que era indispensável.

Ademais, outro viés desse processo ilegal se faz presente na pratica para fins lucrativos, contribuindo para o tráfico de crianças, assunto delicado e que faz parte da historia da sociedade brasileira, como se vê a partir do recorte de jurisprudência produzida em 1916:

É legal o acto do juiz de orphãos que tendo denuncia de que o pae vendera uma sua filha menor por um conto de réis, e que tanto o comprador como o vendedor pretendiam fugir com a mesma menor, mandou, depois de ouvido o curador de orphãos, apprehendel-a e deposital-a no Asylo de Menores Abandonados, como medida provisória e indispensável em todos os casos de processo para suspensão de poder familiar.16

5.1 Adoção á brasileira através da análise jurisprudencial

Geralmente vem à tona quando há um arrependimento da mãe biológica no que tange a entrega da criança, ou arrependimento por parte dos homens que registram filhos alheios como sendo seu, devido a pedido da companheira e também no intuito de não deixar aquela criança desamparada como o filho biológico de fato, ou também quando filhos legítimos comparecem em juízo para tentar anular o registro feito, quando envolve direitos a sucessão, dentre outros motivos.

A adoção à brasileira é em tese revogável por se tratar de um ato ilícito, mas como leciona hodiernamente, à luz de MARIA HELENA DINIZ:

Há uma prática disseminada no Brasil – daí o nome eleito pela jurisprudência – de o companheiro da mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criança como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua crime contra o estado de filiação (CP, 242), não tem havido condenações, pela motivação afetiva que envolve essa forma de agir. Em muitos casos, rompido o vínculo afetivo do casal, ante a obrigatoriedade de arcar com alimentos a favor do filho, o pai busca a desconstituição do registro por meio de ação anulatória ou negatória de paternidade. A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato, praticado de modo espontâneo, por meio da ‘adoção à brasileira’, passou a não admitir a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível. Não tendo havido vício de vontade, não cabe a anulação, sob o fundamento de que a lei não autoriza a ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (CC, art. 1604).17

Vem sendo tratada pela jurisprudência como irrevogável no que tange a pedidos de negação de paternidade, a partir do momento que se foi realizada por livre acordo de vontades de quem a praticou não pode. De acordo com o artigo 1604 do Código Civil de 2002, de fato é inadmissível, pois viola os princípios da lealdade e da confiança que devem sempre vigorar no direito.

Acerca disso, conforme diz: MARIA HELENA DINIZ:

Toda doutrina é unânime em salientar que a declaração da vontade é elemento essencial do negócio jurídico. Para que este validamente exista, é indispensável a presença da vontade e que esta haja funcionado normalmente. Só então o negócio jurídico produz efeitos colimados pelas partes.

(. . . )

É o caso em que se têm os vícios de consentimento, como erro, o dolo a coação, o estado de perigo e a lesão que se fundam no desequilíbrio da atuação volitiva relativamente a sua declaração.18

Como se vê na ação que segue:

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APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA -APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS – RECURSO IMPROVIDO. 1. O reconhecimento voluntário de paternidade, com ou sem dúvida por parte do reconhecente, é irrevogável e irretratável (arts. 1609 e 1610 do Código Civil), somente podendo ser desconstituído mediante prova de que se deu mediante erro, dolo ou coação, vícios aptos a nulificar os atos jurídicos em geral. (AC Nº 70040743338, TJRS). 2. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento da ré pelo pai registral, mantém-se a improcedência da ação. APELAÇÃO IMPROVIDA19.

Sendo de interesse do adotado, é facultado a esse somente, pedir a anulação da adoção à Brasileira.

Destarte, é notório a violação ao principio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando, por conseguinte, nela a necessidade psicológica de se conhecer a verdadeira identidade biológica20.

Nessa seara, cabe a análise do recorte a seguir:

DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA REQUERIDA PELO FILHO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação do registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho adotado conforme prática conhecida como “adoção à brasileira”. A paternidade biológica traz em si responsabilidades que lhe são intrínsecas e que, somente em situações excepcionais, previstas em lei, podem ser afastadas. O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética insere-se nos atributos da própria personalidade. A prática conhecida como “adoção à brasileira”, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários. Dessa forma, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos do filho resultantes da filiação biológica, não podendo, nesse sentido, haver equiparação entre a “adoção à brasileira” e a adoção regular. Ademais, embora a “adoção à brasileira”, muitas vezes, não denote torpeza de quem a pratica, pode ela ser instrumental de diversos ilícitos, como os relacionados ao tráfico internacional de crianças, além de poder não refletir o melhor interesse do menor.21

Não se deve esquecer que quem praticar adoção á brasileira, à luz do Código penal, será punido os responsáveis, com sanções que vão desde a anulação do ato à retirada da criança, como também pena de reclusão de até dois anos.


6. DOS ALIMENTOS

O Código Civil brasileiro trata do direito aos alimentos em seu artigo 1694 a 1710. Dispõe o artigo 1696:

“O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.22

Com isso há também essa obrigação no vínculo adotivo. No que tange a adoção plena essa obrigatoriedade não há o que se questionar na Lei Civil, pois o adotado desvincula-se por inteiro de sua família natural. Porém há a necessidade de se estabelecer sobre o dever de prestar alimentos, no que tange a adoção simples.

Nesse mesmo sentido o Código Civil de 2002 deixa claro em seu artigo 1596:

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.23

Desfazendo qualquer ideia em contrario, que poderá diferenciar os filhos biológicos dos adotivos. Afirmando que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, por adoção, terão os mesmos direitos, vedada quaisquer descriminação nesse contexto. Isso de fato está positivado fazendo garantias para o adotado que está em pé de igualdade com o filho biológico, que vai de encontro ao que diz o ECA, que se deve levar em consideração o melhor interesse da criança ou adolescente, fins patrimoniais e sucessórios é outra seara que será debatida em outros momentos, antes de qualquer questionamento o foco da proteção e cuidado será o que está positivado em Lei.

De encontro a tudo isso, a Constituição Federal de 1988, trouxe em seu corpo o notório artigo 227 caput e no seu paragrafo 6, o que segue:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 24 (grifos nossos).

Destarte, pondo fim a diferenciação que havia entre os filhos advindos de formas diferentes, não apenas na qualificação, mas também quanto aos direitos que poderiam ser reconhecidos em favor dos filhos dito naturais e aqueles que foram concebidos fora do casamento.

German Gambón Alix, é referido por Antônio Chaves que descreve três características que diferenciam a obrigação de alimentos dentro do vinculo gerado pela adoção, são elas: a legitimidade, não somente como os demais casos, é amparada pelo direito positivado, e dele retira seu único fundamento e razão de ser, sendo que não descansa em um elemento natural; a prioridade advir de um acordo voluntário e espontâneo, alcançando, além disso, encontram-se em segunda linha as relações do adotado com a sua família de sangue; é reciproca como reflexo de uma relação bilateral de paternidade e filiação25.

Diante dessa proteção máxima da pessoa humana, precursora da personalização do Direito Civil, e em uma perspectiva civil-constitucional, entendemos que o art. 6 da CF/88 serve como uma luva para preencher o conceito atual dos alimentos. Esse dispositivo do Texto Maior traz como conteúdo os direitos sociais que devem ser oferecidos pelo Estado, a saber: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Anote-se que a menção à alimentação foi incluída pela Emenda Constitucional 64, de 4 de fevereiro de 2010, o que tem relação direta com o tema aqui estudado. Ademais, destaque-se que, conforme a doutrina contemporânea constitucionalista, os direitos sociais também devem ser tidos como direitos fundamentais, tendo aplicação imediata nas relações privadas (TARTUCE; SIMÃO apud GAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 684).

Depreende-se que, as prestações alimentares são essenciais a sobrevivência e dignidade do credor que se encontra em momento que não as pode suprir, fazendo-se necessário ajuda de outrem.

O dever do adotante de prestar alimentos ao adotando não deixa dúvidas, uma vez que, efetivada a adoção o pai adotivo é o principal responsável pelo adotando O adotante se prontifica a sustentar o adotando enquanto dure o pátrio poder, além disso, a lhe prestar alimentos nos casos em que estão devidos pelo pai ao filho menor de 18 anos de idade. Vale lembrar também que, o filho tem, igualmente, o dever de prestar alimentos ao pai, posto que a Lei o menciona no rol dos devedores de tal prestação. Essa menção se faz desnecessária, por ter o adotado o estatus de filho legitimo.

Vejamos o julgado a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL - FAMÍLIA - NASCIMENTO - REGISTRO CIVIL - RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE - SIMULAÇÃO - FALSIDADE - PATERNIDADE BIOLÓGICA - PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - ADOÇÃO - DEVIDO PROCESSO - VÍNCULO AFETIVO - INEXISTÊNCIA - EFEITOS - PATERNIDADE SOCIAL - ASSISTÊNCIA MATERIAL - PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PATERNIDADE RESPONSÁVEL - "ADOÇÃO À BRASILEIRA": CONSEQUÊNCIAS PERSISTENTES. 1. É nulo o ato de reconhecimento de filiação alheia como própria, se dolosamente simulada a declaração de paternidade. 2. Embora nulo o negócio jurídico simulado, o que se dissimulou subsiste se válido no conteúdo e na forma. 3. Processo e sentença proferida em ação de adoção são requisitos formais de validade do ato de registro da paternidade socioafetiva. 4. O afeto é elemento de consolidação da relação parental, mas sua ausência não a descaracteriza. 5. Só a extinção do vínculo afetivo entre pais e filhos não os exime das obrigações e direitos legais derivados do poder/dever familiar. 6. Ainda que não haja afeto, subsiste a relação de parentalidade social, fundada nos princípios constitucionais da dignidade humana e da paternidade responsável, orientados à preservação da família. 7. O dever de prestação de alimentos é expressão da paternidade social de que se investe aquele que voluntariamente reconheceu como próprio filho de outrem, ainda que ao arrepio do devido processo ("adoção à brasileira"). V. V.P. APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO CONFESSADO PELOS LITIGANTES. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO. RECURSO DESPROVIDO. I - Sabendo-se que o registro público goza de presunção "juris tantum" de veracidade, sua desconstituição é perfeitamente possível. II - Comprovada a inserção da paternidade no assentamento civil mediante alegação de falso (inveracidade da declaração do perfilhante), justificável a relativização da irrevogabilidade do reconhecimento preconizada no art. 1.610 do CCB/2002, como autorizam os arts. 1.604 e 1.608, ambos também do CCB/2002. III - Se as partes não controvertem quanto à inexistência da paternidade biológica e se revelado inequivocamente nos autos a inexistência da paternidade socioafetiva, inexorável concluir que o assentamento civil que a estampa não prestigia a verdade real, o que suficiente a seu desfazimento26.

(TJ-MG - AC: 10362100016314001 MG, Relator: Peixoto Henriques, Data de Julgamento: 28/01/2014, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/02/2014)

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Sobre os autores
Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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