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Responsabilidade civil do advogado:

aspectos jurídicos da sua má atuação

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24/01/2005 às 00:00
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3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Indubitavelmente, o advogado, na ótica consumerista, é um fornecedor de serviços [25] e o seu cliente um consumidor desses serviços, subsumindo-se, assim, às disposições dos arts. 2º e 3º do CDC, in verbis:

"Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo".

"Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Nesse sentido, corroborando a subsunção da atividade advocatícia às normas do CDC, é imperioso o magistério do Professor Cavalieri:

"Conforme já ressaltado, os profissionais liberais, como prestadores de serviços que são, não estão fora da disciplina do Código do Consumidor. A única exceção que se lhes abriu foi quanto à responsabilidade objetiva. E se foi preciso estabelecer essa exceção é porque estão subordinados aos demais princípios do Código do Consumidor – informação, transparência, boa-fé, inversão do ônus da prova etc." (26)

Com efeito, o contrato de prestação de serviços:

"(...) caracteriza-se, pois, pela obrigação assumida por uma pessoa (profissional, ou não, física ou jurídica) de prestar serviços a outrem, por um certo tempo, mediante remuneração e sem vínculo de subordinação hierárquica ou de dependência técnica (pois, ao contrário a existência desses últimos fatores configura relação de emprego, e o contrato correspondente é o de trabalho)". (27)

Vê-se, então, que a prestação de serviços advocatícios é uma obrigação personalíssima, intuitu personae, ao passo que a do cliente é uma obrigação de dar, formada através de acordo de vontade entre as partes contraentes.

Por outro lado, o CDC consagrou, como regra, a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, ou seja, independentemente da existência de culpa, conforme expressa disposição do art. 12 e art. 14. Todavia, tratando-se de profissional liberal a sua responsabilidade será verificada através da existência de culpa, criando-se, assim, uma exceção ao sistema adotado pelo código, a fim de consagrar a responsabilidade subjetiva quanto aos profissionais liberais, conforme redação do art. 14, § 4º [28].

Frise-se, por fim, que há autores que entendem que a responsabilidade subjetiva não se estende aos serviços profissionais prestados por pessoas jurídicas, como é o caso da sociedade de advogados, hipótese em que a responsabilidade seria objetiva, aplicando-se, assim, as disposições do art. 14 "caput" [29], ressalvado a possibilidade da sociedade de advogados exercer o direito de regresso em face do profissional culpado.

3.1 Inversão do Ônus da Prova

O Código de Defesa do Consumidor foi elaborado na tentativa de dissipar as desigualdades entre o consumidor e o fornecedor de serviços e, para tanto, trouxe à lume a possibilidade da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde que verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, conforme dicção do art. 6º, inciso VIII do diploma analisado.

Contudo, há posições que sustentam que a inversão do ônus da prova não aplicar-se-ia aos profissionais liberais, haja vista a excepcionalidade da responsabilidade subjetiva destes.

Porém, a doutrina majoritária entende que o Código de Defesa do Consumidor, independentemente da responsabilização acontecer sob a égide da teoria objetiva ou subjetiva, já traz como princípio genérico a possibilidade de inversão do ônus da prova em prol do consumidor, desde que constatadas as condições prescritas no art. 6º, VIII [30].

Para arrematar a possibilidade da inversão do ônus probante, trazemos à baila os ensinamentos dos autores do Anteprojeto do CDC:

"Se o dispositivo comentado afastou, na espécie sujeita, a responsabilidade objetiva, não chegou a abolir a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova. Incumbe ao profissional provar, em juízo, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de sua atividade" (31)

Ressalte-se, ainda, os ensinamentos do Professor e experiente magistrado Ênio Santarelli Zuliani ao afirmar que:

"Considero esse assunto, nessa área, irrelevante, dada a especialidade natural do juiz que será o encarregado de decidir o litígio (art. 5º, XXXV da CF). A inversão do ônus da prova é assunto de direito processual; o juiz, sentindo a vulnerabilidade da parte e intuindo que essa sua inferioridade terminará prejudicando suas expectativas processuais (como a de conseguir a prova do fato constitutivo de seu direito, tal como disciplinado no art. 333, do CPC), altera as regras do embate probatório, transferindo para o réu a iniciativa, os encargos e a obrigação de demonstrar um fato jurídico do seu interesse e da própria causa". (32)

Com efeito, tem-se que a inversão do ônus da prova pelo juiz dependerá de decisão fundamentada, proferida antes de iniciada a instrução, a fim de não prejudicar o direito de defesa do fornecedor.

Destarte, deixar para a sentença a possibilidade do juiz, sem qualquer notícia anterior, inverter o ônus da prova é atribuir ao magistrado o poder de julgar como quiser, pois basta a ele inverter o ônus da prova no momento de julgar (se não produzidas provas nos autos acerca de determinado ponto, surpreendendo o fornecedor de serviços/réu, que deixou de fazer a prova por considerar que, pela regras tradicionais, o ônus era do cliente/autor) para dar a vitória da causa ao consumidor. [33]

Finalmente, tem-se que a regra de inversão do ônus da prova deve ser analisada, com cuidado, respeitando-se o direito a ampla defesa, daí a necessidade de motivação da decisão que declarar a inversão, já que "a finalidade da norma que prevê a inversão é a de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, e não a de assegurar-lhe a vitória, ao preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao fornecedor se deve proporcionar" [34].

3.2 Cláusulas Abusivas

Como é sabido, as relações contratuais são regidas, em regra, pelo princípio da autonomia da vontade – atualmente vem sendo substituído pelo princípio da "autonomia privada" -, eis que, no dizer do saudoso professor Silvio Rodrigues:

"(...) essa liberdade concedida ao indivíduo, de contratar o que entender, encontrou sempre limitação na idéia de ordem pública, pois, cada vez que o interesse individual colide com o da sociedade, é o desta última que de prevalecer" (35).

Mas, o que seria ordem pública na visão consumerista?

Considerando ordem pública os princípios e regras que regem interesses indisponíveis, ligados aos valores mais relevantes da sociedade, não seria possível deixá-los a cargo da livre estipulação dos indivíduos, daí o monopólio do Estado, a fim de proteger esses valores supremos.

Nesse sentido, vê-se que o nosso legislador Constituinte de 1988 ao estabelecer como direito e garantia fundamental: a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII da CF), além de erigir como princípio geral da ordem econômica: a defesa do consumidor (art. 170, V da CF) pretendeu, assim, determinar a defesa do consumidor como uma questão de ordem pública, haja vista a imensurável vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor ou prestador de serviços.

Corroborando o acima exposto, estes são os dizeres do Professor Sergio Cavalieri Filho:

"Foi justamente em razão dessa vulnerabilidade que o Código consagrou uma nova concepção do contrato – um conceito social, no qual a autonomia da vontade não é mais o seu único e essencial elemento, mas também e principalmente, os efeitos sociais que esse contrato vai produzir e a situação econômica e jurídica das partes que o integram. Ainda em razão dessa vulnerabilidade, o Estado passou a intervir no mercado de consumo ora controlando preços e vedando cláusulas abusivas, ora impondo o conteúdo de outras e, em certos casos, até obrigando a contratar, como no caso dos serviços públicos. Ao juiz foram outorgados poderes especiais, não usuais no Direito tradicional, que lhe permitem, por exemplo, inverter o ônus da prova em favor do consumidor, desconsiderar a pessoa jurídica, nulificar de ofício as cláusulas abusivas, presumir a responsabilidade do fornecedor até prova em contrário, e assim por diante." (36)

Portanto, com o escopo de restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo, fez-se necessário à intervenção estatal, a fim de coibir as convenções em que resulte prejuízo para o consumidor. E, para tanto, o CDC, em seu art. 51, dispôs, exemplificadamente, algumas hipóteses de cláusulas abusivas.

Assim, qualquer cláusula contratual tendente a excluir o dever de indenizar do advogado ou onerar excessivamente o seu cliente será tida por abusiva e, portanto, nula de pleno direito. Isso quer dizer que tais cláusulas poderão ser anuladas a qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo o juiz ou tribunal pronunciá-las ex officio, porque normas de ordem pública são insuscetíveis de preclusão, ou melhor, são imprescritíveis.

Nesse rumo, interpretando uma hipótese de cláusula abusiva, este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, não conheceu dos recursos. Explicitou-se estar correta a aplicação pelo Tribunal a quo do art. 51, IV, do CDC ao contrato de prestação de serviços advocatícios, que reduziu a quantia executada ao considerá-la abusiva por imputar onerosidade excessiva à contratante. Pois os serviços prestados por profissionais liberais são regulados pelas disposições do CDC, que apenas os excluiu da responsabilidade objetiva, ex vi o art. 14, § 4º, do citado Código. O Min. Relator ressaltou que, no caso em exame, a desproporção não se configurou a posteriori, mas a onerosidade já era ínsita quando da formulação do contrato. Outrossim não há reparos quanto à aplicação do art. 21 do CPC, em virtude da sucumbência recíproca ficar caracterizada com o acolhimento parcial dos embargos do devedor." (37)

3.3 Sanções Administrativas Aplicadas pelo CDC Versus Sanções Administrativas Aplicadas pela OAB

Demonstrado a subsunção da atividade advocatícia à legislação consumerista [38], indaga-se: há possibilidade do advogado se submeter às sanções administrativas prevista pelo CDC (arts. 56/60)?

Entendemos que não!

Vê-se que a Ordem dos Advogados do Brasil é o único órgão competente para julgar e punir administrativamente o advogado, consoante art. 44 da Lei 8.906/94 in verbis:

"Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I- (omissis)

II- promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção, a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil".

De igual sorte, ressalta Paulo Luiz Neto Lobo que "o poder de polícia administrativa da advocacia per se é exclusivo, indispensável e indelegável. Nenhuma outra autoridade pode exercê-la, inclusive a judiciária" [39].

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Nesse diapasão, acerca do monopólio detido pelo OAB, urge salientar que o art. 14, parágrafo único, do Código de Processo Civil também consagrou que os advogados se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, sendo, então, impossível à aplicação de multas pelo magistrado ao advogado que laborou em desrespeito aos deveres processuais.

Insta ressaltar que, não obstante a regra alhures, é dever do magistrado ou da parte adversa representar junto à OAB, a fim de que o causídico possa ser punido disciplinarmente pela infração respectiva.

E mais, caso haja aplicação de multas à parte – em razão da má atuação profissional – esta pode "voltar-se em regresso contra o advogado por ela constituído, que tem a obrigação de indenizar os danos que, nessa qualidade, causar ao direito de seu constituinte". [40]

Portanto, os órgãos responsáveis pela aplicação de sanções administrativas pelo CDC são incompetentes para punir os advogados, impondo-se ao cliente/consumidor, caso haja indisciplina ou infração por parte do seu patrono/fornecedor, reclamar contra este junto à OAB, ao invés de procurar o PROCON ou outro órgão responsável pela defesa do consumidor.


4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

A função precípua da responsabilidade civil é restabelecer a vítima ao seu statu quo ante, tendo em vista o rompimento do "equilíbrio jurídico-econômico" [41] anteriormente existente entre o agente e a vítima.

Ora, não são raras as situações em que assistimos a um advogado perdendo prazo para contestar ou recorrer; interpondo medida judicial em contraste com a lei ou jurisprudência, cometendo, assim, erros grosseiros de direito ou de fato. Sendo que todas essas ações ou omissões – dolosa ou culposamente – são potencialmente capazes de causar um desequilibro jurídico-econômico ao cliente, impondo-se, então, ao advogado negligente ou imprudente o dever de reparar o dano suportado pelo cliente.

É obrigação do advogado "agir com o maior zelo na defesa das causas confiadas a seu patrocínio. Cumpre-lhe utilizar todos os recursos da experiência, saber e atividade, para conseguir que ao cliente se faça inteira justiça". [42] Exige-se, ainda, uma constante atualização do causídico, em razão da grande evolução jurisprudencial e legislativa vivido por nosso ordenamento jurídico, de modo que "a obrigação de se atualizar deixou de ser motivo de captação de clientela; virou seguro de responsabilidade civil". [43]

Vejam que não é por acaso a crescente onda de ações de responsabilidade civil movidas contra o advogado!

Realmente, o grande número de advogados no mercado – em razão da mercantilização do ensino jurídico - faz com que o cliente cobre mais do seu patrono, contudo, é possível que este, durante a sua formação científica, não tenha obtido todo o aparato técnico ou jurídico capaz de proteger os interesses do seu constituinte, daí a necessidade de responsabilizarmos o advogado pela falha no desempenho do seu mister.

4.1 Natureza Jurídica

Em que pese as especificidades de cada profissão, é assente na doutrina e jurisprudência que as obrigações advindas do exercício da advocacia são de cunho estritamente contratual – consubstanciado na elaboração de um mandato judicial [44] –, em que o advogado se obriga tão-somente a uma obrigação de meio.

Esclarecendo a natureza da obrigação assumida pelo advogado, insta transcrever os ensinamentos da Professora Diniz:

"Terá essa mesma natureza a obrigação do advogado, a quem se confia o patrocínio de uma causa, uma vez que ele apenas oferecerá sua atividade, sua cultura e talento na defesa dela, sem poder, contudo, garantir a vitória da demanda, pois esse resultado dependerá de circunstâncias alheias à sua vontade. Como o advogado não se obriga a obter ganho de causa para o seu constituinte, mesmo com o insucesso de seu patrocínio, fará jus aos honorários advocatícios, que representam a contraprestação de um serviço profissional, e não o preço de um resultado alcançado por um esse serviço (Lei 8.906/94, arts. 22 a 26). Portanto, se agiu corretamente, com diligência normal, na demanda, terá direito a honorários, ainda que não obtenha êxito". (45)

Com efeito, o advogado não tem o dever de patrocinar os interesses de outrem, todavia, se firmar contrato com um cliente deverá buscar todos os aparatos jurídicos para protegê-lo. A obrigação assumida não se vincula ao sucesso ou insucesso da demanda, basta que se utilize os meios hábeis a arrimar a pretensão do seu cliente, independentemente do resultado final da demanda.

Acerca desse tema, o insuperável Serpa Lopes nos brinda com um caso concreto, referente à natureza jurídica da prestação advocatícia, em que num contrato de honorários o advogado firmara a obrigação de prestar seus serviços advocatícios, mediante uma remuneração fixa inicial, ficando a outra parte dos honorários vinculada ao êxito da causa, sendo que, no final, o pedido foi julgado procedente em parte.

Cobrando os seus honorários, em ação executiva, o executado, por sua vez impugnou-os, afirmando que, se uma parte era líquida e certa, a outra não o era, porquanto, nos termos do contrato, necessitaria de um ganho de causa completo. Tal defesa, porém, não foi aceita pelo Tribunal. A obrigação resultante de um contrato de honorários era visceralmente uma obrigação de meio e não uma obrigação de resultado, em razão do que inadmissível era dar-lhe contratualmente um outro caráter, máxime quando essa obrigação de meio havia sido executada proficientemente. [46]

Deveras, os honorários advocatícios não podem estar vinculados ao ganho da demanda, haja vista a própria natureza jurídica da obrigação entre o patrono e o cliente. Todavia, se houve falha na prestação dos serviços advocatícios, acarretando, inclusive, a perda da demanda faz-se mister responsabilizar o advogado desidioso, a fim de que a parte seja restituída dos prejuízos eventualmente sofridos.

Nesse diapasão, no intuito de confirmar a obrigação assumida pelo advogado, trazemos à lume a narração de Eduardo Pelizzudo de Oliveira, citando julgado do Tribunal de Ética e Disciplina Paulista, o qual decidiu que:

"(...) no desempenho de seu mandato, o advogado, desde que tenha agido com diligência e dedicação, não pode, em condições normais e sob o ponto de vista ético, ser responsabilizado pelo insucesso da ação. Não caracterizada a negligência, o erro inescusável ou o dolo no desempenho do patrocínio, não será lícito cogitar-se de pretensa indenização ao patrocinado que, em disputa judicial, estará sujeito ao risco da sucumbência, inclusive, ademais, a advocacia é uma atividade de meios e não de resultados". (47)

Urge ressaltar, finalmente, que há áreas de atuação profissional em que o advogado assume obrigação de resultado, v.g., elaboração de um contrato ou de uma escritura pública, sendo que nessas hipóteses, em tese, o advogado se compromete a ultimar o resultado.

Questão muito interessante, ainda não explorada na doutrina e jurisprudência, é sobre a seguinte indagação: é possível atribuir ao advogado uma obrigação de resultado quando este se compromete – perante o cliente - ao ganho da demanda?

Insta salientar que, infelizmente, tal indagação é a revelação da atitude de alguns advogados inescrupulosos que buscam através de ardis um atrativo para captação de clientela. Para tanto, induzem a instauração de uma demanda judicial, mesmo sabendo que a mesma será julgada improcedente, tudo na tentativa de angariar os famigerados honorários advocatícios.

Lado outro, entendemos que o fato do advogado ter assumido o ganho da demanda não descaracteriza a sua obrigação de meio, vez que não é possível desvirtuar a natureza jurídica de uma obrigação através do induzimento de uma das partes. Portanto, caso o causídico, apesar da má-fé utilizada, venha a comprovar que prestou eficientemente os serviços advocatícios, demonstrando total zelo na condução do processo, não seria cabível responsabilizá-lo pela perda da demanda. Ao revés, se houve má atuação profissional, o cliente poderá responsabilizá-lo civilmente pelo fracasso da demanda.

Frise-se que, independentemente da responsabilidade civil atribuída ao advogado, este poderá ser responsabilizado administrativamente perante a OAB, onde será punido disciplinarmente junto ao Tribunal de Ética e Disciplina deste órgão.

4.2 Elementos Caracterizadores

Para responsabilizarmos civilmente o advogado, segundo o entendimento moderno, é verificável a presença dos seguintes elementos:

1.ato ou omissão do advogado;

2.dano material ou moral;

3.nexo de causalidade entre o ato e o dano;

4.culpa presumida do advogado;

5.a imputação da responsabilidade civil ao advogado.

Primeiramente, resta esclarecer que não é qualquer ato ou omissão do advogado que irá incidir a sua responsabilidade, pois a sua obrigação na demanda não é de resultado, bastando-se, então, a utilização de zelo e cautela na proteção dos direitos do seu constituinte. Portanto, é imperioso analisarmos cuidadosamente, no caso concreto, se o ato/omissão do causídico foi o fator preponderante para a perda da demanda.

Dessa forma, é preciso analisar os erros de fato e direito praticados pelo advogado. Quanto aos erros de fato por ele cometido – quando corretamente informado pelo cliente – impõe-se ao advogado o dever de reparar os danos eventualmente suportados pelo cliente.

Todavia, quanto aos erros de direito como estabelecer se o advogado laborou em descompasso com a jurisprudência, com a lei ou em desatenção a alguma formalidade essencial ao cumprimento de um ato?

Procurando resolver essa celeuma entende o insuperável José de Aguiar Dias que:

"(...) quanto aos erros de direito, é preciso distinguir: só o erro grave, como a desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento do texto expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível no caso, a interpretação abertamente absurda, podem autorizar a ação de indenização contra o advogado, porque traduzem desinteresse pelo estudo da causa ou do direito a aplicar ou, então, caracterizada ignorância, que se torna indesculpável, porque o profissional é obrigado a conhecer o seu ofício sem que seja obrigado a mostrar-se um valor excepcional na profissão. O fato de ter um diploma não estabelece presunção a favor do profissional, mas é um índice que ele tem de honrar". (48)

A nosso sentir, é louvável e aplicável a posição sustentada pelo saudoso Aguiar Dias, contudo, permissa venia, entendemos que todas as situações levantadas por ele não traduzem, por si sós, a má atuação do advogado, notadamente se considerarmos a pluralidade de medidas judiciais a serem perfilhadas, ou até mesmo a multiplicidade de entendimentos jurisprudenciais acerca de um tema, não se cogitando, assim, a fixação de regras absolutas de responsabilização.

Destarte, é forçoso concluir que todas essas situações alhures deverão ser valoradas pelo juiz, quando da imputação de responsabilidade ao advogado, analisando se naquela situação concreta era razoável exigir uma ação do advogado – mormente quando se tratar de um advogado de renome ou especialista em certa área -, sendo que a ausência dessa ação esperada foi causa para o resultado (nexo causal entre o fato e o dano).

No tocante a caracterização dos danos (materiais ou morais), sabe-se que estes são essenciais para proposição de ação de responsabilidade civil, eis que a indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito para a parte que recebesse eventual quantia ressarcitória. Não se discute, ainda, se é indenizável ou não o dano moral, nem se pode ou não ser cumulado com o dano material.

Nesse rumo, impende asseverar que a possibilidade jurídica de reparação do dano moral está consagrado no art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, bem como no art. 186 do atual Codex Civil. Ao passo que a viabilidade de cumular o dano moral com o material está assente na Súmula 37 do STJ.

Com efeito, é perfeitamente possível assistirmos a uma ofensa moral provocada pelo advogado ao seu cliente, sendo que, para isso, faz-se mister que "a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar". [49]

Ora, o fundamento maior do ressarcimento por danos morais gravita em torno do princípio da dignidade da pessoa humana, ligando-se, assim, aos valores supremos da personalidade do indivíduo, os quais poderão ser violados por uma eventual má atuação do causídico, conforme se verifica nas hipóteses analisadas nos itens 6.5 e 6.6 desse trabalho monográfico.

E mais, quanto à demonstração do dano moral, tem-se que este é decorrente do próprio ato ilícito provocada pela parte, ou melhor, pela ineficiência dos serviços prestados pelo causídico. Nesse sentido, preleciona Sérgio Cavalieri Filho:

"O dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma manifestação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum". [50]

Noutro giro, para demonstrarmos o dever processual imposto ao cliente prejudicado – em razão da má atuação do causídico -, além das hipóteses de exclusão de responsabilidade, eis o magistério de um dos maiores expoentes da responsabilidade civil moderna:

"Cabe ao cliente provar a existência do serviço, ou seja, a relação negocial entre ambos, e a existência do defeito de execução, que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade. Cabe ao advogado provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade, que não agiu com culpa (em sentido amplo, inclui o dolo). Se o profissional liberal provar que não se houve com imprudência, negligência, imperícia ou dolo, a responsabilidade não lhe poderá ser imputada" [51].

Assiste razão ao professor e advogado Paulo Luiz Netto Lobo, já que, na maioria das vezes, o cliente lesado – geralmente leigo – não consegue demonstrar juridicamente se o advogado laborou com falta de zelo ou, ainda, se pleiteou ou deixou de pleitear alguma medida judicial cabível naquele momento processual, daí a necessidade de transferirmos ao causídico o dever de demonstrar o contrário. Ademais, este conhece os contornos processuais, sendo-lhe mais cômodo demonstrar como foi a sua atuação profissional naquela demanda.

Portanto, para arrematar, é preciso esclarecer que esse dever imposto ao advogado (culpa presumida) se dá em razão da subsunção da atividade advocatícia ao sistema adotado pelo CDC. Todavia, para aqueles que entendem que não se aplicaria este diploma cumprirá ao cliente lesado demonstrar a existência de dolo ou culpa na atuação profissional do causídico. [52]

Finalmente, traçado esses breves comentários alhures, impõe-se, agora, refletirmos acerca de algumas hipóteses que, em tese, incidiria o dever de indenizar pelo advogado e, para tanto, revelaremos quais seriam as conseqüências jurídicas aplicáveis.

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Sobre o autor
Paulo Osório Gomes Rocha

Defensor Público do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Paulo Osório Gomes. Responsabilidade civil do advogado:: aspectos jurídicos da sua má atuação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 566, 24 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6208. Acesso em: 19 abr. 2024.

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