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A aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo do Código de Trânsito Brasileiro

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24/02/2005 às 00:00
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2-O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ROL DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

O dispositivo chave em matéria de processo administrativo é o inciso LV do artigo 5º, o qual reza o seguinte: "Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".Visualizado quanto à Administração, o preceito assegura, aos litigantes em processo administrativo e aos acusados no âmbito administrativo, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. [10]

O preceito acima está inserido no título dedicado aos direitos e garantias fundamentais. Nem sempre, na teoria e na prática, se torna possível a separação nítida entre direitos e garantias. José Afonso da Silva, ao tratar do confronto entre direitos e garantias, menciona a conotação destas como direitos instrumentais, porque destinadas a tutelar um direito principal.

Conforme se depreende do texto supra citado, o art. 5º da Carta da Primavera de 1988, estampa em seus texto primordial as garantias dos litigantes se contradizerem e promoverem a ampla defesa de seus direitos, desde que dentro da legalidade. Contudo, a leitura do citado inc. LV suscita a questão do significado do termos litigantes na perspectiva do processo administrativo.

Diferentemente do passado, as correntes doutrinárias contemporâneas já trabalham com a idéia de multiplicidade de interesses, de diversidade de pontos de vista, de controvérsias a respeito de direitos no âmbito da atuação administrativa. Daí merecer acolhida a diretriz aventada por Ada Pellegrini Grinover ao examinar o sentido do termos litigantes na esfera administrativa:

O litigante surge em razão de uma controvérsia, em razão de um conflito de interesses. [...] Haverá litigantes sempre que houver um conflito de interesses, sempre que houver uma controvérsia [11]

A exigência de processo administrativo abrange, portanto, situações em que dois ou mais administrados apresentam-se em posição de controvérsia entre si, perante uma decisão que deva ser tomada pela Administração; por exemplo: nas licitações, concursos públicos, licenciamento ambiental. Abrange também os casos de controvérsias entre administrados (particulares ou servidores) e a Administração; por exemplo: licenças em geral, recursos administrativos em geral (multas de trânsito), reexame de lançamento (processo administrativo – tributário).

Na esfera administrativa o termo "acusado" designa as pessoas físicas ou jurídicas às quais a Administração atribui determinadas atuações, das quais decorrerão conseqüências punitivas; por exemplo: imposição de sanções decorrentes do poder de polícia, inclusive sanções de trânsito.

O princípio do contraditório, em essência significa a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios, ante fatos, documentos ou pontos de vista apresentados por outrem. Fundamentalmente, no dizer de Cândido Rangel Dinamarco, contraditório quer dizer "informação necessária e reação possível". Elemento ínsito à caracterização da processualidade, o contraditório propicia ao sujeito a ciência de dados, fatos, argumentos, documentos, a cujo teor ou interpretação pode reagir, apresentando, por seu lado, outros dados, fatos, argumentos, documentos. À garantia do contraditório para si próprio corresponde o ônus do contraditório, pois o sujeito deve aceitar a atuação no processo de outros sujeitos interessados, com idênticos direitos.

Do princípio do contraditório, centrado na informação necessária para possibilitar a reação, emanam faculdades, direitos, enfim conseqüências que formar o corpo do seu próprio conteúdo. No estudo de Odete Medauar, o contraditório possui uma profunda inter-relação com o princípio da ampla defesa, alguns desdobramentos vem inseridos pela doutrina e jurisprudência também no rol dos elementos configuradores deste último, assim, serão arrolados a seguir os desdobramentos mais diretos do princípio do contraditório [12].

a) Informação geral – significa o direito, atribuído aos sujeitos e à própria Administração, de obter conhecimento adequado dos fatos que estão na base da formação do processo e de todos os demais documentos, provas e dados que vierem à luz no curso do processo. Daí resultam exigências impostas à administração no tocante à comunicação, aos sujeitos, de elementos do processo em todos os seus momentos. Vincula-se, também, informação ampla, o direito de acesso a documentos que a Administração detém ou a documentos juntados por sujeitos contrapostos. No ordenamento pátrio, o princípio da publicidade, consagrado constitucionalmente, irradia-se de forma acentuada nas atuações administrativas processualizadas.

b) Ouvida dos sujeitos ou audiência das partes – esse aspecto mescla-se com facilidade aos desdobramentos da ampla defesa. Consiste, em essência, na possibilidade de manifestar o próprio ponto de vista sobre fatos, documentos, interpretações e argumentos apresentados pela Administração. Aí se incluem o direito paritário de propor provas, o direito de vê-las realizadas e apreciadas e o direito a um prazo suficiente para o preparo de observações a serem contrapostas.

c) Motivação – a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a regra da motivação dos atos administrativos. Pela motivação se percebe como e quando determinado fato, documento ou alegação influi na decisão final. Evidente que a motivação não esgota aí seu papel; além disso, propicia reforço da transparência administrativa e do respeito à legalidade e também facilita o controle sobre as decisões tomadas.

2.1-IMPORTÂNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Em extensa escala a atividade da administração é atividade processual e pela importância de que se reveste, está inscrita entre os capítulos de maior responsabilidade do direito administrativo, não só porque é a base para a aplicação das sanções preliminares, ditas maiores, como também porque, em nossos dias, é indubitável a tendência generalizada, nos países de orientação democrática, se assegurar ao funcionário público uma série infinita de recursos que o põe a salvo do arbítrio das autoridades às quais se subordina (Cavalcanti).

E, se por um lado, não há disciplina alguma que dispute ao direito administrativo o estudo do processo que lhe é peculiar, por outro lado, a questão controvertida está em saber se o procedimento administrativo é suscetível e digno de investigação teórica.

Não há a menor dúvida de que a importância gradativa que vai assumindo o processo administrativo moderno justifica do modo mais amplo quaisquer estudos e investigações teóricas tendentes a esclarecer-lhe os contornos nem sempre nítidos, mas que necessitam, por isso mesmo, de rigorosa e urgente delimitação.

Embora alguns autores que estudam o processo administrativo prefiram não falar em "partes", empregando ou o termo "interessados" ou "concorrentes", somos de parecer que, neste tipo particular de atividade processual, convém manter a antiga denominação consagrada pelos processualistas.

Com efeito, se parte é quem compõe uma demanda e aquele contra quem a demanda é proposta, sendo as partes da demanda as partes do processo, não há motivo algum para não continuar o uso de tão simples quão tradicional terminologia.

Desse modo, a administração é parte, bem como o administrado figura também nessa qualidade e com essa denominação.

No entanto, visto que a administração, como "parte", se acha em relevo todo especial, adotaremos neste trabalho o nome de parte ou interessado, ao particular ou funcionário público que figurar na relação jurídico-processual administrativa, quer como sujeito ativo, quer como sujeito passivo.

Não obstante se trate de binômio (Administração versus interessado), não de trinômio (como no direito processual civil), as partes em ação, na realidade, são contrapostas, defendem não raras vezes interesses antagônicos: os administradores pleiteando os direitos que a lei lhes faculta, a administração velando para que os deveres sejam observados; ambos, enfim, em ultima análise, fornecendo elementos para que a justiça figure sempre em primeiro plano e o Estado atinja, do melhor modo possível e no mais rápido espaço de tempo, o fim elevado que se propõe a realizar.

Enfim, de um modo geral, sob a rubrica genérica de administrados, que podem ser funcionários, do quadro ou fora do quadro, como também podem ser simples particulares, compreendemos todos aqueles que estão à mercê da Administração: ora, quando os administradores, por qualquer motivo, integram a relação jurídico-processual administrativa podem receber o nome de partes, interessados ou concorrentes, sem prejuízo de que reserve, também, a denominação de parte à própria administração em numerosos casos.

Em ambos os casos, é preciso distinguir a questão, o primeiro, nos países que admitem o contencioso administrativo, como a França, na qual um aparelhamento especial, autônomo, independente do Poder Judiciário, "julga", "diz o direito", e nos países, como o Brasil, no qual só o Judiciário é que tem a prerrogativa jurisdicional.

Mas, qualquer que seja o sentido em que se temo a expressão processo administrativo, o elemento teleológico ou finalístico jamais pode deixar de ser presente. Como espécie do processo, em geral, o processo administrativo dirige suas vistas para um fim, que é um pronunciamento original, uma decisão concreta da administração, um ato administrativo que consubstancie uma norma vigente.

Deste modo procedimento desta índole persegue a finalidade de conseguir um ato administrativo por parte da administração, ou uma atuação administrativa, por parte do administrado ou particular, alheias, uma e outra, ao político ou ao judicial. [13]

A finalidade do processo administrativo, ensina Villar y Romero, "é obter uma decisão concreta da administração que individualize uma norma jurídica ou declare, reconheça ou proteja um direito, cuja afirmação se pede, quer pela pessoa interessada quer pela própria administração".

Parafraseando Kisch, acrescenta, pode-se afirmar que a finalidade do processo é unitária e que os atos processuais só alcançam eficácia, em sua totalidade, graças ao influxo que exercem para obtenção dessa decisão final que constitui a verdadeira finalidade do processo administrativo.

2.1.1-Falando em Ampla Defesa

A regra da Ampla Defesa, nas palavras de José Cretella Júnior [14]:

[...] abrange a regra do contraditório, completando-se os princípios que informam e que se resumem no postulado da liberdade integral do homem diante da prepotência do Estado". A defesa a que se refere o inciso LV do art. 5º da Constituição de 1988 "é a defesa em que há acusado; portanto, e a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal ou administrativo, ou policial. O princípio nada tem com o inciso do processo civil, onde há réus sem direito à defesa, antes da condenação (15).

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Em 22 de julho de 1936, o Supremo Tribunal Federal, em decisão memorável, então denominado de Corte Suprema, julgando argüição de inconstitucionalidade de dispositivo de processo civil, diante da Constituição de 1934, vigente, art. 113, § 23, que assegurava aos acusados ampla defesa, manifestou-se pelo voto do Relator, e firmou, para sempre, o princípio de que a Carta "consagra garantias a réus, em processos criminais, ou acusados de crime, propriamente ditos, e não cogita de estabelecer nenhuma norma fundamental para o direito civil". Assim, em 1934, art. 113, § 24, como já antes, em 1891, art. 72, § 15 e, como depois, em 1937, art. 122, § 11; em 1946, art. 141, § 25; 1967, art. 150, § 15; em 1969, art. 153, § 15; em 1988, art. 5º, inciso LV, "AMPLA DEFESA" é regra peculiar a processo em que o Estado acusa e não existe em processo no qual o Estado, por meio do magistrado, é estranho à lide, procurando dar razões a quem tem. No processo administrativo, que alguns denominam de inquérito administrativo, é necessária a ampla defesa para demissão de funcionário admitido por concurso (súmula 20 do STF), sendo "nula a demissão de funcionário com base em processo administrativo no qual não lhe foi assegurada ampla defesa" [16]. Destoa da norma geral a aplicação da Carta de 1937 e 1967, onde as garantias individuais fundamentais foram suprimidas pela truculência do regime forte de então.

Longo caminho a humanidade percorreu, desde a época em que a vida e os bens eram tirados do homem só pela vontade do soberano até a afirmação, consolidação e aprimoramento das garantias de vida, patrimônio, honra e outras mais, conquistadas no correr dos séculos.

O direito de defesa significa, em essência, "o direito à adequada resistência às pretensões adversárias". [17] Tem o sentido de busca de preservação de algo que será afetado por atos, medidas, condutas, decisões, declarações, vindos de outrem. A Constituição Federal de 1988 alude a ampla defesa, refletindo a evolução que reforça o princípio e denota elaboração acurada para melhor assegurar sua observância.

Os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa mantêm profunda interação, já se disse, mesclando-se, em muitos pontos, as decorrências de um e outro.

2.2-O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO CTB

É cediço em nosso ordenamento jurídico–constitucional que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com observância ao princípio do devido processo legal. (Art. 5º LV CF).

O legislador, ao elaborar o CTB, foi claro e preciso, particularmente no desenho do processo administrativo de infração de trânsito.

Não deixou dúvidas quanto à existência do processo administrativo precitado intitulado no capítulo XVIII assim: "DO PROCESSO ADMINISTRATIVO".

Esclareceu que em ocorrendo a infração prevista (qualquer infração) na legislação de trânsito (art. 280, "caput"), ocorrerá o arquivamento do auto se este for considerado inconsistente ou irregular (art. 281, parágrafo único e inciso I) quando de seu julgamento (art. 281., "caput").

Referendou que é imprescindível a notificação do auto de infração em relação ao autuado, deixando claro que a este, antes do julgamento do auto infracional pela autoridade de trânsito, será oferecida a oportunidade de examinar a regularidade formal e material de auto-infração (ou seja, a sua consistência) e, se irregular, daí inconsistente, argüir, através da constitucional defesa (art. 5º. LV e LIV), a sua inconsistência, para que, quando do julgamento do auto (art. 281, "caput"), seja ele arquivado (art. 281, único e inciso I), a seu requerimento. Surge aqui a "Defesa Prévia" fazendo-o nos artigos 2º. Da Res. nº 568/80 e 1º da Res. 829/97, ambas do CONTRAN, que detém competência para expedi-las (art. 12, I, CBT) sendo que devidamente recepcionadas pelo Codex de Trânsito (art. 314, parágrafo único). Estabeleceu expressamente que esta notificação de auto de infração sempre se dará antes do julgamento, referido, no art. 280, VI, que a assinatura de infrator, no auto respectivo, valerá como notificação do cometimento da infração e (se o autor não tiver presente quando a autuação) que esta mesma notificação da autuação, caso não procedida do ato lavratório, será expedida em até 30 dias da lavratura do auto infracional, sob a conseqüência fatal de ser arquivado o auto, ou seja, de não aplicada a penalidade, operando-se a decadência (perda de direito de punir por quem o detinha), tudo conforme o conteúdo do art. 281, único, II do CBT.

Asseverou, que após o julgamento da consistência e regularidade do auto infracional (peça acusatória) pela autoridade de trânsito (art. 281, caput, CBT), mediante análise de argumentos encerrados nestes e nas razões de defesa, esta arquivará o mesmo, julgando aplicação de penalidade (art. 282, caput, CBT). Encerra-se, destarte, a primeira instância administrativa.

O ato de notificação nada mais é do que a consolidação da multa aplicada, portanto, consiste em uma deliberação de decisão da autoridade administrativa quanto à convalidação do ato exarado pelo agente fiscalizador.

Desta forma, a autoridade administrativa, ao analisar a "consistência" do auto lavrado pelo agente ou equipamento eletrônico, exerce ato de decisão, aplicando penalidade ao condutor do veículo, contudo, sem conceder-lhe o direito de defesa, cerceando ao interessado o contraditório, infringindo assim, norma de dicção constitucional.

Assim, se houve decisão administrativa, indispensável, antes da emissão da notificação ao interessado para o recurso administrativo, que fosse assegurado ao acusado uma defesa prévia, na fase da autuação, onde poderia promover sua defesa na fase preliminar.

O eminente doutrinador Cássio Matos Honorato [18], conceitua e define claramente a obrigatoriedade da concessão à defesa prévia antes da consolidação da notificação ao suposto infrator:

Notificação significa dar conhecimento ao condutor ou ao proprietário do veículo, conforme o caso, de cada um dos atos administrativos ou atos decisórios que foram praticados ou adotados pela administração Pública de Trânsito. Tratar-se de ato indispensável para a validade dos atos administrativos, que se sujeitam ao Princípio da Publicidade, nos termos do art. 37, caput, da Constituição da República...

Não basta a notificação inicial, ou simplesmente da imposição da penalidade. É mister que a cada um dos atos administrativos seja conferida a indispensável publicidade, sob pena de nulidade.

A falta de notificação caracteriza cerceamento de defesa e inobservância do devido processo legal, maculando, de forma irreversível, todo o procedimento para imposição de penalidade administrativa.

Dessa forma, o responsável pela infração (condutor ou proprietário) deve ser notificado da autuação (notificação pessoal), para que, querendo, possa promover a "defesa prévia" (O procedimento para interposição de "defesa prévia" encontra-se previsto nos artigos 2º a 6º da Res. Nº 568/80 do CONTRAN); da conversão em multa e da imposição das penalidades, para que possa promover o cabível "recurso administrativo", perante a JARI, para que possa, querendo, recorrer dessa decisão, nos termos dos artigos 288 e 289 do CTB.

Extrai-se do ensinamento supra citado, que, obrigatoriamente, na fase de autuação, impõe-se que seja concedido defesa prévia, e posteriormente, na fase da notificação da multa, deve ser concedida o direito de recurso a JARI. Sendo improvido ambos, concede ainda o direito de recurso a instância administrativa superior – CETRAN).

Nada obsta que o cidadão autuado procure as vias judiciais primeiramente, em atenção ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, contudo, na prática, este não é um procedimento comumente adotado.

Em síntese, agindo assim, a administração pública suprimiu fase indispensável ao interessado em oportunizar sua defesa, através de defesa prévia, na fase de autuação.

Tal entendimento está consignado na Resolução nº 568/80, do CONTRAN, quando em seu dispositivo do art. 2º, assim expressa, in verbis:

Art. 2º - Com o recebimento do Auto de Infração, o interessado poderá, no prazo de 30 dias, apresentar defesa prévia à autoridade de trânsito, antes da aplicação da penalidade.

É salutar observar que a referida resolução está em pleno vigor, conforme comentário do Art. 280 do CTB, na lição de Geraldo de Farias Lemos Pinheiro [19], quando assim expressa:

Sendo garantida a notificação do proprietário, para ciência da autuação, mesmo que desobrigado de confirmar a identificação já feita pelo agente, a ele estará sendo concedido o direito de defesa prévia, prevista na Resolução nº 568/80, que entendemos não revogada e que atende à regra constitucional da ampla defesa antes da imposição da pena.

2.3-ANULABILIDADE DOS JULGADOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO CTB

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pacificou entendimento no sentido de que, não havendo prévia notificação do infrator, para exercitar seu direito de defesa, é ilegal a exigência do pagamento de multas de trânsito, conforte Súmula 127.

Outra particularidade significativa diz com a vigência, indiscutível, do Decreto nº 2.521, de 20.03.98, portanto, de elaboração legislativa pós-CTB, que não deixa nenhuma dúvida acerca da existência de defesa prévia, nos seguintes termos:

Art.88 – O auto de infração será registrado no órgão competente do Ministério dos Transportes ou da entidade conveniada, dele dando-se conhecimento ao infrator, antes de aplicada a penalidade correspondente.

Parágrafo Único – é assegurado ao infrator o direito de defesa, devendo exercitá-lo, querendo, dentro do prazo de quinze dias úteis contado da data de recebimento da correspondente notificação.

Esses confiáveis assertos, somados aos conteúdos dos art. 280 VI e 281, parágrafo único, II do CTB, aos das resoluções 568/80, art. 2º e 829/97, art. 1º e aos dos artigos 5º, incisos I, LIV e LV da CF, tornam absolutamente tranqüilo o respaldo legal à defesa ampla nos processos de infrações de trânsito.

Mais: não fosse assim, como se justificaria a oportunização de defesa, diante dos autos de infração, protagonizada pelos referidos decretos 96.044/88 e 2.521/98, a alguns autuados em matéria de infrações viárias e a outros não: onde estaria a significação do princípio da igualdade de todos diante do ordenamento legal e jurídico (art. 5º, caput e inciso I, CF).

O entendimento dos tribunais pátrios evidencia a tendência jurisprudencial no sentido de se proteger o direito do cidadão e a garantia do Devido Processo Legal quando da aplicação do Código de Trânsito Brasileiro – CTB.

Eis alguns sustentáculos jurisprudenciais:

Vistos.

Assiste a razão do Ministério Público

Efetivamente estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada.

É cristalina a plausibilidade de direito alegado, na medida em que foram aplicadas várias penalidades, sem que fosse observado o devido processo legal.

"O fundado receio de dano também restou caracterizado isto porque os veículos da autuação não poderão ser transferidos sem que haja quitação de multas. Além disto, também por ocasião da renovação das carteiras, pós requerentes ver-se-iam compelidos ao pagamento de uma multa, cuja a legalidade está sendo discutida em juízo.

Destarte, DEFIRO o pedido de tutela antecipada e suspendo a eficácia das penalidades, aplicadas constantes das notificações advindas de autos de infrações números de 2020, 3373; 3693; 5342 e 6200 até o julgamento desta ação.

Oficie-se ao requerimento e ao DETRAN, comunicando o deferimento do pedido de tutela antecipada, a fim de que sejam adotadas as medidas cabíveis.

Intimem-se. Cite-se."

Aos 03 de Setembro de 1999.

"Marialice Camargo Bianchi, Juíza de direito."

O MM. Juiz da vara da 1º Fazenda Pública Municipal desta capital, Dr. João Ubaldo Ferreira, também possui o mesmo entendimento, onde, recentemente, concedeu a tutela antecipada, suspendendo a eficácia das penalidades contidas nos autos infracionais noticiados naquele processo.

Também possui entendimento análogo o MM. Dr. Waltides Pereira dos Passos, plantonistas nas varas da Fazenda Pública Estadual, onde observou ser aplicado o ato de aplicação de multas sem a observância do princípio institucional da ampla defesa e do contraditório, concedendo a tutela antecipada em dois processos, suspendendo as multas aplicadas pela Superintendência Municipal de Trânsito/SMT.

Seguem, ainda, com a transcrição, por amostragem, de cinco decisões, uma de cada das cinco Câmaras especializadas em direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, iniciando, entretanto, por uma ementa do Supremo Tribunal Federal, que ainda não se refira a trânsito, é muito pertinente pelos esclarecimentos que traz a respeito do processo administrativo punitivo símile ao que se ora se discute:

Ren. 250. 744-0

Relator: min. MOREIRA ALVES

Ementa: Multa, Exigência de depósito prévio de valor relativo a multa para admissão de recursos administrativos.

Esta primeira turma (assim nos RREE 169.077 e 225.295, exemplificadamente) tem decidido, com base em precedentes desta corte (ADIN 1.049 e RE 210. 146), que, Exercida defesa prévia à homologação do auto da infração, não viola a atual Constituição (artigo 5º, XXXV, LIV e LV) o diploma legal que exige o depósito prévio do valor da multa como condição ao uso de recurso administrativo, pois não, há nesta carta magma, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa.

Igualmente não há violação do artigo 5º, XXXIX, "a", da carta magma, uma vez que, além de não haver exigência do pagamento de taxa que não o é esse depósito, também não se pode pretender de que o direito de petição decorra a garantia a esse duplo grau.

Recurso extraordinário conhecido e promovido.

DIREITO PÚBLICO ESPECÍFICO TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO, NOTIFICAÇÃO, DIREITO DE DEFESA ANTES DO JULGAMENTO PELA AUTORIDADE DE TRÂNSITO.

A autoridade de trânsito que, antes de julgar auto de infração, seja qual for a penalidade a ser em tese, aplicada, não conceder ao autuado oportunidade de defesa, viola direito líquido e certo deste, protegível por demanda de segurança. É que o atual Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), embora não seja específico no ponto, assim como não era como o anterior Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5.106/66) não só excluir o direito de o autuado contestar a peça acusatória, antes do julgamento e isso independentemente da penalidade que, em tese, possa resultar, como reconhece, de modo implícito, ao conceder tal direito em outras situações, como a dos arts. 257, § 7º e 256. Mas que isso, se todas as penalidades, como diz o art. 256, não é lógico conceder direito de defesa só em relação há algumas. Se não bastasse, o direito de defesa, inclusive no âmbito administrativo, esta garantido pelo art. 5º., LV da CF. Por isso, a Resolução 568/80, do CONTRAN, foi recepcionada pelo atual CTB, conforme admite o art., 314, parágrafo único. Apelo desprovido e sentença confirmada em reexame. "(TJRS, Primeira Câmara Cível, ap. nº 70000192575, j. em 05.04.2000).

ADMINISTRADO. MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA DE TRÂNSITO EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO COMO CONDIÇÃO AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. DESCABIMENTO.

"É ilegal a imposição de multa de trânsito sem procedimento administrativo regular e que assegure ao autuado o exercício de direito de defesa através do contraditório. Não é suficiente a prévia intimação pessoal. É indispensável também observar a influencia do prazo de defesa." RECURSO PROVIDO." (TJRS, Segunda Câmara Civil, ap., nº 70000502443, j. 29.03.2000).

MANDANDO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE MULTA. INOBSERVÃNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. Ilegal o ato de aplicação de multa em desrespeito aos princípios insculpidos no art. 5º., LV, da carta política. A autoridade não pode aplicar a penalidade antes de proceder à análise de argumentos da defesa, bem como da fundamentação do auto de infração. SEGURANÇA CONCEDIDA." (TJRS, terceira Câmara Cível, ap. nº 7000038869, j. em 09.12.1999).

CONSTITUCIONAL E TRÂNSITO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. FALTA DE OBSERVÂNCIA DE DEFESA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE.

O direito de defesa, assegurado no art. 5º, LV, da CF/88, e parte integrante do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88), há de ser prévio a qualquer decisão sobre alguma imputação. Portanto a possibilidade de interposição de recurso, figura impugnativa que pressupõe decisão já tomada, não satisfaz aquela garantia constitucional. Por conseguinte, em casos de infração de trânsito, vigora o art. 2º da Resolução nº 9.503/97), e em seguida notificado, caso não haja ele assinado o auto (art. 280, VI, da Lei nº 9.503/97), caso em que aguardará o prazo de defesa. APELAÇÃO APROVIDA." (TJRS, Quarta Câmara Cível, ap. nº 70000802280, j. em 05.04.200).

MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE MULTA. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE AMPLA DEFESA. Ilegal o ato de aplicação de Multa sem a observância do princípio constitucional de ampla defesa. Somente após analisados os argumentos da defesa, bem como a fundamentação do auto de infração, é que a autoridade de trânsito julgará a consistência do auto, e poderá aplicar a penalidade. Negaram provimento, confirmada a sentença em reexame necessário (TJRS, Vigésima Primeira Câmara Cível, Ap. nº 70000192690, j. em 20.10.1999).(doc.92)

Assim expostas as razões onde sedimentam as argumentações que ensejam a anulabilidade dos processos administrativos contra imposição de multa de trânsito descritas no Código de Trânsito Brasileiro, resta-nos analisar a estrutura do órgão competente para o julgamento administrativo de tais processos, pois no que tange à esfera judicial resta demonstrado a improcedência de tais julgados administrativos.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELASCO, Leonardo Rodrigues. A aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo do Código de Trânsito Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 596, 24 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6249. Acesso em: 29 mar. 2024.

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