“Nós vivemos a temer o futuro; mas é o passado quem nos atropela e mata”. Mário Quintana.
O direito ao esquecimento é um tema novo e cercado de muitas incertezas e perplexidades. Todavia, faz-se necessário entender o tema ante sua relevância e necessidade nesses tempos de internet, redes sociais e afins.
Trata-se em suma de impedir que fatos passados ressurjam no presente atrapalhando a vida de alguém. Certo poeta disse uma vez que o problema do passado é que ele não passa, e que continua nos infernizando.
Nesse artigo será esclarecido de forma completa o que é o Direito ao esquecimento, suas vertentes, a quem se aplica, a posição dos tribunais superiores.
Ressalta-se, entretanto, que é sempre necessário consultar uma advogado sobre o Direito ao esquecimento, tanto devido à complexidade, bem como para analisar se o seu caso concreto se amolda à essa tese.
Necessário ainda apontar preliminarmente que para que o Direito ao esquecimento seja aplicado pouco importa se o fato passado é verídico ou falso, mas se prejudica aquele que agora se opõe.
Resta parabenizar a evolução do Direito, posto que é incabível que pessoas que praticaram um fato no pretérito, tenham que ser punidas eternamente por aquela lembrança, trazendo prejuízos imensos à vida íntima, bem como profissional desse ser.
Então se você procura entender o que é Direito ao esquecimento, embarque agora rumo ao esclarecimento desse fato deveras importante para a vida de qualquer ser humano, pois como diz a poetisa; “Superar é preciso. Seguir em frente é essencial. Olhar para trás é perda de tempo. Passado se fosse bom era presente.” Clarice Lispector.
1- DEFINIÇÃO.
Antes de mais nada é interessante que se aprofunde no conceito de Direito do esquecimento, pois a boa definição, posicionará melhor a qualquer um que tenha que tomar uma decisão.
O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
O direito ao esquecimento é um conceito que surgiu e já vem sendo amplamente debatido na Europa.
O direito de ser esquecido (em inglês "right to be forgotten") foi sancionado pela corte da União Europeia em 13 maio de 2014. Links para informações "irrelevantes" ou "desatualizadas" (assim consideradas pelo tribunal) são passíveis de serem apagadas.
Mais especificamente, a corte da União Europeia, disse que a decisão aplica-se a informações "inadequadas, não pertinentes ou já não pertinentes ou excessivas em relação ao objetivo pelo qual foram processadas tendo em conta o tempo decorrido". A gigante Google foi obrigada a prover este serviço aos cidadãos da União Europeia quando solicitado redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
O direito ao esquecimento, também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Nos EUA, é conhecido como the right to be let alone e, em países de língua espanhola, é alcunhado de derecho al olvido.
É importante assentar que o exercício do direito ao esquecimento não confere a ninguém a liberdade de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas assegura a possibilidade de discutir o uso que é feito dos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Portanto, caso algum fato do passado esteja lhe afetando pela veiculação, pode ser que seja o caso de impedir sua veiculação, para tanto é sempre necessário procurar profissionais habilitados e conhecedores do tema.
2. PREVISÃO LEGAL PARA APLICAR O DIREITO AO ESQUECIMENTO.
A dignidade da pessoa humana é o fundamento sólido e eficaz em que se apoia a ideia do Direito ao Esquecimento. Esse princípio é previsto no artigo 1, inciso III da Constituição Federal.
É de lá que emanam os direitos de que os cidadãos podem usufruir e os deveres que terão de ser cumpridos, seja norteando e orientando a aplicação prática desse mesmo ordenamento, fazendo com que ele não se distancie dos objetivos traçados.
Com fundamento no citado princípio, na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ foi aprovado o enunciado n. 531, cujo teor é:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
É o caso também do artigo 11 do código civil que aqui se transcreve:
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Portanto existe farta fundamentação jurídica para o pedido do Direito ao esquecimento, tanto na legislação pátria como na comparada de outros Estados.
3. CASOS EMBLEMÁTICOS DE DIREITO AO ESQUECIMENTO.
3.1 CASOS INTERNACIONAIS.
No âmbito internacional, um dos precedentes mais importantes do direito ao esquecimento ocorreu na Espanha, quando o cidadão Mário Costeja González solicitou à empresa Google que retirasse uma publicação em que se afirmava que seu imóvel teria sido levado a leilão para quitar dívida com a previdência social, quando na realidade o valor da dívida já havia sido quitado antes do leilão. A empresa negou o pedido feito pelo indivíduo e a matéria foi submetida à apreciação da Corte de Justiça Europeia, a qual reconheceu o direito de todo cidadão europeu de retirar as informações erradas ou não pertinentes da ferramenta de busca do Google. Foi entendido que uma informação pode se modificar ao longo do tempo, tornando-se ilícita a sua divulgação após determinado período.
Num caso prático, Gregory Sim, um homem de negócios de Richmond, foi flagrado fazendo sexo em uma viagem de trem para Londres. Os passageiros alarmados avisaram a polícia, que o prendeu. O caso saiu no Daily Mail há seis anos. Ele pediu ao Google recentemente que seu deslize parasse de aparecer no buscador. Ele conseguiu, exercendo o direito ao esquecimento.
O GOOGLE já recebeu mais de 90.000 pedidos. Metade obteve um sim como resposta, o que significa que cerca de 328.000 links não estão mais acessíveis com um simples clique.
A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o direito ao esquecimento é taxativa: “O operador de um motor de busca é obrigado a suprimir da lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa as ligações a outras páginas web, publicadas por terceiros e que contêm informações sobre essa pessoa, também na hipótese de esse nome ou de essas informações não serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas páginas web, mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita”.
3.2 CASOS BRASILEIROS.
o caso “Aída Curi”, ocorrido em 1958, e que envolveu a jovem Aída como vítima de um homicídio. Anos após do crime, o programa televisivo chamado “Linha Direta-Justiça”, transmitido pela emissora TV Globo, divulgou o caso trazendo o nome e a imagem da jovem falecida.
A 4ª turma do STJ negou provimento ao REsp dos irmãos de Aida Curi, vítima de homicídio em 1958, no Rio de Janeiro, contra a Globo Comunicações e Participações. Os autores reivindicavam indenização por danos morais, materiais e à imagem, após o programa Linha Direta Justiça contar a história do crime em um de seus episódios e divulgar foto da vitima ensanguentada, sem consentimento da família.
O caso agora está no STF, sobe a relatoria do ministro Dias Tófolli, e aguarda julgamento, frisa-se que já se realizaram audiências públicas no intuito de elucidar o caso.
Outro caso que ficou conhecido foi o da Chacina da Candelária, no Rio de Janeiro. J.G.F. ajuizou ação de reparação de danos morais em face da TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S.A.).
O autor da ação foi denunciado por ter, supostamente, participado de homicídios em série ocorridos no ano de 1993 em frente à Igreja da Candelária, na cidade do Rio de Janeiro. Ao final do processo, submetido a Júri, foi absolvido por negativa de autoria.
Após anos do ocorrido e da absolvição de J.G.F., a emissora exibiu, no programa “Linha Direta”, a história do aludido caso, citou o nome do autor da ação e divulgou que ele tinha sido absolvido.
Na ação de reparação de danos, o autor afirmou que negou autorização para a realização de entrevista, pois não tinha interesse em reavivar tais memórias. Alegou ainda que a matéria pretendia levar ao público situação que ele já havia superado, treze anos após o evento, “reacendendo na comunidade onde reside a imagem de chacinador e o ódio social, ferindo, assim, seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal, com prejuízos diretos também a seus familiares”.
4. O DIREITO AO ESQUECIMENTO NO AMBIENTE DIGITAL.
O direito ao esquecimento no âmbito digital é difícil de realizar, já que as informações são disseminadas de forma instantânea e não ficam concentradas em um único site, tornando tarefa quase impossível de ser cumprida a de excluir definitivamente todas as informações.
No ambiente digital o entendimento dos juristas é que o direito ao esquecimento não é absoluto, dependendo da avaliação de cada situação específica.
No Brasil não há uma lei geral que disponha sobre a proteção de dados pessoais. A lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet, preenche parcialmente essa lacuna quando em seu art. 7º estabelece que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e aos usuários são assegurados direitos, dentre eles o de exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet.
A questão do direito ao esquecimento no âmbito digital é tormentosa, já que as informações são disseminadas de forma instantânea e não ficam concentradas em um único site, tornando tarefa quase impossível de ser cumprida a de excluir definitivamente todas as informações.
5. O QUE VEM ENTENDENDO O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Em algumas oportunidades o STJ enfrentou o tema e nesses julgamentos, definiu-se o direito ao esquecimento como “o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado”.
Também que “o direito ao esquecimento do ofensor (...) deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse parâmetro” (STJ, REsp 1.335.153).
Nessa mesma linha já ponderou que “a história é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os mais variados acontecimentos e personagens capazes de revelar, para o futuro, os traços políticos, sociais ou culturais de determinada época” (STJ REsp 1.334.097).
6. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
No momento em que esse artigo é escrito é ainda bem recente essa ideia na Corte Suprema, o Caso Aída Curi ainda aguarda julgamento. Convém lembrar que o STF caminha em sentido oposto ao pensamento do esquecimento.
Lembremos que o STF decidiu ser desnecessária a autorização do biografado, e mesmo, afastou a proibição do humor nas eleições, dentre outras.
Parece que o STF pensa que a memória coletiva, e a própria liberdade de expressão precisam de mais liberdades e corredores mais amplos.
Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, o procurador geral da república, Rodrigo Janot, afirma que o direito ao esquecimento, se reconhecido pelo STF, abrirá precedente para que determinadas pessoas requeiram indevidamente indenização por danos materiais e morais.
Reconhecer judicialmente o direito ao esquecimento a partir de um princípio constitucional “indeterminado como o da dignidade humana”, aponta o Procurador, pode gerar inconsistências jurídicas e sobrepor interesses particulares ao direito da coletividade de liberdade de informação.
7. LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS DIREITO AO ESQUECIMENTO.
Conforme destacado, tem-se de um lado o direito ao esquecimento, como decorrência dos direitos da personalidade à honra, à privacidade, à intimidade e à imagem, resultantes de proteção constitucional conferida à dignidade da pessoa humana, e, de outro, as liberdades de informação, de expressão e de imprensa, todos tutelados da mesma forma pelo Texto Constitucional de 1988.
O conflito em destaque emerge da própria opção constitucional pela proteção de valores quase sempre antagônicos, os quais representam, se um lado, o legítimo interesse de “querer ocultar-se” e, de outro, o também legítimo interesse de se “fazer revelar”.
A controvérsia que se mostra cada vez mais complexa terá que ter da parte do intérprete em primeiro lugar o bom senso de analisar com acuidade o caso concreto.
Não bastando apenas isso, deverá fazer uso dos princípios norteadores da interpretação quando há colisão de princípios que é o sopesamento, a ponderação bem como a proporcionalidade.
Vale ressaltar que, a imprensa nem sempre age com o nobre propósito de informar o público de forma neutra e ética, pois, sob uma lógica empresarial, está mais interessada na obtenção de lucros e em obter índices de audiência mais elevados, pautado seus editoriais em decisões políticas, transmitindo não a verdade, mas apenas uma versão dos fatos que melhor lhe convém, bem como as mazelas da sociedade são consideradas um verdadeiro espetáculo e atrativo de ibope, servindo de óbice à exploração midiática.
Deste modo, pode-se verificar que a aplicação do juízo de ponderação faz-se imprescindível para tentar solucionar, ou ao menos para sopesar tal conflito que evidencia-se indiscriminadamente nesta sociedade considerada como hiperinformada.
8. CONCLUSÃO.
Apesar das complexidades envolvidas na questão do direito ao esquecimento, parece haver muita fundamentação para efetivar o Direito ao esquecimento.
De outro lado, necessário se faz a ponderação do intérprete e julgador para fazer o máximo de justiça ao aplicar a decisão ao caso concreto.
Basta por hora termos a noção de que essa tese já encontra sustento nos tribunais superiores e que se caso alguém esteja sofrendo por não ser deixado em paz que busque lutar por seus direitos.
Talvez haja dificuldades para efetivar essa orientação no mundo digital. A internet não parece gostar de esquecer.
Em todo caso, quem sofre com esse mal deve procurar um advogado que vai lhe orientar sobre a questão e é quem pode mover uma ação no judiciário para retirar seja de sites, periódicos, ou Tv qualquer matéria que lhe seja desfavorável e que se encaixe nesse tema.
O passado não é o que passou, mas o que ficou do que passou. Na feliz síntese do jurista português Paulo Otero, conhecer o passado é mergulhar nas raízes do presente.
Passado não muda, se esquece.
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