Invenção, inovação e propriedade industrial

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14/11/2017 às 09:52
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O presente artigo pretende analisar a relação entre os institutos jurídicos relativos à propriedade industrial da invenção, da inovação tecnológica e os respectivos arcabouços jurídicos, bem como a Lei de Inovação e Lei do Bem.

1. SIGNIFICADOS VULGAR E TÉCNICO DOS TERMOS INVENÇÃO E INOVAÇÃO

Apesar da similitude sonora, invenção e inovação são termos que não se confundem.

O dicionário on-line Michaelis esclarece que o significado do vocábulo “inovação” originou-se do latim innovatione que significa o ato ou efeito de inovar, a coisa introduzida de novo, renovação[1].

Já a palavra “invenção” deriva do latim inventione e tem como significado o ato ou efeito de inventar bem como a própria coisa inventada também denominado invento.[2]

João da Gama Cerqueira[3] esclarece que “invenção” poderá ter quatro significados, dada que a palavra é equívoca. 

O primeiro se refere à faculdade de inventar, imaginação criadora, dissocia os elementos conhecidos para associá-los segundo uma ordem diferente, formando novas combinações. O segundo é a ação ou ato de inventar, o terceiro significado substantiva a própria coisa, sendo por isso, sinônimo de invento. Por fim, o quarto e último significado se refere ao achado ou descoberta, que no direito civil é a  achada de coisa alheia, perdida.

Em regra, todo trabalho intelectual é digno de proteção jurídica seja pela Lei de Direitos Autorais ou pela Lei de Propriedade Industrial, esta aplicável às criações que envolvem desenvolvimento técnico.[4]

No sentido técnico-jurídico, Newton Silveira ensina que: 

Distingue-se, portanto, a invenção industrial das demais criações do espírito não só pelo fato de ela objetivar a utilidade como também por seu caráter abstrato, que consiste na concepção de uma nova relação de causalidade não encontrável na natureza. Aqui não entra na questão a forma, como ocorre nas invenções químicas ou naquelas que consistem em processos de fabricação e, mesmo quando a invenção se refere a um novo produto, não é a forma em si que é objetivada, mas a relação entre as partes, resultando em um novo efeito técnico.

Denis Borges Barbosa[5], afirma que invento é uma solução técnica para um problema técnico. Invenção é a criação industrial maior, objeto da patente de invenção, à qual, tradicionalmente, se concede prazo maior e mais aptidão de proteção. Invento é termo genérico, do qual invenção é específico.

Guillermo Cabanellas de las Cuevas, doutrinador argentino, explica que:

(...) las invenciones no son producto de un único acto, sino de um conjunto de actos que comienzanem um estado de La técnica en el que la invención aún no existe y que concluye com La solicitud de la patente resppecto de La invención allí descripta. Debe establecerse com este conjunto de actos, cuál es el que determinal la configuración de uma invención.

Se advierte em primer término que el grueso de las invenciones no son comsecuencia de un mero golte de ingenio. Por el contrario, son el resultado de um importante trabajo prévio, en el que se destaca la determinación de la existência de um problema técnico, la obtención de información respecto de los antecedentes obrantes em relación con esse problema y cuestiones conexas al mismo, la realización de experimentos y pruebas, etc.[6]

Ao contrário do que se possa pensar, o direito do inventor preexiste à declaração do privilégio. Isso porque o inventor não usufruirá das garantias previstas na lei especial, mas poderá dispor livremente de sua criação, aliená-la, cedê-la, explorá-la sob sigilo, divulgá-la ao público leigo ou especializado ou então, dar início ao processo de reconhecimento de patente junto à autarquia responsável[7].

Do brevemente exposto, se deduz logicamente que para obter o privilégio de invenção é necessário que a inovação apresente solução nova para problema técnico anterior, e cujas informações de tentativas precedentes permitiram ao inventor solucionar as falhas de processos ou produtos.


2. ORDENAMENTO JURÍDICO

As tutelas jurídicas das invenções, e subsequentemente das inovações, estão garantidas pela Constituição Federal e por leis especiais que regem desde a proteção até o incentivo à sua difusão.

A Constituição Federal trata, no Título de Direitos e Garantias Fundamentais, do reconhecimento aos autores de inventos industriais o privilégio temporário para sua utilização, bem como a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Segundo Eros Roberto Grau, o desenvolvimento deve ser entendido como o “(...) salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque, importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa mas também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a ideia de crescimento. Este, meramente quantitativo, compreende uma parcela da noção de desenvolvimento.[8]

Balmes Vega Garcia complementa ao afirmar que “(...) o dispositivo constitucional volta seu comando ao legislador ordinário explicitando-lhe, de um lado, o objeto da tutela jurídica relativa à Propriedade Industrial, de outro, a finalidade do mecanismo jurídico a implantar, de modo que os direitos em tela não procedem da norma constitucional, mas da lei ordinária, sendo considerada constitucional na medida em que atender, simultaneamente, ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico”[9].

A disposição da propriedade industrial no título que versa sobre Garantias Fundamentais não é bem aceita pela doutrina especializada. O instituto da Propriedade não ostenta no art. 5º da estrutura constitucional a mesma densidade que os direitos clássicos vinculados às Liberdades Públicas. Discute-se mesmo a sede constitucional do citado Instituto. Majoritariamente o entendimento é de que a Propriedade Industrial, por apresentar natureza empresarial, deveria estar situada junto às normas da ordem econômica.[10]

No que se refere à previsão infraconstitucional, caberá à Lei nº 9.279/1996 (“Lei de Propriedade Industrial”)[11], que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, disciplinar quais os critérios objetivos para que determinada invenção[12], modelo de utilidade (“MU”)[13]ou desenho industrial[14] seja reconhecido como inovador e, com isso, obtenha a proteção constitucional já mencionada.

Tendo em vista que a concessão da patente de invenção abrange a análise de critérios objetivos mais complexos que os adotados para a concessão de patente de modelo de utilidade e registro de desenho industrial, utilizaremos àquela como paradigma para as demais.

A invenção será protegida sob o privilégio da patente sempre que houver a satisfação aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

A vaga definição legal desses requisitos impeliu a Doutrina a analisá-los minuciosamente e, inclusive, estabelecer que o exame da invenção deverá abarcar em primeiro lugar a aplicação industrial, seguida da novidade e da atividade inventiva. 

A patente é industrial na sua aplicação quando se refere a uma concepção suscetível de ser implementada ou executada na indústria à medida que não configure princípio abstrato e a coisa inventada possa ser fabricada ou utilizada, efetivamente realizada, o que exclui as descobertas científicas puras da proteção, ainda que seu objeto possa ser industrial, posto que não comportam aplicação[15].

A definição da novidade é negativa. Em outras palavras, a novidade é definida pelo que ela não é. Assim, a lei para definir novidade determina o caso em que a invenção não é considerada nova com relação ao chamado estado da técnica, este sim definido positivamente.[16]

O estado da técnica está previsto no artigo 11 da Lei de Propriedade Industrial e é definido como tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita, oral, pelo próprio uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o período de graça, desde que a publicidade tenha sido feita pelo inventor, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”) ou terceiro detentor de informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em decorrência de atos por este realizados.

Por fim, a atividade inventiva compreende três elementos para sua caracterização, quais sejam, não configure variação evidente ou óbvia do estado da técnica quando analisada por um técnico no assunto.

Balmes Vega Garcia estabelece que:

(...) o técnico é um profissional experiente com ciência e domínio completos de seu mister. Sua capacidade relaciona-se com a natureza do assunto. Sendo a matéria em causa muito avançada, o técnico será de nível elevado; se a técnica é banal, o técnico no assunto será de nível ordinário.

(...)

É importante excluir tanto o ignorante como o pesquisador qualificado, visto nem se cogitar do primeiro e do segundo poder resultar a evidência da própria genialidade. Esse técnico possui os conhecimentos normais da técnica em causa, o que não é suficiente, uma vez que deve possuir as qualidades intelectuais indispensáveis para a aplicação dos conhecimentos normais da sua técnica.[17]

Quanto à evidência, o doutrinador das Arcadas estabelece que ocorrerá quando o técnico no assunto, com o apoio, unicamente, em seus conhecimentos profissionais e através de simples operações de execução puder, diretamente, saindo do problema proposto, chegar até a competente solução.[18]

  Os requisitos legais demonstram quão difíceis é para o inventor obter a proteção de seu invento sob o prisma da patente. 

A superação de tais obstáculos tem como objetivo separar “o joio do trigo” e proteger os reais inventos oriundos dos dispêndios realizados em pesquisa e tecnologia. Por esta razão, o uso exclusivo é assegurado por lei ao inventor, visto que as inversões “(...) não se realizam por um mero desejo de diversão ou prazer intelectual, se não para lucrar com seu produto, e esse lucro não será possível se os competidores puderem apropriar-se dos conhecimentos resultantes desses investimentos.”[19]

Richard Posner ressalta que a ausência de proteção das invenções impediria o retorno dos gastos realizados, caso outra pessoa pudesse utilizar o mesmo conhecimento oriundo dos investimentos[20].

Entretanto, a proteção das patentes não pode assegurar ao seu detentor privilégios tais que permitam excluir competidores do mercado. Isto porque o uso exclusivo se dá sobre o produto ou processo patenteado e não sobre o setor econômico nos quais serão utilizados.


3. INCENTIVOS À INOVAÇÃO NO BRASIL

Um país é central, desenvolvido ou industrializado quando suas empresas detêm tecnologia e autonomia em seus centros decisórios. Por outro lado, é considerado subdesenvolvido e periférico quando detém pouca tecnologia e autonomia[21].

A Constituição do Brasil disciplina os incentivos à inovação nos artigos 281 e 219. Ambos dispositivos, de caráter programático, preveem que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas com o apoio do mercado de consumo interno, cuja demanda assegurada aos nacionais viabilizará o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País.

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Objetivando dar concretude a esses objetivos, o Estado Brasileiro optou por intervir, diretamente, no incremento à inovação por meio de empresas públicas altamente especializadas. 

A intervenção do Estado como agente fomentador do desenvolvimento tecnológico no país pode ocorrer diretamente, na hipótese de criação de parques tecnológicos em parceria com universidades públicas tais como o Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial cujo Instituto de Tecnologia Aeronáutica atua em parceria com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (“CTA/ITA/EMBRAER). Também pode ser realizada por meio de criação de empresas públicas com alta capacidade de pesquisa e aprimoramento tecnológico como a Empresa Brasileira de Agropecuária (“EMBRAPA”) cuja missão é viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira[22].

Simultaneamente à intervenção direta, procedeu-se a concessão de financiamentos públicos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”), Financiadora de Estudos e Projetos (“FINEP”) e Fundações de Amparo a Pesquisa Estaduais bem como pela redefinição do arcabouço jurídico que se mostra à interação universidade-empresa (“Lei nº 10.973/04”) e no incentivo à  aquisição de insumos para pesquisas (“Lei nº 11.196/05”).

Isso porque, “(...) como em qualquer país desenvolvido, a produção de conhecimento tecnológico, bem como sua conversão em riqueza, dependendo substancialmente do importantíssimo apoio direto ou indireto do Estado, sendo fundamental uma política agressiva de incentivos fiscais para que as empresas invistam nesta direção.[23]

Nesse sentido, a Lei de Inovação dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, vem cumprir o disposto no artigo 218, §4ª da Constituição Federal ao apoiar a participação das universidades no desenvolvimento de pesquisas de empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos, que objetivem a geração de produtos e processos inovadores.

As Instituições Científicas e Tecnológicas (“ICTs”) poderão compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações com microempresas e empresas de pequeno porte em atividades voltadas à inovação tecnológica. Poderão permitir a utilização de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes em suas próprias dependências por empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa.

As ICTs poderão licenciar suas tecnologias para terceiros e prestar serviços às instituições públicas ou privadas nas atividades voltadas à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. 

A lei também incentiva a participação do servidor, militar ou empregado público na prestação de serviços ao dispor a possibilidade de recebimento de adicional variável, desde que custeada integralmente pela empresa contratante. 

Também é assegurada ao criador participação mínima de 5% (cinco por cento) e máxima de 1/3 (um terço) nos ganhos econômicos, auferidos pela ICT, resultantes de contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação protegida da qual tenha sido o inventor, obtentor ou autor.

Essas disposições se assemelham à lei Bayh-Dole Act, assinada pelo presidente norte Americano Jimmy Carter em 1980.

Balmes Vega, ao analisar a trajetória da interação Universidade-Empresa norte americana, esclarece:

“(...) a lei Bayh-Dole Act determinou as seguintes medidas para a transferência de tecnologia entre universidade-empresa: a universidade pode assegurar a titularidade sobre as patentes decorrentes das criações oriundas dos resultados da pesquisa patrocinada pelo governo federal; a universidade pode repartir o lucro do pagamento de royalties relativo ao licenciamento das patentes com seus inventores, não são permitidas restrições aos termos do licenciamento, tais como limitações sobre exclusividade; os produtos financiados pelo governo devem ser fabricados exclusivamente nos EUA, ressalvado o caso de o produto não poder ser desenvolvido no país em função de estudos econômicos; (...) [24]

Frederich H. Erbish, Diretor do Escritório de Propriedade Intelectual da Michigan State University afirma que a criação e a implementação do Bayh-Dole Act foi o ponto chave para um novo rumo nas atividades de transferência de tecnologia nas universidades norte-americanas. A transferência de tecnologia cresceu dramaticamente e não só beneficiou as universidades e seus pesquisadores como também os Estados Unidos como um todo, através das atividades econômicas resultantes do licenciamento de novos empregos gerados pela exploração de invenções licenciadas e através da criação de novas empresas com base em tecnologia universitária.[25]

Após os estímulos concedidos aos ICTs e respectivos pesquisadores, o legislador ordinário decidiu dispor de isenções fiscais por meio da Lei do Bem[26], a qual visa impulsionar a inovação tecnológica, legalmente definida como a concepção de novo produto ou processo de fabricação ou a agregação de novas funcionalidades e características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.

O Capítulo III da Lei nº 11.196/05 dispõe que os incentivos fiscais poderão ser usufruídos por pessoas jurídicas que poderão obter a redução de 50% (cinquenta por cento) do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos, bem como os acessórios sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens, destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico.

Há também a possibilidade de redução a 0 (zero) da alíquota do imposto de renda retido na fonte nas remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

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Tatiana CF

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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