Capa da publicação A regularização do serviço de mototáxi e seus efeitos em Macapá
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A regularização do serviço de mototáxi no Município de Macapá.

A Lei 12.009/09 e seus impactos no exercício do trabalho para a classe

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Comenta-se o que de bom e ruim adveio com a regulamentação do serviço de mototáxi no município de Macapá, com base em pesquisa junto aos trabalhadores.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Parecia a realização de um sonho. Depois de anos a fio, trabalhando nas piores condições, ver a profissão regulamentada por meio de uma lei federal seria, então, a carta de alforria para aqueles homens, ávidos por mais dignidade, no exercício de seu trabalho. Essa regulamentação cravou o fim das guerras travadas nas mais diversas esferas, pois, como bem analisado na obra "Mototaxistas: a luta pelo direito ao trabalho" (RANGEL, 2007), os conflitos advindos da falta de regulamentação dessa classe se estendiam desde a seara administrativa, passando pelo Poder Judiciário, até chegar, absurdamente, às chamadas "vias de fato", traduzidas na prática de violência, em suas mais diversas formas.

O clima vivido era de total instabilidade e insegurança, mas que, teoricamente, teria seu fim anunciado em 29 de julho de 2009, com o advento da Lei 12009/09, que, conforme seu preâmbulo, regulamenta, além de outras profissões, a de mototáxi[1].

Rangel, na parte final de sua obra, nos diz:

“Desta forma acreditamos estar suficientemente fundado que o Direito ao Trabalho é uma realidade e que aos mototaxistas do Amapá é devido (sic) toda consideração e respeito que deve, enquanto entes socialmente produtivos, prestar a qualquer classe trabalhadora ou a qualquer ser humano que se dedique a viver do suor do seu rosto. Este respeito deve partir em primeiro plano da sociedade para com os trabalhadores, ou seja, para com ela própria. Não temos dúvida que o Estado será forçado a reconhecer, nesta união a evolução de valores que força a evolução jurídica.”

Sábias palavras, sem dúvida. Não houve alternativa, senão tornar legal o clamor da sociedade, notadamente destes trabalhadores. É fundamental que o Direito evolua sempre e que essa evolução se desenvolva de maneira coerente, baseada nas mais diversas relações humanas, principalmente porque o Direito não é apenas um conjunto de regramentos jurídicos que regem a vida em sociedade, de modo geral, mas sim a consequência de estudos sobre analogia, cultura e costumes de um povo, de maneira que a lei deve melhor atender à necessidade humana. A estagnação ou retrocesso jurídico torna o Direito injusto e isso afetaria sobremaneira a sociedade, gerando desigualdades ainda maiores que as já experimentadas na atualidade.


2. A REGULARIZAÇÃO DO SERVIÇO DE MOTOTÁXI EM MACAPÁ

2.1. Breve histórico

Empreendendo pesquisas, não se pode determinar como iniciou, de fato, o serviço de mototaxismo no Brasil. Versões afora citam municípios como Sobral/CE e Crateús/CE. Na esfera internacional, fala-se até de países como Alemanha e Itália.

Entretanto, necessariamente no Amapá, o serviço começou na capital, Macapá, município onde se focaram os estudos deste artigo, há mais de 20 anos.

O mototaxismo em Macapá surgiu como uma alternativa rápida e eficiente ao transporte público precário (já à época). Por pequenas tarifas, era possível se locomover de forma ágil e prática a qualquer ponto da cidade. Os usuários, assim, chamaram-no de mototáxi.

Devido à rápida e crescente popularização do serviço, começou a ser visto com maus olhos, principalmente pelo poder público, taxistas e empresas de ônibus. Isso, claro, gerou confrontos dos mais diversos, na formalidade e informalidade, entre esses atores.

De um lado, tinha-se um grupo de trabalhadores, até então informais, que queriam apenas prover o sustento familiar e avistaram inteligente alternativa para tal. De outro, o poder público e a iniciativa privada, oferentes e mantenedores de um precário sistema de transporte público, impedindo a regulamentação dos mototaxistas, baseando-se, inclusive, no princípio da legalidade. A partir disso, o entrave nascia: a quem assistia melhor razão?

Essa, porém, não é a tônica deste artigo. Nessa conjuntura jurídica, não nos cabe iniciar uma discussão. Em que pese escassos, já existem estudos nesse diapasão.

Objeto de nossos estudos, a Lei 12009/09 veio para solucionar definitivamente (ou não) o problema, e é exatamente sobre os reflexos dela na classe que doravante comentaremos.

2.2. As condições sociais dos mototaxistas

As necessidades experimentadas pela categoria não são tão conhecidas: há uma carência considerável de obras e dados que possam elencá-las. Durante a pesquisa de campo na qual nos baseamos para discorrer sobre o tema em debate, deparamo-nos, por vezes, com sonoras (e até mesmo agressivas) negativas daqueles que se recusaram a responder ao simples questionário elaborado para subsidiar este estudo. Outras vezes, chegamos até a ser expulsos de alguns pontos de mototáxi da cidade, sob o argumento de que estávamos “a serviço de alguém ou algo disposto a terminar de prejudicar os mototaxistas”, ainda que deixássemos clara a nossa intenção de tão somente entender, na prática, quais eram as condições sociais da classe após a sanção da lei. Dado o avanço tecnológico, alguns deles ligaram nossa presença aos novos aplicativos de transporte (tais como Uber, Yet Go, 99 Taxis etc.), como se estivéssemos buscando fragilidades naquele serviço para melhorar estes, como forma de extirpar de vez o mototaxismo em Macapá.

Noutro giro, ainda que um pouco entristecidos e receosos por conta dessa minoria que, de alguma forma, recusou nossos ouvidos, sentimo-nos abraçados pela massiva maioria, que aproveitou a oportunidade para desabafar as frustrações de exercer um ofício que enfrenta tantas dificuldades para se manter de pé.

Durante as incursões pela cidade, conhecemos jovens, adultos e até idosos, esteios de famílias necessitadas de seus ganhos diários. Num discurso uníssono, falaram sobre a crise econômica que assola o Brasil, que, segundo eles, oriunda de outra ainda mais grave: a crise política. Entendem que os desmandos hoje visíveis na gestão pública atingiram quase toda a população brasileira, logo, não passariam imunes.

O mototáxi é um transporte público que representa, em nossa realidade, comum meio de locomoção aos trabalhadores em geral. Reconhecido por muitos, outrora, como rentável e rápido, atualmente é considerado uma alternativa por vezes cara e insegura, quer seja pela imprudência no trânsito por parte dos profissionais, fato reconhecido massivamente pela própria classe, quer seja pelas condições de tráfego oferecidas hoje. Noutros dizeres, temos, inicialmente, neste tocante, dois pontos que intrinsecamente se ligam, mas que apresentam controvérsia quanto ao personagem gerador, ainda que influenciem, de forma conjunta, específica coisa.

2.3. Entendimentos iniciais a respeito da Lei 12009/09

De antemão, insta salientar que este artigo não tem o condão de destrinchar a nominada lei, tampouco debater legalidade, constitucionalidade ou quaisquer outros aspectos que venham definir ou conferir validade ou não a ela. Como o próprio título deste estudo já infere, buscamos relatar a realidade vivida por estes importantes profissionais, os impactos dessa lei no exercício da profissão, bem como sua realidade social. Nesta finalidade última, cabe-nos, mesmo que com alguma dificuldade, apresentar os dados obtidos em sede de pesquisa de campo.

A dificuldade que se ousa acusar não se encontra no esforço envidado para elaborar, executar e/ou apurar a pesquisa propriamente dita, mas porque, quando disponível tempo para tal, éramos convidados a sentar um pouco e ouvir os relatos desses profissionais, que eram duros aos nossos ouvidos, pois retratam uma realidade de abandono que a sociedade, de modo geral, não enxerga ou não quer enxergar. Nessas oitivas, pudemos perceber que esta classe enfrenta um período de extrema calamidade, o que se pode confirmar com os resultados da pesquisa, que a posteriori serão apresentados.

É absolutamente importante entender o deslinde histórico no decorrer destes quase 10 anos de regulamentação da profissão, que tiraram estes trabalhadores da condição de clandestinidade. Após a entrega das primeiras concessões, estes puderam trajar-se de maneira uniformizada e circular com passageiros em suas motocicletas de forma tranquila, livres do medo de qualquer represália, notadamente das retenções de seus veículos pelos órgãos de fiscalização de trânsito. Dessa forma, o serviço passou a fluir legalmente na capital, servindo de inspiração para que outros municípios também o oferecessem aos munícipes. Santana, por exemplo, segundo maior município do Amapá, já regulamentou o mototaxismo, por intermédio da concessão de licenças.

De acordo com informações da Divisão de Mototáxi da Companhia de Trânsito e Transportes de Macapá (CTMac), órgão público responsável por fiscalizar a regularidade do mototaxismo em Macapá, desde a regulamentação da lei, já foram concedidas 2.005 permissões para o exercício deste ofício (esta, aliás, foi a única informação que lá conseguimos – ou que quiseram nos fornecer). Com isso, depreende-se que o mototaxista, durante seu labor, atende – ou pelo menos deveria atender – a exigências impostas por quem administra a concessão. O usuário, por sua vez, consciente de que esta é uma profissão já regulamentada, deve – ou pelo menos deveria – buscar serviços somente dos profissionais legalizados.

Ainda no que tange à regulamentação da profissão, há rol taxativo de exigências para seu exercício, que podem ser consultados no art. 2º da lei objeto deste estudo[2], como, por exemplo, a exigência de idade mínima e Carteira Nacional de Habilitação.

Diferentemente dos taxistas, os mototaxistas não são proprietários das ditas “placas vermelhas”: eles apenas têm a permissão de utilizá-las por um período de cinco anos, renováveis, desde que cumpridos os requisitos exigidos para sua habilitação. Cada permissionário pode, ainda, ter um motorista auxiliar que, de igual modo, tem que atender às exigências legais.

Sem aprofundamento, pode-se visualizar muitas exigências do ponto de vista legal para que um cidadão se torne mototaxista. Longe de desmerecer, porém, a importância disso, aquilo que poderia contribuir com a classe acabou por engessá-la, tornando alto o custo de ser um profissional regularizado ou até mesmo inviabilizando o exercício do labor. É como se o condutor estivesse “pagando para trabalhar”, quando deveria ocorrer o inverso.

Não obstante isto, a Lei 9503/97 confere poder ainda maior ao Município e ao Estado nesse tocante[3], quando diz que não exclui a competência municipal ou estadual de instar exigências para o desenvolvimento da atividade que ora comentamos.

Destarte, a Prefeitura de Macapá editou o Decreto 4911/2013, que “regulamenta o serviço remunerado de transporte individual de passageiro em motocicleta denominado Mototáxi no Município de Macapá (...)”. Este normativo, de maneira bastante detalhada e extensa, elenca todas as exigências para ser um mototaxista e prevê penalidades ao descumprimento delas, revogando o Decreto 1381/2010.

2.4. O perfil dos usuários do serviço de mototáxi

Antes de imergir diretamente na realidade dos mototaxistas, um aspecto importante precisa ser focado: o perfil daquelas pessoas que utilizam o serviço. De um universo de 120 pessoas entrevistadas, 62,1% são do gênero feminino. Ainda da totalidade dos entrevistados, 29,7% são jovens entre 18 e 25 anos.

No tocante a emprego e renda, 67,7% do público é empregado e 46,8% percebem de um a três salários mínimos. Desses dados, pode-se entender que o usuário é o empregado que percebe renda mensal relativamente comum à realidade brasileira.

Questionados sobre a utilização do serviço, 58,9% dos entrevistados alegaram usufruir do mototaxismo para locomoção em Macapá e, destes, 37,1% o utilizam de forma esporádica, quer dizer, algumas vezes durante a semana. Isso traduz exatamente a ideia do serviço que é oferecido: uma alternativa prática e rápida de transporte.

Sobre o conhecimento da Lei 12009/09, 47,6% dos entrevistados disseram conhecê-la. Frise-se que o conhecimento questionado não é aprofundado, mas limitado ao conhecimento da existência ou não da lei, não necessariamente de seu teor.

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Por fim, 60,8% afirmaram que, de modo geral, o serviço sofreu notável melhoria. Entretanto, 55,6% consideram este seguro somente em parte e 62,1% o avaliam como regular. Estes são pontos controversos, mas que, por serem subjetivos, não são passíveis de questionamento de validade, pois são o reflexo das mudanças que a população percebeu. Porém, se a maioria considerou que houve melhoria, por que ainda não se pode considerar o mototaxismo em Macapá completamente seguro e bom ou ótimo? Um debate a ser levado em consideração.

Durante conversas com alguns entrevistados, foram observados por eles certos aspectos. De lado positivo, aduziram a praticidade e rapidez do serviço, que ainda o torna atrativo para o cumprimento dos mais diversos trajetos no mais curto lapso de tempo. Em contrapartida, reclamam da higiene quanto ao capacete de segurança, motos em má condição e imprudência dos condutores.

Alguns dos usuários veem no mototaxismo apenas um “quebra-galho”, em necessidades últimas e emergenciais. Para outros, não é visto como meio de transporte público essencial, como os ônibus e táxis. A grande maioria afirma que os demais atores do trânsito (motoristas de carros, ônibus, ciclistas etc.) não respeitam os mototaxistas, o que pode potencialmente gerar acidentes das mais diversas gravidades.

2.5. O perfil dos mototaxistas

Importante se faz, nesse estudo, entender também qual é o perfil do profissional que atua no mototaxismo. Entrevistamos 100 profissionais desse segmento e a partir desta pesquisa com eles, em especial, é que se pode apurar todo o conteúdo adiante.

Antes de apresentar estes dados, julgamos necessário consignar que, em contato com a Companhia de Transportes e Trânsito de Macapá (CTMac), não conseguimos quaisquer estatísticas sobre o serviço, a não ser a que informa o quantitativo de permissões concedidas. Não é sabido por eles quantos ainda trafegam, quantos auxiliares ainda se encontram ativos. Não se tem notícia, inclusive, de quantos destes profissionais possivelmente tenham falecido. Também não existe qualquer pesquisa a respeito dos acidentes de trânsito sofridos por esses profissionais. É mais um detalhe do abandono pelo qual a categoria passa.

100% dos entrevistados são do gênero masculino, o que nos dá segurança para afirmar que são, em sua massiva maioria, pais de família, embora a maioria deles seja solteiro (46%). Interessante comentar, também, que, conforme por eles informado, muitos pararam de circular a pedido de suas esposas, por temerem pela vida de seus cônjuges, pais de seus filhos, afirmando que o “risco não valeria a pena”, o que já traz à lembrança o problema de segurança pública, que mais adiante será abordado.

Não podemos afirmar com tanta precisão quais as mazelas de saúde os assolam. Contudo, se queixaram muito de manchas na pele e envelhecimento precoce, causados pela constante exposição ao sol; dores na coluna, reconhecidas por eles em virtude da má postura adotada e pelo excesso de horas sobre o veículo; além de problemas estomacais, por conta de não se alimentarem adequadamente, quer seja pela falta de tempo, quer seja pela escassez de recursos financeiros para tal.

Quase metade dos mototaxistas entrevistados estão acima dos 36 anos. De 36 a 40 anos, 29%; de 41 a 45 anos, 16%; e com 45 anos em diante, 30%. No fator idade dos mototaxistas, conforme pudemos observar de maneira subjetiva, são homens de aparência apática, cansada, visivelmente acometidos de alto stress.

Quase metade deles, 47%, são amapaenses. Em segundo lugar, com 34%, estão os paraenses, mas não podemos dizer que tais profissionais migraram para o Amapá em busca dessa oportunidade de trabalho: aqui já se encontravam e foram ao encontro do mototaxismo vislumbrando um meio de sustento às suas famílias. No que diz respeito à família, uma pequena minoria não possui filhos e, em um caso específico, um dos entrevistados de mais idade informa ter cerca de 17 filhos devidamente registrados, tendo perdido as contas dos demais que não conheceu ainda.

No que tange à sua empregabilidade, 85% dos entrevistados trabalham exclusivamente com o mototaxismo. Os 15% restantes atuam como auxiliar de serviços gerais e como vigilante, sendo que neste último caso, o profissional atua entre os plantões, como forma de complementação de sua renda. Essa constatação demonstra claramente que a profissão, até então, não tem sido rentável quanto se aguardava ser. Isso implica diretamente noutro aspecto constatado: a baixa renda auferida diariamente.

Dos entrevistados, 92% apuram até R$ 100,00 (cem reais) por dia, com média de R$ 50,00 (cinquenta reais) em um dia comum e R$ 80,00 (oitenta reais) em dias mais “movimentados”, como aqueles que se sucedem aos pagamentos dos servidores públicos das administrações municipal, estadual e federal. Como bem sabido, parte considerável de nossa economia gira em torno dos recebimentos dos entes públicos.

Alguns alegam lucros diários de R$ 30,00 (trinta reais) apenas. Não precisamos nos alongar ao falar que tais recursos não são suficientes para uma vida digna. Ao final de um mês, dariam até menos que um salário mínimo, lembrando que em sua grande maioria, independente de estado civil, são o esteio de seus lares. Em tudo existe um custo: pneus, equipamentos, roupas, sapatos, taxas, manutenção de modo geral das motocicletas, alimentação, enfim, em alguns momentos, os profissionais chegam a pagar para trabalhar, sem ganho algum, lutando incansavelmente para se manter de pé.

Para chegar a tais valores, chegam a trabalhar aproximadamente 12 horas por dia (80% dos entrevistados). Alguns daqueles que trabalham períodos menores encontram-se estudando, em busca de melhorias de vida. Nesse prisma da escolaridade, 45% dos mototaxistas entrevistados possuem ensino médio completo, alguns inclusive com nível superior. Contudo, pudemos observar a dificuldade desses em responder alguns simples questionamentos sobre seu trabalho, e uma enorme dificuldade em se expressar, e isso sem sombra de dúvida se dá pela falta de ensino adequado e eventuais capacitações. Destacamos a incidência zero de analfabetos e analfabetos funcionais.

A preocupação com o futuro é constante. Os profissionais entendem que não conseguirão atuar em tal profissão até o final de suas vidas, e veem como incerta e desamparada sua senilidade. Perguntados acerca de recolhimentos previdenciários, apenas 6% fazem tal recolhimento, sendo que os 94% restantes alegam não poder fazê-lo por não disporem de recursos financeiros suficientes para tal.

A motocicleta utilizada para o labor é de propriedade do mototaxista em 87% dos casos: os 13% restantes atuam como auxiliares ou são locatários do veículo. Isso pode ser observado como um aspecto positivo, mas, adiante, veremos que ter uma motocicleta própria é um dispêndio exaustivo.

62% dos entrevistados atuam como mototaxistas há sete anos ou mais. Sem exceção, todos saíram da clandestinidade para a legalidade. 99% tinham outro emprego antes de atuar com o mototaxismo, porém não se encontravam satisfeitos com os ganhos e demais condições, tendo então migrado ao mototaxismo como tentativa de melhoria de vida.

Indagados sobre a lei que rege a sua profissão (Lei 12009/09), 64% disseram conhecer dela; 36%, não. Mas é importantíssimo destacar, nesse contexto, que seus conhecimentos dizem respeito quase que na totalidade apenas ao número da lei e sua existência. Não há conhecimento de seus detalhes. Culpam com veemência o sindicato por não terem sido colocados a par das exigências e peculiaridades de sua profissão, inclusive pelo fato de muitos possuírem baixa escolaridade e dificuldade no entendimento de dispositivos legais, dentre outras coisas. Em resumo, existe o mero conhecimento, não um devido entendimento.

No que diz respeito à garantia de dignidade ao mototaxista com o advento da lei, 61% deles acreditam que sim, a profissão se tornou mais digna. Entendem que o fato de não serem mais abordados como criminosos pelo exercício de sua profissão já é algo suficientemente bom, eis que atuavam acuados, sentindo-se anteriormente reprimidos. Os 39% que discordam de tal posicionamento falam que se sentem vistos como criminosos, pelo fato de muitos crimes terem sido cometidos por meliantes que por mototaxistas se fizeram passar. Indicaram possíveis soluções para tal preconceito, as quais elencaremos a diante.

Perguntados se acreditavam que, com o advento da lei, lhes foi garantida segurança, responderam baseados em duas nuances: segurança física e jurídica. 61% acreditam sentir-se mais seguros na execução de seu labor. Entendem que a regulamentação lhes trouxe segurança física, no sentido de exigir os equipamentos de segurança, tanto para o condutor, quanto aos equipamentos obrigatórios à motocicleta. Não existem estatísticas também nesse sentido, mas afirmam, pela vivência de seu dia a dia, que os acidentes com os membros da categoria têm diminuído gradativamente, inclusive com uma redução drástica nos óbitos, comuns antes da regulamentação. Acreditam que a conscientização tenha sido responsável por um aumento de prudência do condutor, criando neles um senso maior de zelo pela sua integridade física e dos passageiros. Consideram isso como a maior evolução dentro de sua categoria. Sentem-se satisfeitos e felizes por sua segurança jurídica, por poderem dizer que têm uma profissão regulamentada, digna. Não se sentem mais preocupados com eventuais abordagens que resultariam, outrora, na apreensão de suas motocicletas, multas, além dos visíveis constrangimentos: é fato que quando se é visto em meio a abordagens policiais, não se busca entender o fato em si, mas imediatamente se fazem pré-julgamentos e a insegurança da ilegalidade os fazia serem vistos como criminosos, bandidos, o que não são, sem sombra de dúvida.

Por fim, 63% deles acreditam que puderam, com a dita regulamentação, oferecer um serviço melhor aos usuários. Não circulam mais com medo de represálias, não buscam mais rotas alternativas para fugir de fiscalizações, nem precisam esconder suas motocicletas. Empunham seus coletes sem medo e, mesmo que se vejam desvalorizados, sentem orgulho de sua profissão.

Esses dados, inicialmente, mostram que constantemente há pontos controversos, advindos das consequências que os mototaxistas sofreram após a Lei 12009/09, que não foram, em sua totalidade, boas.

2.6. As dificuldades enfrentadas pelos mototaxistas

Assim como ouvidos os usuários, de igual forma também foram ouvidos os profissionais. Não seria diferente o fato de que percebem melhorias e retrocessos com o advento da Lei. A execução da pesquisa de campo nos fez notar uma realidade da qual não tínhamos a menor noção. Pode-se contemplar, in loco, trabalhadores extremamente cansados, até mesmo estressados, mas ainda confiantes de que um horizonte mais favorável há de vir.

É consenso que o serviço precisa de melhorias. A pesquisa mostra e os mototaxistas gritam por melhorias. São tantas suas mazelas, tantos seus pedidos, que se entende como sendo o ponto principal deste artigo. Assim, detalharemos um por um os anseios ora apresentados pelos profissionais do mototaxismo, daqueles considerados menos, até aos mais importantes. De bom alvitre, ainda, registrar que os percentuais menores não denotam menor importância dos anseios da categoria.

Ponto a ponto, observemos a realidade vivenciada por estes profissionais.

2.6.1. Clandestinidade

Como já exaustivamente comentado antes, muitas são as exigências para que um cidadão se torne mototaxista. Porém, mesmo com essa previsão legal e o tempo que o mototaxismo já é legalizado em Macapá, ainda é possível visualizar com clareza a prática de mototaxismo clandestino. Após oito anos de regularização, ainda existem cidadãos que usurpam o ofício daqueles que suam diariamente para trabalhar.

Estes cidadãos simplesmente pintam suas motocicletas com a cor amarela, compram capacetes e camisas da mesma cor, além de coletes refletivos, e rodam pela cidade por todo o dia, talvez até crentes na certeza da fiscalização falha ou da impunidade.

Alguns dos profissionais entrevistados alega que esses, em boa parte, são apenados que cumprem sua pena em regime semiaberto. Saem para trabalhar caracterizados como mototaxistas, usando-se desta indumentária para, muitas vezes, voltar a praticar crimes. Isso, claro, foi relatado sob o manto do temor pelos legalizados, que temem as represálias por parte daqueles. É uma guerra silenciosa que, sem sombra de dúvidas, ainda não tem uma solução aparente.

Esta reclamação é praticamente unânime na classe. 74% dos mototaxistas assim pensam.

Não obstante isso, a fiscalização é ineficiente. A uma, porque, se ela realmente funcionasse, não existiriam clandestinos nas ruas, e essa é uma realidade que salta aos olhos; a duas, porque a própria CTMac, extraoficialmente, garante que não há pessoal suficiente para a fiscalização dos clandestinos, bem como diz que é difícil caracterizar tal prática. Estes clandestinos, quando abordados, dizem estar dando carona a um familiar, amigo, até mesmo cônjuge, e essa informação é confirmada pelo passageiro, dificultando, assim, o enquadramento da prática como ilegal.

Os mototaxistas legalizados afirmam que é desproporcional a fiscalização pelo poder público, à medida que cobra demais as exigências legais para eles, enquanto se diz incapaz de deter os clandestinos.

Aqui, temos duas questões que instigam muito o debate: se a lei vinha com o intuito de legalizar os clandestinos, dando-lhes a condição de regularizados e proporcionando melhorias para o trabalho, fazendo com que eles oferecessem um serviço seguro e confortável aos cidadãos, por que estes profissionais não são capazes de suportar os ônus para exercer o labor?

Vai-se além: como pode um órgão público, com o pessoal que diz possuir, conseguir exigir, com singular afinco, que os legalizados se mantenham quites com suas obrigações legalmente impostas, enquanto não consegue, com o mesmo pessoal, diminuir a clandestinidade que prejudica sobremaneira o ofício destes trabalhadores?

Isso, mais que uma contradição, traduz-se no verdadeiro descaso das autoridades para com essa classe, e mais: denota intenção da administração pública em apenas enriquecer às custas destes profissionais que trabalham árdua e diariamente para garantir o sustento familiar.

2.6.2. Sindicato inoperante

Durante a pesquisa, 44% dos mototaxistas disseram ser sindicalizados e 13% reclamam que o sindicato não atua em seu favor. Eles afirmam que a atuação do sindicato é fundamental para que as garantias conferidas à classe continuem sendo preservadas. Não há notícia de ações dele em favor dos sindicalizados e, por mais incrível que pareça, é unânime o fato de que nenhum dos profissionais sabe onde precisamente funciona a sede, limitando-se a dizer, sem precisão, que o prédio físico foi vendido ou leiloado. Já não sentem mais ânimo em continuar como sindicalizados, dado o abandono. E é fato que esse ente é importante para a defesa dos direitos dos mototaxistas, mas estes não conseguem sequer localizar o prédio físico.

Nas entrevistas, muitos afirmaram que a atuação sindical se esvaiu à medida que os dirigentes começaram a atender aos pedidos do Executivo municipal. Dizem que estes ocupam cargos de confiança na Prefeitura de Macapá, o que é impossível afirmar, vez que não se teve acesso a essas informações e mesmo porque não nos cabe, neste momento, criar juízo a respeito dessas afirmações, não seria coerente. Nessa cognição inicial, atribuímos essas alegações à mera insatisfação com o descaso que a classe tem sofrido nestes anos todos.

2.6.3. Condições de trafegabilidade

Pontuado por 16% dos entrevistados, outro aspecto reclamado foi a trafegabilidade das ruas de Macapá.

Não é necessário muito estudo ou análise nessa vertente para concluir que as condições asfálticas e de sinalização das ruas macapaenses são extremamente deficientes. Pode-se perceber ruas completamente esburacadas e sem qualquer sinalização, quer seja visual ou sonora, horizontal ou vertical.

Esse fator não só contribui para potenciais acidentes de trânsito, que ocasionalmente podem gerar sequelas graves e até mesmo óbitos, como também encarece o custo de manutenção das motocicletas, visto que as más condições de tráfego ensejam danos dos mais diversos aos veículos, trazendo mais dispêndio financeiro a quem pouco ganha.

Do poder público, observa-se pouco interesse pela manutenção das vias, e quando há, ocorre somente nas principais, locais estes em que os mototaxistas apenas se abrigam, à espera do novo chamado de alguém pelo serviço.

2.6.4. Segurança pública

Da mesma forma que as péssimas condições das vias macapaenses prejudicam não só os mototaxistas, mas toda a sociedade de Macapá que delas depende, a insegurança é um fator que assombra a classe.

É sabido que os profissionais se sentem amedrontados e temem pelas suas vidas ao circular em bairros reconhecidamente perigosos. Não obstante isso, é público e notório que a violência no Amapá, notadamente na capital, é avaliada com números alarmantes e que diariamente crescem de forma exponencial.

8% dos entrevistados acreditam que um melhor policiamento pela cidade garante paz e segurança não só à classe, mas a todos os munícipes.

Um aspecto importante citado por alguns deles é que isso pode trazer uma melhor imagem ao trabalho que eles desenvolvem diariamente. Uma segurança pública mais efetiva ocasionaria uma comoção maior no sentido de melhor visibilidade aos mototaxistas.

Além do mais, garantiria aos legalizados proteção física e jurídica em relação aos clandestinos, no tocante às represálias que aqueles têm medo de sofrer, como já discorrido anteriormente.

2.6.5. Apoio financeiro

Como de público conhecimento, ao taxista são garantidos alguns benefícios na aquisição de um veículo para trabalhar. Aos mototaxistas, porém, não é dada a mesma facilidade.

Nesse tocante, 10% dos entrevistados opinam que são dignos de perceber isenção de taxas e ter à sua disposição linhas de crédito especiais para aquisição de motocicletas, oferecidas principalmente por instituições financeiras que fomentem o empreendedorismo, de maneira a manter a qualidade do serviço. Mais: como não são capazes de comprovar documentalmente a renda que auferem, a dificuldade só aumenta.

Durante as pesquisas, foi possível visualizar o sucateamento da frota disponível à população, na sua grande maioria. Existem motocicletas em bom estado, mas outras não possuem condições mínimas para trafegar nas vias da cidade, menos ainda para transportar passageiros com a devida segurança. Sua renovação é urgente.

Debruçando-se nisso, salta mais ainda aos olhos que o poder público não se preocupa com a classe, e mais: trata de maneira diferente profissionais que oferecem serviço do mesmo ramo.

2.6.6. Falta de reconhecimento e valorização

Nos mais diversos noticiários, podemos perceber que alguns dos crimes registrados pelas autoridades policiais são cometidos – vamos assim dizer – sobre motocicletas. Nesse sentido, o temor de delitos como estes acaba recaindo também sobre os mototaxistas, por razões que desconhecemos.

19% dos entrevistados acreditam que a união da Prefeitura de Macapá com o sindicato da categoria para a promoção de campanhas de conscientização, com a finalidade de prestar reverência e reconhecimento à classe, colaboraria sobremaneira para o fim das vergonhas e constrangimentos que muitos passam, pelo modo como passaram a ser vistos pela sociedade, em razão das práticas criminosas cometidas por terceiros – das quais não têm qualquer culpa – e também por uma simples questão de demonstração de dignidade.

A visão criminosa lançada sobre os mototaxistas precisa ser extinta da nossa sociedade. É importante observar que o mototaxista não é um bandido, mas, na esmagadora maioria das vezes, um pai de família que precisa sustentar uma casa. O olhar preconceituoso que existe em muitos é intrigante, como se a classe fosse desonrosa ou desprezível. É um comportamento deveras inadmissível.

2.6.7. Desunião da categoria

Em sua obra, Rangel (2007) enfatiza a homérica luta que os mototaxistas travaram para contemplar o livre exercício dessa profissão. Como já comentado neste artigo, estes homens muito sofreram para que isso, enfim, se tornasse realidade.

Ocorre que, curiosamente, 4% dos profissionais disseram que a categoria precisa ser mais unida. Relataram comportamentos de intolerância entre si mesmos, estes que, no passado, abraçavam a mesma causa – o que nos remete a outro ponto controverso.

Afirmaram que alguns mototaxistas se auto intitulam donos de alguns pontos, não permitindo que colegas estranhos ao seu círculo de amizade descansem ali, a espera de uma nova corrida.

Não bastasse isso, ainda há uma certa rixa, onde profissionais de outros pontos são tidos, por vezes, como inimigos, o que inviabiliza que a categoria lute em prol de dias melhores para si. Comportamentos como esses são de causar estranheza, porém, aparentemente são conflitos internos e/ou pessoais que podem ser resolvidos entre a própria classe, sem a necessidade de intervenção externa.

2.6.8. Falta de estrutura

Como se sabe, os mototaxistas trabalham quase que diariamente, sol a sol, para ter sobre a mesa o pão diário. A motocicleta, veículo utilizado nesta profissão, é muito prática e versátil. Entretanto, diferentemente de um veículo fechado, como um carro, não garante proteção maior ao condutor.

Assim sendo, 13% dos mototaxistas entrevistados entenderam que há urgência na criação de pontos de abrigo padronizados e capazes de atender a necessidades básicas deles, como área coberta e banheiros, por exemplo.

Mais que isso, eles entendem que a construção de abrigos adequados os manteria mais seguros e daria aos usuários a sensação de organização e segurança no oferecimento e uso do serviço.

Disseram, ainda, que os abrigos já existentes foram construídos por conta própria, sem o apoio de absolutamente qualquer órgão ou entidade, e que a padronização deles também é importante, pois confere melhor visibilidade à categoria.

2.6.9. Falta de capacitação técnica

Como já comentado no início, a Lei 12009/09 traz em seu rol as exigências para que um cidadão se torne mototaxista. Uma delas é a aprovação em curso especializado para tal exercício[4].

Não se pode precisar se, de fato, os pretensos permissionários passam por algum tipo de treinamento inicial, mas é fato que 3% dos entrevistados clamam por capacitação técnica.

Eles entendem importante a participação em cursos de aperfeiçoamento que contenham conteúdo de segurança na direção, tratamento aos passageiros e até mesmo cursos de línguas. Em alguns casos, em contato com turistas de outros países, não sabem como lidar, por não haver qualquer noção de outras línguas. O fato do Amapá estar em região de fronteira também contribui para tal contato, porém não existe qualquer capacitação nesse sentido, e ações como as sugeridas melhorariam o atendimento não só a esse passageiro em especial, mas ao público que faz uso do mototaxismo.

2.7. O outro lado da moeda: benefícios advindos da lei

Inicialmente, ao falar sobre o perfil dos profissionais que atuam no mototaxismo, embora tenhamos visto uma realidade caótica a qual eles se submetem, já que não veem alternativa de sustento familiar, pode-se também ver que a lei não foi, de todo, ruim.

Isso se afirma não sob coisas vistas pela nossa ótica, mas pelo que os próprios mototaxistas nos relataram. Não teríamos, nem de longe e menos ainda de perto, como afirmar, sozinhos, a tenuidade entre as mudanças boas e ruins e da realidade que estes honrosos trabalhadores vivem todos os dias.

Tecnicamente falando, parte considerável destes profissionais afirma que, ainda que o serviço precise de um sem número de melhorias, das quais computamos neste estudo apenas algumas, o advento da lei garantiu o mínimo de melhorias, quer seja no âmbito da segurança, quer seja no âmbito da dignidade, ou, ainda, e não menos importante, a garantia do alimento diário aos seus familiares. Não podemos vendar os olhos às mudanças positivas.

Alguns profissionais, de forma pontual, declinaram que o serviço não melhorou em absolutamente nada; outros, por sua vez, disseram que ele não carece de melhoria alguma. Esta controvérsia, sem sombra de dúvidas, ainda que respeitada a liberdade individual de convir com aquilo que bem entender, revela um cenário de desencontro dentro da própria classe, onde o discurso é único para algumas coisas, mas conflitante para outras.

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Sobre os autores
Bruno Pacheco Nunes

Advogado. Especialista em Direito Tributário e em Gestão e Docência no Ensino Superior. Servidor público há 10 anos, com ampla atuação em gestão pública e controle interno.

Allison Verissimo das Chagas Lobato

Bacharelando em Direito.

Allison Verissimo das Chagas Lobato

Bacharel em Direito pela Faculdade Brasil Norte (2017).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Bruno Pacheco ; LOBATO, Allison Verissimo Chagas et al. A regularização do serviço de mototáxi no Município de Macapá.: A Lei 12.009/09 e seus impactos no exercício do trabalho para a classe. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5275, 10 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62031. Acesso em: 22 nov. 2024.

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