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Ensaio sobre a natureza jurídica da prescrição no Direito Civil

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27/01/2005 às 00:00
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CAPÍTULO QUINTO

PRESCRIÇÃO COMO NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL

    1. Decurso do prazo e prescrição. Prescrição como exceção.

Declara o Código que, vencido o prazo, a ação se extingue. Se assim o é, a lei deveria admitir, por imperativo de ordem lógica, a decretação da prescrição, de ofício, pelo juiz. Não o fez, contudo. Antes exigiu que o prescribente excepcione.

Ora, se o simples fato do decurso do tempo extinguisse a ação, ficaria sem resposta as hipóteses em que, por não haver a alegação de prescrição, o titular realiza o seu direito. Neste caso, se ação houve, é porque, evidentemente, não se extinguiu com o decurso do prazo.

Daí a constatação de CARVALHO SANTOS (45): nas dívidas cujo prazo prescricional operou, a lei não recusa a ação, senão concede uma exceção de uso facultativo; se o devedor não alega a prescrição, a ação é procedente e, como tal, é executada, produzindo todos os efeitos legais. O que significa dizer que a ação existe enquanto não é alegada a prescrição; mas, uma vez alegada, aí, sim, a ação desaparece.

A linha teórica que preconiza a prescrição como produto exclusivo da fluência do tempo enfrenta sérias dificuldades quando, em suas possíveis conseqüências lógicas, se debruça com o problema da renúncia à prescrição. E tais contratempos lógicos surpreendem tanto os que argumentam pela extinção do direito, quanto os que defendem a ação como objeto da prescrição.

Argüir que o mero decurso do prazo faz perecer, direta ou indiretamente, o direito, significa alijar a renúncia à prescrição à inaceitável condição de uma inexorável impossibilidade jurídica. Se para a extinção dos direitos é, em determinadas hipóteses, suficiente a declaração de uma vontade unilateral – ou mesmo a ocorrência de um fato jurídico extintivo –, para a recriação de um vínculo jurídico, já extinto, não se poderia olvidar a concorrência de vontade das partes interessadas. Não seria possível, ao antigo obrigado, pelo exclusivo influxo de sua vontade, revivescê-lo. Semelhantemente se diga no que tange à ação. Se esta está extinta, nada há que o possa o obrigado fazer, isoladamente, para restabelecê-la. A ação é poder jurídico que dimana, exclusivamente, do direito subjetivo. Não pode o obrigado devolver a outrem uma faculdade que jamais lhe pertenceu.

Tais dificuldades desaparecem se se admite a prescrição como decorrência de um ato de vontade. O decurso do prazo nada extingue; antes confere um poder ao obrigado. E, porque poder – seja vocacionado a paralisar, seja a extinguir direitos, ações ou pretensões –, admite, evidentemente, possa ser aniquilado pela vontade abdicativa de quem o titulariza. A renúncia à prescrição – possibilidade jurídica universalmente aceita e, entre nós, positivada – só é possível em uma construção dogmática que a conceba como produto da vontade, ainda que restrito a simples ato de defesa.

Quando o Código afiança que a pretensão (rectius: ação de direito material) se extingue com o prazo, está a afirmar, em verdade, que ela, a ação, torna-se vulnerável. Fica, portanto, modificada, e não, extinta. O Código, destarte, disse mais que pretendia dizer. A inércia do titular do direito, aliada ao decurso do prazo, tem por efeito a criação de um poder jurídico, atribuído ao sujeito obrigado, de afetar aquela ação (46). E o faz, justamente, pela "alegação de prescrição", aludida no art. 194.

Logo, a prescrição deve, ao menos num primeiro momento, inserir-se nos domínios das exceções lato sensu, assim consideradas as modalidades de defesa que, sem negar o direito, excetuam o seu exercício.

3. Prescrição como negócio jurídico unilateral receptício de vontade

Não negamos que possa a prescrição constituir-se em exceção que se opõe a uma ação (ou pretensão) do titular do direito. Mas cremos que o fenômeno prescritivo merece uma categorização jurídica de maior amplitude.

O decurso do prazo, queremos crer, provoca, inicialmente, uma modificação na pretensão, sem, contudo, destruí-la. Exaurido o prazo de lei, o direito subjetivo continua exigível (e, conforme o caso, acionável, mas não de todo íntegro). Assim é que, não obstante exaurido o prazo, é jurídica – ou seja, conforme o direito – a cobrança, em juízo ou fora dele, que faz o credor de seu crédito. A exigibilidade do direito, porém, nestas condições, fica subordinada a uma condicio iuris de caráter resolutivo.

Sob o ponto de vista do sujeito obrigado, o implemento do prazo prescricional é produtor de direito; ao sujeito obrigado a lei confere o poder de resolver a exigibilidade do direito correspectivo à sua obrigação. Passa o obrigado a munir-se de uma contra-arma, da qual poderá lançar mão, se lhe for da conveniência e oportunidade (47). E esta contra-arma, cremos, tem o escopo extintivo, não apenas neutralizante. Porque pura energia (potencial em origem, cinética em sua finalidade e razão de ser), a exigibilidade não pode ser neutralizada por uma exceção, de efeitos perenes ou eternos, sem que se consuma e deixe de ser o que é. É inconcebível que a energia seja para sempre represada, por uma força contraposta, sem qualquer possibilidade de reação cinética, e continue energia. Tornando-se impossível o ato, suprime-se, obviamente, a potência. É, em síntese, incompossível energia e parálise. A exceção, portanto, não pode neutralizar, ad aeternum, a exigibilidade, sem que esta deixe de ser o que dantes era; pode, porém, extingui-la. A argüição de prescrição conduz ao perecimento da exigibilidade, e, por via de conseqüência, ao da ação. Se pretensão contém uma ação, esta é destruída, não diretamente, mas ex consequentia.

Conclui-se que o implemento do prazo produz duas virtudes: modifica o direito do titular e cria um poder jurídico para o obrigado. Jamais tem eficácia extintiva. A exigibilidade do titular do direito, com o implemento do prazo, passa a viger sob uma condicio juris resolutiva, simplesmente postestativa, a cargo do prescribente. A este é suscitado, pois, o poder de, cumprindo a condicio, resolver a exigibilidade que lhe é oposta (ou oponível).

O poder de resolver a exigibilidade pode ser exercido em juízo ou fora dele. Tradicionalmente, o poder é exercido em juízo, quando assume as características de uma exceção lato sensu. Mas nada impede o exercício do poder resolutivo no âmbito extrajudicial. Pode o devedor da prestação, através de inequívoca manifestação de vontade, destruir a exigibilidade do direito, no momento, ou mesmo antes, que este se lhe seja efetivamente oposto.

O emprego da condicio puramente potestativa consubstancia-se em perfeito negócio jurídico. Há uma declaração unilateral, receptícia de vontade, cujo objeto constitui-se na extinção da exigibilidade de um direito alheio, oponível ou oposto ao declarante. E tal negócio jurídico – não o simples decurso do prazo – é o que consubstancia, verdadeiramente, a prescrição.

A prescrição é, pois, negócio jurídico unilateral receptício de vontade, pelo qual o obrigado destrói a exigibilidade do direito que lhe é oponível e, por conseqüência, se existente, a ação que guarnecia esse direito. O decurso do prazo, aliado à inércia do titular do direito, tem por efeito não o perecimento do direito, da pretensão ou da ação, mas a criação de um estado de prescritibilidade concreta, caracterizado pelo condicionamento ex lege da exigibilidade do direito subjetivo. Implementado o prazo de prescrição, a exigibilidade do direito passa a subordinar-se a um evento futuro e incerto, que corresponde à declaração de prescrição pelo obrigado. Tal declaração insere-se na categoria dos poderes jurídicos, e se exprime na atividade em que o obrigado, cumprindo a condicio iuris, destrói a pretensão que é lhe de fato oposta ou susceptível de oposição.

Cumpre, assim, distinguir a prescrição do estado de prescritibilidade efetiva ou concreta. A prescrição é negócio jurídico que se exaure com a recepção de vontade, provocando extinção da pretensão, e, se existente, a da ação; o estado de prescritibilidade efetiva é situação de fato, objetivamente considerada pela lei – o decurso do prazo –, que, tornando condicional a exigibilidade, autoriza o emprego da condicio. O que se chama de prescrição consumada é, a rigor, pretensão submetida, pela lei, a uma condição resolutiva.


CAPÍTULO SEXTO

PRESSUPOSTOS DO ESTADO DE PRESCRITIBILIDADE CONCRETA

O estado de prescritibilidade concreta é o que se instaura no preciso instante em que se cumpre o prazo para o exercício incondicionado do direito.

Tal prazo começa a correr desde que nasce a pretensão (48). Suponhamos que o credor de dívida líquida e vencida, constante de instrumento, não o apresente ao devedor. Conta-se, a partir da data em que a apresentação poderia ser feita, o prazo de prescrição. Se o credor, na mesma hipótese, antes de exaurido o prazo prescricional, apresenta o título e o devedor não paga, nasce, para o credor, com a violação de seu direito, a ação de direito matéria (pretensão, na equívoca terminologia empregada pelo Código). Mas a ação exsurge, no caso proposto, quando a prescrição já está em curso.

O exemplo dado testemunha que a violação do direito, ao invés do que apregoa boa parte da doutrina, não exerce qualquer influência sobre o fenômeno prescritivo. A pedra de toque é outra. O primeiro pressuposto do estado de prescritibilidade concreta é, em verdade, a existência de uma pretensão, contenha essa, ou não, uma ação. Sem exigibilidade do direito – alinha, com toda propriedade, CÂMARA LEAL (49) –, quando este é ameaçado ou violado, ou quando não é satisfeita a sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada. A ação, pressupondo a pretensão, representa uma pretensão acionável.

O segundo pressuposto é a inércia do titular da pretensão. Vimos que o estado de instabilidade e incerteza prospera não apenas quando se viola o direito; o mesmo ocorre se o titular, por longo tempo, não exige.

O terceiro pressuposto é o não exercício da pretensão – e, conforme o caso, desta e da ação – no prazo fixado em lei (50).

Assim, instaura-se o estado de prescritibilidade concreta quando, exigível o direito, o titular não exerce, no prazo legalmente fixado, a sua pretensão, seja esta ou não acionável.


CAPÍTULO SÉTIMO

PRESSUPOSTOS DA PRESCRIÇÃO

O estado de prescritibilidade concreta – que se instaura com o advento do chamado "prazo prescricional" – prepara apenas uma prescrição futura. Esta – a real prescrição – se realiza no momento em que o titular do direito tem ciência da declaração resolutiva emanada do prescribente. Neste preciso instante, a exigibilidade do direito se extingue e, se existente, a ação nela contida.

As condições elementares da prescrição, são, portanto, as que se seguem:

          a) Existência de um estado de prescritibilidade concreta;

          b) declaração de vontade do prescribente, ou de terceiro interessado, tendente a destruir a exigibilidade do direito que lhe é oposto;

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          c) recepção, pelo titular do direito, daquela declaração.

Porque negócio jurídico – resulta de ato de vontade – , a prescrição se submete aos requisitos genéricos constantes do art. 104 do Código Civil. Mas, em não sendo negócio de atribuição patrimonial, a declaração de prescrição só se realiza por ato inter vivos, sendo livre quanto à forma. A prova da prescrição não se submete a um regime especial, aplicando-se-lhe as regras gerais quanto à prova dos negócios jurídicos (art. 212 e s. do CC). Se deduzida a declaração no processo, deverá ser realizada por termo ou petição, devendo ser comunicada, à parte adversa, na forma da lei processual civil. A nulidade da citação, nas ações movidas pelo prescribente, bem assim a da intimação, nas ajuizadas contra este, impedem que a prescrição se realize. O juiz pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, em proveito de absolutamente incapaz. O suprimento equivale à declaração.

A declaração de prescrição pode ser anulada, pelo prescribente, se lhe for de alguma forma prejudicial, nas hipóteses previstas no art. 171 do Código Civil.


CAPÍTULO OITAVO

EFEITOS DO ESTADO DE PRESCRITIBILIDADE CONCRETA

Vimos que o decurso do prazo nada extingue. Antes cria uma um poder jurídico contrário à pretensão do sujeito titular do direito. É a esta situação que houvemos por bem chamar estado de prescritibilidade concreta, em oposição à prescritibilidade possível. De fato, há pretensões que, por conta de sua própria natureza, ou por força de lei, não prescrevem. As que aí não se incluem podem – são susceptíveis – de prescrever: são, portanto, passíveis, genericamente, de prescrição.

A prescritibilidade concreta é a que resulta do transcurso do prazo assinado pela lei. Pertine à prescrição que pode ser, efetivamente, realizada. Afina-se ao poder, atual e plenamente exercível, suscitado em favor do sujeito obrigado, de resolver a exigibilidade do direito que lhe é oposto, ou oponível.

O que se chama de "prescrição consumada" não é, ainda, e em verdade, prescrição. É exigibilidade submetida a uma condicio puramente potestativa, a cargo do obrigado. Assim que se exaure o prazo, passa o obrigado a ter, em suas mãos, o poder de extinguir a exigibilidade do sujeito pretensor. Até aqui, não há efeito extintivo algum. Somente quando o devedor manifesta a vontade de destruir aquela pretensão, e a recebe o sujeito pretensor, é que se consuma a prescrição. O decurso do prazo apenas instaura um estado de preparação a uma prescrição futura, porque, condicionando a pretensão, confere ao obrigado a faculdade – que antes é uma prerrogativa – de realizar a condicio suscitada pela lei em seu favor, destruindo a energia do direito que lhe é exigível.

Distingue-se a prescrição dos pacta de non ptetendo. Enquanto na prescrição a exigibilidade do crédito se condiciona ex vi legis, por conta do puro e simples decurso do prazo (fato jurídico), nos pacta o titular do direito, em prometendo ao devedor não exigir o que lhe é devido (negócio jurídico), confere ao obrigado o poder de extinguir a pretensão, se o credor, contra a fé da convenção, exige-lhe a prestação. A renúncia à exigibilidade, que integra outra classe de negócios jurídicos, embora guarde similitude com os pacta de non petendo, destes se afasta, e bem assim da prescrição, justamente porque faz extinguir a pretensão de pleno direito, sem condicioná-la, e sem conferir ao obrigado poder algum.

Do estado de prescritibilidade concreta derivam alguns efeitos. O fundamental, que exibe uma dupla face, reside, de um lado, em condicionar a exigibilidade do direito em causa; do outro, em atribuir ao sujeito obrigado o poder de realizar a condicio juris, de caráter resolutivo, erigida em seu proveito.

E pode o obrigado fazer-se valer do poder resolutivo em juízo ou fora dele.

Com efeito, nada insta a que o obrigado tenha de aguardar a ação do titular para que faça uso da condicio que o beneficia. Se tal condicio opera para podar a exigibilidade de um direito subjetivo, realizando-se exclusivamente no plano do direito material, é indiferente que seja cumprida judicial ou extrajudicialmente. Inserir-se a declaração de prescrição no âmbito do processo é uma simples contingência, não uma necessidade irrefragável. O processo não é pressuposto da declaração de vontade eliminativa de uma pretensão alheia; é simples cenário, ou mera ocasião. Jamais razão. E não o é, também, porque, a atividade do juiz, em afirmando, para quem não quer crer, a prescrição já realizada, é puramente recognitiva, em nada constituindo situação jurídica já perfeitamente estabelecida. Poderá o obrigado, pois, declarar prescrita a pretensão, tão logo a prestação lhe seja exigida, ou mesmo antes de qualquer atitude positiva do titular do direito (51). Bastante, ao prescribente, que declare, de forma inequívoca, a sua intenção de destruir a exigibilidade do direito contraposto. Recebida, pelo titular do direito, a declaração de vontade, a condição se cumpre, e a pretensão, sucumbindo, fica prescrita. Se a pretensão contém uma ação, juntamente com a exigibilidade a ação se aniquila, ex consequentia.

Poderá o sujeito obrigado, igualmente, posteriormente à declaração extrajudicial de prescrição, ante a renitência do sujeito ativo, promover a ação judicial declaratória, com vistas a obter, do Poder Judiciário, a dicção de que a pretensão está prescrita. Possível, igualmente, o manejo de medidas cautelares, para prevenir ou cessar a cobrança de dívida prescrita.

E poderá mais: transcorrido o prazo, intentará, em o querendo, a ação constitutiva da prescrição. Com a realização da citação, produtora de efeitos materiais que esta é, a pretensão prescreve, e a sentença que sobrevier assim o declarará, definitivamente.

A prescrição pode – e tradicionalmente o é – alegada em juízo, por via de exceção. Os efeitos são os mesmos, independentemente da ocasião em que suscitada: a pretensão e a ação sucumbem, ex nunc, a partir da recepção da declaração de vontade. A sentença, que reconhece a prescrição, é meramente declaratória – a rigor recognitiva –, fazendo, contudo, e vantajosamente, coisa julgada formal e material. O juiz, portanto, não intervém para atribuir o direito de prescrição ou para constituí-la. Tão somente declara que a pretensão do autor, em existindo em si mesma, está extinta.

Torne-se assente que a argüição declaração de prescrição, produzida no corpo de um processo, guarda a mesma natureza de uma declaração realizada fora dele: continua sendo negócio jurídico unilateral receptício de vontade. Apenas aqui atua com uma vantagem: pode o negócio jurídico ser reconhecido e declarado judicialmente, revestindo-se de certeza e imutabilidade irradiáveis da coisa julgada. Mas, em seu cerne, a declaração feita pela parte, quando recebida pela outra, descompreende-se da relação processual. Assim, valerá a declaração de prescrição se o processo é declarado nulo, ou se a parte, posteriormente, desiste. O negócio jurídico prescritivo, uma vez reunindo os requisitos de validade, a par de irretratável, independe da sorte da relação processual.

E não poderia ser diferente: a prescrição opera , exclusivamente, no âmbito do direito material. Qualquer decisão judicial, que reconheça a prescrição, não a consubstancia: simplesmente a declara. E nem precisa a prescrição da chancela judicial, ou do seu mero reconhecimento, para que, em si mesma, exista e produza os seus efeitos aniquilativos. À realização da prescrição, extinguindo a pretensão, é suficiente a declaração da parte a quem ela aproveite, uma vez consumado o prazo de lei. A argüição da prescrição no âmbito do processo é mera contingência – e mesmo uma conveniência de prova e segurança – não uma necessidade invencível.

Como resultado do estado de prescritibilidade concreta (estado jurídico que deriva da consumação do prazo legal) , a energia do direito contrário fica condicionada, mas não extinta. O direito continua, portanto, existente e exigível. Desta constatação derivam as seguintes conseqüências:

a) Os créditos, cujos prazos de prescrição escoaram, continuam, ainda assim, exigíveis; são, portanto, susceptíveis de compensação. Conforme esclarece SORIANO NETO (52), "a prescrição não opera de pleno direito, de sorte que, se a parte a quem ela aproveita, deixa de alegá-la, não há, absolutamente, motivos de ordem jurídica, para se subtrair ao crédito a sua plena eficácia, que lhe permite constituir objeto de compensação".

b) Porque o direito permanece dotado de exigibilidade, não há a convolação da obrigação civil em natural; o sujeito passivo da relação de fundo, enquanto não faz o uso da condição erigida em seu favor, continua obrigado em virtude de uma obrigação civil.

c) Como corolário da inferência anterior, não pode haver dúvida que a obrigação pode ser novada.

d) Poderá o sujeito passivo renunciar ao exercício da condicio que o decurso do prazo suscitou em seu favor. Com isso, anulam-se os efeitos do estado de prescritibilidade concreta. O direito, restaurado em sua exigibilidade, passa a viger como se nunca houvesse sido afetado pelo decurso do tempo. Mas, verifique-se: aquele que renuncia abre mão de um direito ou prerrogativa próprios. E como a renúncia é produtora, apenas, de efeitos eliminativos, jamais jurígenos, os proveitos que o titular do direito experimenta decorrem não da renúncia em si mesma, que se exaure na eliminação de uma prerrogativa própria, mas se estabelecem por via de conseqüência. Postula registrar, ainda, que a renúncia ao exercício da condicio é ineficaz relativamente aos demais interessados, não prejudicando, por exemplo, outros coobrigados enfeixados pelo vínculo da solidariedade. Finalmente, tenha-se presente que a renúncia à condicio pode ser tácita: se, v.g., decorrido o prazo prescricional, o devedor paga parcialmente, devolve a exigibilidade do restante.

e) Porque ainda in obligatione, pode o devedor, se a mora é do credor, consignar em pagamento.

f) O poder de extinguir a exigibilidade não se confina no sujeito passivo, transmitindo-se aos juridicamente interessados. Pode, v.g., fazer cumprir a condição, em nome do obrigado, o co-devedor de obrigação indivisível ou solidária. Ao fiador garante-se a faculdade de opor a prescrição para extinguir a exigibilidade da dívida da fiança.

g) Por decorrência do princípio segundo o qual o acessório segue a regra do principal, o condicionamento da eficácia abrange não apenas a prestação principal, mas também as acessórias – a exemplo dos juros ou da cláusula penal –, ainda que tais prestações tenham prazo prescritivo próprio.

h) Malgrado o estado de prescritibilidade concreta não impeça a fluência de juros, estes são, igualmente, doravante, inexigíveis.

Aos efeitos da declaração de prescrição dedicaremos o capítulo que se segue.

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Sobre o autor
José Paulo Soriano de Souza

advogado da União no Estado da Bahia, ex-procurador do Estado da Bahia, professor de Direito Público da Faculdade de Salvador (FACSAL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, José Paulo Soriano. Ensaio sobre a natureza jurídica da prescrição no Direito Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 569, 27 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6220. Acesso em: 19 abr. 2024.

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