A consumação de uma conduta delituosa pelo psicopata em razão de psicopatia e seus reflexos jurídico-penais na seara criminal

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3.0. O INSTITUTO DA CULPABILIDADE

Júlio Fabbrini Mirabete apregoa que culpabilidade, consiste na “reprovabilidade da conduta típica e antijurídica”[38], contudo, é necessário averiguar se estão presentes os seus elementos. Dessa forma, deve-se verificar se o autor da ação, conforme com suas condições psíquicas, podia estruturar sua consciência e vontade de acordo com o direito (imputabilidade), se tinha perspectiva de conhecimento da antijuricidade (ou da ilicitude) do fato e se era possível exigir, nas circunstâncias, conduta diferente daquela do agente, uma vez que há circunstâncias ou motivos pessoais que tornam inexigível conduta diversa do indivíduo[39].

Reforçando as teses do autor supracitado, o ilustre mestre e doutrinador Guilherme de Souza Nucci, assevera que:

Culpabilidade refere-se a um juízo de reprovação social, superveniente ao fato e seu autor, devendo o indivíduo ser imputável, isto é, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, segundo os ditames estabelecidos pelo Direito[40].

Desse modo, sendo a Culpabilidade um juízo de reprovação entre a conduta típica e ilícita, alicerça-se a hipótese de que é necessário uma maior atenção dos profissionais da psicopatologia forense no plano policial no momento de aferição da sanidade do indivíduo portador de transtorno da personalidade o qual comete um delito, pois como já foi levantado anteriormente, na maioria das vezes, a sagacidade e inteligência emocional desse seleto grupo de pessoas permanecem intactas no momento da execução da conduta delitiva, haja vista que a psicopatia não se enquadra como doença mental na acepção da medicina forense.

3.1. TEORIA DA CULPABILIDADE QUE PREVALECE NO ATUAL SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Paulo Murilo Galvão assevera que “é essa a teoria que prevalece em nosso sistema. Veio com o sistema finalista, segundo o qual se percebeu que o dolo e a culpa deveriam integrar o fato típico e não a culpabilidade”. Assim, aquele dolo que integrava a culpabilidade (o qual era composto de vontade + consciência da ilicitude) virou figura autônoma da culpabilidade somente como consciência da ilicitudes levando-se o dolo (vontade) para o fato típico. Em outras palavras, deslocou-se o dolo da culpabilidade para o fato típico e deixou-se a consciência da ilicitude como figura autônoma na culpabilidade. Desta feita, os requisitos da culpabilidade são: imputabilidade + potencial consciência da ilicitude + exigibilidade de conduta diversa[41].

A imputabilidade é o conjunto de requisitos pessoais que conferem ao indivíduo capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato delituoso. Pelos próprios termos do art. 26, imputável é a pessoa capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Sinteticamente, pode dizer-se que imputabilidade é a capacidade que tem o indivíduo de compreender a ilicitude de seu ato e de livremente querer praticá-lo[42].

O potencial conhecimento da ilicitude do fato significa a capacidade do agente para concretamente apreender a ilicitude de sua conduta. Trata-se do segundo momento do exame da culpabilidade e, da mesma forma que o primeiro, fundamenta a censura penal na possibilidade de exigir-se do indivíduo comportamento diverso do que manifestou[43]. Isso ocorre quando o agente pode reconhecer a ilicitude de sua conduta, ou seja, quando lhe é possível compreender a injustiça de seu ato. Não se questiona nesse momento a capacidade mental do agente, e sim se ele, mesmo sendo pessoa normal e imputável, poderia conhecer o caráter criminoso do fato que concretamente praticou[44]. A potencial consciência da ilicitude é excluída pelo erro de proibição inevitável. Ocorre quando o agente não detiver a potencial consciência da ilicitude, isto é, quando achar que é licita sim conduta, temos o que doutrinariamente se chama de erro de proibição[45].

A exigibilidade de conduta diversa é o último elemento da culpabilidade e consiste na expectativa social de que o agente tenha um comportamento diverso do que praticou. Estará presente a exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do agente um comportamento diferente[46].

Ainda, quanto a Culpabilidade, Guilherme de Souza Nucci expõe que:

A conduta, sob a ótica do finalismo, é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente, com uma finalidade. Logo, ao agir, o ser humano possui uma finalidade, que é analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo. Portanto, para tipificar uma conduta conhecendo-se de antemão a finalidade da ação ou da omissão -já se ingressa na análise do dolo ou da culpa, que se situam, pois, na tipicidade - e não na culpabilidade[47].

Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor. Agente esse que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude e com exigibilidade e possibilidade de um comportamento conforme o Direito.

No mesmo diapasão, o ilustríssimo jurista Paulo Queiroz aduz que:

A culpabilidade, conforme a perspectiva finalista, significa assim a possibilidade de o agente atuar, concretamente, segundo o direito. E tal possibilidade deixaria de existir sempre que o autor fosse inimputável, desconhecesse o caráter antijurídico do fato ou sofresse coação (moral) irresistível etc. A culpabilidade, portanto, segundo a concepção normativa pura, pressupõe: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude; c) possibilidade e exigibilidade de conduta diversa. O dolo e a culpa passam a integrar, como assinalado, a própria tipicidade. O dolo, porém, com o finalismo, e desvinculado da consciência da ilicitude, que remanesce na culpabilidade (potencial consciência da ilicitude)[48].

Com notório saber jurídico, Rogério Sanches corrobora com seus ensinamentos em expor que “tal teoria e responsável pela migração do dolo e da culpa para o fato típico”. Alerta-se, porém, que o dolo que migra para o primeiro substrato do crime está despido da consciência da ilicitude. A culpabilidade, portanto, ficou com os seguintes elementos: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e consciência da ilicitude (retirada do dolo, integrando a própria culpabilidade, não mais como atual, mas potencial consciência)[49].

Por fim, o ilustríssimo e renomado jurista Fernando Capez apregoa que “comprovado que o dolo e a culpa integram a conduta, a culpabilidade passa a ser puramente valorativa ou normativa, isto é, puro juízo de valor, de reprovação, que recai sobre o autor do injusto penal excluída de qualquer dado psicológico”[50]. Assim, em vez de imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de conduta diversa, a teoria normativa pura exigiu apenas imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa, deslocando dolo e culpa para a conduta. O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade.


4.0. FORMA DE PUNIBILIDADE DO PSICOPATA E OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO JUDICIÁRIO NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No ordenamento jurídico brasileiro não existe uma previsão legal específica para qual sanção aplicar ao psicopata. O Brasil adotou o princípio do livre convencimento do juiz, no momento de elaborar a sentença, porém, este não usa apenas de seu convencimento, e sim com contribuições de especialistas da área do conhecimento, pois para um julgamento justo é necessário conhecimento técnico e cientifico[51].

Outrora, o Judiciário Brasileiro ainda não tem condições estruturais suficientes para valer-se dos métodos da Psicologia Forense e as experiências neurocientíficas, com o propósito de identificar o agente psicopata. É mister salientar que, não há recursos financeiros necessários para contratar peritos qualificados, que sejam hábeis a empregar a tabela PCL-R ou qualquer outro procedimento similar, com o propósito de aferir a psicopatia no criminoso em questão[52].

Outrossim, superando o fato de o Judiciário estar superlotado de processos, sendo quase improvável dar a atenção essencial para cada um, não há que se falar na aquisição de máquinas de ressonância, em sua maioria importadas, para análise cerebral do sujeito (pela técnica já mencionada de fMRI, por exemplo). O alto valor destas, a incapacitação de funcionários para manejá-la e a falta de tempo e espaço para que tais exames sejam realizados, impedem o prognóstico eficaz de um psicopata[53].

Além disso, não há prisões “especiais” para os psicopatas, eles cumprem a pena em conjunto com outros criminosos, de todas as espécies. Como têm profunda habilidade em manipulação, irão manipular outros presidiários a fazer rebeliões, a carcerários para atingir seus objetivos, e serão rapidamente liberados da cadeia, pois que serão presos exemplares[54].

Ao realizar uma pesquisa jurisprudencial, é possível concluir a ausência de debates acerca da psicopatia nos mais diversos tribunais de justiça pátrios. Analisando tribunais de algumas regiões brasileiras, podem ser observados o quão escasso é este debate[55].

Tribunal de Justiça de Alagoas – Dois resultados. No primeiro caso, a reprodução de sentença de pronúncia que se manifesta no sentido de que a ré tem personalidade psicopática, vez que é “plenamente consciente do que faz, mas passa por cima de qualquer pessoa, para atingir seus objetivos escusos.”. Importante destacar que tal sentença reproduzida ainda afirma que “caso se configure em uma psicopatia, não o sei, tal não torna a pessoa inimputável, mas altamente periculosa e nociva à sociedade, até porque, a psicopatia interage no campo da consciência emocional, ou seja, um psicopata não tem a capacidade de amar, de sentir compaixão pelo próximo, eles ouvem a música mas não entendem a melodia, são frios, calculistas, egocêntricos, e o próximo, é um objeto que é usado e abusado até perder a capacidade de se reerguer emocionalmente e financeiramente, quando assim é descartado pelo psicopata, que de forma rápida, procura a próxima vítima.”(grifo nosso)[56]. No segundo caso, diante de sentença condenatória, afirma-se “É de bom alvitre esclarecer que temos visto na sociedade casos semelhantes, onde crimes bárbaros não geram nenhum remorso ou arrependimento em mentes com indícios de psicopatia, pelo que, em execução penal, é importante ressaltar a análise da psicologia do réu, posto que estarrecedoras as alusões feitas acerca de sua pessoa e personalidade, e que constam dos depoimentos dos autos para se chegar a uma conclusão acerca de sua periculosidade (comprovada nos autos) ao meio social em que vivemos.”[57]

Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Três resultados. O primeiro é sobre inexistência de recurso do MP diante de sentença condenatória ao réu Lindomar, ao qual o desembargador afirma, sem maiores aprofundamentos, ser um “verdadeiro psicopata”[58]. O segundo caso é um habeas corpus com denegação de ordem ao paciente que tinha bons antecedentes e era primário, pois o mesmo tinha “personalidade psicopata”[59]. O terceiro e último caso é de um indivíduo condenado por roubo, no qual foi reconhecida a psicopatia e o mesmo considerado semi-imputável, conforme trecho da ementa: “3. Tratando-se de réu semi-imputável, pode o juiz optar entre a redução da pena (Art. 26, parágrafo único, CP) ou aplicação de medida de segurança, na forma do art. 98, do CP. 4. Confirmado, por laudo psiquiátrico, ser o réu portador de psicopatia em grau extremo, de elevada periculosidade e que necessita de especial tratamento curativo, cabível a medida de segurança consistente em internação, pelo prazo mínimo de 3 anos” (grifo nosso)[60].

Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul – Treze resultados. Dentre estes resultados, destacam-se julgamentos negando concessão de benefícios durante execução penal, como exemplo: “o magistrado não cerceou a defesa do ora agravante, pois oportunizou lhe a apresentação dos quesitos que entendia pertinentes, os quais foram respondidos pelo perito em laudo complementar de exame criminológico, e somente depois é que proferiu a decisão indeferindo os pedidos de saída temporária e trabalho externo, por não preenchimento do requisito subjetivo, já que foi considerado psicopata pelo perito, que inclusive, recomendou seu afastamento do convívio social(grifo nosso)[61] . “O paciente cumpre pena total de 13 (treze) anos e 09 (nove) meses de reclusão, pela prática dos crimes de atentado violento ao pudor e sequestro. Ao atingir o lapso previsto para a progressão de regime prisional foi realizado exame criminológico, que concluiu ser “JOSÉ ROBERTO é um psicopata, a conclusão da perícia é desfavorável à concessão do benefício, deve ser mantido afastado da sociedade” (grifo nosso) (f. 11/12).”[62]

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Assim, como é possível verificar, a atuação do Judiciário perante os psicopatas não é, de nenhuma forma, unânime. Alguns juízes entendem que o indivíduo psicopata é semi-imputável, devendo ser aplicada alguma medida de segurança. Por sua vez, há que entenda, também, serem os psicopatas completamente imputáveis, merecendo rigorismo na pena por conta de sua personalidade[63].

A legislação penal brasileira também não é muito diferente do judiciário. Se por um lado não há, no sistema positivo hodierno, nenhuma proposição efetiva para se verificar efetivamente se o psicopata é portador de transtorno antissocial, não há, também, nenhuma previsão normativa que implique em tal verificação. Há ausência de legislação, decreto, portaria, regulamento ou congênere que mencione, mesmo que indiretamente, a psicopatia[64]. Isso apenas reforça e demonstra a incipiência do tema no Brasil, que aparece aos poucos e em casos isolados. A Lei de Execução Penal (Lei 7210/1984) menciona, em alguns pontos, a realização de exames criminológicos, por exemplo, a fim de individualização da execução (artigo 8º) e com vista a analisar o internado (artigos 100 e 175)[65].

Entretanto, há, atualmente, um projeto de lei (PL 6858/2010)[66] proposto pelo ex-secretário de segurança pública e ex-deputado federal Marcelo Itagiba, prevendo a alteração na Lei de Execução Penal para criar uma comissão técnica independente da administração prisional e prevendo a execução da pena do condenado psicopata, estabelecendo a realização de exame criminológico do condenado a pena privativa de liberdade. Este projeto, no momento, aguarda apreciação em plenário desde março de 2010[67].

Outro projeto de lei[68], instituído pelo deputado federal Carlos Lapa, prevê a criação de uma “medida de segurança social perpétua para psicopatas considerados incorrigíveis, que cometem assassinato em série”. Em suas razões do projeto, afirma que tais sujeitos são de uma espécie híbrida, já que são acometidos de um mal incurável, incorrigível e que seriam altamente perversos em suas ações criminosas, possuindo uma inteligência acima do normal, não podendo ser considerados normais, mas também não são tecnicamente loucos[69].

O Projeto de Lei n. 140 de 2010, escrito por Romeu Tuma, ex-senador, foi tramitado no Senado Federal, transcreve trecho da justificativa do projeto: “Não há por parte do assassino em série nenhum senso de compaixão ou misericórdia pelas vítimas e ele, em liberdade, continuará a matar de maneira sórdida. Daí a necessidade de se adotar medidas extremas contra esses indivíduos. As ações criminosas do assassino em série são repugnantes, imundas, nojentas e causam na sociedade brasileira um sentimento de imensa aversão e revolta, daí a necessidade de uma lei bastante rigorosa para esse tipo de assassino.[70].

Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pelo indeferimento de Livramento Condicional a indivíduo acometido por psicopatia, por entender que ele não está apto ao convício social: “Livramento condicional. Traços de personalidade psicopática que não recomendam a liberação antecipada do condenado. Indeferimento do benefício pelo acórdão impugnado. HC indeferido pelo STF” no HC 66437 (BRASIL, 1988)[71].

Cumpre ressaltar, por consequência de tal ausência legislativa, que a questão do psicopata é claramente um caso difícil do direito. Não há nenhuma lei penal brasileira que amolde a hipótese de crime cometido por psicopata, evidenciando uma lacuna normativa que influencia nos julgamentos feitos pelos juízes[72]. Tal inconstância do Judiciário remete, ainda, a um problema da execução da pena ou medida de segurança. Colocar um psicopata junto com outros condenados em uma prisão comum não seria o mais correto. Sua habilidade de persuadir os carcereiros e de liderar rebeliões e fugas é consequência das características inerentes à psicopatia. Ademais, seu comportamento exemplar e fingimento de arrependimento levariam aos psicólogos e psiquiatras responsáveis em realizar exames importantes, por exemplo, para progressão de regime e livramento condicional, a darem resultados positivos e permissivos à concessão de tais benefícios, reinserindo tais indivíduos na sociedade[73].

Outra dificuldade latente encontra- se na falta de capacitação profissional de peritos psiquiatras capazes de qualificar um indivíduo como psicopata. Aplicar uma medida de segurança em Hospitais de Tratamento e Custódia ou tratamento ambulatorial comum também não parece ser a medida mais efetiva. Conforme já pudemos perceber, os psicopatas não são doentes mentais e não padecem de sintomas similares àqueles esquizofrênicos ou dementes. Interná-los nestes hospitais juntos com outros indivíduos que realmente têm enfermidade mental não parece, de forma alguma, ser um tratamento efetivo[74].

Do exposto, podemos concluir que a avaliação é essencial para a sociedade brasileira, tendo a concepção de que a reincidência dos psicopatas é preocupantemente alta, o que acaba aumentando o risco social, ademais quando os psicopatas são responsáveis pelos mais bárbaros e violentos dos crimes praticados[75].

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