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Responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional

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21/01/2005 às 00:00
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III – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO-JUIZ

3.1 Por atos jurisdicionais

A priori, devido às divergências doutrinárias quanto ao uso do termo atos judiciais ou atos jurisdicionas, far-se-á uma breve análise sobre a questão.

É sabido que a tripartição de poderes não acarreta para cada Poder uma única função. Pode-se dizer que cada um tem a sua função típica e atípica. O Poder Executivo tem a função típica de praticar atos de chefia de estado, de governo e de administração, mas tem também, secundariamente, as funções de legislar e julgar. O Poder Legislativo tem como funções primordiais, legislar e fiscalizar, e como funções atípicas, administrar e julgar. Por fim, o Poder Judiciário, ao qual se aterá, tem, primordialmente, a função de julgar cada caso concreto aplicando a lei, porém, assim como os outros poderes tem funções atípicas que são as de administrar e legislar.

A função jurisdicional é típica do Poder Judiciário que exerce também outras funções. Desse modo, considera-se que os atos judiciais são aqueles praticados pelo Judiciário, mas que compreendem atos de natureza administrativa e também os de natureza jurisdicional.

Augusto do Amaral Dergint coloca que "A atividade judicial (ou judiciária) é gênero de que a atividade jurisdicional e atividade administrativa são espécies. Judiciárias são todas as atividades do Poder Judiciário, específicas ou não, independentemente de sua natureza". [28]

Do mesmo modo entende Cretella Júnior:

Tudo o que se atribui ao Poder Judiciário tem a natureza, é claro, de função judiciária ou judicial, mas só se considera função jurisdicional a aplicação do direito objetivo a casos particulares, em razão de determinada pretensão. (29)

Ato jurisdicional é todo ato praticado pelo juiz no curso do processo. O Poder Judiciário também pratica atos não jurisdicionais que são administrativos ou normativos.

A responsabilidade do Estado quanto aos atos normativos ou administrativos praticados pelo Poder Judiciário já está pacificada e nestes casos aplica-se o § 6º do art. 37 da Constituição Federal. Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma: "Com relação a atos judiciais que não impliquem exercício de função jurisdicional, é cabível a responsabilidade do Estado, sem maior contestação, porque se trata de atos administrativos, quanto ao seu conteúdo". [30]

Neste mesmo sentido:

Em sede de responsabilidade civil do Estado por atos do juiz, é importante distinguir (ex ratione materiae) os atos "não-jurisdicionais" dos atos "jurisdicionais", porque – conforme pondera João Sento Sé (1987, p.139) – "a indenização é irrecusável quanto aos primeiros. Relativamente aos outros (os jurisdicionais ou julgamentos propriamente ditos), a obrigação de indenizar é muito controvertida". (31)

No que tange a responsabilidade do órgão estatal quanto aos atos jurisdicionais, a doutrina brasileira ainda não fixou se o artigo 37, §6º da CF também é aplicado quando houver danos causados pela prática destes atos. A jurisprudência nacional predominante não admite a possibilidade de responsabilidade pela prestação jurisdicional salvo nos casos expressos em lei.

Há uma notória tendência da doutrina brasileira em adotar a tese da responsabilidade, porém, são apenas teorias, haja vista que ainda não há amparo legal, assim como esta posição não é adotada pela jurisprudência brasileira acerca da matéria.

Diante da divergência existente, vale destacar as teorias sobre a responsabilidade e a irresponsabilidade do órgão estatal pelos atos jurisdicionais. Destaque-se que tratar-se-á essencialmente da responsabilidade pela atividade jurisdicional e não pela administrativa, por não se fazer mister para compreender o estudo em questão.

3.1.1 Teoria da Irresponsabilidade

Conforme já exposto, o Estado brasileiro, no decorrer dos anos, evoluiu da teoria da irresponsabilidade para a teoria da responsabilidade objetiva no que se refere à atividade administrativa.

Infelizmente, esta evolução não se deu no âmbito da atividade jurisdicional. Durante muito tempo vigorou a irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais conforme expõe Guido Santiago Tawil:

La responsabilidad del Estado como consecuencia del ejercicio de la actividad judicial no há sido, sin embargo, fácilmente reconocida, especialmente a partir de la formulación por parte de Montesquieu de su célebre tesis de la división o separación de poderes y su recepción por parte de la Constitución norteamericana, ya que como señala com acierto Fernández Hierro, a partir de la configuración de los tribunales como Poder Judicial, ‘parece más difícil exigir ésta a quien es parte de uno de los tres poderes fundamentales del Estado, que non está sometido a los otros dos y sí solamente a la ley, que es nombrado de manera permanente e inamovible, que al funcionario que no es más que un delegado del monarca cuyo nombramiento se revoca pasado el tiempo (32).

Atualmente, parte da doutrina brasileira ainda adota a irresponsabilidade do Estado quando se refere a atividade típica do Poder Judiciário. Os que defendem a irresponsabilidade, adotam em sua defesa várias teorias a serem aqui expostas e analisadas.

A teoria da soberania da decisão judicial defende a tese da irresponsabilidade do Estado porque é a prestação jurisdicional atribuição da soberania estatal. "Os que invocam tal argumento, aduzem que a função jurisdicional é uma manifestação da soberania do Estado. Assim, o Poder Judiciário, no exercício de suas funções, era colocado em uma posição de supra legem". [33]

Ora, tal argumento não merece guarida, uma vez que a soberania é atributo do Estado Democrático de Direito e não do Poder Judiciário, Legislativo ou Executivo, isoladamente.

O Poder Judiciário, assim como os demais poderes, não é soberano, pois deve obediência à lei. Aceitar a tese da irresponsabilidade pela soberania dos poderes seria negar a própria Carta Magna que em seu art. 1º diz expressamente ser a soberania atributo da pessoa jurídica do Estado, de forma una, indivisível e inalienável.

Caso procedesse o argumento da soberania, teria que considerar que o Estado não se responsabilizaria por nenhum de seus atos e não só pelos judiciais.

O argumento da soberania tem sabor antigo e, de certo modo, repercute a velha teoria regaliana da imunidade do Estado. Segundo ela, o magistrado é o órgão da soberania e, por isso, não pode responder por danos decorrentes do seu labor, sob pena de perda de sua soberana liberdade de decidir. Não haveria autêntica soberania onde houvesse responsabilidade. O argumento prova demais: fosse válido, também o Poder Executivo e o Legislativo, igualmente expressivos da soberania do Estado, não responderiam pelos danos produzidos e a irresponsabilidade constituiria a regra geral. Ademais, como é evidente, o soberano pode ser o Estado brasileiro, nunca de modo especial ou exclusivo o Poder Judiciário, órgão que deve subordinação ao sistema de freios e contrapesos inerente ao princípio da divisão dos poderes. [34]

Outra teoria que defende a irresponsabilidade do Estado por ato jurisdicional é a da ofensa a coisa julgada.

Os que defendem esta teoria utilizam como argumentos a presunção da verdade e a segurança jurídica que advém da coisa julgada.

Quanto ao primeiro aspecto, vale salientar que a coisa julgada faz "verdade" entre as partes processuais permanecendo imutável. O que acontecerá é que o Estado irá responder pelos danos resultantes do seu ato judicial respeitando a coisa julgada.

A própria presunção de verdade atribuída às decisões judiciais aparece enfraquecida num sistema judiciário como o nosso, em que o precedente judiciário não tem força vinculante para os magistrados; são comuns decisões contrárias e definitivas a respeito da mesma norma legal; uma delas afronta, certamente, a lei. [35]

Já no que diz respeito ao aspecto da segurança jurídica, a preocupação é a insegurança que se pode gerar ao contestar a coisa julgada admitindo ressarcimento do Estado à parte que foi prejudicada pela decisão judicial. No entanto, vale enfatizar que mais importante do que a segurança jurídica é o ideal de justiça que não pode ser abatido pela coisa julgada. Uma sentença errada faz coisa julgada errada e deve poder ensejar o ressarcimento dos prejuízos que causou ao jurisdicionado.

Estes doutrinadores também defendem que a atividade jurisdicional é falível vez que exercida por juízes que são seres humanos como qualquer outro. Desse modo, quem busca a prestação jurisdicional tem que estar ciente que corre riscos inerentes à falibilidade humana.

É perfeitamente aceitável que os magistrados estão passíveis de cometer erros assim como qualquer outro indivíduo. Sabe-se que a atividade de julgar não é fácil e exige um grande esmero por parte do julgador. No entanto, assim também o exigem outras atividades, não ficando, desse modo, os juízes isentos de responsabilidade por seus atos.

O que não se pondera é que seja o jurisdicionado o prejudicado pelo erro que o juiz cometeu. Cabe ao Estado responder pelos atos errôneos dos seus agentes. Desta maneira, deve o erro ser considerado como algo anormal, como uma exceção que uma vez cometido gera o direito do prejudicado ser ressarcido.

Nesse sentido preceitua Di Pietro:

As garantias de que se cerca a magistratura no direito brasileiro, previstas para assegurar a independência do Poder Judiciário, em benefício da Justiça, produziram a falsa idéia de intangibilidade, inacessibilidade e infalibilidade do magistrado, não reconhecida aos demais agentes públicos gerando o efeito oposto de liberar o Estado de responsabilidade pelos danos injustos causados àqueles que procuram o Poder Judiciário precisamente para que seja feita justiça. (36)

A última teoria a ser abordada é a da independência do juiz que deve ser livre na sua forma investigatória, interpretativa, com o intuito de formar sua própria convicção. Os defensores desta teoria alegam que, se o magistrado tivesse que desvirtuar a sua atenção para a possibilidade de suas decisões ensejar ações pela responsabilidade do Estado, isto acarretaria a perda da independência.

Tal argumento não tem a menor credibilidade e fundamento, pois os juízes convivem diariamente com a possibilidade de serem as suas decisões recorridas, anuladas ou modificadas. De nada modificaria esta situação a possibilidade do Estado responder por danos causados por erro nas decisões dos magistrados. Da mesma maneira, que as decisões judiciais são recorríveis, também dão ensejo a novas ações judiciais.

Neste contexto, conclui-se que nenhuma teoria que defende a irresponsabilidade do Estado tem argumentos concretos e irrefutáveis.

3.1.2 Teoria Subjetiva

Por esta teoria se faz mister a existência da culpa (ou dolo) para que se configure a responsabilidade estatal. A culpa aqui abordada é a que se enquadra no âmbito da teoria publicista e não civilista. O direito francês trata da responsabilidade pela faute du service, seja pelo mal funcionamento do serviço, pelo não funcionamento ou pelo seu funcionamento atrasado. Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello divergem quanto o enquadramento desta teoria francesa como responsabilidade subjetiva e objetiva respectivamente.

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O Estado francês utiliza como regra a faute du service, contudo, já vem aplicando como exceção a teoria do risco, admitindo em alguns casos a responsabilidade objetiva do Estado.

3.1.3 Teoria Objetiva

A Constituição Brasileira de 1988, em seu § 6º do artigo 37 ao prever que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa adotou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no risco que é inerente à atividade estatal, seja comissiva ou omissiva.

O que se questiona é se esse dispositivo enquadra as atividades jurisdicionais, haja vista sua omissão. No entanto, melhor seria considerar que o dispositivo acima não é discriminativo quanto às atividades do Estado, e não omisso. Isto se deve, por serem notórias as funções exercidas pelo Poder Público: administrar, fiscalizar, legislar e julgar.

Não se justifica excluir a atividade jurisdicional do artigo 37, §6º, se assim tivesse intenção, o legislador complementaria o dispositivo constitucional excluindo expressamente este tipo de atividade à responsabilidade do Estado.

Assim, a menos que exista legislação específica em sentido contrário, quando um Estado adota a regra da responsabilidade objetiva pelos seus atos, é inegável que o faz para todas as suas atividades, inclusive aquela jurisdicional. [37]

Também se discute se o juiz está incluído na acepção de agente usado no texto constitucional supracitado. Ora, o juiz age em nome do Estado com a função de prestar a atividade jurisdicional que foi confiada ao Estado-Juiz, bem como conceitua Luís Antonio de Camargo: "As ‘pessoas’ que servem ao Poder Público no caso, ao Judiciário, para o exercício da função jurisdicional do Estado são sujeitos expressivos de sua ação, designados ‘agentes públicos’". [38]

Adotando a posição de Celso Antônio Bandeira de Melo, divide-se o agente público em categorias, são elas: agentes políticos; servidores públicos e particulares em colaboração com o Poder Judiciário.

Doutrinariamente, há divergências quanto à classificação dos magistrados. Pode-se dizer que há duas correntes: a que admite o juiz como agente político, encabeçada por Hely Lopes Meirelles e; a que classifica os magistrados como servidores públicos, intitulada por Celso Antônio Bandeira de Melo e seguida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro e adotada no trabalho em questão.

Considerando o magistrado como o servidor público, o mesmo se enquadra na concepção de agente público: "Agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta". [39]

De acordo com Edmir Netto de Araújo adere-se ao seu conceito abrangente:

Assim, o magistrado, ao exercer sua função em geral, estará desempenhando atividade pertinente à competência privativa do Estado de aplicar contenciosamente a lei a casos particulares, além das atividades administrativas que exerce. É, portanto, Agente Público. (40)

Neste diapasão, não há como isentar o Estado da responsabilidade decorrente dos atos jurisdicionais, nessa linha se posiciona Cretella Júnior:

Pelos prejuízos que os atos judiciais causem aos administrados responderá o Estado, quer se prove a culpa ou dolo dos magistrados, quer os danos sejam ocasionados pelo serviço de administração da Justiça, que é, antes de tudo, serviço público do Estado. [41]

Conclui-se então que a Constituição de 1988 dispôs sobre a responsabilidade do Estado no que diz respeito a todas as funções que lhe são atribuídas, incluindo-se, com efeito, a responsabilidade por danos decorrentes da atividade jurisdicional.

3.2 Atividades Jurisdicionais Danosas

A princípio vale ressaltar as atividades judiciais que os julgadores brasileiros consideram como passíveis de indenização por parte do Estado.

Nesse sentido preceitua o Ministro Carlos Mário Velloso:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o Estado não é civilmente responsável pelos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei: em tema criminal prevalece o art. 639 do Código de Processo Penal, que prevê responsabilidade civil que surge com a revisão criminal, que reconhece o referido erro. De outro lado, o juiz responderá, pessoalmente, por perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude, ou quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte (Código de Processo Civil, art 133; Lei Complementar 35/79, art. 49). (42)

Neste diapasão tratar-se-á, a priori, dos atos jurisdicionais danosos reconhecidos pela jurisprudência pátria e, a posteriori, dos casos de denegação de justiça, na qual de enquadra a morosidade na prestação jurisdicional.

3.2.1 O erro judiciário

A jurisprudência brasileira, ao considerar como passíveis de indenização por parte do Estado no exercício de suas atividades jurisdicionais somente os casos expressos em lei, quanto ao erro judiciário, englobou apenas as decisões penais definitivas, condenatórias, objeto de revisão criminal.

O direito positivo brasileiro tratou apenas do erro penal conforme se verifica no artigo 5º, LXXV da Constituição Federal e no artigo 630 do Código de Processo Penal. Este fato é explicado pelos doutrinadores na medida que o erro penal atinge a integridade, a honra e a moral da pessoa de forma gravosa e clara sendo manifesta a responsabilidade do Estado.

Geralmente, o erro penal é o que mais gravemente lesiona os direitos individuais, podendo atingir a vida, os bens patrimoniais, a honra e a família do lesado. Talvez por isso, foi, historicamente, o primeiro a ser reconhecido como indenizável. Sua gravidade sensibilizou a sociedade e os juristas, que começaram a reclamar, mais vivamente, sua reparação. [43]

Na prática se tem alguns exemplos da responsabilidade civil do Estado por erro. Na França, o capitão Alfred Dreyfus, foi acusado injustamente pela prática de espionagem contra a pátria. Foi condenado e recebeu mais tarde o instituto penal da graça e, finalmente, a reabilitação, depois de campanha interna e internacional para a revisão do processo. A Fazenda Pública francesa foi responsabilizada pelo erro.

No Brasil, célebre foi o caso dos irmãos Naves, injustamente acusados de assassinarem o primo. Eles foram condenados e cumpriram oito anos de prisão vindo um irmão a falecer e o outro a ficar mentalmente perturbado. Posteriormente, descobriu-se que o primo supostamente assassinado estava vivo e não soubera de nada que se passara com os primos erroneamente condenados.

Incontestável é a responsabilidade do Estado para com este erro penal de gravíssimas conseqüências.

Há uma grande divergência doutrinária quando o erro se dá na área civil. Caracteriza-se o erro civil quando há por parte do julgador uma errônea interpretação da lei, podendo figurar erro in procedendo ou erro in judicando – o erro surgi em virtude do descumprimento ou má aplicação de normas materiais ou processuais, pode também se dar no decorrer do processo ou com a decisão que pôs fim a este.

Ao erro civil, pode-se dizer que, majoritariamente, se adota a teoria da irresponsabilidade estatal. Contudo, há correntes a favor da responsabilidade. Confira-se:

Já no erro civil, os valores atingidos, na maior parte dos casos, são de natureza patrimonial, além do fato de que a função jurisdicional é provocada pelas partes e não pela sociedade. Mas tal circunstância não pode servir de fundamento para a tese da irresponsabilidade do Estado em decorrência de ato jurisdicional, principalmente em determinados casos em que o dano é decorrente de erro grave, dolo ou culpa do magistrado. Tratar-se-ia, se assim fosse, de imunidade não reconhecida em qualquer outro setor da sociedade. E não teria sentido que as pessoas, procurando o Judiciário, porque querem justiça, viessem a ser prejudicadas por decisão errada do magistrado. (44)

Do mesmo modo pondera Dergint:

Porém, tanto no processo civil quanto no penal, o Estado desempenha indistintamente (através do juiz, seu agente) a função jurisdicional. Ademais, o ato jurisdicional danoso pode derivar de culpa ou dolo do magistrado, não havendo como negar indenização à vítima a cargo do Estado, que responde a título principal, de modo a garantir a vítima contra a eventual precariedade econômica do magistrado. Não se pode esquecer que o juiz age em nome do Estado – este tirando proveito da atividade daquele (e, portanto, respondendo pelos danos por ela ocasionalmente gerados). (45)

Em consonância com esta corrente doutrinária, vislumbra-se aqui uma tendência a adotar a responsabilidade tanto para os erros penais como civis, no entanto, com o devido respeito à corrente oposta, haja vista que há pormenores a serem considerados de acordo com cada caso concreto.

3.2.2 Casos do artigo 133 do Código de Processo Civil

A legislação brasileira também tratou de outros casos envolvem a atividade jurisdicional. Contudo, para estes adotou a teoria da responsabilidade subjetiva caracterizando a responsabilidade exclusiva e pessoal do agente público. Estes casos são previstos no artigo 133, incisos I e II do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.

O dolo e a fraude praticada pelos magistrados são puníveis expressamente no inciso I do artigo 133 do CPC – Código de Processo Civil, bem como no inciso I do art. 49 da LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Com dolo, age o juiz intencionalmente de forma contrária àquela que deveria proceder, infringindo diretamente à lei. Pode-se dizer que a fraude, como conduta dolosa, consiste em qualquer ato praticado pelo juiz de má-fé.

Doutrinariamente, discute-se se nos casos de dolo e fraude do juiz, seria possível a ação do prejudicado diretamente contra a pessoa do juiz causador do dano ou contra o Estado. Vilson Rodrigues Alves, adotando a posição de Humberto Theodoro Júnior, defende que cabe ao lesado decidir se proporá ação contra o Estado ou contra a pessoa física do juiz. [46] Numa corrente oposta, posiciona-se Cretella Júnior e Luís Antonio de Camargo, entendendo que:

Assumimos a postura no sentido da responsabilidade ser sempre devida pelo próprio Estado, considerando-se que tendo o juiz agido com dolo ou fraude, contra este haverá que mover-se a ação regressiva própria, e, quando não, caso decorra o dano de falta que não lhe possa ser atribuída diretamente, haverá que suportar o Estado pelo prejuízo havido. [47]

Segue-se aqui a postura de ser o Estado responsável pelos atos dos seus agentes, sejam estes dolosos ou eivados de fraude. O magistrado como agente público, órgão do Estado, representante da relação do Estado com as partes, não pode responder como pessoa física. Cabe ao Estado a responsabilidade por atos dos seus representantes, ficando aberta a via regressiva contra o causador do dano.

..., saliente-se que há sempre responsabilidade do Estado, ainda que o retraso derive exclusivamente de culpa ou dolo do juiz. Como se verá, não se pode, neste caso, excluir a responsabilidade estatal. Isto porque o art.133 do Código de Processo Civil deve ser interpretado em confrontação com o art. 37, §.6º, da Constituição Federal, que estabelece a inafastável obrigação indenizatória do Estado pelos atos danosos de seus agentes, bem como seu direito de regresso (contra estes) nos casos de dolo ou culpa. [48]

O artigo 133, II do CPC, prevê hipóteses de haver a responsabilização do juiz nos casos em que este recusa, omite ou retarda, sem justo motivo, providências que devia ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Neste dispositivo admite-se a responsabilidade dos magistrados pela demora na prestação jurisdicional.

Álvaro Villaça Azevedo, com propriedade distingue os vocábulos "recusar", "omitir" e "retardar", da seguinte forma:

Recusar significa, etimologicamente, negar-se, instransigentemente, à prática de um ato, é a não admissão, a não-aceitação, a rejeição do exercício desse ato (do verbo latino recuso, as, avo atum are; derivado de re e de causa, ae).

Omitir quer dizer postergar, olvidar, preterir, esquecer, negligenciar, deixar de praticar um ato (do verbo latino omitto, is, omissum, ere, composto de ob e mittere).

Retardar é demorar, atrasar, adiar a realização de um ato (do verbo latino retardo, as, avi, atum are; de re e de tardare; do adjetivo tardus, a um). [49]

A primeira das três modalidades, a recusa, se dá quando há negação expressa de providência judicial. A omissão significa a inércia de providência legal. Por fim, o retardamento, traduz a providência judicial tomada de forma tardia.

Estes casos devem ser interpretados no âmbito do Estado-juiz e dos seus representantes, no caso, o juiz. O jurisdicionado lesado pela recusa, omissão ou retardo nos atos que deveriam ter sido prestados pelo magistrado, tem o direito de exercer ação contra o Estado, cabendo a este posteriormente o direito de regresso contra o juiz infrator. Esta posição, todavia, não é assumida pela jurisprudência dominante.

A responsabilidade dos juízes por ato ou omissão viciada de culpa foi tratada no direito italiano, com propriedade, na obra Juízes Irresponsáveis de Mauro Cappelletti. [50]

O estado português e o francês também admitem a responsabilização nos casos de recusa, omissão e retardo do magistrado em cumprir os seus deveres inerentes à sua função.

3.2.3 Denegação de justiça

O legislador brasileiro não tratou da denegação de justiça no âmbito da responsabilidade estatal, omitindo-se assim quanto a escusa do juiz ao alegar lacuna na lei; e quanto a morosidade na prestação jurisdicional.

Toda omissão do juiz em bem desempenhar seu papel de direção do processo e, principalmente, em julgar (dever de que não pode se esquivar), e tudo dentro do lapso temporal legalmente estabelecido ou de efetiva necessidade das partes, implica em não-prestação da tutela jurisdicional, isto é, em denegação de justiça. [51]

Quanto à escusa de lacuna na lei, é notório que esta alegativa não possui qualquer fundamento jurídico, visto que a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 4º, bem como o Código de Processo Civil no seu artigo 126, dispõe sobre a impossibilidade do juiz deixar de decidir alegando lacuna na lei, discriminando soluções para quando a lei foi omissa.

...Após o ajuizamento da ação não pode o magistrado se negar ao julgamento do pleito subjetivo sob alegação de lacuna na lei, deve recorrer, quando possível, à analogia, aos bons costumes e aos princípios gerais do direito. [52]

Neste passo, havendo denegação de justiça alegando-se lacuna na lei caberá a responsabilidade do Estado.

Finalmente, tratar-se-á da morosidade na prestação jurisdicional como denegação de justiça. Em função de este ser o tema objeto deste trabalho e se fazer mister tratar de suas peculiaridades, esta matéria será abordada no capítulo seguinte.

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Sobre a autora
Danielle Alheiros Diniz

Servidora Pública Estadual, Especialista em Direito Privado (civil e empresarial) pela Esmape em convênio com a Faculdade Maurício de Nassau

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Danielle Alheiros. Responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 563, 21 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6205. Acesso em: 22 nov. 2024.

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