CONCLUSÃO
Hoje, de fato, temos vergonha de nossas prisões, pois mais uma vez, no Mutirão do Conselho Nacional de Justiça, constatou-se que as chocantes e medievais instituições prisionais brasileiras permitem a absoluta e recorrente degradação da dignidade humana: presos algemados por até 30 dias em corredores, sem banho ou visitas, com fezes que escorrem pelo corpo, estão entre as situações encontradas pelos mutirões deste ano.
Tal realidade paradoxal - na era dos “consagrados direitos humanos” - não parece tão diferente das encontradas nas masmorras medievais e nas fortalezas construídas no início do século XIX nos limites e no centro das cidades, em que muros, células e ferrolhos representavam um trabalho de “ortopedia social”, voltado para “modelar” os indivíduos desviantes das normas e condutas “dos homens de bem”.
Enquanto se consomem elevados recursos, tempo e mobilizações nos âmbitos federal, estadual e municipal para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas há quase meio século – e, portanto, pertinentes ao âmbito exclusivamente histórico -, muito mais graves (até porque atuais) violações de direitos humanos continuam a ser, sistematicamente, perpetradas no Brasil nos mais variados setores da sociedade civil – incluindo a contínua perseguição de minorias como os negros, homossexuais, indígenas etc, além da manutenção do preconceito de gênero e intolerância religiosa -, e especificamente, conforme mais uma vez constatou o CNJ, nas chocantes e medievais instituições prisionais brasileiras, que permitem a absoluta e recorrente degradação da dignidade humana.
Tal como no passado, agentes do Estado oficial ou mesmo “paralelo” ignoram os mais elementares direitos constitucionais expressa e legitimamente assegurados para todo o povo brasileiro para, ao seu próprio sentimento, quer por ações comissivas, quer por simples omissões, perpetrarem as mais bárbaras ações, que podem ser minimamente verificadas por sites estatísticos (mais de 600 homossexuais assassinados nos últimos dois anos, segundo relatórios do Grupo Gay da Bahia – GGB), ou presos que, apenas após simples interrogatório, conforme constatou o CNJ, encontram-se ilegalmente presos por mais de seis anos, muitos algemados por mais de 30 dias nos corredores das cadeias, sem banho ou visitas e defecando sobre seus próprios pés, e muitos ainda que fazem seus curativos com papel higiênico, quando encontram, por sorte, uma folha do precioso bem.
REFERÊNCIAS
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Nota
[1] Com o objetivo de garantir e promover os direitos fundamentais na área prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza, desde agosto de 2008, o Mutirão Carcerário. Em síntese, a linha de atuação nos Mutirões é baseada em dois eixos: a garantia do devido processo legal com a revisão das prisões de presos definitivos e provisórios; e a inspeção nos estabelecimentos prisionais do Estado. A iniciativa reúne juízes que percorrem os estados para analisar a situação processual das pessoas que cumprem pena, além de inspecionar unidades carcerárias, com o objetivo de evitar irregularidades e garantir o cumprimento da Lei de Execuções Penais. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistema-carcerario-e-execucao-penal/pj-mutirao-carcerario>. Acesso em: 17 de nov. 2014.