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IR sobre as aplicações em fundos de investimento.

A tentativa do árbitro de alterar a regra durante o jogo

24/01/2018 às 15:00
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O que causa grande perplexidade e merece toda a atenção é o fato de que a MP 806/2017 busca atingir ganhos auferidos no passado e até então “represados” dentro dos fundos.

Como amplamente noticiado, foi publicada no Diário Oficial da União de 30/10/2017 a Medida Provisória nº 806/2017, que estabelece nova forma de cobrança e recolhimento do Imposto sobre a Renda incidente sobre as aplicações em fundos de investimento.

Como já era esperado segundo o governo, ficou estabelecido que os rendimentos auferidos por Fundos de Investimento ou Fundos de Investimento em Cotas serão considerados pagos ou creditados no final de maio e novembro de cada ano a partir de 2018.

A sistemática é conhecida como “come-cotas”, onde os ganhos são tributados sem haver necessariamente amortização/resgate/distribuição.

Alguns produtos ficaram de fora da referida MP, conhecida como “Pacote de Maldades”, tais como o fundo de ações, fundo de investidores estrangeiros e fundo de direitos creditórios.

Além de tais produtos, entende-se que o Fundo de Investimento Imobiliário (FII) também foi poupado das novas regras, embora haja dúvidas no que tange à interpretação da norma.

Isto porque, a parte final do art. 5º, inc. I da MP nº 806/2017, ao mencionar que os FIIs “serão tributados na forma desta Lei”, não deixa claro se está abordando a Lei n º 8.668.93 nele citada (que remete à regra atual) ou a própria nova MP (regra nova).

Contudo, além de ser gramaticalmente possível entender pela manutenção das regras do FII, a lógica do art. 5º também leva a tal conclusão, dado que sua menção se dá anteriormente a outros fundos que tiveram as regras mantidas, como mencionado acima.

Ponto de impacto colossal é a alteração das regras relacionadas aos Fundos de Investimento em Participações (FIP).

Para os FIPs classificados como “entidades de investimento”, embora não tenham sido afetados pela tributação semestral do IRRF, os ganhos gerados em virtude da alienação de ativos estarão sujeitos ao IRRF (15% de forma geral) independentemente de distribuição de valores aos cotistas. Já para os FIPs classificados como “não entidades de investimento”, passará a valer as regras aplicáveis a pessoas jurídicas em geral.

A base de cálculo nesse caso é muito expressiva neste momento pois abarca diversas operações de venda de participações societárias.

As regras mencionadas acima, per se, se fossem vistas apenas para os eventos futuros, não gerariam maiores indignações do ponto de vista jurídico.

O que causa grande perplexidade e merece toda a atenção é o fato de que a MP busca atingir ganhos auferidos no passado e até então “represados” dentro dos fundos.

No que se refere ao “come-cotas”, os rendimentos e ganhos auferidos pelos fundos fechados serão considerados distribuídos aos cotistas em 31/05/2018 para fins de IR.

Já no que tange aos ganhos decorrentes de alienação de investimento represados nos FIPs, esses serão considerados distribuídos em 02/01/2018, o que resultará na exigência do IR diferido em uma grande tacada.

Tecnicamente, o fato gerador do IR sobre tais ganhos já ocorreu no momento do rendimento ou da alienação do investimento, tendo o prazo para recolhimento do imposto sido diferido para o momento da distribuição.

Em casos como esses, é importante que se mantenha a aplicação da norma vigente na época do fato gerador, sob pena de se causar grave ofensa à segurança jurídica.

Os investidores atuaram de acordo com um regime vigente, planejando suas ações e investimentos com base na legislação vigente à época. A inversão da estratégia por parte do governo não deveria impactar tais ações, mas apenas aqueles supervenientes.

Vale dizer que tais ganhos represados deveriam continuar sob a regra antiga, aguardando a efetiva amortização/distribuição para ser objeto de tributação.

Percebe-se com isso que o Governo busca basicamente mudar as regras do jogo durante a partida, causando grave insegurança jurídica aos envolvidos e ao País em geral, que passa a ser palco de um show arbitrário.

Nesta conduta há flagrante ofensa ao art. 144 do CTN, segundo o qual “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.”

No que se fere à produção dos efeitos da MP, o Governo teria que convertê-la em lei ainda em 2017 para buscar sua aplicação já em 2018, o que é muito improvável dado a insegurança do cenário político.

Recentemente tivemos essa discussão temporal quando o Governo aumentou as alíquotas incidentes sobre o ganho de capital das pessoas físicas, trazendo uma tabela progressiva que varia entre 15% a 22,5%.

Naquela época, a alteração foi trazida pela MP nº 692/2015 com a intenção de ser aplicada já em 2016. Como a MP só foi convertida em Lei em 2016 (Lei nº 13.259), as alterações passaram a valer apenas em 2017, tendo a Receita Federal se pronunciado a respeito por meio do Ato Declaratório Interpretativo nº 03/2016, corroborando com a nova data.

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Sobre o autor
Cláudio Batista

Advogado do "Domingues Sociedade de Advogados"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Cláudio. IR sobre as aplicações em fundos de investimento.: A tentativa do árbitro de alterar a regra durante o jogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5320, 24 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61978. Acesso em: 24 nov. 2024.

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