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A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados

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24/01/2005 às 00:00
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6 A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DO ESTADO PELA INADIMPLÊNCIA DA EMPRESA TERCEIRIZADA

Fala-se em responsabilidade trabalhista, pois se pretende estudar nesta próxima parte do trabalho, a responsabilidade do Estado com relação ao não pagamento, pela empresa terceirizada, dos encargos trabalhistas devidos aos seus empregados.

O tema é espinhoso, haja vista a não existência de legislação específica sobre o assunto.

Em páginas anteriories, chegou-se à conclusão de que, quando a terceirização é lícita, não há que se falar em vínculo de emprego com o tomador de serviços, ainda mais quando este é um ente público, face a vedação expressa de contratação de pessoal sem prévia habilitação em concurso público (art. 37, II da CR/88).

Todavia, a questão não é de tão simples resolução. No Direito do Trabalho, a responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas nem sempre é exclusiva do empregador. Como exemplo principal dessa afirmação, tem-se a figura do empreiteiro, que embora não seja empregador dos funcionários do subempreiteiro, responde subsidiariamente, no caso de inadimplência desse último.

Quando o tomador de serviços é a Administração Pública, a situação se complica um pouco mais, tendo em vista que a mesma está adstrita a princípios peculiares, dentre os quais, o mais relevante é, sem dúvida, o princípio da legalidade.

Tentar-se-á abordar a discussão, utilizando-se, mormente, de interpretação sistemática e teleológica. Afinal, nem o Direito do Trabalho nem o Direito Administrativo podem ser vistos isoladamente. Formam um grande sistema lógico: o Direito. E este não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de alcance da justiça social.

6.1.ENUNCIADO 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO & O ARTIGO 71 DA LEI 8.666/93

O ponto de maior entrave da questão não é a lacuna existente acerca da responsabilização ou não da Administração Pública no que diz respeito às verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa terceirizada. O problema surge com a redação do art. 71 da Lei 8.666/93, que estabelece normas sobre Licitações e Contratos na Administração Pública. O supramencionado artigo assim dispõe:

Art. 71 O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

Os estudiosos da matéria indagam se a referida norma é constitucional, se abrange apenas a responsabilidade solidária, e não a subsidiária ou até mesmo se a Lei 8.666/93, ao versar sobre contratos, também se refere aos contratos de terceirização de serviços.

Questiona-se se o Enunciado 331 do TST, que prevê a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, inclusive da Administração Pública, apresenta-se contrário à lei ou se a lei é que se apresenta contrária ao restante do ordenamento jurídico vigente.

6.2. ARGUMENTAÇÕES FAVORÁVEIS À RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL

Mesmo entre os que defendem a responsabilização do Estado, existe divergência quanto à natureza dessa responsabilidade. Seguindo o Enunciado 331 do TST, estão os que propugnam pela responsabilidade subsidiária e de outro lado, como minoria, os que defendem a responsabilidade solidária.

Dentre as principais justificativas da responsabilidade subsidiária, está a interpretação analógica do art. 455 CLT [64], o qual estabelece a responsabilidade subsidiária do empreiteiro no caso de inadimplemento dos encargos trabalhistas pelo subempreiteiro.

Segundo os defensores dessa corrente, a responsabilidade prevista na norma supramencionada tem sua origem nos institutos da culpa in eligendo e in vigilando presentes na órbita da responsabilidade civil.

Liliana Maria Del Nery argumenta:

Se a Administração Pública Direta e/ou Indireta elege empresa inidônea para prestar serviços de natureza pública, e se, em decorrência da conduta culposa mencionada, tal empresa inadimple com suas obrigações trabalhistas, causando prejuízos a terceiros, quais sejam, os empregados, tem-se a culpa da Administração e sua responsabilidade é subsidiária perante empregados da prestadora dos serviços por força do mandamento constitucional. (33)

A maior parte da jurisprudência brasileira, posiciona-se pela responsabilidade subsidiária da Administração Pública:

Responsabilidade subsidiária. As empresas públicas e de economia mista são responsáveis subsidiárias pelos débitos trabalhistas, quando não honrados por empresas contratadas, com base no Decreto-lei nº 200/67. Se a empresa contratada se torna insolvente, a contratante assume o ônus trabalhista (Súmula nº 331 do TST). [65]

A fundamentação do voto acima é no sentido de que o precitado artigo da Lei 8.666/93 apenas reproduz texto da antiga legislação que regulamentava as licitações (Decreto-lei 2.300/96). A nova lei define em seu art. 1º o objeto a que se destina. O art. 6º define o que seja serviço e não inclui os contratos e serviços de locação de mão-de-obra. Novamente, o art. 7º redefine o que sejam serviços para efeitos da lei. O art. 55 insere as cláusulas obrigatórias dos contratos que são regulamentados, não abarcando os de natureza trabalhista – locação de mão-de-obra. Assim, os contratos regulamentados pela Lei 8.666/93 não são da mesma natureza daqueles de prestação de trabalho e fornecimento de mão-de-obra, de modo que inaplicável a eles. Estes são regulamentados pelo Decreto-lei 200/67, Leis 6.019/74 e 7.102/83, além da Constituição e do Código Civil, que responsabiliza os que por ação ou omissão causarem danos a terceiros.

Ainda no que se refere ao art. 71 Lei 8.666/93, que afasta a responsabilidade trabalhista do Estado em caso de inadimplência do contratado, há os que sustentam a inconstitucionalidade da referida norma, tendo em vista o art. 37, § 6º da CR/88, que determina a responsabilidade objetiva [34]do Estado por danos causados por seus agentes a terceiros.

Com outra fundamentação, mas também afastando a incidência do art. 71 da Lei 8.666/93, encontrou-se o presente julgado:

"Da análise dos termos do art. 173, § 1º da Constituição Federal depreende-se que o constituinte originário aplicou às empresas públicas, sociedades de economia mista e a outras entidades que exploram atividades econômicas o mesmo regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas. Assim sendo, se as empresas privadas estão sujeitas à condenação subsidiária, não poderia o art. 71 da Lei 8666/93 excepcionar a Administração Pública desse encargo, na medida em que a própria Constituição Federal não o faz. Interpretar o art. 71 da Lei 8.666/93 com a rigidez pretendida pela ora recorrente seria, inclusive, negar ao trabalhador, seja através de contratação fraudulenta de terceiros, seja por má escolha da empresa prestadora de serviços ou mesmo por omissão na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, o que seria um verdadeiro absurdo. (66)

No mesmo sentido:

Responsabilidade Subsidiária – Entidade Pública – Contrato de Prestação de Serviços. O Sistema da terceirização de mão-de-obra, em sua pureza, é importante para a competitividade das empresas e para o próprio desenvolvimento do País. Exatamente para a subsistência deste sistema de terceirização é que é fundamental estabelecer a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quando a prestadora de serviços é inidônea economicamente. Naturalmente, estabelecendo-se a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, este se acautelará, evitando a contratação de empresas inidôneas e para se garantir quanto ao descumprimento de obrigações por parte da empresa prestadora de serviços, exigindo, inclusive a caução. Se, no entanto, assim não age, emerge clara a culpa "in eligendo" e "in vigilando" da Administração Pública. E, considerando o disposto no § 6º, do art. 37 e no art. 193 da CR/88, bem poder-se-ia ter como inconstitucional o § 2º do art. 71 da Lei 8666/93 se se considerasse que afastaria a responsabilidade subsidiária das entidades públicas, como que houvesse culpa "in eligendo" e in vigilando" na contratação de empresa inidônea para a prestação de serviços. Por isto, a conclusão no sentido de que o § 1º do art. 71 da Lei 8666/93 refere-se à responsabilidade direta da Administração Pública, ou mesmo a solidária, mas não à responsabilidade subsidiária, quando se vale dos serviços de trabalhadores através da contratação de uma empresa inidônea em termos econômicos-financeiros, e ainda se omite em bem fiscalizar (...). (67)

Atribuindo fundamentação constitucional à responsabilidade do Estado, encontrou-se a decisão abaixo:

RELAÇÃO DE EMPREGO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. "... salvo a hipótese de comprovada fraude documental, dispõe a Administração de todos os elementos jurídicos suficientes a garantir a execução plena do contrato administrativo de terceirização lícita de serviços especializados, razão pela qual eventual inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte da contratada frente aos empregados, certamente contou com a conivência, ainda que sem culpa ou dolo, dos agentes públicos responsáveis, tanto na escolha da prestadora, donde decorreria a culpa in eligendo por parte da Administração, quanto na falta ou insuficiência de acompanhamento da execução do contrato, o que materializaria a culpa in vigilando. E nesta circunstância, o dever de indenizar do Estado decorre da previsão constante do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que por força do princípio da hierarquia das leis sobrepõe-se à vedação de que trata o § 1º, do art. 71, da Lei 8.666/93."(Rodrigo Curado Fleury, em estudo publicado na edição de setembro da revista jurídica eletrônica "jus navegandi" (http://www.jus.com.br). Daí porque a evolução de entendimento pessoal para acompanhar a nova jurisprudência do C. TST (Enunciado 331, IV, da Súmula de Jurisprudência do C, TST, na redação dada pela Resolução nº 96/2000, in DJU de 18.09.2000), no sentido de que "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº 8.666/93). (68)

Por outro lado, os que levantam a bandeira da responsabilidade solidária, assim argumentam:

Assim, por exemplo, se o trabalhador se acautelou já na inicial de chamar também o Poder Público para integrar o processo, juntamente com a empresa contratada para a execução do serviço público, o crédito trabalhista pode ser recebido diretamente da administração pública que responde objetivamente pela respectiva dívida como previsto pela CF no art. 37, § 6º, onde a administração pública é responsabilizada pelos danos então causados a terceiros, no caso, os trabalhadores então utilizados na execução dos serviços então contratados pelo Poder Público, União, Estados e Municípios. (69)

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6.3. ARGUMENTAÇÕES DESFAVORÁVEIS À RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL

Várias são as razões indicadas pelos defensores da não responsabilização do Estado. Uma delas é a absoluta falta de vínculo empregatício entre o ente público tomador de serviços e o empregado da firma terceirizada. Outra justificativa é a leitura literal do art. 71 da Lei 8.666/93.

Nesse sentido, tem-se a ementa:

Responsabilidade subsidiária. Art. 71 da Lei 8666/93 e Lei nº 9032/95 -nos termos do disposto no art. 71 da Lei n. 8666/93, bem como na Lei n. 9032/95, é expressamente vedada a responsabilidade subsidiária dos órgãos da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas, sendo-lhes inaplicável o disposto no inciso IV do En. 331 TST. RR a que se dá provimento. (35)

Airton Rocha Nóbrega é contrário à responsabilização do Estado, justificando que, quando a Administração cumpre regularmente as suas obrigações contratuais, não dá ensejo a qualquer tipo de responsabilidade. Critica o Enunciado 331 do TST, alegando que o mesmo faz com que se negue à Administração Pública, o direito à ampla defesa e ao contraditório, vez que a mesma não terá elementos para opor à postulação deduzida, já que a relação de emprego foi orientada e supervisionada apenas pelo empregador e não pela repartição. [36]

Dora Maria de Oliveira Ramos sustenta que a responsabilidade do Estado deve limitar-se à terceirização ilícita, ou seja, quando presente a pessoalidade, a subordinação, e demais elementos da relação de emprego, configurando-se a fraude de que trata o art. 9º da CLT. Destaca que não há previsão para a hipótese de culpa in vigilando e culpa in eligendo, uma vez que inexiste o dever de fiscalização por parte do Estado. Por fim, reforça que há a obrigação de apurar as dívidas previdenciárias e não as trabalhistas.

A mencionada autora alerta:

A responsabilização do Estado, enquanto tomador de serviços terceirizados, em caso de inadimplemento da contratada, é um potencial de incremento ao risco aos cofres públicos gerado pela terceirização, duplamente onerados em caso de descumprimento do contrato. Essa questão deve, em conseqüência, ser ponderada pelo Administrador Público quando da decisão de terceirizar. (70)

André Wilson Avellar Aquino expõe:

Quanto à responsabilidade pelas parcelas decorrentes do trabalho realizado, tenho que, não sendo possível o reconhecimento do vínculo de emprego, não há como se reconhecer o direito de pleitear verbas trabalhistas correspondentes, isto em relação à Administração Pública. Ora, qualquer espécie de indenização deve ser alcançada junto à empresa fornecedora de mão-de-obra ou do serviço. Ao Estado não pode resultar essa responsabilidade do mau administrador, devendo-se, mais uma vez, ressaltar que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse individual. (71)

Negando a responsabilidade do Estado, observam-se os seguintes julgados:

Terceirização. Autarquia. Inexistência de responsabilidade subsidiária. Considerando-se que a administração pública fulcra-se no princípio da legalidade, o não pagamento das obrigações trabalhistas, por empresa fornecedora de mão-de-obra, não implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviço, quando este é entidade pública, por força do que dispõe a Lei 8.666/93, em ser art. 71, parágrafo 1º e art. 37, inc. XXI, da atual Carta Política. Recursos providos. [72]

ILEGITIMIDADE DE PARTE. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR POR EMPRESA INTERPOSTA. TOMADORA CONTRATANTE: DERSA - DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S/A - SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL AUTORIZADO. ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO DE SÃO PAULO. A Lei nº 8.666/9 3 (art. 71), dispõe que a empresa fornecedora de mão-de-obra que contrata com a administração pública indireta é a única responsável pelos encargos trabalhistas resultantes da execução desses serviços no órgão público tomador. Por outro lado, se a própria CF (art. 37, II e § 2º) determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, sob pena de nulidade do ato e punição da autoridade responsável, não pode o Poder Judiciário substituir a vontade do legislador e criar nova forma de investidura, o que ocorreria se fosse admitida a responsabilidade subsidiária por parte da entidade pública contratante. Inteligência do Enunciado nº 331, II, do C. TST, que dispõe no sentido de que a contratação irregular de trabalhador, através de empresas interpostas, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Direta, Indireta ou Fundacional. Inaplicabilidade do inciso IV, do Enunciado suprarreferido. Extinção do processo sem julgamento de mérito por ilegitimidade de parte da empresa tomadora. (73)

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - TOMADOR DE SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - INEXISTÊNCIA - "É lícita a contratação de mão-de-obra para a execução de atividades intermediárias, pelo Estado de Mato Grosso do Sul, através de empresa especializada, não se formando o vínculo com a tomadora dos serviços, nem tampouco assume ele a responsabilidade subsidiária pelo solvimento das obrigações decorrentes do contrato." [74]

Anota-se, por fim, que os autores que afastam a responsabilidade objetiva do Estado argumentam que a hipótese prevista no parágrafo 6º do art. 37 da CR/88, é completamente distinta da situação em tela, pois na terceirização, está ausente o nexo causal – pressuposto indispensável para a responsabilidade objetiva.

6.4.REFLEXÕES A RESPEITO DAS CORRENTES APONTADAS

Quanto à corrente que defende a responsabilidade subsidiária do ente público pelos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa terceirizada, admite-se que seu ponto de maior fragilidade reside no fato de a Administração Pública estar norteada pelo princípio da legalidade. Maria Sylvia Zanella di Pietro ensina que, em razão do princípio da legalidade, "a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite" [37](princípio da legalidade estrita). Como se poderia, então, aplicar-se ao Estado a interpretação analógica do art. 455 da CLT e responsabilizá-lo pelas obrigações trabalhistas não pagas pela prestadora de serviços? Como onerar o Estado através de uma responsabilização não fundada em lei explícita, mas em mera interpretação extensiva?

Ocorre que, embora não haja lei específica regulando a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, não se pode olvidar que o Estado também está sujeito às regras da responsabilidade civil, previstas nos artigos 186 e 927 do Código Civil. O Estado, ao negociar com a empresa prestadora de serviços, realiza um contrato administrativo, porém, se causar prejuízos a terceiros, não se exime de suas obrigações civis, tendo o dever de indenizar pelos danos cometidos.

Reitera-se que o art. 186 do Código Civil caracteriza o ato ilícito como o dano causado a outrem, ainda que exclusivamente moral, decorrente de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência.

Já o art. 927 do mesmo código estabelece que aquele que cometer ato ilícito está obrigado a indenizar o prejudicado.

Desta forma, o Estado, quando se omite em fiscalizar a empresa prestadora de serviços no que tange ao pagamento das verbas trabalhistas dos empregados desta (culpa in vigilando), ou até mesmo, quando não toma as devidas precauções no momento da licitação (culpa in eligendo), negligencia e portanto, contrai para si a obrigação de indenizar o trabalhador.

Se a escolha do melhor licitante recaiu em empresa que, exempli gratia, veio a falir durante a execução do contrato, significa que o inadimplemento de obrigações trabalhistas é conseqüência da má escolha pela Administração Pública. O princípio da proteção ao trabalhador e a teoria do risco explicam a preocupação de não deixar ao desabrigo o obreiro, pontificando uma responsabilidade indireta daquele que, embora não seja o empregador direto, tenha se beneficiado da atividade dos trabalhadores contratados pelo tomador de serviços.

Entretanto, seria irrazoável atribuir-lhe uma responsabilidade solidária por tal omissão, uma vez que cumpriu com as suas obrigações contratuais perante a prestadora de serviços. Outrossim, o responsável principal pelo pagamento dos encargos trabalhistas é o empregador direto, ou seja, a empresa terceirizada. Assim, para que seja reconhecido o prejuízo causado ao trabalhador, é necessário se demonstrar, primeiramente, a incapacidade financeira da empresa terceirizada.

No direito francês, é pacífica a idéia da responsabilidade subsidiária do ente público, no caso de prejuízos causados por particulares no exercício da função pública. Assim explica André de Laubadére:

La réparation en cas de dommage causé par une personne privée chargée de la gestion d’un service public, incomberá à tritre principale à la personne privé. En cas d’insolvabilité de celle-ci, elle incomberá à tritre subsidiaire à la collectivité publique. (38)

Destaca-se, ainda, que a solidariedade não se presume, advém da lei ou da vontade das partes. No caso da Administração Pública, diante do princípio da legalidade estrita, somente poderia ser aceita se prevista expressamente pela lei.

Quanto à corrente que prega a responsabilidade solidária do Estado, encontrou-se algumas falhas em suas justificativas. Reconhece-se que o Constituinte de 1988 estabeleceu a responsabilidade objetiva estatal em seu art. 37, § 6º, cujo teor é o seguinte:

Art. 37 (...).

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Logo, deduz-se que, no caso da terceirização de serviços, a empresa prestadora de serviços faz as vezes de agente público, pois a ela foi delegada a tarefa de executar uma determinada atividade que, em princípio, competia ao Estado. A Administração Pública transfere ao particular a execução de funções (ainda que acessórias), transformando-o em agente público.

Celso Antônio Bandeira de Mello define agente público de forma mais ampla:

"(...) sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem quer que desempenhe as funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários, os permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação de serviços e os gestores de negócios públicos". (grifo nosso) [75]

Com mesmo enfoque, Aparecida Vendramil explica:

Assim sendo, a expressão "agentes" adotada no texto constitucional, por sua amplitude abarca todas as pessoas que, definitiva ou transitoriamente, exercem atividades administrativas, direta ou indiretamente. Sejam essas atividades exercidas por agentes públicos administrativos ou por particulares no desempenho de funções pública, estará o Estado vinculado para os efeitos da responsabilidade que lhe é imputada. (76)

Considerando a empresa prestadora de serviços públicos como um agente público do Estado, poder-se-ia concluir que aquela, ao não pagar o trabalhador, causou-lhe dano e que portanto, deveria o Estado indenizar-lhe, nos moldes na norma constitucional supramencionada.

No entanto, mister relembrar que, no caso de inadimplemento de encargos trabalhistas, a empresa terceirizada é omissa com relação às suas obrigações legais. Não agiu corretamente, não pagou, omitiu-se de seu dever. Dentre os administrativistas, há autores que explicam que a responsabilidade prevista no art. 37, § 6º da CR/88 refere-se apenas aos atos dos agentes público e não às suas omissões.

Celso Antônio Bandeira de Mello leciona a respeito do assunto:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que não impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo, não há conduta ilícita do Estado que não seja provenientemente subjetiva, pois imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente modalidades de responsabilidade subjetiva. (77)

Maria Sylvia Zanella di Pietro, no mesmo sentido, defende que a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva, pois deve ser apurada a culpa:

(...) neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva, porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service); é a culpa anônima, mas não individualizada; o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público. [39]

Tendo como base os ensinamentos acima, não há que se falar em responsabilidade solidária, pois resta afastada a responsabilidade objetiva esculpida na norma constitucional em debate.

No que se refere às fundamentações daqueles que negam a responsabilidade estatal, em virtude dos ditames do art. 71 da Lei 8.666/93 (Lei de licitação e contratos), é necessário ressalvar que dito artigo está relacionado à situação de cumprimento de todas as condutas previstas na referida lei.

O Poder Público, ao contratar serviços de particulares, deve seguir os procedimentos constantes na Lei 8.666/93. Dentre eles, está a obrigação de eleger empresa idônea e qualificada. O art. 27 da referida lei prevê como requisitos para a habilitação dos interessados: a habilitação jurídica; qualificação técnica, qualificação econômico-financeira; regularidade fiscal; e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Quanto à execução do contrato administrativo, o art. 58, III, da dita lei permite que a Administração fiscalize a execução das prestações pactuadas. Ademais, o art. 67 estabelece que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

Portanto, se o ente Público não seguiu a risca os procedimentos legais, não fiscalizaou a empresa contratada, não prezou pela sua idoneidade, agiu com culpa e portanto, não é mais possível a aplicação do art. 71 da aludida lei.

Com relação ao argumento de que a responsabilidade subsidiária nega à Administração Pública o direito à ampla defesa e ao contraditório, por não ter condições de rebater as acusações feitas pelo trabalhador, uma vez que não tinha acesso aos dados deste, entende-se que tal preocupação não merece prosperar. O Estado, quando chamado à lide, poderá questionar aspectos como o período de prestação de serviços, feriados ou dias de recesso, cálculos das verbas trabalhistas, condições da ação, pressupostos processuais, dentre outros.

Por fim, discorda-se da alegação de que o reconhecimento da responsabilidade subsidiária confrontaria a regra do art. 37, II da CR/88, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade de prévio concurso público para o ingresso em cargo público. Ao se responsabilizar o Estado não se está reconhecendo o vínculo empregatício do trabalhador terceirizado com a Administração Pública. Como já explicado anteriormente, a relação de emprego stricto sensu dá-se apenas com a prestadora de serviços, pois é a ela que o trabalhador subordina-se juridicamente. Na terceirização legítima o tomador de serviços não estabelece relação intuito personae com o trabalhador. Para o tomador, não é fundamental a pessoa do empregado, mas o serviço a ser realizado. A responsabilidade subsidiária possui natureza civil e por isso, não há que se cogitar em burla aos ditames constitucionais.

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Sobre a autora
Carolina Pereira Mercante

especialista em Direito Administrativo Econômico pela Universidade Mackenzie/SP, Analista Judiciário do TRT da 18ªregião

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MERCANTE, Carolina Pereira. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 566, 24 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6209. Acesso em: 23 dez. 2024.

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