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Responsabilidade civil do advogado:

aspectos jurídicos da sua má atuação

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24/01/2005 às 00:00
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RESUMO

O advogado exerce função essencial à justiça, daí a sua grande responsabilidade no desempenho do seu mister. Detém, ainda, imunidade judiciária, desde que as suas argumentações jurídicas guardem pertinência temática com a demanda. A sua indispensabilidade para a administração da justiça não revogou, necessariamente, todas as hipóteses de dispensa da postulação direta pela parte. Os seus serviços advocatícios são também disciplinados pelo CDC, tendo este diploma consagrado a responsabilidade subjetiva do causídico. Em regra, o advogado assume uma obrigação de meio, impondo, entretanto, a utilização de todos os aparatos jurídicos viáveis para a proteção dos direitos do seu contribuinte. A má atuação do advogado deverá ser valorada concretamente, avaliando-se, então, se naquela situação jurídica era exigível uma atuação diversa, pertinente aos padrões legais ou jurisprudenciais aplicáveis. O ensino jurídico e o exame de ordem são fatores importantes para atestarem a qualidade profissional, devendo ser utilizados corretamente, a fim de que a sociedade possa estar bem representada juridicamente.

Palavras Chaves: indispensabilidade do advogado, imunidade judiciária relativa,

pertinência temática, responsabilidade subjetiva, subsunção à legislação consumerista, atuação profissional irregular, habilidade técnico-jurídico e contribuição para a qualidade profissional.


INTRODUÇÃO

O cidadão que procura o Judiciário anseia por uma prestação jurisdicional rápida, adequada e efetiva. Para isso, conta-se com o seu braço forte – o advogado -, o qual, através dos conhecimentos percebidos durante a sua formação profissional, tem o difícil mister de proteger os interesses desse cidadão que lhe constituiu como patrono.

Todavia, nem sempre o cidadão que bateu às portas do Judiciário foi atendido efetivamente em seu pleito, daí a razão de perquirirmos qual foi o motivo do Judiciário não ter amparado os interesses daquele que, numa primeira vista, estar-se-ia protegido por uma disposição legal ou jurisprudencial?

Será que o juiz equivocou-se?

Será que não havia motivos que arrimassem a pretensão desse cidadão?

Ou será que o advogado não laborou com zelo na consecução da demanda?

Propomos, nesse trabalho monográfico, analisar a derradeira indagação, já que a má atuação do causídico se constitui um dos maiores óbices para a realização e efetivação da Justiça, malgrado as deficiências do Poder Judiciário, além da má-fé de alguns clientes inescrupulosos.

Ademais, não é por acaso a crescente onda de ações de responsabilidade civil em face do advogado, basta observarmos o atual estágio do ensino jurídico brasileiro, somando-se aos baixos índices de aprovação no Exame de Ordem.

Vejamos, então, os contornos jurídicos da advocacia moderna, bem como os gravames a que estão submetidos os advogados, frente aos atuais preceitos da responsabilidade civil brasileira.


1 O STATUS DO ADVOGADO FRENTE À NOVA ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL

O Legislador Constituinte de 1988, sensível à construção de um Estado Democrático de Direito, erigiu a seguinte disposição constitucional:

"Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações, no exercício da profissão, nos limites da lei".

Observe-se que esse dispositivo constitucional elevou a atividade do advogado a uma função pública, tornando-a essencial para efetivação da Justiça. Ademais, para exercer tal mister consagrou-se, ainda, a imunidade judiciária do causídico, a fim de oferecer-lhe independência e liberdade nas suas argumentações jurídicas.

1.1 Função Essencial à Justiça

A valoração da atuação do advogado deve ser encarada, prefacialmente, por sua localização normativa. Assim, pela própria organização do texto constitucional verifica-se que entre as funções essenciais à justiça está o Ministério Público (art. 127/130), a Advocacia Pública (art. 131/132) e, finalmente, a Advocacia Privada (art. 133), funcionando esta como único elemento extra-estatal indispensável à conservação e garantia do estado democrático de direito [1].

Realçando essa relevância da advocacia, na visão da nova ordem constitucional, eis os esclarecimentos do Professor Gladston Mamede:

"Vê-se, por esse ângulo, que a importância da atuação do advogado para a manutenção de um Estado Democrático de Direito, fundado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como no pluralismo político, foi formalmente reconhecida pelo Direito brasileiro. Vale dizer, foi afirmado, normativamente, o seu papel indispensável para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que objetiva desenvolver-se, erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (2).

De fato, só se tem a verdadeira manutenção dos fundamentos e objetivos de nossa República através do grande mister desempenhado pelos advogados. Eles são formalmente habilitados – jus postulandi - para a defesa dos direitos de outrem, tornando-se, assim, efetivos "plantonistas" diante de uma injustiça.

Ademais, tamanha é a valoração atribuída pelo Legislador Constituinte aos advogados, vez que estes são imprescindíveis na composição das nossas Cortes Judiciais, sendo escolhidos através do quinto constitucional (art. 94 da CF), além de serem participantes efetivos nos concursos públicos para o cargo de juiz substituto (art. 93 da CF) e também do Ministério Público.

Acerca dessa importância, destacou um notável advogado:

"Não se pode contar nem entender a história de um país sem destacar o papel desempenhado pelos advogados. Se não eles que, necessariamente, criam todas as técnicas de controle social, cabe-lhes sempre fazer com que tais técnicas funcionem no interesse social. Assim, as idéias gerais lançadas pelos filósofos ou pelos políticos só se transformam em realidades concretas em virtude do trabalho do advogado em prol dos interesses individuais ou coletivos" (3).

Verifica-se que todas as prerrogativas conferidas pela Constituição Federal de 1988, foram também disciplinadas pela Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia -, a qual estatuiu in verbis:

"Art. 2º: O advogado é indispensável à administração da Justiça.

§ 1º: No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º: No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º: No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações nos limites desta Lei".

Frise-se, por fim, que a indispensabilidade do advogado não é uma regra absoluta, já que a lei excepcionou algumas situações em que a própria parte interessada poderá, por si só, demandar em seu nome, as quais, oportunamente, serão examinadas no capítulo 2 desse trabalho.

1.2 Imunidade Judiciária Relativa

A inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, está consagrado na 2ª parte do art. 133 da CF e reproduzido, com alargamento, no art. 7º, § 2º do Estatuto da OAB.

A imunidade judiciária não é um privilégio corporativista; é uma bandeira erguida para defesa da soberania da função, sem o que o profissional não se encoraja na luta pela preservação da liberdade e dos demais direitos alheios. [4] De fato, é preciso garantir e proteger a independência e liberdade das argumentações do advogado, sob pena deste se curvar diante os interesses da parte adversa e, por conseqüência, abalar definitivamente à defesa do seu constituinte.

Entretanto, essa imunidade deve guardar pertinência temática com os limites legais e razoáveis da demanda, não se permitindo o ataque ilícito e imoral a qualquer das partes envolvidas no processo.

Nesse sentido, analisando a imunidade judiciária do advogado, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que:

"Os advogados prestam importante serviço e contribuição para o bom exercício da Justiça, sendo natural que, no exercício regular da atividade, o façam, até, com ardor e veemência. Nunca, porém, deixando de lado o essencial, que é a defesa da causa, para uma luta contra o colega adverso, ou contra o representante do Ministério Público, ou ofendendo a honra, desabusada e desnecessariamente, fora dos limites da causa ou da defesa de direitos e prerrogativas de que desfrutam" [5].

Ademais, restringindo-se a aplicação do art. 7º, § 2º do Estatuto da OAB, o Supremo Tribunal Federal na ADIN nº 1.127-8, suspendeu, liminarmente, a eficácia da expressão "desacato", a qual alargava a abrangência da imunidade material dos advogados. Portanto, até decisão final do STF vigorará com efeito erga omnes a ineficácia dessa expressão, podendo, então, o advogado ser processado criminalmente, caso venha a menosprezar, humilhar, funcionário público no exercício da função ou em razão dela.

Ressalte-se, ainda, que a utilização de linguagem excessiva e desnecessária irrogadas pelos advogados, ofendendo a honra das partes não estará acobertado pela imunidade, caso estas não estejam vinculadas com a discussão da causa. [6]

Finalmente, tem-se que, ao lado das grandes prerrogativas conferidas ao advogado pelo nosso ordenamento pátrio, surge, na mesma medida, a sua responsabilidade jurídica perante o seu constituinte, que anseia pela efetiva tutela de seus direitos. Para tanto, o advogado, no exercício do seu ministério, tem o dever de agir com a máxima diligência na defesa e resguardo dos interesses do seu cliente, sob pena de responder civilmente pelos danos que lhe causar.


2 ATIVIDADE ADVOCATÍCIA EM JUÍZO

A postulação aos órgãos jurisdicionais é atividade privativa do advogado (art. 1º, I, do Estatuto da OAB), já que este detém, em tese, apuro técnico-jurídico para representar, em juízo, os interesses das partes.

Para exercer o jus postulandi exige-se que o advogado tenha concluído o curso de bacharelado em Direito em faculdade autorizada pelo MEC, além de aprovação no Exame da Ordem e, finalmente, - preenchidos todos os requisitos do art. 8º do Estatuto da OAB- esteja inscrito junto à OAB, tornando-se, então, habilitado para o desempenho do seu grandioso mister.

Impende sublinhar a exigência do advogado não estar impedido, suspenso, licenciado ou em atividade incompatível com a advocacia, eis que, havendo atuação profissional nessas situações, os seus atos serão considerados nulos (art. 4º do Estatuto da OAB).

2.1 Implicações Trazidas pelo Art. 133 da CF versus Hipóteses Legais de Dispensa da Presença do Advogado

A indispensabilidade do advogado na administração da justiça, inscrita no art. 133 da CF, ter-se-ia consagrado um monopólio da postulação judicial pelos advogados? Por conseqüência, estariam revogadas as disposições legais que permitiam a postulação judicial pela própria parte interessada?

Para elucidarmos tais indagações é preciso, inicialmente, traçarmos qual foi o objetivo do legislador constituinte ao erigir o princípio da imprescindibilidade do advogado. E, para tanto, é imperioso o alerta do saudoso jurista Orlando Teixeira da Costa:

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"O que a Constituição quis afirmar ou reafirmar, repetindo a legislação ordinária, como procedeu em relação a muitos outros direitos, é que o advogado não mais deva ser, como não vem sendo, pelo menos desde 1963, uma excrescência desdenhada, simples facção litigante ou elemento perturbador do juízo. Não, ele foi elevado à dignidade de servidor da Justiça, o que não significa que este papel lhe foi reservado em caráter de exclusividade" (7).

E mais, na esteira dos comentários do Professor Nelson Nery Júnior e sua esposa Rosa Maria Andrade Nery:

"A indispensabilidade da intervenção do Advogado traduz princípio de índole constitucional, cujo valor político-jurídico, no entanto, não é absoluto em si mesmo. Esse postulado – inscrito no art. 133 – acha-se condicionado, em seu alcance e conteúdo, pelos limites impostos pela lei, consoante estabelecido pelo próprio ordenamento constitucional. A constitucionalização desse princípio não modificou sua noção, não ampliou o seu alcance e nem tornou compulsória a intervenção do Advogado em todos os processos. Legítima pois a outorga por lei, em hipóteses excepcionais, do jus postulandi a qualquer pessoa (...)" (8).

Portanto, é forçoso perceber que a intenção do legislador foi destacar e valorar a advocacia como função essencial à justiça, já que os meandros do processo judicial exigem-se habilidades e técnicas que seriam dificilmente manejadas pelo leigo. Aliás, não raro são as situações em que o próprio advogado tem dúvida qual seria a medida cabível naquele instante processual, bem como quais seriam os argumentos jurídicos para contestar ou arrimar o seu pleito.

Todavia, não obstante a necessidade e o conforto de estar assistido por um advogado qualificado, o legislador, expressamente, ressalvou algumas situações em que o próprio particular poderá pleitear judicialmente os seus interesses. E como se verá adiante, algumas exceções se justificam em razão da supremacia e urgência do bem jurídico tutelado ou no intuito de incentivar o cidadão a reivindicar os seus direitos etc.

Assim sendo, faz-se necessário analisarmos as situações em que é dispensável a participação do advogado e, para tanto, traçarmos comentários sobre a viabilidade jurídica e social de tais previsões.

2.1.1 Habeas Corpus

O legislador ordinário, ancorado no princípio constitucional da garantia de liberdade, consagrou no art. 654 do Código de Processo Penal uma ampla legitimidade para impetração do habeas corpus, podendo ser ajuizado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem.

Nesse sentido, tem-se que a legitimação para o ajuizamento do habeas corpus é um atributo da personalidade, não se exigindo a capacidade de estar em juízo, nem a capacidade postulatória, sendo uma verdadeira ação penal popular. [9]

Mas, será que esta previsão de legitimação foi recepcionada pela nossa Constituição frente à disposição do art. 133 da CF?

Concordamos com o Professor Gladston Mamede ao justificar a dispensa do advogado para impetração do writ, ao afirmar que:

"Como de conhecimento geral, o habeas corpus é medida emergencial, pedido feito ao judiciário – a prescindir de maiores cautelas e requisitos – visando a proteger a garantia constitucional da liberdade. Tamanha a importância do bem protegido que se faz amplamente necessário facilitar, ao máximo, o seu conhecimento e a sua apreciação pelo Judiciário. Nessa dinâmica, seria injustificado limitar a postulação ao inscritos na Ordem, o que não apenas descaracteriza a carga história do instituto, como acabaria por erigir uma dificuldade a mais, o que, em situações extremas, pode ser fatal." (10)

De igual sorte, porém, analisando sob outro prisma, vale ressaltar a posição do constitucionalista Alexandre de Morais, ao asseverar que:

"A impetração de habeas corpus, pela própria parte, a seu favor ou de terceiro, conforme possibilita o art. 654 do Código de Processo Penal, não fere o disposto no art. 133 da Carta Magna, posto que esse dispositivo não obriga o patrocínio judicial por advogado, pois, sua interposição há que ser feita à luz do princípio do direito de defesa assegurada constitucionalmente (art. 5º, LX) que inclui, sem sombra de dúvida, o direito à autodefesa". (11)

Com efeito, tem-se que a legitimação para propositura do writ não deve ser acobertada somente para aqueles que estejam inscritos como advogados, vez que a garantia de liberdade ou o direito de autodefesa, ambos elencados constitucionalmente, não podem ter o seu exercício restringido por uma exigência técnica.

Por oportuno, considerando a possibilidade de dispensa do advogado para impetração de habeas corpus, somos pelo entendimento que, quando possível, deve o paciente optar pela impetração assistida por um profissional habilitado. Pois, não obstante a possibilidade de ver o seu pleito conhecido pelo Judiciário – quando interposto pessoalmente –, tem-se, estatisticamente, que a chance de ver o seu pleito deferido pelo julgador será quase impossível, salvo se houver alguma ilegalidade ou abuso de poder de fácil constatação.

2.1.2 Revisão criminal

Trata-se de ação sui generis, a qual poderá ser interposta pelo "próprio réu", consoante art. 623 do Código de Processo Penal, dispensando-se, assim, a interposição por um advogado.

Acerca dessa exceção à postulação pelo advogado e quanto a sua possível recepção ou não pelo Constituição Federal, eis os esclarecimentos do sempre atuante Fernando Capez:

"A indispensabilidade da intervenção do advogado não é absoluta, condicionando-se aos limites impostos pela lei, conforme disposição expressa da própria Constituição. Tal princípio sempre existiu na legislação ordinária e sua recente constitucionalização (CF, art. 133) não teve o condão de alterar seu conceito, nem de ampliar seu alcance. Portanto, a legislação inferior pode, validamente, excepcionar a regra, como o fez na hipótese do art. 623 do CPP". (12)

Assim, os mesmos comentários que justificam a legitimidade para impetração do habeas corpus também estão presentes nessa modalidade de ação penal, haja vista o respeito à garantia constitucional da liberdade e da ampla defesa.

2.1.3 Juizado especial cível

A instituição dos Juizados Especiais foi centrada nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, facultando-se a dispensa da presença do advogado nas causas de valor até vinte salários mínimos (art. 9º, Lei 9.099/95).

Contudo, o Estatuto da OAB já previa como atividade privativa do advogado a postulação perante os Juizados Especiais (art. 1º, I, da Lei 8.906/94).

Então, a dispensa estabelecida pela Lei 9.099/95 estar-se-ia em confronto com o art. 133 da CF, bem como o art. 1º, inciso I do Estatuto da OAB?

Acerca dessa indagação, foi proposta a Adin 1.127-8, junto ao Supremo Tribunal Federal, questionando-se a constitucionalidade da restrição estabelecida pelo Estatuto da OAB, tendo, então, a Suprema Corte rejeitado liminarmente os efeitos desse diploma legal, especificamente o seu art. 1º, inciso I, tornando-se inócua – até decisão final – a postulação privativa do advogado junto aos Juizados Especiais.

Realmente, a exceção proposta pela Lei 9.099/95 se justifica, já que nas causas de pequeno valor e reduzida complexidade jurídica a presença obrigatória do advogado poderá onerar sobremaneira a demanda, inviabilizando-se e afrontando-se o princípio constitucional do acesso ao Judiciário.

Nesse diapasão, valiosos são os comentários de Andrighi e Beneti ao afirmarem que a Lei dos Juizados Especiais:

"(...) não afasta a participação do advogado na administração da Justiça, apenas permite que nas causas de pequeno valor fique facultada à parte a possibilidade de se dirigir à Justiça pessoalmente. Não há nenhum impedimento de que a parte se dirija a esta Justiça Especial acompanhada por seu advogado. A intenção da nova Lei é incentivar o cidadão a reivindicar seus direitos, exercitar a cidadania e, para tanto, necessário se faz desburocratizar o acesso ao Judiciário, sob pena de não se atingir a consciência coletiva". (13)

Nota-se que transcorrido aproximadamente uma década da promulgação da Lei 9.099/95 muito se inovou no nosso ordenamento jurídico, tendo desaparecido aquela visão formalista ou legalista dos atos processuais para consagrar-se, então, a instrumentalidade dos atos, v.g., a inexistência de nulidade sem prejuízo (art. 13, § 1º dessa Lei).

E mais, os institutos dos Juizados Especiais desmistificaram a distância existente entre a sociedade e o Judiciário, inovando e democratizando o acesso à Justiça. Prova disso, foi a instituição também dos Juizados Especiais a nível Federal (Lei. 10.259/2001), demonstrando que a Lei. 9.099/95 deve ser preservada e copiada, não podendo ser banido a possibilidade de postulação direta pela parte.

Finalmente, frise-se que a dispensa da presença do advogado deve ser analisada cuidadosamente pelo juiz, vez que nas causas de maior complexidade ou quando a parte adversa estiver assistida por seu causídico, impor-se-á a nomeação de advogado a outra parte, sob pena de prejudicar aos interesses do menos favorecido ou aquele que foi pego inopinadamente.

2.1.4 Justiça trabalhista

A possibilidade de postulação direta pelo empregador ou empregado foi elencada de maneira ampla e irrestrita pelo legislador ordinário, possibilitando, inclusive, a impetração de recursos perante os órgãos superiores da Justiça do Trabalho, com exceção de recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal ou recurso especial junto ao Superior Tribunal de Justiça - em caso de conflito de competência.

Justificando a previsão do artigo 791 da CLT [14], eis as lições do professor Isis de Almeida:

"(...) o exercício do jus postulandi pela própria parte, na Justiça Especializada, constitui um verdadeiro corolário da tutela jurídica que recebe o trabalhador no ordenamento legal próprio, que surgiu, em todos os países do mundo, como uma compensação à sua hiposuficiência, face à superioridade econômica do empregador". (15)

Mas afinal, estar-se-ia esse dispositivo em consonância com a atual hermenêutica Constitucional? A nova realidade judiciária não impõe mudanças?

A questão é polêmica!

Posiciona-se uma primeira corrente pela total vigência do art. 791 da CLT, tendo, inclusive, os Ministros do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello e Sepúlveda Pertence através de decisão ao apreciar o Processo de Habeas Corpus nº 67.390-2 consignando a vigência do artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, face o Estatuto da Advocacia e a Constituição Federal de 1988.

Corroborando o posicionamento expendido pelo STF, eis os argumentos trazidos por Antonio Alvares da Silva:

"(...) o acesso pessoal aos órgãos judiciários trabalhistas é uma constante do direito comparado e faz parte da cultura jurídica contemporânea. Afastar do trabalhador esta garantia é diminuir-lhe a capacidade de reivindicação e, em muitos casos, impedir-lhe o acesso ao Judiciário, com expressa violação do artigo 5º, item XXXV da Constituição Federal". (16)

E mais, a posição adotada pelos Pretórios Trabalhistas, notadamente pelo Tribunal Superior do Trabalho é de que a "Constituição Federal não exclui o jus postulandi na Justiça do Trabalho". [17]

Contudo, uma segunda corrente entende pela revogação do art. 791 da CLT em razão da nova ordem constitucional. Nesse sentido, posiciona-se o experiente Cristóvão Piragibe:

"(...) no processo trabalhista as partes e outras pessoas que interferem nas lides dispunham de jus postulandi, isto é, podiam praticar por si próprias, pessoalmente, os atos processuais. Atualmente, contudo, as partes devem ser assistidas por advogados no processo trabalhista, desde que a Constituição dispõe em seu artigo 133 que este é indispensável à administração da Justiça". (18)

Mais enfático é a posição adotada pelo Professor João de Lima Teixeira Filho ao afirmar que:

"(...) seja qual for o ângulo que se aprecie a matéria, o jus postulandi não sobrevive ao novo Estatuto da Advocacia. Revogados pois, e agora inquestionavelmente, os artigos 791 e 839 da Consolidação Leis do Trabalho, em sua inteireza e parcialmente o artigo 4º da Lei n.º 5.584/70. Admitir a prática de qualquer procedimento na Justiça do Trabalho sem patrocínio de advogado, eqüivale a retardar a entrega da prestação jurisdicional, na medida em que se dá seqüência a um processo acoimado de nulidade absoluta pelo artigo 4º da Lei 8.906/94".

[19]

Continua o ilustre autor:

"Asseverando o fato de que cabe às esferas do Governo dar efetividade à Defensoria Pública (Lei Complementar n.º 80 de 12/01/94) dotando-a de profissionais que viabilizem sua missão constitucional, é outro sinal eloqüente que a Carta Magna emite sobre a obrigatoriedade do advogado, bem como obrigação do sindicato manter serviço jurídico para assistir à categoria, em juízo ou fora dele, é supletiva a do Estado e residual, pelo menos enquanto sobreviver a nefasta contribuição sindical compulsória. É que a Consolidação das Leis do Trabalho determina a aplicação de parte destes vultosos recursos em assistência jurídica (art. 592, II, a ).

[20]

Fundamento interessante, também adepto da segunda corrente, é o trazido por Eduardo Gabriel Saad ao questionar o papel do juiz na Justiça do Trabalho, estas são as suas palavras:

"É o processo do trabalho regido por princípios e normas que o leigo, de ordinário, não tem condições de interpretar e aplicar, com oportunidade, na defesa de seus interesses. Em falta de assistência judiciária, não se deve esperar que o juiz venha a cuidar da defesa do mais fraco, pois sua função é a de distribuir justiça. Com o impulso processual, o juiz busca a verdade. Não lhe cabe, sob pena de desvirtuar seu papel na organização judiciária, promover a defesa do trabalhador".

[21]

Enfim, expendidas as posições alhures qual seria a posição a ser contemplada juridicamente ou socialmente?

Entendemos que as duas, por si sós, não satisfazem por completo. Senão vejamos.

Primeiramente, torna-se inconcebível o entendimento pela revogação do art. 791 da CLT, pois se admitirmos esse fenômeno estar-se-iam revogadas todas as outras exceções expostas, já que o art. 133 da CF aplica-se a todo o ordenamento jurídico, não sendo possível restringir-se unicamente à hipótese da CLT.

[22]

Todavia, a experiência prática indica que a postulação direta pelo empregado gera efeitos irremediáveis, haja vista o desequilíbrio jurídico entre a parte desacompanhada de advogado em relação à assistida por um causídico.

Ora, não é razoável exigir-se do empregado que este tome sozinho todas as medidas judiciais capazes de arrimar o seu pleito, vez que não detém habilidades próprias daqueles que militam constantemente na seara jurídica. Assim, pode-se afirmar, acertadamente, que a parte assistida por advogado tem maiores chances de ver a sua demanda deferida.

Então, como compatibilizar o jus postulandi da Justiça do Trabalho com a imprescindibilidade da presença do advogado?

O professor Gladston Mamede nos traz uma posição neutralizadora, entendendo que a lei deveria estabelecer critérios para postular diretamente, são estas as suas palavras:

"Parece-me que a quebra da prerrogativa advocatícia de exclusividade na postulação em juízo justifica-se apenas naqueles casos em que a natureza da lide, bem como os valores em discussão, por sua singeleza, tornam inviável o exercício do direito constitucional de acesso ao Judiciário face ao custo da contratação de um advogado. Melhor seria, portanto, limitar a presença no juízo trabalhista, sem a assistência de advogado, a hipóteses bem definidas, tanto no que se refere à natureza do feito, limitando-se às reclamações propriamente ditas, quanto no que se refere ao valor da causa, para o quê o parâmetro erigido pela Lei 9.099/95, ou seja, teto de 20 salários mínimos, seria razoável".

[23]

Entretanto, até que sobrevenha lei limitando a hipótese do jus postulandi na Justiça do Trabalho, ou enquanto não instalada uma Defensoria Pública especializada, a fim de dar assistência aos mais necessitados, deveria o juiz, caso a caso, nomear um advogado dativo, no intuito de evitar prejuízo aos interesses das partes, mantendo-se, então, o equilíbrio processual.

Nesse sentido, para finalizar a polêmica levantada, fazemos nossas as palavras do professor Sérgio Pinto Martins, ao erigir uma brilhante solução imposta ao Estado:

"Este deveria fornecer gratuitamente advogados para quem deles necessitasse na Justiça do Trabalho, mediante o que é feito no Juízo Criminal, em que é indicado um advogado dativo, que acompanha o processo e é remunerado pelo Estado. Tal atribuição é considerada um munus público e deveria ser prestado por advogados recém-formados, para que aos poucos adquirissem a prática e, enquanto isso, poderiam ajudar aos necessitados" [24].

2.1.5 Demais hipóteses

Além das hipóteses supramencionadas, o legislador ordinário consagrou outras em que também é dispensável a postulação por advogado, vejam a seguir:

1.possibilidade concedida ao credor nas Ações de Alimentos (art. 2º da Lei 5.478/68);

2. nas retificações no Registro Civil (art. 109 da Lei 6.015/77);

3.na declaração judicial da nacionalidade brasileira (art. 6º da Lei 818/49);

4.por fim, há, ainda, a possibilidade da parte postular em causa própria – quando não há advogado habilitado na comarca, ou, havendo, o causídico venha a recusar o patrocínio ou estiver impedido –, consoante previsão do art. 36 do Código de Processo Civil. Porém, tal hipótese, hoje, é de difícil aplicabilidade, haja vista ser raro encontrar comarca em que não tenha advogado legalmente habilitado para os atos profissionais.

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Sobre o autor
Paulo Osório Gomes Rocha

Defensor Público do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Paulo Osório Gomes. Responsabilidade civil do advogado:: aspectos jurídicos da sua má atuação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 566, 24 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6208. Acesso em: 19 mar. 2024.

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