Bem de família e a proteção do ordenamento jurídico

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A Lei nº 8.009/90, que traz a impenhorabilidade do bem de família, tem viés humanitário muito bem-vindo ao direito moderno: preserva o imóvel residencial da penhora por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal ou previdenciária.

Resumo: O presente artigo tem por escopo abordar alguns aspectos da a Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família – Lei nº 8.009/90 - uma legislação condizente com o direito moderno, de cunho social e humanitário, que garante que o imóvel residencial não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal ou previdenciária. Esta Lei assegura, aos que passam por dificuldades financeiras, uma vida digna, sem privação de sua moradia. Preconiza-se, acima de tudo, esclarecer o tema proposto, analisando os temas controversos que o cercam em sua aplicabilidade prática. A inserção do bem de família na legislação brasileira pode ser considerada uma vitória social em razão de sua destacada importância, principalmente entre as classes menos favorecidas.

Palavras-chave: Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família; direito de moradia; análise jurídica.

Abstract:This article is scope to address some aspects of the unseizability Act of Family Well - Law No. 8.009 / 90 - a fitting law with modern law, social and humanitarian nature, which ensures that the residential property not held responsible for any civil debt, commercial, tax or social security. This law assures undergoing financial difficulties a dignified life without deprivation of their homes. The challenge is, above all, clarify the theme, analyzing the controversial issues that surround it in its practical applicability. The family and the insertion in Brazilian law can be considered a social victory because of their outstanding importance, especially among the lower classes.

Keywords: unseizability Act of Good Family; right to housing; legal analysis.


1 Introdução

A importância do núcleo familiar é reconhecida pela Constituição Federal de 1988, que confere proteção especial à família ao declarar o direito à moradia como um direito social e, ainda, considerando a casa asilo inviolável do indivíduo, conforme artigos 6º e 5º, XI, respectivamente.

Ademais, ao consagrar a proteção à família, a Constituição Federal define, em seu artigo 226, três espécies de entidades familiares, quais sejam: a constituída pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis (§§ 1º e 2º), a constituída pela união estável entre o homem e a mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (§ 3º), e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (§ 4º). Assim, para uma melhor compreensão acerca do assunto ora abordado, necessário se faz que nos reportemos ao citado artigo sempre que for mencionada a expressão entidade familiar.

Este trabalho monográfico tem como finalidade expor a problemática da penhorabilidade do único bem de família, com destaque para o posicionamento adotado pelos principais Tribunais Pátrios, em confronto com o entendimento vigente na Suprema Corte. Será ainda acentuada, a utilização do direito social à moradia, como característica justificadora da constitucionalidade da penhorabilidade do bem de família do fiador, pelos que defendem em conformidade com o entendimento do STF, a possibilidade de tal contenção.

Por fim, explorar o princípio da isonomia, como um fator que assegura a exceção da impenhorabilidade do bem de família, pois, é o contrato de fiança acessório em relação à locação, não podendo ser baseadas de maneiras diferentes em situações iguais. Se assim ocorrer, haverá desrespeito à proteção constitucional da moradia (art. 6.º da CF/1988).

Destarte, procurar aventar uma análise mais crítica quanto à possibilidade de penhora do único bem do fiador, fadado à morada de sua família. É, ainda, alvo deste projeto a conferência dos entendimentos dos Tribunais Pátrios com o entendimento já sedimentado, mas não uniforme.

Como principal objetivo desse estudo será abordado o instituto do bem de família de maneira geral, com a análise de suas origens, conceito, espécies e disciplina no Código Civil Brasileiro e na Lei nº 8.009/90. Será ainda explorada a questão relativa à impenhorabilidade do bem de família, devido ao seu considerável conteúdo social, destacando a proteção da entidade familiar em face do domínio econômico. Serão objetivos específicos: Ressalvar as exceções da impenhorabilidade do bem de família; Verificar suas hipóteses de execução com relação a penhora do imóvel em que reside a entidade familiar e Abordar a relação de fiança nos contratos de locação.

O estudo foi baseado no método de procedimento monográfico e de abordagem dedutiva, partindo de um raciocínio geral para um particular e com a técnica da documentação indireta. Assim será desenvolvida a pesquisa com consultas a livros jurídicos, monografias, leis, artigos disponíveis na rede mundial de computadores, jurisprudências e periódicos publicados em revistas especializadas.

Nesse contexto, insere-se o imóvel residencial próprio da entidade familiar, posto que o direito pátrio vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana defende o direito à habitação dos indivíduos, impedindo que a penhora recaia sobre sua moradia.


1 CONCEITO DE BEM DE FAMILIA

O instituto do bem de família possui uma enorme importância social, tendo em vista que visa à proteção da família e sua casa de morar, segundo ressalta a doutrina dominante. Conforme anteriormente dito, o bem de família ingressou em nosso ordenamento jurídico a partir do advento do Código civil de 1916. Foi mantido pelo Código civil de 2002, inserido no Direito de Família, sendo também regulamentado pela Lei 8.009/90.

Percebe-se, nesse sentido, que no ordenamento jurídico brasileiro convivem duas formas de proteção patrimonial da família contra penhora por execução de dívidas: a voluntária, regulada pelo diploma Civil nos artigos 1.711 e seguintes, e a processual, de ordem pública, regulada pela lei especial de número 8.009/90.

Ao dispor sobre o bem de família, o legislador pretendia garantir ao indivíduo, em contraposição aos credores, um teto, uma moradia, porquanto não seria justo colocar uma família ou um indivíduo “na rua” para satisfazer uma dívida. Nesse sentido, aponta Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 345) que o bem de família pode ser definido como “o constituído de uma porção de bens que a lei resguarda, em face da permanência de uma moradia para a entidade familiar, gozando de inalienabilidade e impenhorabilidade”.

Nos dizeres de Álvaro Villaça Azevedo (2012, p. 93), o bem de família seria “uma porção de bens definidos que a lei ampara e resguarda em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito a impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa”. Assinala Francisco Amaral (2009, p. 327): O bem de família é o instituto que permite, mediante escritura pública, que o chefe de família separe do seu patrimônio, com o fim de protegê-la, um prédio urbano ou rural de valor ilimitado, observadas as disposições legais pertinentes, com a cláusula de não ser executável por dívida, salvo decorrente de impostos, destinando-o ao domicílio da família, enquanto viverem os cônjuges e até a maioridade dos filhos.

Cumpre ressaltar que no ordenamento jurídico vigente coexistem duas formas de constituição do bem de família: a forma voluntária ou facultativa e a forma involuntária ou legal. O bem de família voluntário é aquele que se encontra regulado no Código Civil de 2002, e só pode ser constituído pela vontade expressa do instituidor, via escritura pública ou testamento.

Por sua vez, o bem de família involuntário ou legal é o constituído mediante os critérios constantes na lei 8.009/90, independentemente da vontade ou ato da parte. Em sede de bem de família legal, o instituidor é o próprio Estado, por força da lei retro mencionada, sendo essa uma lei de ordem pública, editada em defesa do núcleo familiar, independente de ato constitutivo e, portanto, de Registro de Imóveis.

Ambas as formas de constituição do bem de família serão oportunamente abordadas no estudo em tela. Encerrando o presente ponto, podemos concluir que o bem de família é aquele amparado pela lei, em proteção à família e a entidade familiar, o qual é dotado de impenhorabilidade e inalienabilidade, oferecendo o Estado, deste modo, um respaldo para que a moradia da família seja resguardada face aos credores.


2 ORIGEM DO BEM DE FAMILIA

O instituto do bem de família teve origem em 1839, no Estado do Texas (USA). Devido a uma crise econômica que atingiu grande parte das famílias americanas, várias destas famílias emigraram para o Texas, com intuito de, neste lugar, recomeçar suas vidas e reconstruir seus lares. Receosas quanto à perseguição por credores, exigiram do governo estadual garantias para sua fixação no novo território. Tal fato gerou a publicação da Lei do Homestead, o lugar do lar, que isentou de qualquer execução judicial por dívidas os imóveis residenciais urbanos ou rurais até 50 acres, desde que destinados à residência do devedor.

Em suma, a lei do Homestead buscou fixar o homem à terra, ao passo em que decretou a impenhorabilidade dos bens móveis domésticos, além dos bens imóveis, objetivando, assim, a proteção da família e seu imóvel residencial, haja vista que isentava de execução judicial por dívidas as áreas de terra de até 50 acres, bem como terrenos urbanos, com o intuito fundamental de incentivar a colonização. Posteriormente, a norma passou a ser adotada em outros estados daquela Federação.


3 O BEM DE FAMILIA NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, o instituto do Homestead foi introduzido pelo Código Civil de 1916, sob a denominação de “bem de família”, inscrito na Parte Geral daquele diploma. Contudo, previsto sob a modalidade voluntária, não houve aceitação da população, em virtude principalmente das formalidades exigidas para sua constituição. O projeto de Código civil de 1965 o passou para o Direito de Família.

O Código civil de 2002 manteve o bem de família inscrito no livro do Direito de Família, preconizando que os cônjuges ou entidade familiar podem destinar parte de seu patrimônio, instituindo o bem de família, com cláusula especial objetivando a isenção da execução por dívida.

A edição da Lei 8.009/90 propagou o instituto largamente, posto que a partir desta Lei o bem de família passou a ser legal, interposto pelo próprio Estado como norma de ordem pública, em defesa da entidade familiar.

No Código Civil de 1916, o instituto do bem de família foi regulamentado nos artigos 70 a 73. O legislador tinha o intuito de proteger a família, evitando que sua moradia fosse penhorada e esta ficasse em desamparo. Os quatro artigos que dispunham de forma simples sobre o tema deixaram lacunas na Lei, não tratando alguns assuntos como o valor do imóvel, seu tamanho ou sobre os bens que os guarnecem.

Foi dado ao “chefe de família” o poder para se valer do instituto; em seu artigo 233 edita que o marido é o chefe da sociedade conjugal, ou seja, não dava legitimidade a mulher para instituí-lo, apenas quando fosse viúva ou a ela incumbisse a direção do casal. Isso teve fim com a entrada em vigor da Constituição de 1988, já que ficou defeso se estabelecer diferenciações entre homem e mulher, igualando o exercício de direitos e deveres da sociedade conjugal (artigo 226,§ 5°). Houve, para tanto, a formulação de novas normas para o instituto obtivesse sucesso na sua aplicabilidade.

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A edição do Código de Processo Civil em 1939 (Lei n°. 1.608) trouxe, em seus artigos 647 a 651, a regulamentação para a constituição do bem de família. No Código Civil de 1916, havia a previsão de que a instituição deveria constar na escritura pública do imóvel. O Código de Processo Civil de 1939 trouxe uma fase preliminar objetivando impedir que o bem de família servisse de subterfúgio ao devedor inadimplente para fugir as suas responsabilidades, em prejuízo de credores. Em 1973 a lei n. 5.869 regulamentou o atual Código de Processo Civil; restando vigentes os artigos mencionados anteriormente por expressa determinação do artigo 1.128, VI, da mesma lei.

Quanto às lacunas, com o Decreto-Lei n.3.200/41 algumas delas foram complementadas, como a limitação do valor do imóvel, porém, em virtude da inflação, logo esse valor já estava defasado. A Lei n. 5.653/71 alterou o valor para 500 (quinhentos) salários mínimos para que o mesmo não ficasse desatualizado por causa da inflação.

Depois, a Lei n. 6.742/79 acabou com o limite de valor, o requisito agora então seria que o imóvel fosse de habitação da família por mais de dois anos, trazendo novamente a lacuna “qual o valor a ser estipular para o bem de família?”, essa lacuna só veio a ser preenchida com o Código Civil de 2002; limitou o valor para 1/3 do patrimônio líquido do instituidor.

Outra inovação do Decreto-Lei 3.200 foi a de que enquanto residissem o cônjuge sobrevivente ou filho menor, o imóvel com cláusula de bem de família não entraria no inventário nem seria objeto da partilha (artigo 20), não seria cobrado “juros da mora sobre o imposto de transição relativo à abertura da sucessão ao cancelamento da cláusula”. Porém, a grande inovação da referida lei foi à possibilidade de constituir-se bem de família sobre bem imóvel rural, destacando a extensão do bem de família aos bens móveis que guarnecem o lar, como também ao gado e instrumentos de trabalho (artigo 22); ainda houve a isenção e redução de qualquer imposto federal destinado a instituição do bem de família (art. 23).

O Decreto-Lei trouxe várias novidades para a maior utilidade da população ao bem de família; entretanto, havia questões burocráticas que continuavam sendo um obstáculo.

A lei n. 6.015/73 regulamentou toda a matéria relativa à instituição do bem de família, revogando o artigo 1.128, VI do Código de Processo Civil vigente.

Houve modificações em relação aos artigos revogados, as principais alterações foram, que a publicidade do bem de família deveria se dar antes do registro (artigo 262) e passados trinta dias, ninguém se manifestando contra a instituição, o escrivão fará a inscrição na matrícula do imóvel (artigo 263).

A inovação fica por conta do acréscimo do artigo 265, que dispõe “quando o bem de família for instituído juntamente com a transmissão da propriedade (Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941, art. 8°, § 5º), a inscrição far-se-á imediatamente após o registro da transmissão ou, se for o caso, com a matrícula”.

Em 29 de março de 1990, houve um grande progresso na legislação brasileira com a promulgação da Lei 8.009; esta dispõe exclusivamente sobre a impenhorabilidade do bem de família, trazendo avanços, como o chamado pela doutrina de bem de família legal, ou seja, o bem fica impenhorável independente do seu registro no oficio imobiliário, afastando questões de extrema burocracia e que dificultava o acesso a população de baixa renda.

Por fim, temos o advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) trazendo mais inovações e praticidade quanto à aplicabilidade do instituto, localizado no Livro da Família nos artigos 1711 a 1722. Além de preencher as lacunas existentes, o Código também corrigiu defeitos vigentes no Código Civil de 1916, limitando o valor do bem de família para um terço do valor líquido do patrimônio dos instituidores.

O artigo 1.722 criou a possibilidade do bem de família abranger valores mobiliários com renda destinada a conservação do imóvel e ao sustento da família. O parágrafo único do artigo 1.715 trouxe a possibilidade caso vier a ter execução do bem de família, o saldo deverá ser aplicado em outro prédio, como bem de família ou ainda poderá ser aplicado em títulos da dívida pública, salvo disposição do juiz em contrário.

O artigo 1.720, § único preceitua que com a morte dos pais sub-roga-se a administração para o filho mais velho e caso seja menor de idade ao seu curador. O artigo 1.721 aduz que a separação dos cônjuges não traz fim ao instituto, mas falecendo um dos cônjuges poderá o sobrevivente pedir a extinção do mesmo(§ único). O artigo 1.722 explica que o bem de família extingue-se com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

Pode-se concluir que a introdução do bem de família desde os primórdios não foi fácil, no entanto, mesmo sendo de forma lenta, com o passar dos anos houve uma considerável evolução do instituto em questão.

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Sobre os autores
Eristón Carlos Barroso Fernandes

Bacharelando em Direito pela Faculdade Luciano Feijão - FLF/Sobral - Cursando o 10° semestre;

Isadora Veras Farias

Bacharelanda em Direito pela Faculdade Luciano Feijão - FLF, cursando o 5° semestre;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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