RESUMO
O presente artigo investigou a questão da violência praticada contra a mulher, buscando construir um documento capaz de identificar como a questão do feminicídio foi tratada ao longo da historia em nosso país, bem como perceber o modo como se deu a percepção de tal violência, quando somos tão tolerantes quanto às questões de direito, submissão e posse. Percebeu-se que, ainda que lentamente, progredimos e construímos leis que buscam inibir tal categoria de crime, por meio de decretos e novas leis capazes de produzir a sensação de punibilidade, em detrimento à sensação de desamparo vivido anteriormente pelas vítimas deste crime hediondo que ainda persiste, mas não mais à revelia do estado de direito. Ainda assim foi possível notar que ainda há muito a se fazer para erradicar tal fato que reflete pura ignorância.
Palavras-Chave: Feminicídio, Violência Domestica, Ministério Público, Lei Maria da Penha.
1. INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é inconcebível sob qualquer aspecto e, quando motivada por questões de gênero ou sentimentos de posse, torna-se pior, uma vez que, até então, todo homem veio de uma mulher.
Assim, tanto o femicídio, que é crime previsto no caput do artigo 121 do Código Penal (CP), e refere-se ao homicídio simples, ao assassinato de uma mulher, quanto o feminicídio, incluído pela lei 13.104/15, que introduziu o inciso VI ao artigo 121 do CP, que trata do homicídio de mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, por razões de gênero, é uma forma qualificada do crime de homicídio.
Assim sendo, conceitua-se Feminicídio como sendo o assassinato de mulheres pela simples condição de ser mulher. É crime de ódio contra mulheres, Qualificado como hediondo e, justificado por uma histórica dominação da mulher pelo homem, sendo agravado pela impunidade e indiferença da sociedade e do estado.
Este crime hediondo é prova de covardia por parte do agressor que geralmente possui constituição física superior e impõe-se pela força ao praticá-lo.
Este trabalho tem o objetivo de descrever a evolução das leis que tratam do feminicídio, bem como avaliar as condições de proteção à mulher diante da violência manifestada contra o gênero feminino de forma geral.
2. DESENVOLVIMENTO
O artigo 5º, caput, da Lei nº. 11.340/2006 é bastante claro: Para os efeitos desta Lei violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. (Lei 11340/2006).
Como se não bastasse, pelo princípio da igualdade, expresso no artigo 5º da Constituição Federal, Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: “I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” (artigo 5° CF, 1988).
Apesar de esses direitos estarem afirmados na Carta Magna do Brasil desde 1988, quando de sua promulgação, não havia lei específica para qualificar os crimes contra a mulher de modo específico.
Aliás, o Brasil consta entre os últimos países na América Latina a aprovar uma legislação específica para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sendo promulgada a Lei n º 11340/2006, que é definida popularmente como Lei Maria da Penha.
A denominação Maria da Penha é em homenagem a uma farmacêutica brasileira, natural do Ceará, que sofreu constantes agressões praticadas pelo marido, até 1983, quando o mesmo tentou assassiná-la com um tiro de espingarda.
Maria da Penha escapou da morte, porém, ficou paraplégica. Ainda assim, ao retornar ao lar, o marido tentou matá-la novamente, desta vez eletrocutada.
É bom que se informe que a lei Maria da Penha não contempla unicamente casos de agressão física. Ela abrange outras formas de violências como situações de violência psicológica tais como o afastamento dos amigos e familiares, as ofensas, a destruição de objetos e documentos, a difamação e também a calúnia.
A lei é democrática, amparando todas as pessoas que se identificam com o sexo feminino, sendo considerado como qualificadora do feminicídio àquelas que se inserem nos variáveis aspectos, sendo eles: o biológico, psicológico e Jurídico Cível, que as condicionam como mulher. Basta à vítima estar em situação de vulnerabilidade em relação ao agressor, sem a exclusividade de que este seja o marido, podendo ser companheiro, parente ou apenas uma pessoa de seu convívio.
Outro aspecto da evolução da Lei n º 11340/2006 trata das novidades nela contidas em comparação ao Código Penal:
A prisão do suspeito de agressão, além de a violência doméstica passar a ser um agravante para aumentar a pena, também não se permite mais substituir a pena por doação de cesta básica ou multas, incluiu-se ainda ordem de afastamento do agressor à vítima e a seus parentes e por fim, a assistência econômica no caso de a vítima ser dependente do agressor. Graças a estes avanços, em 2012, a Lei nº 11.340 foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para a Espanha e Chile.
A Lei 11.340, de 2006 ainda pode ser aprimorada para atender melhor aos fatos mais graves, como nos casos de feminicídio. Uma vez que, diante da gravidade social que impera no Brasil, é necessária uma normatização mais severa, para punir exemplarmente o agressor.
Além da Lei nº 11.340, há muitos outros instrumentos normativos voltados à violência contra as mulheres.
Por ordem cronológica temos a notificação compulsória estabelecida pela Lei nº 10.778/2003 a qual se refere à comunicação obrigatória a ser feita à autoridade sanitária pelos profissionais de saúde quando do atendimento de mulheres vítimas de violência em equipamentos públicos ou privados, observando o artigo 3º e o seu respectivo parágrafo único que estabelece a notificação em caráter sigiloso, sendo a identidade da vítima revelada apenas em caso excepcional e com seu prévio conhecimento.
Art. 3º – A notificação compulsória dos casos de violência de que trata esta Lei tem caráter sigiloso, obrigando nesse sentido as autoridades sanitárias que a tenham recebido.
Parágrafo único. A identificação da vítima de violência referida nesta Lei, fora do âmbito dos serviços de saúde, somente poderá efetivar-se, em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável. (Lei nº 10.778/2003).
Esta notificação aplica-se às violências física, sexual ou psicológica, e que tenham ocorrido no ambiente doméstico, intrafamiliar, na comunidade, ou seja, perpetradas ou toleradas pelo Estado, onde quer que ocorra.
A notificação servirá para que o Estado (federal, estadual e municipal) planeje ações de erradicação da violência contra a mulher, partindo da realidade brasileira: onde acontecem, identificando o tipo de violência que ocorre com mais frequência, quem comete a violência, quem é a mulher que sofre a violência (sua cor, idade, classe social etc.), a fim de que essas informações subsidiem o planejamento e implementação de políticas públicas.
Sequencialmente temos a Constituição Federal de 1988 que dispõe que o Estado criará mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares.
Art. 226 – A família, base da sociedade, em especial proteção do Estado.
§ 8 – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Mais recente é o decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013 que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde.
Art. 1º Este Decreto estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual pelos profissionais da área de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde – SUS, e as competências do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde para sua implementação.
Art. 2º O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS observará as seguintes diretrizes:
I – acolhimento em serviços de referência;
II – atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da dignidade da pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade;
Isto representava um problema às vítimas que sentiam se expostas.
III – disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o atendimento, para propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima;
IV – informação prévia à vítima, assegurada sua compreensão sobre o que será realizado em cada etapa do atendimento e a importância das condutas médicas, multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão sobre a realização de qualquer procedimento;
V – identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência e de unidades do sistema de garantia de direitos;
VI – divulgação de informações sobre a existência de serviços de referência para atendimento de vítimas de violência sexual;
VII – disponibilização de transporte à vítima de violência sexual até os serviços de referência; e
VIII – promoção de capacitação de profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS para atender vítimas de violência sexual de forma humanizada, garantindo a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados.
Art. 3º Para os fins deste Decreto, considera-se serviço de referência o serviço qualificado para oferecer atendimento às vítimas de violência sexual, observados os níveis de assistência e os diferentes profissionais que atuarão em cada unidade de atendimento, segundo normas técnicas e protocolos adotados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Justiça.
Art. 4º O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais da rede do SUS compreenderá os seguintes procedimentos:
I – acolhimento, anamnese e realização de exames clínicos e laboratoriais;
II – preenchimento de prontuário com as seguintes informações:
a) data e hora do atendimento;
b) história clínica detalhada, com dados sobre a violência sofrida;
c) exame físico completo, inclusive o exame ginecológico, se for necessário;
d) descrição minuciosa das lesões, com indicação da temporalidade e localização específica;
e) descrição minuciosa de vestígios e de outros achados no exame; e
f) identificação dos profissionais que atenderam a vítima;
III – preenchimento do Termo de Relato Circunstanciado e Termo de Consentimento Informado, assinado pela vítima ou responsável legal;
IV – coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado;
V – assistência farmacêutica e de outros insumos e acompanhamento multiprofissional, de acordo com a necessidade;
VI – preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória de violência doméstica, sexual e outras violências; e
VII – orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual.
§ 1º A coleta, identificação, descrição e guarda dos vestígios de que tratam as alíneas “e” e “f” do inciso II e o inciso IV do caput observarão regras e diretrizes técnicas estabelecidas pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério da Saúde.
§ 2º A rede de atendimento ao SUS deve garantir a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados.
Art. 5º Ao Ministério da Justiça compete:
I – apoiar a criação de ambiente humanizado para atendimento de vítimas de violência sexual nos órgãos de perícia médico-legal; e
II – promover capacitação de:
a) peritos médicos-legistas para atendimento humanizado na coleta de vestígios em vítimas de violência sexual;
b) profissionais e gestores de saúde do SUS para atendimento humanizado de vítimas de violência sexual, no tocante à coleta, guarda e transporte dos vestígios coletados no exame clínico e o posterior encaminhamento do material coletado para a perícia oficial; e
c) profissionais de segurança pública, em especial os que atuam nas delegacias especializadas no atendimento a mulher, crianças e adolescentes, para atendimento humanizado e encaminhamento das vítimas aos serviços de referência e a unidades do sistema de garantia de direitos.
Art. 6º Ao Ministério da Saúde compete:
I – apoiar a estruturação e as ações para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual no âmbito da rede do SUS;
II – capacitar os profissionais e gestores de saúde do SUS para atendimento humanizado; e
III – realizar ações de educação permanente em saúde dirigidas a profissionais, gestores de saúde e população em geral sobre prevenção da violência sexual, organização e humanização do atendimento às vítimas de violência sexual. (BRASIL, 2013).
Este decreto é um marco importante para a mitigação da violência contra a mulher.
O crime de feminicídio previsto no caput do artigo 121 do Código Penal refere-se ao homicídio simples, ao assassinato de uma mulher. Já a figura do feminicídio foi criada pela lei 13.104/15, que introduziu o inciso VI ao artigo 121 do CP, que trata do homicídio de mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, por razões de gênero. Esta é uma forma qualificada do crime de homicídio.
A lei sancionada em 2015, de número 13.104, torna o feminicídio um crime qualificado, segundo a lei penal. Ao se tornar um crime qualificado, ele torna-se, automaticamente, hediondo.
Também a lei identifica alguns agravantes do feminicídio que podem aumentar a pena com um adicional de 1/3 sobre a pena original.
São três tipos de agravantes, que se configuram no feminicídio que ocorre durante a gestação ou em até três meses após o parto da vítima; naquele que ocorre contra a mulher com menos de 14 anos, mais de 60 anos ou com algum tipo de deficiência; e o terceiro é aquele que ocorre na presença de filhos ou pais da vítima.
As alterações tornam mais graves o crime contra a mulher quando detectadas causas ligadas ao gênero.
Artigo 121 CP;
§ 2º,
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Aumento de pena
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (NR).
Apesar de todas estas evidências e da evolução da legislação, há quem conteste e busque meios para classificar a legislação a este respeito como exagerada e inconstitucional.
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou as desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (BARBOSA, 1921)
Essa citação de Rui Barbosa, extraída do discurso Oração aos Moços, no qual, brilhantemente, ele explica quanto à necessidade de tratamento diferente aos não iguais, é suficiente para demonstrar aos formadores de opiniões que insurgem contra leis de proteção à mulher, alegando inconstitucionalidade devido ao fato de não existir uma lei de proteção ao homem.
3. CONCLUSÃO
Os atos de violência ocorridos no âmbito domiciliar, tendo como agressora pessoa próxima à vítima, foram negligenciados durante muito tempo pelos governantes e pela própria sociedade, contudo, vagarosamente, o Brasil formulou leis de proteção à mulher, tão eficientes que reconhecem como violência doméstica toda ação ou omissão que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou mesmo psicológico e/ou dano moral ou patrimonial à mulher, definindo como crime hediondo a violência em função de gênero, sendo, por isso, leis que merecem destaque em todo o mundo.
Apesar da evolução percebida quanto ao alcance e efetividade das leis produzidas para inibir o crime de feminicídio, ainda há muito que se fazer no sentido de mitigar os problemas. Fica a sensação de que o mais eficiente seria o investimento em educação, pois, assim, o próprio agressor tomaria consciência de seu ato machista, egoísta autoritário e, acima de tudo, ignorante.
4. REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Marcelo Módolo (Org). São Paulo: Hedra, 2009.
BRASIL. Constituição de 05 de outubro de 1988. Constituição da República FederativadoBrasil.Disponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 nov. 2017
Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm; Acesso em: 20 de Nov. 2017
Dossiê feminicídio. Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/>Acesso em: 20 nov. 2017
Lei n. 11.340 de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 23 nov. 2017.
Lei n. 11.104 de 09 de março de 2015. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/lei/L13104.htm. Acesso em: 23 nov. 2017.
MARRONE, Wiliane S.. Maria da Penha Fernandes: Ela não se calou. Sinais, Quebrando O Silêncio: Violência Contra a Mulher, America do Sul, v. 0, n. 1, p.02-34, nov. 2016. Mensal.
.