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Os direitos humanos e as degradantes prisões brasileiras

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11/01/2018 às 14:40
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CONCLUSÃO

Hoje, de fato, temos vergonha de nossas prisões, pois mais uma vez, no Mutirão do Conselho Nacional de Justiça, constatou-se que as chocantes e medievais instituições prisionais brasileiras permitem a absoluta e recorrente degradação da dignidade humana: presos algemados por até 30 dias em corredores, sem banho ou visitas, com fezes que escorrem pelo corpo, estão entre as situações encontradas pelos mutirões deste ano.

Tal realidade paradoxal - na era dos “consagrados direitos humanos” - não parece tão diferente das encontradas nas masmorras medievais e nas fortalezas construídas no início do século XIX nos limites e no centro das cidades, em que muros, células e ferrolhos representavam um trabalho de “ortopedia social”, voltado para “modelar” os indivíduos desviantes das normas e condutas “dos homens de bem”.

Enquanto se consomem elevados recursos, tempo e mobilizações nos âmbitos federal, estadual e municipal para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas há quase meio século – e, portanto, pertinentes ao âmbito exclusivamente histórico -, muito mais graves (até porque atuais) violações de direitos humanos continuam a ser, sistematicamente, perpetradas no Brasil nos mais variados setores da sociedade civil – incluindo a contínua perseguição de minorias como os negros, homossexuais, indígenas etc, além da manutenção do preconceito de gênero e intolerância religiosa -, e especificamente, conforme mais uma vez constatou o CNJ, nas chocantes e medievais instituições prisionais brasileiras, que permitem a absoluta e recorrente degradação da dignidade humana.

Tal como no passado, agentes do Estado oficial ou mesmo “paralelo” ignoram os mais elementares direitos constitucionais expressa e legitimamente assegurados para todo o povo brasileiro para, ao seu próprio sentimento, quer por ações comissivas, quer por simples omissões, perpetrarem as mais bárbaras ações, que podem ser minimamente verificadas por sites estatísticos (mais de 600 homossexuais assassinados nos últimos dois anos, segundo relatórios do Grupo Gay da Bahia – GGB), ou presos que, apenas após simples interrogatório, conforme constatou o CNJ, encontram-se ilegalmente presos por mais de seis anos, muitos algemados por mais de 30 dias nos corredores das cadeias, sem banho ou visitas e defecando sobre seus próprios pés, e muitos ainda que fazem seus curativos com papel higiênico, quando encontram, por sorte, uma folha do precioso bem.


REFERÊNCIAS

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FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: NAU editora, 1989.

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MINISTRO DA JUSTIÇA DIZ QUE 'PREFERIA MORRER' A FICAR PRESO POR ANOS NO PAÍS. Disponível em: < http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/11/ministro-da-justica-diz-que-preferia-morrer-ficar-preso-por-anos-no-pais.html>. Acesso em: 26 jan. 2014.

MOTTA, Severino. Entrevista com Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal federal. Folha de São Paulo, de 29 out. 2014. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/10/1539993-prisao-domiciliar-da-sensacao-de-impunidade-diz-barroso.shtml>. Acesso em: 12 dez 20014.

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NOVO DIAGNÓSTICO DE PESSOAS PRESAS NO BRASIL. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/>, publicado em jun de 2014. Acesso em: 10 nov. 2014.

SALOMÃO, Patricia. O Princípio do devido processo legal. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=866>. Acesso em 20 de dez de 2014.

SOBE PARA TRÊS NÚMERO DE MORTOS EM REBELIÃO EM PRESÍDIO NO RECIFE. Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/01/sobe-para-tres-numero-de-mortos-em-rebeliao-em-presidio-no-recife.html>. Acesso em: 22 jan. 2014.


Nota

[1] Com o objetivo de garantir e promover os direitos fundamentais na área prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza, desde agosto de 2008, o Mutirão Carcerário. Em síntese, a linha de atuação nos Mutirões é baseada em dois eixos: a garantia do devido processo legal com a revisão das prisões de presos definitivos e provisórios; e a inspeção nos estabelecimentos prisionais do Estado. A iniciativa reúne juízes que percorrem os estados para analisar a situação processual das pessoas que cumprem pena, além de inspecionar unidades carcerárias, com o objetivo de evitar irregularidades e garantir o cumprimento da Lei de Execuções Penais. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistema-carcerario-e-execucao-penal/pj-mutirao-carcerario>. Acesso em: 17 de nov. 2014.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Os direitos humanos e as degradantes prisões brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5307, 11 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62555. Acesso em: 18 abr. 2024.

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