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Elementos do contrato de arrendamento mercantil (leasing) e a propriedade do arrendatário

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01/05/2000 às 00:00
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1. Do Arrendamento Mercantil

          1.1. Do Surgimento

          É comum no Direito existir defasagem entre norma e realidade. Em especial, no ramo do Direito Comercial, em que as práticas são por demais dinâmicas e normalmente baseadas no costume, sempre em busca de novas formas de alcançar a finalidade última do comércio, qual seja o lucro. Nesta busca incessante, o empresariado tem se defrontado com os mais diversos tipos de obstáculos, sendo, hodiernamente, a competição internacional, a constante necessidade de renovação de maquinário e parque tecnológico, bem como a decorrente falta de capital de giro, os mais sérios. Neste contexto, surgiu o instituto do arrendamento mercantil, um novo tipo contratual com o escopo de ser uma alternativa de financiamento para as empresas, para otimizar o processo produtivo com a liberação de capital de giro, permitindo uma taxa de renovação industrial acelerada, aumentando a produção com a implementação de novas técnicas e, obviamente, gerando lucro para o arrendador e o arrendatário (1).

          No entanto, ainda que pelo aspecto econômico seja fácil visualizar a origem do arrendamento mercantil, historicamente há uma celeuma instaurada entre doutrinadores, sejam eles nacionais ou estrangeiros. O cerne da questão está em como e onde surgiu este instituto inovador. No âmbito da doutrina brasileira, não há corrente dominante, mas a mais coerente é a que sustenta sua origem norte-americana. Ainda assim, há doutrinadores que defendam que suas origens se encontram na Babilônia (Código de Hamurabi), no Antigo Egito (2), em Roma (3) ou na Idade Média (4). Desde logo, essas posições que buscam para o instituto origens mais remotas nos parecem equivocadas, uma vez que é relativamente recente o surgimento do problema a que visa solucionar o leasing (5), no caso, a necessidade de financiamento e desmobilização de capital.

          Em geral, atribui-se o arrendamento mercantil primeiro ao Lend and Lease Act americano de 1941, quando, em plena Segunda Guerra Mundial, o então presidente Roosevelt determinou o empréstimo de equipamentos bélicos aos países aliados, sob condição de, finda a guerra, estes comprarem ou devolverem aqueles. Mesmo que relevante, este não deve ser considerado o surgimento do leasing (6), uma vez que a intenção do referido Ato era tão somente ajudar os Aliados a combaterem o Eixo, prestando uma colaboração em benefício de uma causa comum. A opção de devolução ou compra dos equipamentos objetivava tão somente evitar a mera doação dos bens, abrindo espaço para um possível, ainda que improvável, ressarcimento. Entendimento reforçado pela afirmação de Maria Helena Diniz, que nega esta origem, "visto tratar-se de ato político e não mercantil" (7).

          Adotamos, então, como origem do leasing, com respaldo em parte da doutrina, a iniciativa comercial do americano D. P. Boothe Junior que idealizou um meio de aumentar sua produção sem possuir meios patrimoniais e financeiros para isso. Na realidade, o fornecedor de gêneros alimentícios havia realizado um contrato com o exército norte-americano e, ao verificar que o volume contratado excedia e em muito sua capacidade de fornecimento, buscou um meio de satisfazer o contrato. Frente a essa necessidade de ampliação imediata de seu maquinário, buscou em uma instituição financeira, no caso um banco, meios de alcançar seu objetivo. Como não podia disponibilizar o capital necessário, ainda que através de um financiamento, nem dispunha de garantias fortes, pactuou com o banco que este compraria em nome próprio o equipamento de acordo com as necessidades daquele, o arrendatário, e em seguida lhe forneceria os bens, para uso, mediante uma remuneração periódica. Ante o sucesso da operação, foi fundada por Boothe e mais alguns sócios da U.S. Leasing Company, seguindo-se um aperfeiçoamento e alastramento do contrato de leasing não só nos Estados Unidos, como no resto do mundo (8).

          A partir da década de 60, algumas iniciativas começaram a introduzir o leasing no Brasil, sem que existisse qualquer regulamentação da matéria. Essa não se fazia essencial para o comércio, que por natureza é mais dinâmico que o Direito positivo. "A autonomia da vontade e atipicidade dos contratos que dominam o direito comercial justificariam, pois, a introdução do leasing no Brasil, sem necessidade de qualquer legislação específica sobre a matéria" (9). No entanto, como o contrato de leasing não era apenas atípico, mas implicava em uma operação financeira, cujos maiores benefícios eram fiscais, em o instituto começando a ter certa importância na vida comercial brasileira, o legislador tomou por bem regulá-lo, ainda que meramente para efeitos tributários. Isso ocorreu em 1974, com a Lei n.º 6.099, que dispõe "sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências", não só introduzindo oficialmente o leasing em nosso ordenamento jurídico, como denominando-o arrendamento mercantil. No entanto, por ser muito genérica a Lei, criou uma séria de dúvidas e discussões entre os doutrinadores e comerciantes sobre as operações de leasing, principalmente quanto ao regime fiscal das mesmas (10), pois a Lei Tributária do Leasing é lacônica, deixando a regulamentação mais detalhada pelo Banco Central Brasileiro, mais especificamente pelo Conselho Monetário Nacional (11). Essa normatização se dá, até hoje, mediante resoluções, cartas-circulares, circulares, portarias, instruções normativas, decretos e algumas poucas leis não específicas. Tudo isso torna a regulamentação do arrendamento mercantil um emaranhado de normas que dificultam o seu entendimento e, não raro, desvirtuam o contrato de arrendamento mercantil.

          1.2. Dificuldades de um Conceito

          Como pudemos notar, o contrato de arrendamento mercantil veio da realidade fática para a jurídica com características inovadoras e objetivos próprios. Neste processo os doutrinadores têm encontrado grandes dificuldades em entender e conceituar o instituto. Ao nosso ver, essa dificuldade decorre de três fatores: a) a insistência em decompô-lo em outros contratos mais típicos (12), tratando-o de acordo com a fase em que se encontra, b) a tendência de se procurar nele um ou outro tipo contratual predominante, ainda que sui generis, e tratá-lo como tal; e c) a discrepância entre o praticado e exigido pelo mercado, e o expresso em lei. Muito disso se deve à falta de preparo do legislador, à independência com que o mercado cria suas próprias regras e à nossa tradição romano-germânica de buscar sempre estereótipos formais aos quais possamos submeter todo e qualquer tipo de relação jurídica (...) essa compulsão nos leva ao risco de, partindo do abstrato (os estereótipos) para definir o concreto (a relação jurídica propriamente dita), acabarmos por distorcer de alguma maneira a verdade desta última, para melhor fazê-la ‘enquadrar-se’ no modelo com que comparamos (13).

          Essas abordagens não só dificultam o seu entendimento como podem levar à distorções, como a cogitada aplicação da Lei do Inquilinato, por entenderem ser a locação a figura proeminente no arrendamento mercantil. Obviamente esta posição tem bases muito frágeis, mas devem os intérpretes do Direito acautelarem-se no tratamento do leasing, sob o risco de cometerem outros desatinos não tão claros e, ainda que não possamos fugir dessa tendência ou concepção, devemos sempre nos lembrar dos fatores fáticos e dos princípios, por detrás do arrendamento mercantil, concebido como uma forma de facilitar a circulação do capital, funcionando como uma garantia real, ou mais que real como preferem alguns.

          1.3. Natureza Jurídica

          Temos, portanto, que o arrendamento mercantil é decorrente de uma operação complexa que se desdobra em vários seguimentos, não obstante a unicidade do contrato. Além de sua complexidade, hodiernamente existem várias espécies de leasing, que foram surgindo na medida em que o instituto se desenvolveu e foi sendo utilizado para diferentes finalidades. É possível e necessário, porém, estabelecer um conceito padrão, suficientemente elástico, de forma a abranger todas as subespécies existentes em nosso ordenamento, mas ao mesmo tempo não tão genérica a ponto de ser incapaz de distinguí-lo dos demais institutos afins, tornando-se inútil.

          Inúmeros autores realizaram sua decomposição para melhor entender o todo, tomemos, pois, para sua análise, algumas caracterizações já feitas. J. A. Penalva Santos (14), seguindo a tradição civilista, caracterizou-o como sendo complexo, sinalagmático, composto de um financiamento e arrendamento de bens, com a cláusula de opção tríplice; Waldirio Bulgarelli entende que é "um contrato consensual, bilateral, oneroso e de execução sucessiva, e firmado intuitu personae" (15); Arnaldo Rizzardo o vê como "um contrato de natureza econômica e financeira, pelo qual a empresa cede em locação a outrem um bem móvel ou imóvel, mediante o pagamento de determinado preço" (16); para Caio Mário é "uma espécie de ‘locação-venda’ (locatio mixta cum vendiotione)" (17); P. R. Tavares Paes admite a natureza "complexa, abrangendo uma locação, uma compra e venda (que não é essencial no leasing, pois existe sem essa opção, eventualmente um mandato" (18); Arnaldo Wald diz que:

          trata-se, na realidade, de uma fórmula intermediária entre a compra e venda e a locação, exercendo função parecida com a da venda com reserva de domínio e com a alienação fiduciária, embora oferecendo ao utilizador do bem, maior leque de alternativas no caso de não querer ficar com a propriedade do equipamento após um primeiro prazo de utilização (19).

          Em caminho um pouco diverso, Orlando Gomes (20), apesar de reconhecer tratar-se de "uma operação financeira destinada a proporcionar aos empresários o acesso aos bens de produção", o caracteriza como um contrato "mais próximo da locação, cujas regras se lhe aplicam se não há próprias", sendo a distinção entre ambos fundamentalmente causal, mas sendo ambos de conteúdo semelhante. Outra posição interessante é a dos que defendem ser um contrato complexo por conter elementos de outros contratos típicos como a locação, a promessa de compra e venda, a compra e venda a prestação e o financiamento, todos coligados (21). Há posições ainda mais curiosas e isoladas, mas não menos importantes, como a de Washington Luiz da Trindade (22), que exalta exageradamente a garantia real que representa o contrato de modo a resumi-lo em um dito aspecto fiduciário, para ele

          o leasing, pela sua visível base fiduciária, distingue-se de outros negócios complexos, não precisamente pela locação, mas pela administração e utilidade produtiva de coisa alheia, em proveito do instituidor ou de uma entidade financiadora, e de cuja administração o contrato retira o seu benefício ou vantagem, inclusive pela cláusula de opção de venda, fazendo-a movimentar-se juridicamente, para ter a livre disposição da coisa inicialmente locada.

          Como podemos ver, é assente na doutrina a classificação do leasing nos moldes categóricos do Direito Civil clássico, mas tentemos fazer uma breve análise do instituto partindo do fato concreto para a legislação, como fez o jurista José Leão (23).

          De um modo geral, o que move o homem é o interesse, mas o que vem a ser interesse? Numa terminologia processualista poderíamos dizer que é o desejo de um determinado bem da vida, ou que "a razão entre o homem e os bens, ora maior, ora menor, é o que se chama interesse" (24). Bem, esse desejo pode ser de três ordens: de consumir, formar patrimônio, ou utilizar o bem para dele auferir vantagem, utilidade ou prazer. Estas estão envolvidas em qualquer desejo, solitária ou conjuntamente com as demais. O finis mercatorum est lucrum, este é o objetivo final de qualquer atividade comercial, o desejo do comerciante é tão somente obter lucro. No caso do arrendamento mercantil, na ótica do arrendatário, busca-se o lucro não pelo consumo (25), nem por mera formação de cabedal, antessim, por simples uso econômico do bem (26). Já pela ótica do arrendador, busca-se a remuneração do capital investido em taxa acima da que seria possível obter em outras negociações financeiras com a mesma segurança, ou seja, maior lucro mediante a remuneração mensal, assegurada pela propriedade do bem correspondente ao valor despendido.

          O contrato de leasing, como já foi dito antes, é oneroso e sinalagmático, logo, gera vantagens para ambas as partes. Ele é antes um financiamento que uma locação ou forma de aquisição de patrimônio (e.g., compra e venda), para o arrendatário o resultado do contrato é meio e não fim, no sentido de que seu objetivo mediato é a modernização ou ampliação de seu maquinário sem imobilização de capital, apenas deseja produzir mais e melhor para aí sim obter lucro, enquanto que para o arrendador não é a venda ou a locação do bem que lhe trará lucro, mas a remuneração do capital despendido (juros) acrescida de taxas de administração (financiamento), o contrato por si só lhe trará lucro. Não passa, pois, de "um novo processo de financiamento, surgido como uma imposição do processo técnico, que visa precipuamente a proporcionar às empresas maior capital de giro, com vantagens adicionais de ordem contábil e de ordem fiscal" (27), não obstante a prática comercial e a regulação do Banco Central terem desvirtuado o instituto.

          A Lei 6.099, de 12.09.74, em seu artigo 1º com a redação alterada pela Lei 7.132, de 26.10.83, estabeleceu o que seria arrendamento mercantil para fim de incidência de seu tratamento tributário, o referido artigo considera leasing o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.

          Como pode se ver, o legislador em momento algum disse o que era arrendamento mercantil, arrendatário ou arrendador, nos termos da boa técnica legislativa (28) que reza que cabe à doutrina as definições. A Lei apenas condiciona sua aplicação aos contratos de arrendamento mercantil que em seus moldes se encaixar, logo, pode existir contratos de leasing em que a arrendadora é pessoa física, ou que tenha por objeto bem que não foi adquirido pela arrendadora segundo as especificações da arrendatária; tão somente, esses contratos não se enquadram no regime legal desta norma, pode-se até aplicar-lhes por analogia o texto legal, mas jamais dizer que estão contidos nesta previsão legal, principalmente, porque a Lei refere-se a um único tipo de arrendamento mercantil, o financeiro.

          Não obstante a estreita tipicidade normativa do leasing, o Conselho Monetário Nacional, órgão do Banco Central do Brasil competente para regular e fiscalizar os contratos de arrendamento mercantil (29), através da Resolução 2.309, de 28.08.96, em seu Anexo, não só permitiu "contratar operações de arrendamento com o próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele coligadas ou interdependentes" (30), em franca contrariedade ao estipulado no artigo 2º da Lei 6.099, como também permitiu pessoas físicas figurarem na relação jurídica como arrendatárias (artigo 12 da Resolução). Esse tipo de conduta por parte do órgão regulador, apesar de bem recebida pelo mercado, que já praticava tais modalidades, não contribui em nada para o melhor entendimento do instituto, nem para sua consolidação no ordenamento brasileiro, visto que para o Banco Central não há qualquer limite legal para o leasing, que não os praticados e por ele aceitos. Essa volatilização do conceito e funcionamento do arrendamento torna quase impossível uma sistematização do instituto, conseqüentemente, de difícil compreensão pelo jurista, que tem por base de seus estudos a norma. No entanto, a ilegalidade da regulação do Banco Central deve ser objeto de um estudo mais aprofundado, não condizente com o objeto aqui pretendido.

          Bem, após uma breve exposição de como a doutrina enxerga o instituto e do regulado na legislação, tentemos uma conceituação de leasing, que sirva para todos os subtipos e o diferencie dos demais instrumentos de financiamento e garantia. Em um primeiro olhar, o conceito mais simples composto apenas pelos elementos essenciais seria a locação mediante remuneração mensal, composta por parcela do capital despendido na aquisição do bem, acrescida de juros e taxa de administração, por prazo determinado, findo o qual o arrendatário, unilateralmente, pode optar entre três possibilidades: a renovação contratual descontada a taxa de depreciação do bem; a rescisão contratual; ou aquisição do bem mediante o pagamento do valor de opção ou residual. No entanto, vale ressalvar que o Banco Central, na regulação do arrendamento mercantil internacional, permitiu que inexistisse a cláusula de aquisição, a chamada promessa de compra e venda, por isso, mudamos o conceito em sua parte final, para – findo o qual o arrendatário, unilateralmente, pode optar entre duas possibilidades: a renovação contratual, descontada a taxa de depreciação do bem; ou a extinção do contrato, seja pela aquisição do bem (nos tipos em que é prevista), mediante o pagamento do valor residual ou pelo simples encerramento do contrato por decurso de prazo.

          1.4. Tipos de Arrendamento Mercantil

          Para se entender o arrendamento mercantil e suas variações é importante conhecer os três sujeitos envolvidos nessa operação: o fornecedor, o arrendador e o arrendatário.

          O fornecedor é aquele que entrega o bem à arrendatária e o fatura à arrendadora. Ele será escolhido por aquela, que estabelecerá o bem a ser arrendado e suas qualificações, mas os moldes do negócio (formas de pagamento, valor, entrada, etc.) serão combinados entre arrendador e fornecedor. Pode ser qualquer um capaz de fornecer o bem à arrendatária, pessoa física ou jurídica, e não é nem elemento integrante do contrato de arrendamento mercantil, que se estabelece entre arrendador e arrendatário, nem essencial ao contrato, pois há tipos de leasing em que efetivamente não há fornecedor, e.g. sale and lease back.

          Já a arrendadora é, geralmente, a empresa de leasing, que comprará em nome próprio o bem, nas especificações exigidas pela arrendatária, e o arrendará a esta. Importante ressaltar que, apesar de a arrendatária estabelecer as características do bem a ser adquirido, todas as outras cláusulas da compra e venda, como forma de pagamento, valor da entrada, garantias de pagamento, são estabelecidas entre arrendador e fornecedor, visto que este contrato obriga e tem seus efeitos limitados a apenas seus dois integrantes, arrendador e fornecedor. Em última análise, a arrendadora é a proprietária do bem objeto do arrendamento, seja esta propriedade posterior (leasing financeiro) ou anterior (leasing operacional) ao estabelecimento do contrato de arrendamento. Ela recebe as contraprestações mensais do arrendatário, nas quais embute parcela do capital despendido, juros (custo do capital), taxa de administração e, às vezes, parcela do seguro do bem. Pode ser pessoa jurídica (para todos os tipos de leasing) ou física (nos casos previstos pelas Resoluções do Banco Central).

          Por último, a arrendatária é quem escolhe o bem segundo suas especificações junto ao fornecedor, recebe-o deste depois de estar firmado o contrato entre o fornecedor e o arrendador, e faz uso dele mediante o pagamento de contraprestações por um período determinado contratualmente. Não é proprietário, mas mero possuidor, que pode gozar e usufruir do bem nos limites do uso médio, pela duração do contrato. A ele compete, ao final do contrato, optar pela sua continuação ou sua extinção, seja pela aquisição do bem – quando possível –,ou por transcurso de prazo. Pode ser pessoa física ou jurídica.

          Alguns doutrinadores encaram o leasing como um contrato tríplice, formado por estes três sujeitos. Entre eles, Carlos Souza (31) e Maria Helena Diniz, que determina como elemento jurídico essencial à caracterização do Leasing a existência de três empresas: "a que vende as máquinas (fabricante), a que as compra, pagando o preço (leasing broker ou leasing banker), e a que obtém, sem ter comprado (arrendatário), os referidos bens de produção" (32).

          Neste ponto temos que discordar desta corrente, uma vez que o fornecedor só será parte no contrato quando sua pessoa se confundir com o arrendador ou o arrendatário, sendo discutível, e ao nosso ver imprópria, a denominação de fornecedor em casos como o de self leasing ou sale and lease back. Salvo nesta hipótese, o dito fornecedor jamais será parte contratual, apenas a exigência de não ser o arrendador proprietário do bem é que seria elemento jurídico do pacto, não o próprio fornecedor (33). A relação contratual entre este e o arrendador se estabelece somente inter partes, atingindo alguns de seus efeitos apenas reflexamente o contrato de arrendamento mercantil, exatamente nos mesmos moldes das relações produtor/fornecedor e fornecedor/consumidor (34). O acordo entre o produtor e fornecedor em nada afeta a relação entre fornecedor e consumidor, vez que são relações jurídicas diversas e não se confundem. Tendo em mente este pressuposto básico que é a bilateralidade do contrato de arrendamento mercantil e as características de seus sujeitos, passemos a examinar as variantes do leasing:

          A) O Arrendamento Mercantil Financeiro, ou Financial Leasing (35): "é aquele em que uma empresa se dedica habitual e profissionalmente a adquirir bens produzidos por outro para arrendá-los, mediante uma retribuição estabelecida, a uma empresa que deles necessite" (36). Sua característica mais destacada é o financiamento realizado pelo arrendador, ou seja, a empresa arrendadora funciona como uma financeira, e a esta atividade se dedica. Normalmente, ela é procurada pelo futuro arrendatário que determina o bem e suas especificações, para então a arrendadora adquiri-lo, em nome próprio, para uso do arrendatário. Predomina o caráter financeiro do contrato.

          A grande vantagem do contrato está no tratamento fiscal que lhe é atribuído, em proveito de empresa e cliente, como as deduções no imposto de renda. É o arrendamento mercantil típico ou clássico que os italianos chamam de leasing finanziario, sendo

          da una stretta inerenza del contratto alle finalità dell’impresa, sicché le parti, sollecitate anche da particolari agevolazioni fiscali, prevendono che la res acquistata dalla società finanziaria in nome proprio e per conto dell’utitlizzatore, esaurisca le utilità economiche di cui è capace entro un determinato periodo di tempo che coincide di regola con la durata del rapporto rispetto al quale per la configurazione è da escludersi qualsiasi collegamento com la vendita, la locazione ed il mutuo ma, al più, i canoni vengono a rappresentare il corrispetivo del godimento del bene (...) (37).

          Em outras palavras, o arrendamento mercantil financeiro é, via de regra, realizado por empresas cujo objeto de trabalho é especificamente o leasing, e a coisa adquirida pela sociedade financeira o é em nome próprio, mas satisfazendo as necessidades do arrendatário. Normalmente, sua utilidade econômica se exaure em um determinado período de tempo que, de regra, coincide com a própria duração contratual. Este simples fato basta para excluir-se qualquer coligação entre o arrendamento mercantil e a compra e venda, locação e o mútuo.

          Como normalmente a vida útil do bem coincide com o prazo contratual, ele não pode ser rompido unilateralmente antes de seu término previsto, diferentemente do que ocorre no leasing operacional, que veremos a seguir.

          Apesar de não haver uma definição legal do que venha a ser arrendamento mercantil financeiro, a Resolução do Banco Central n.º 2.309 (38) estabelece as principais características deste contrato, de forma tal que todo leasing que se enquadrar em seus incisos será um financial leasing, desde que:

          - as contraprestações abarquem não só o aluguel do bem, como também juros, encargos administrativos e lucro do arrendador, de forma tal que permita-lhe recuperar o custo do bem arrendado durante o prazo contratual;

          - a operacionalidade do bem arrendado, incluindo aqui despesas com manutenção, assistência técnica e serviços correlatos seja de inteira responsabilidade do arrendatário;

          - haja a opção de compra, pelo chamado valor de opção ou residual, que pode ser livremente estabelecido, podendo inclusive ser o valor de mercado do bem.

          Pode-se observar que, no arrendamento mercantil financeiro, valoriza-se claramente a natureza de financiamento do contrato, sendo elemento essencial para este que o arrendador não seja produtor ou importador de bens, antessim um aplicador de recursos, especializado em arrendar bens à terceiros, a capitalizá-los. Não é de se estranhar que muitos autores o vejam como sendo, necessariamente, estabelecido entre pessoas jurídicas, e seu objeto se restrinja unicamente à bens de produção, como é o caso de Orlando Gomes (39), mas essas restrições não encontram mais respaldo na nova regulamentação do instituto, podendo ele ser celebrado entre pessoa física e jurídica, e incidir sobre qualquer bem (40).

          A diferenciação deste contrato de outros típicos, como bem ressalta Francesco Bene, está no fato de que o período determinado de duração da utilidade econômica do bem, via de regra, coincide com o da duração do arrendamento, restando indubitável a diversidade de sua natureza. Sua maior vantagem é de natureza fiscal e contábil. Mas isso não é mais respeitado, o mercado vem praticando cada vez mais e mais o leasing financeiro com período de duração menor que o de vida útil do bem arrendado. Este desvirtuamento do arrendamento mercantil financeiro, no nosso entender, acarreta sérias conseqüências no mundo do Direito.

          Outro aspecto de importância ressaltado por Fran Martins é o risco da obsolescência. Há objetos que, em pouco tempo, tornam-se obsoletos, seja pelo aparecimento de outros mais modernos (e.g. os computadores), seja pelo próprio desgaste natural do bem. No leasing financeiro esse risco é do arrendatário, uma vez que, em havendo o pacto, o seu cumprimento é obrigatório e irrenunciável. Não é possível interromper o contrato em curso, pois em jogo não está meramente o uso do bem, mas sua disponibilidade, mesmo porque as partes objetivam também a transferência da propriedade do bem arrendado ou o exaurimento de seu valor econômico, o que justifica tenha sido acoplado ao arrendamento o termo ´mercantil´, pois a propriedade necessariamente será transferida do arrendador, quer para o arrendatário em caso de exercício da opção de compra, quer para terceiros, caso não haja o exercício da opção (41).

          Por isso, o referido jurista defende que mesmo que o arrendatário devolva o bem, "todas as prestações pactuadas serão devidas ao arrendador" (42). Essa questão tem sido muito debatida entre os doutrinadores, mas a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (43), em Recurso Especial de que foi relator o ilustre Ministro Athos Carneiro, decidiu pela ilicitude de tal cobrança, ainda que assim o fosse estipulado como cláusula penal.

          Ainda assim, cabe mais uma ressalva sobre o posicionamento de Fran Martins. Não nos parece assistir-lhe razão quando afirma que as partes sempre objetivam a transferência da propriedade do bem, mesmo porque, no caso típico, o bem não tem mais qualquer valor econômico ao final do contrato e como todos bem sabem, só pode ser objeto do comércio os bens de valor econômico. O que ocorre de fato é que à arrendadora não interessa mais a propriedade do bem, pois além de já ter recebido todo o capital investido e seu lucro, não lhe será de qualquer utilidade a integração da posse, visto que trata-se de uma empresa financeira. Em contrapartida, para a arrendatária o bem já cumpriu sua função, não tem mais qualquer valor econômico, está desatualizado ou por demais gasto, seu interesse restringe-se tão somente em arrendar novo bem mais moderno ou novo e continuar suas atividades.

          Apesar disso, como o bem não tem mais valor econômico relevante, dificilmente a arrendadora o venderá, na melhor das hipóteses, terá grandes dificuldades em fazê-lo. Por isso, é compreensível e até natural que o venda para a própria arrendatária, que pode ainda utilizá-lo de alguma forma ou mesmo revendê-lo com maior facilidade uma vez que efetivamente trabalha na área em que o bem é útil e provavelmente conhece quem poderia interessar-se. É por isso que não reconheçemos neste contrato o caráter translatício de propriedade, que ainda que presente é decorrente de mera comodidade, não elemento de sua finalidade. Mas como já dissemos antes, as práticas comerciais têm distorcido o instituto, utilizando-se cada vez mais de contratos de leasing financeiro com prazo de término inferior ao de vida econômica do bem arrendado. Nestes casos realmente há, como afirma Fran Martins, a vontade primeira das partes em realizar a transferência da propriedade, por isso, não relutamos em sustentar que o regime tributário e contábil a que se submete o leasing nesta hipótese deve ser alterado, podendo, inclusive, passar a se cobrar certos impostos, como o ICMS, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos (44).

          B) O Arrendamento Mercantil Operacional ou Operational Leasing: é um desvirtuamento do contrato de leasing, que ao nosso entender não deveria ser acolhido como categoria deste tipo mercantil. Por ele entende-se "aquele em que uma empresa, proprietária de certos bens, os dá em arrendamento à pessoa, mediante o pagamento de prestações determinadas, incumbindo-se, entretanto, o proprietário dos bens a prestar assistência técnica ao arrendatário durante o período do arrendamento" (45). Muitos autores o sequer diferenciam de uma outra figura contratual, o renting (46). É o arrendamento atípico que os italianos chamam de leasing impuro, que

          vieni a configurarsi li dove le parti intendano realizzare un preminente e coessenziale effeto traslativo, senza che abbia più relevanza la figura sogettiva dell´impreditore, nonchè la stessa conformazione del bene oggetto del contrato, destinato a conservare alla scadenza del rapporto un vallore residuo particolarmente apprezzabile per l´utilizzatore in quanto notevolmente superiore al prezzo d´opzione, sichè il trasferimento del bene all´utilizzatore non constituisce, come nel leasing tradizionale, una eventualità marginale ed accessoria, ma rientra nella funzione dalle parti assegnata al contrato, di talchè i canoni scontano ad un tempo il corrispettivo del godimento del bene nonchè le rate di prezzo (47).

          Em outras palavras, no leasing operacional as partes buscam prementemente e efetivamente um efeito translatício, o objetivo final do contrato é a transferência da propriedade, sem que tenha qualquer relevância a figura subjetiva do empreendedor (financiador). Além disso, o bem objeto, ao fim do prazo contratual, ainda mantém um valor econômico residual considerável para o arrendatário, notavelmente acima do preço da opção, não há coincidência entre o prazo de depreciação e o prazo contratual. Essa diferença é de tal monta que o exercício da opção de compra e a conseqüente transferência da propriedade para o arrendador não constitui, como no leasing tradicional, uma eventualidade marginal e acessória.

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          Neste ponto, há algumas diferenças entre a doutrina estrangeira e a brasileira, inclusive dentro da própria última, que está desatualizada como se verá à seguir. Para Rodolfo de Camargo Mancuso, o operational lease é

          uma subespécie do financial leasing. É normalmente utilizado para bens de fácil colocação no mercado e que apresentam obsolescência precoce, v.g. material eletrônico, máquina fotostática, automóveis, estes considerados individualmente (single leasing) ou em frota (flooteem leasing). (...) O locatário tem a faculdade de rescindir unilateralmente o contrato, sem que, com isso, se lhe retire necessariamente a opção de compra. Apenas, nesta última hipótese, o preço será aquele de mercado ao tempo de exercício da opção.

          Há ainda uma outra subespécie do financial leasing, na qual inexiste possibilidade de rescisão unilateral, e o locatário não possui opção de compra, ou só poderá exercê-la ao preço de mercado, no momento de seu exercício (48).

          Ainda segundo o referido doutrinador, o arrendamento mercantil operacional se distinguiria da figura do renting tão somente por uma questão de rigor de nomenclatura. No primeiro o bem seria adquirido de terceiro (fornecedor) pelo arrendador, enquanto que no segundo o leasing se estabeleceria diretamente entre fabricante e arrendatário.

          Já para José Wilson Nogueira de Queiroz não há qualquer distinção, sendo que

          as operações de renting ou leasing operacional traduzem uma locação de material com cláusula de prestação de serviço, podendo incluir uma opção de compra do material e poderá ser rescindido a qualquer instante, ou mediante simples aviso com antecedência de 30 dias.

          O renting teria as seguintes características diferenciais:

          - consistiria em uma "locação-prestação de serviços";

          - independe da intervenção de uma instituição financeira;

          - em geral, utiliza-se bens padronizados (e.g. xerox)

          - o risco de obsolescência corre por conta do arrendador

          - via de regra, por força contratual, o arrendador obriga-se à prestação de assistência técnica

          Mais recentemente, Arnaldo Rizzardo (49) distingue o leasing operacional da locação pelo simples fato de que naquele o pagamento das prestações caracterizariam a amortização do preço do bem, podendo inclusive, ser mensuradas pelo grau de utilização do bem, como o número de cópias feitas em uma máquina de xerox.

          Bem, a Lei 6.099, em seu artigo 2º afasta de sua regulamentação e decorrentes benefícios tributários o leasing operacional: "Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento de bens contratado entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente coligadas ou interdependentes, assim como o contratado com o próprio fabricante". Como já mencionamos antes, a própria Lei não descaracteriza como leasing o contrato de arrendamento mercantil operacional, apenas o exclui de seus benefícios tributário.

          Novamente, não obstante a estreita tipicidade legal e ao seu arrepio, o Conselho Monetário Nacional, estendeu ao leasing operacional os benefícios da Lei, através da Resolução do Banco Central n.º 2.309, ao estabelecer em seu Anexo:

          Artigo 1º - As operações de arrendamento mercantil com o tratamento tributário previsto na Lei 6.099, de 12.09.74, alterada pela Lei 7.132, de 26.10.83, somente podem ser realizadas por pessoas jurídicas que tenham por objeto principal de sua atividade a prática de operações de arrendamento mercantil, pelos bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e pelas instituições financeiras que, nos termos do art. 13 deste Regulamento, estejam autorizadas a contratar operações de arrendamento com o próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele coligadas ou interdependentes.

          Parágrafo Único: As operações previstas neste artigo podem ser dos tipos financeiro e operacional (grifo nosso).

          Além de ter extrapolado sua competência legal, o CMN (Conselho Monetário Nacional) ainda subverteu o antigo modelo de leasing operacional, estabelecendo como principais características deste contrato (50) os seguintes requisitos:

          - As contraprestações devem incluir o custo do arrendamento do bem e os serviços referentes a sua colocação à disposição da arrendatária, mas devem limitar-se a até 75% do custo do bem arrendado;

          - As despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado são de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária, o sendo normalmente daquela;

          - preço para o exercício da opção de compra deve ser, necessariamente, o valor de mercado do bem arrendado.

          A resolução toma como base, para distinguir esta espécie contratual do arrendamento financeiro a limitação ao total das prestações, a possibilidade de uma cláusula acessória estabelecendo o serviço de manutenção e assistência pela arrendadora, e a necessidade de o valor residual ser o valor de mercado do bem. Mas Fran Martins (51) ressalta que o principal elemento para a distinção entre as duas figuras é que no arrendamento mercantil financeiro há a obrigatoriedade, uma vez realizado o contrato, não pode uma das partes rescindi-lo unilateralmente, enquanto que no leasing operacional, havendo aviso prévio, o arrendatário pode rescindir o pacto. A principal função do contrato seria a locação por períodos curtos, de modo a possibilitar novo arrendamento do bem, sem qualquer finalidade translatícia da propriedade. Enquanto que no leasing financeiro prevalece o caráter de financiamento com transferência da propriedade, no leasing operacional prevalece a cessão do uso, a locação, possibilitando a rescisão unilateral do contrato.

          Os artigos 5º (leasing financeiro) e 6º (leasing operacional) da Resolução não diferenciam os institutos, mas lhes dão características próprias: no primeiro as prestações devem permitir a total recuperação do custo do bem arrendado durante o prazo contratual, a operacionalidade corre por conta do arrendatário e deve haver a opção de compra pelo valor residual garantido (52) (VRG), que pode ser livremente acordado; já no segundo, as prestações devem incluir o custo do bem e os serviços prestados pela arrendadora, mas limita-se à 75% do valor do bem, a operacionalidade pode correr por conta de qualquer um dos contratantes, mas normalmente o é pela arrendadora e a opção de compra deve ter o valor de mercado.

          Como se pode ver, as duas modalidades diferenciam quanto à composição das prestações e ainda que a Resolução não determine seu cálculo, limita seus valores. Destaca-se o caráter financeiro do leasing financeiro, o VRG pode ter valor simbólico, visto que a financeira já recuperou seu investimento, ou mesmo valor de mercado, mas como o certo é que o prazo do contrato coincida com o de vida econômica do bem, esse valor de mercado será, no mínimo, bastante reduzido. Destaca-se também o caráter locatício do leasing operacional, que se distinguirá da locação, pela dupla opção (ou tríplice como já nos referimos anteriormente (53)) e pela prestação de serviço essencialmente ligada ao contrato.

          Arnaldo Rizzardo faz uma crítica a essa Resolução, quanto ao regulamento do leasing (artigos 5º e 6º), pois ela contrariaria o artigo 2º da Lei 6.099. Como já bem dissemos antes, a Resolução extrapola completamente a tipicidade legal estabelecida e ao arrepio desta, cria e modifica figuras de leasing, sendo assim completamente ilegal. O referido doutrinador levanta ainda outras questões:

          O mais grave, porém, é a faculdade inserida no inc. III de ambos os artigos 5º e 6º: a fixação do valor pela opção de compra equivalente ao preço de mercado do bem, o que é obrigatório no arrendamento mercantil operacional.

          A rigor, pois, possível que as contraprestações nem envolvam o preço do bem. Chega-se, destarte, a um total desvirtuamento da natureza do leasing. No financeiro, já uma faculdade em se fixar o preço pelo valor de mercado; no operacional, nota-se uma exigência de tal fixação[...].

          Não pode, ainda, passar desapercebido que o prazo do leasing operacional ficará em noventa dias, conforma o art. 8º, inc. II da resolução. Ora, em vista do art. 6º, as contraprestações terão um limite de até 75% do custo do bem. E o preço no caso da opção corresponderá ao preço de mercado do bem arrendado. A conclusão leva a uma vantagem excessivamente onerosa, ao enriquecimento fácil, à exploração vergonhosa, posto que, em última instância, permite-se juros de 25% ao mês (54).

          Concordamos com o autor quando afirma ter a Resolução extrapolado os limites legais, mas devemos ver com maior cuidado a questão da fixação dos preços e dos prazos. O que a referida norma fez, foi tão somente estabelecer opções e limites, vejamos o caso do VRG ser determinado pelo valor de mercado; no leasing financeiro, se o for desta forma, via de regra, o bem terá exaurido a sua vida econômica tendo pouco ou nenhum valor de mercado, portanto, não configuraria qualquer vantagem exagerada para nenhuma das partes, pois o arrendador já se teria pago (artigo 5º, inciso I) e o arrendatário pagaria um valor ínfimo, para não dizer simbólico, ainda assim é mera opção, as partes podem pactuar de forma diversa; no leasing operacional, a exigência do pagamento do valor de mercado para a opção de compra pode ter sido uma forma de se evitar que se realizasse vendas à prestação disfarçadas de leasing, consecutando em fraude, pois o comprador está obrigado a pagar o valor de mercado, mesmo por que, como já afirmamos antes, o caráter translatício é mais forte no arrendamento mercantil financeiro, ainda assim, de forma acessória e eventual. Além disso, a tendência de as prestações serem mais altas no arrendamento operacional é por que não só devem incluir a remuneração da prestação de serviço (assistência técnica), via de regra, prestada pelo arrendador, como também devem levar em conta as altíssimas taxas de depreciação a que estão submetidos os bens normalmente arrendados neste tipo de contrato, como os microcomputadores.

          Quanto à questão do prazo, não é verdade que "o prazo do leasing operacional ficará em noventa dias". O artigo 8º da Resolução 2.309 estabelece tão somente os prazos mínimos, sendo de dois ou três anos de acordo com o bem para o arrendamento mercantil financeiro (inciso I) e de noventas dias para o arrendamento mercantil operacional (inciso II), ou seja tanto em um quanto em outro as partes devem estudar os custos e prazos e pactuar a melhor opção. É verdade que se poderia chegar ao absurdo de uma taxa de juros de 25% ao mês, mas em que casos seria tal taxa aceitável e o contrato viável? É isso que se deve ter em mente, opções limites são para casos limites. Os contratos de arrendamento não são contratos padrão, em que se recebe todas as cláusulas de forma padronizada e pré-estabelecidas, apesar de as empresas de leasing de carro tentarem nos convencer do contrário.

          C) O Retroarrendamento (55) ou Sale and Lease Back: também conhecido como leasing de retorno (56), de retro (57) ou cession-bail para os franceses, o retroarrendamento, como preferimos chamar, nada mais é que uma subespécie do leasing financeiro (58), a única distinção é que nesta modalidade, o bem pertencia anteriormente ao arrendatário, que o vende ao arrendador e depois o toma em leasing. Para aqueles que defendem que o arrendamento mercantil é um contrato tríplice, teríamos a confusão da figura do fornecedor e do arrendatário. Podemos dizer, então, que o retroarrendamento é o leasing que tem por objeto bens que estavam no ativo permanente do arrendatário, que os vendeu para a arrendadora e em seguida os arrendou.

          Na verdade, há uma outra diferença entre o leasing financeiro e o de retorno. Enquanto no primeiro o arrendatário não quer imobilizar capital para adquirir máquinas e equipamentos, no segundo ele quer desmobilizar um capital que já lhe pertence. Como se pode ver, a utilização de um ou de outro depende apenas da realidade de cada arrendatário, suas necessidades é que determinarão a melhor opção. José Wilson Nogueira de Queiroz (59) o considera uma alternativa para o crescente problema da falta de capital de giro nas empresas, pois "a locatária alienante converterá parte de seu imobilizado em dinheiro, enfrentando a falta de liquidez, e não perdendo, todavia, a disposição do bem que permanece em seu poder e posse, [...], com a possibilidade de usufruir dos benefícios fiscais [...]".

          A Lei 6.099, de 13.09.74, trata do retroarrendamento no seguinte artigo:

          Artigo 9º - As operações de arrendamento mercantil contratadas com o próprio vendedor do bem ou com pessoas a ele vinculadas, mediante quaisquer das relações previstas no art. 2º desta Lei, poderão também ser realizadas por instituições financeiras expressamente autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional, que estabelecerá as condições para a realização das operações previstas neste artigo.

          Apesar da clareza do diploma legal, este artigo deve ser lido em conjunto com o segundo da mesma Lei, que reza o seguinte:

          Artigo 2º - Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento de bens contratados entre pessoa jurídica direta ou indiretamente coligadas ou interdependentes, assim como o contratado com o próprio fabricante.

          Alguns doutrinadores (60) criticam a redação da norma, por considerá-la confusa, vez que o artigo 9º refere-se a vendedor e o artigo 2º a fabricante, sendo que este também pode ser aquele. No entanto, ocorre que cada dispositivo trata de matéria diversa, aproveitando-se no 9º apenas os conceitos de "coligadas ou interdependentes" do artigo 2º, que darão sentido à expressão "vinculadas", e os limites impostos por ele. Expliquemos melhor.

          O artigo 2º da Lei 6.099 excluiu de seu âmbito de aplicação os contratos de arrendamento mercantil realizados entre pessoas jurídicas coligadas ou interdependentes, direta ou indiretamente, ou seja, quando na qualidade de arrendadora e de arrendatária figurarem pessoas jurídicas coligadas ou interdependentes. A este negócio jurídico não se aplicam os benefícios fiscais previstos na Lei 6.099. Importante ressaltar que em momento algum a Lei proíbe tal contrato, apenas não lhes estende seus benefícios.

          Já o artigo 9º permite que o retroarrendamento seja realizado por instituições financeiras e que como vendedora e arrendadora figurem pessoas vinculadas, pois como permissão para a realização do sale and lease back basta o artigo 1º, parágrafo único desta mesma Lei. A mens legis é no sentido de permitir não só o retroarrendamento realizado por instituições financeiras credenciadas pelo CMN, como reconhecer a existência desta modalidade quando a vendedora não é a arrendadora, mas pessoa com ela vinculada. Aí, para melhor explicar o que venha a ser vinculada, utiliza-se das expressões contidas no artigo 2º, quais sejam, coligadas ou interdependentes, direta ou indiretamente. Tanto assim o é que o próprio CMN se encarregou de esclarecer o alcance das expressões coligadas ou interdependentes através da Resolução 351 de 1975, reafirmada pela própria Resolução 2.309, em seu artigo 27.

          D) O Leasing Impróprio ou Self Leasing: também conhecido como leasing consigo mesmo, este tipo contratual é mera variação do leasing financeiro, excluído expressamente pela Lei 6.099. Ele se divide em dois tipos: o self leasing por vinculação e o manufacture leasing.

          O self leasing por vinculação é a modalidade de arrendamento mercantil em que na pessoa do arrendatário e do arrendador se encontram pessoas vinculadas. Para os que defendem a triplicidade subjetiva do contrato teríamos como arrendador, arrendatário e fornecedor pessoas vinculadas. Importante lembrar que vinculadas são as pessoas, jurídicas ou físicas, coligadas ou interdependentes, direta e indiretamente, nos termos do artigo 27 da Resolução 2.309 do Banco Central.

          Já no manufacture leasing, temos o fabricante do bem funcionando como arrendador, financiando diretamente a aquisição de seu produto pelo arrendatário através do leasing.

          Além de a Lei 6.309 excluir de seus benefícios expressamente o self leasing, em seu artigo 2º, a própria Resolução 2.309 veda estes sub-tipos contratuais em seu artigo 28, inciso I, quando proíbe o estabelecimento de contrato de arrendamento mercantil entre pessoas físicas e jurídicas coligadas ou interdependentes. A principal utilidade e razão para sua vedação legal é a possibilidade de se contornar limites legais para imobilização de capital e evitar o pagamento de tributos. Quando as instituições financeiras adquirem imóveis e equipamentos através do arrendamento mercantil, essa situação de posse, mas não propriedade, permite que elas ultrapassem o índice máximo de imobilização estabelecido pelas instituições fiscalizadoras do regime bancário (61).

          Há ainda algumas outras variações do contrato de arrendamento mercantil, como a dummy corporation e o lease purchase, mas estes sub-tipos, relacionados com a figura do trust do sistema jurídico da commom law, não são muito utilizados no Brasil, não sendo de maior interesse esmiuçá-los no presente estudo.

          1.5. Dos Direitos e Obrigações

          1.5.1. Do Arrendador

          O contrato de arrendamento mercantil é oneroso e sinalagmático, portanto gera direitos e obrigações para ambas as partes. O arrendador tem as seguintes obrigações:

          - Adquirir o bem nos estritos termos de especificação determinados pelo arrendatário;

          - Assegurar-se da boa procedência do bem, de seu estado de conservação e de sua integridade, como se fosse um mandatário do arrendatário na aquisição;

          - Realizar seguro do bem arrendado;

          - Transferir a posse do bem a ser arrendado de imediato para o arrendatário;

          - Respeitar o direito ao uso regular da coisa do arrendatário, não molestar sua posse direta.

          Como já dissemos antes, o contrato de arrendamento mercantil se inicia com o acordo entre arrendatário e o arrendador para a aquisição de um determinado bem. O arrendante pode ou não ser possuidor deste bem. Em não o sendo, deve adquiri-lo de forma a satisfazer todas as exigências do arrendatário. Aqui deve-se observar alguns detalhes: como é o arrendatário quem arcará com o pagamento em definitivo, ainda que diferido, do bem objeto e é o seu interesse econômico que deve ser satisfeito pelo bem, a ele cabe especificar todas as suas características, podendo inclusive determinar a marca, fornecedor ou empresa de quem deve ser adquirido, pois nessas escolhas estão imbuídas os fatores preferência e confiança do arrendatário.

          Quanto à procedência do bem, cabe ao arrendante assegurar-se de que o bem encontra-se em perfeitas condições, pois a relação de compra e venda do bem estabelece-se exclusivamente entre o adquirente e o vendedor, no caso, arrendante e fornecedor. Este não faz parte do contrato de arrendamento mercantil, não vende o bem para que seja arrendado, o vende ao arrendador e com ele se esgotam suas responsabilidades; o arrendatário aqui não passa de terceiro interessado, não integrante do contrato. Além disso, apesar de ser um direito do arrendatário escolher o bem, não é incomum que lhe dê apenas as especificações genéricas, cabendo ao arrendador realizar certas escolhas, em sendo assim, é possível que seja responsabilizado por culpa in elegendo, caso surjam problemas com o bem que prejudiquem o arrendatário em sua fruição econômica plena.

          O bem objeto de arrendamento mercantil, uma vez entregue, fica sob a responsabilidade da arrendatária, que deve cuidar dele como se dela fosse, em um papel semelhante ao do depositário, mas pode utilizar-se dele, nos limites do uso regular, como se proprietária fosse. No entanto, ela não é proprietária, é arrendatária, e como tal não lhe cabe o ônus gerado por motivos imprevisíveis ou de força maior, esses recaem sobre o arrendador, que deve substituir o bem ou repará-lo. Por isso, é aconselhável que o arrendador faça um seguro, não um seguro do contrato, mas um seguro do bem objeto do contrato. O proprietário do bem é o arrendador, mas como existe a opção de compra, e as prestações são majoradas para atender também a isso, a destruição do bem por motivo alheio gera prejuízos ao arrendatário, podendo inclusive gerar lucro cessante, motivo pelo qual deve ser realizado um seguro, que terá obviamente seu prêmio incluso nas contraprestações (62).

          Já sobre a transferência da posse do bem, o mais aconselhável é que o bem passe direto da posse do vendedor/fornecedor para o arrendatário, sem que o arrendante tome parte nisso. Nada impede que o arrendante receba o bem e o repasse de imediato para o arrendatário, mas de forma a reduzir ao máximo os riscos, é melhor que o vendedor o faça ou o próprio arrendatário, pois assim a responsabilidade durante o transporte não recairia sobre o arrendante. Além disso, o bem não pode ficar em posse do arrendante mais do que o necessário para a transferência, sob o risco de causar prejuízos indenizáveis ao arrendatário, mais um motivo para que este receba o bem diretamente do vendedor. No caso de haver inexecução culposa por parte do arrendador, que pode ser caracterizada pela não compra ou entrega do bem, existem perdas e danos, que podem realizar-se como dano emergente e lucro cessante, de acordo com o caso concreto (63).

          Em contrapartida, o arrendante tem os seguintes direitos:

          - Escolher a melhor forma de pagamento do bem, na compra e venda realizada entre ele e o fornecedor;

          - Exigir garantias à execução do contrato de arrendamento mercantil;

          - Manter a propriedade, ainda que resolúvel, do bem contratado;

          - Receber periodicamente, e sem atrasos, a contraprestação pelo arrendamento;

          - Realizar visitas periódicas para a inspeção do bem, desde que previamente acordado com o arrendatário;

          - Ser informado imediatamente de qualquer usurpação ou ato danoso ocorrido ou em ameaça de ocorrer (esbulho e turbação);

          - Posse e propriedade de peças, implementos e acessórios que forem incorporados ao equipamento.

          A relação de compra e venda estabelece-se estritamente entre comprador e vendedor, mesmo que a destinação do bem já esteja determinada por outro contrato, o de arrendamento. Por isso, cabe às partes contratantes a escolha da melhor forma de pagamento e das garantias a serem implementadas. No entanto, essa liberdade contratual não é de todo plena, pois pode o arrendatário não concordar com determinados acordos, desde que estes ameacem, fundadamente, de alguma forma, o perfeito desenvolvimento do contrato de arrendamento, facultando-lhe desistir do contrato ou exigir a remoção da cláusula contratual. Como se vê, o arrendatário não pode influir diretamente no contrato de compra e venda, mas tem amplos poderes para exigir do arrendador certas mudanças para melhor adequar-se ao contrato vinculado.

          Tal qual qualquer outro contrato mercantil, o leasing não dispensa as garantias da execução da obrigação. "Em geral, tomam feições de arras confirmatórias destinadas a reforçar o adimplemento dos compromissos assumidos pela locatária perante a empresa de leasing" (64). Essas garantias podem ser classificadas em principal e acessórias. A manutenção da propriedade do bem arrendado por todo o contrato é a principal garantia do leasing, vale reforçar que, a manutenção da propriedade pelo arrendador é mera garantia do cumprimento contratual, é como se fosse um super direito real em garantia (65). O arrendador não tem qualquer interesse em permanecer com o bem, a ele interessa apenas o recebimento das contraprestações, que trazem imbutidas o preço, os custos, as taxas e o lucro sobre a operação.

          Já como garantias acessórias podem ser apontadas as pessoais e as fidejussórias. Em geral são cambiais, notas promissórias ou letras de câmbio, e, tal qual na alienação fiduciária, devem corresponder às contraprestações a que se obriga a arrendatária. Outra espécie de garantia é uma caução em dinheiro ou o próprio adiantamento do pagamento do VRG, que nesta hipótese não consiste em uma antecipação da opção de compra, que descaracterizaria o leasing (66), mas em mero depósito a título de garantia de que a obrigação será cumprida. Por algum tempo realizaram-se contratos de arrendamento mercantil garantidos por duplicatas, mas como o leasing não é uma compra e venda nem prestação de serviço, o título é inválido, inapto, portanto, a garantir qualquer coisa (67).

          O contrato de arrendamento mercantil é vantajoso para o arrendatário por que este tem acesso a determinados bens sem que tenha que imobilizar capital, possibilitando inclusive uma taxa de renovação maior. Já o arrendador, normalmente uma instituição financeira, tira vantagem das contraprestações recebidas no curso do contrato, que incluirão uma justa remuneração pela capital aplicado. Exatamente por isso, dentro do período estabelecido contratualmente, que pode ser de até um ano no arrendamento mercantil rural (68), mas que normalmente é de um mês, o arrendador faz jus a receber a sua contraprestação e seu inadimplemento coloca o arrendatário em mora, dando fim ao contrato. A arrendadora faz os seus cálculos e planejamentos contando com o crédito a receber das contraprestações, por isso não pode o arrendatário atrasar nos seus pagamentos, pelo menos não em casos de seguimento normal do contrato. Mister ressaltar que não obstante o inadimplemento ser uma causa resolutiva do contrato, ela não deve ser encarada de forma absoluta, a mora no pagamento deve ser de tal monta que inviabilize a continuação do contrato, ou seja, deve efetivamente ocorrer o inadimplemento.

          Em havendo previsão expressa, pode o arrendador realizar inspeções periódicas no local em que se encontra o bem para averiguar o uso correto e, inclusive, realizar testes de manutenção. No entanto, essas visitas devem ser acordadas previamente, principalmente quanto ao horário de acesso para que não gere qualquer problema ao arrendatário, como a paralisação das atividades em horário comercial.

          No caso de esbulho ou turbação da posse, e em geral, fato novo, o arrendatário tem a obrigação de comunicar imediatamente ao arrendador o ocorrido, para que este possa defender sua garantia e resguardar seu investimento, ainda que o arrendatário possa fazê-lo pelas vias legais apropriadas. A defesa, efetiva ou não, da posse pelo arrendatário não exclui o direito do arrendador de ser comunicado do ocorrido.

          O uso normal de um equipamento muitas vezes necessita de acessórios e implementos, quando o contrato de arrendamento mercantil se encerra e o arrendatário não exerce sua opção de compra, não pode ele retirar os acessórios e implementos que estavam incorporados ao bem principal. Para evitar quaisquer discussões, recomenda-se que esta cláusula venha prevista expressamente no contrato.

          1.5.2. Do Arrendatário

          O arrendatário permanece com a posse do bem por toda a duração do contrato, por isso a ele cabem as seguintes obrigações:

          - Solver o débito e todos os seus acessórios (juros, comissões permitidas, taxas, correção monetária) pontualmente;

          - Utilizar o bem em consonância com o contratado;

          - Proteger e conservar o bem por todos os meios possíveis, inclusive com a realização de reparos decorrentes do uso normal ou desgaste de peças;

          - Não pode alterar ou modificar, de qualquer forma, o equipamento e os elementos que o compõem, substituindo, sem autorização do arrendador, peças e acessórios que não sejam por outras legítimas;

          - Informar imediatamente o proprietário em caso de esbulho ou turbação ou qualquer fato novo;

          - Pagar os impostos e encargos fiscais;

          - Não pode dispor da coisa a qualquer título, oneroso ou gratuito, pois que sua não é, sem autorização expressa do arrendador (69);

          - Responsabilizar-se pelo Valor Residual Garantido (VRG) caso não exerça a opção de compra ou renove o contrato.

          Uma das formas de resolução contratual do leasing é o inadimplemento das contraprestações por parte da arrendatária. Em tese, basta um único atraso para que o contrato esteja encerrado por inadimplemento, desde que reste comprovado que ele provocou a inviabilidade do processo, não basta a mora, é necessário comprovado inadimplemento. Além disso, é necessário que se constitua o devedor em mora, sendo essencial a notificação ou citação em ação de busca e apreensão ou execução do contrato, ou seja, o aviso judicial da mora; ademais, tendo-se em vista a natureza e os objetivos do contrato de arrendamento mercantil, a possibilidade de purgação da mora deve sempre ser concedida ao arrendatário, de modo a preservar os interesses legítimos das partes e manter a comutatividade contratual, desde que não implique em maior prejuízo ao arrendador (70).

          O arrendatário é titular do direito de uso e gozo do bem arrendado, mas não pode usufruir dele além da utilização normal da sua espécie, nem diversamente do contratado, pois o uso abusivo pode danificar o bem, reduzindo a sua eficácia enquanto garantia do contrato. Normalmente, no leasing há um planejamento prévio em que o futuro arrendatário apresenta ao futuro arrendante um plano de utilização do bem objeto e os lucros que ele lhe trará. Este plano passa a fazer parte do contrato e deve ser obedecido por aquele que se obrigou.

          Salvo quando o próprio contrato prevê que as revisões e trocas de peças serão feitas pelo arrendador, o que ocorre geralmente no leasing operacional, o arrendatário se obriga a realizá-las e arcar com os custos das trocas de peças necessárias à normal utilização do bem. Não se refere aqui às hipóteses de dano causado por força maior ou terceiro, mas aquelas despesas normais de manutenção e funcionamento características do equipamento. Nessas trocas está o arrendatário obrigado a utilizar-se de peças e acessórios originais ou legítimos, sob o risco de arcar com qualquer dano que venha a ocorrer ou com qualquer variação da depreciação ocasionada pela utilização de componentes de baixa qualidade. Da mesma forma, está limitado à vontade do arrendador quanto a alterações e adaptações do bem, ainda que essenciais para o seu melhor funcionamento para a arrendatária, desde que tais alterações não tenham sido previamente acordadas. De um modo ou de outro, as alterações no bem arrendado não podem ser tais que o descaracterizem, sob o risco de se extinguir o contrato por perda de objeto.

          Já quando houver qualquer ameaça ou efetivo dano ao bem arrendado, ou ocorra fato novo, deve o arrendatário não só defender o bem no melhor de suas possibilidades, inclusive por meios judiciais, como comunicar de imediato o arrendador, para que além da ciência do ocorrido, possa defender seus interesses se assim lhe aprouver.

          Durante a duração do contrato, todos os impostos e encargos fiscais diretamente relacionados com a utilização e manutenção do bem arrendado correm por conta do arrendatário, pois é ele quem efetivamente o tem e tira proveito. Assim, no caso de um arrendamento de um veículo automotor, o pagamento do IPVA recairia sobre o arrendatário. Importante ressaltar que essa responsabilidade não se refere aos impostos e despesas característicos da arrendadora no correr o contrato de arrendamento mercantil, pois do contrário estaríamos a justificar a transferência da carga tributária, que não é o caso.

          Ao arrendatário é vedado a cessão, sublocação ou transferência de seus direitos e obrigações sem prévia anuência do arrendador. Por isso, a Resolução 2.309 do Banco Central exige que venham expressas no contrato as responsabilidades do arrendatário que incorrer em qualquer dessas hipóteses sem a devida autorização. No entanto, não se deve confundir cessão, sublocação ou transferência com o subarrendamento, este é permitido legalmente e caracteriza-se pelo contrato de arrendamento mercantil com uma empresa de leasing no exterior vinculado a um outro contrato de leasing, o subarrendamento, com pessoas jurídicas no País.

          Uma das mais importantes obrigações do arrendatário foi incluída pela Portaria nº 564, do Ministério da Fazenda, de 1978, confirmada pela referida Resolução e não encontra respaldo na Lei 6.099, que é a figura do Valor Residual Garantido (71). A Lei do Arrendamento Mercantil em seu artigo 5º, "d", exige que o instrumento do contrato traga em si "o preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula". É uma proteção ao arrendatário que desde de o início do contrato saberá de antemão o custo de aquisição do bem, ou pelo menos os critérios a serem utilizados para determiná-lo. Ele corresponde à pequena parcela de depreciação (72) do bem que não foi incluída nas contraprestações contratuais, é o resto de valor econômico que o bem possa ainda ter. A soma das contraprestações não abarcará todo o valor do bem, deve chegar até um determinado percentual do valor do bem, consubstanciando-se o restante no valor residual ou preço de aquisição, de forma a completar, assim, a plenitude do custo do bem. Mas a Resolução 2.309, em seu artigo 7º, inciso VII, alínea "a", manteve a "previsão de a arrendatária pagar valor residual garantido (...)", o que não existe em qualquer lugar na Lei regulada. Ele corresponde a um valor mínimo que o arrendador deve receber, na venda do bem à terceiro, caso não seja exercida a opção de compra pelo arrendatário. Se este valor não for alcançado caberá ao arrendatário a sua complementação.

          Em sendo uma extrapolação legal é de se cogitar a ilegalidade de sua cobrança. Há quem vá mais longe e identifique uma verdadeira contradição com o espírito do leasing, como Arnaldo Rizzardo (73), pois "[...] de acordo com o sentido de VRG, o arrendador terá assegurado sempre um valor residual, ao final. Mesmo que não exercida a opção de compra, esse valor residual deverá ingressar na sua receita. Vendendo o bem a terceiro, se não atingir o VRG, ao arrendatário caberá a complementação [...]".

          Não encontramos maiores problemas na cobrança do VRG, uma vez que vemos nele mera parcela da depreciação que não foi incluída nas contraprestações acrescido, às vezes, do relativo valor do bem depreciado ao final do contrato, exatamente por isso, o quantum do VRG e o do valor de opção ou residual serão bastante próximos; apenas este poderá ser menor por não trazer imbutidos os gastos com uma possível demora e custos da alienação para terceiro. O referido autor apenas não concebeu o VRG como parcela de depreciação não inclusa nas prestações, para ele, o preço está completamente imbutido nelas, mas se assim o fosse, que natureza teria o valor residual? Por que pagar mais a alguém por algo que já se pagou efetivamente? Se fosse deste modo, o arrendamento mercantil se aproximaria ainda mais da venda com reserva de domínio, com a transferência da propriedade no momento do adimplemento da última parcela, quando na realidade, o valor residual deve ser pago tão somente ao fim do contrato e optativamente, como condição de aquisição do bem. O arrendante só terá o total valor do bem de volta com o recebimento do valor residual, por isso, quanto mais altas as prestações, menor o valor residual, a relação é de proporcionalidade inversa.

          Mesmo no caso de opção de aquisição, o que se estará pagando ao arrendador é a parcela de depreciação do bem que não foi incluída nas contraprestações, o chamado valor de opção. Essa exclusão das contraprestações tem por objetivo suavizar as mensalidades, tornando economicamente viável o negócio, visto que elas já são visivelmente superiores às praticadas na locação. A postergação do pagamento integral do valor do bem se dá de forma a permitir que o arrendatário, já tendo o tido retorno financeiro da utilização econômica do bem no curso do contrato, possa então finalmente terminar de pagar pelo bem.

          Na complementação do VRG pelo arrendatário nada mais há do que uma transferência consensual do risco, o arrendatário concordou em cobrir totalmente o investimento do arrendador marcado pelo preço avençado do bem, além de outros custos. Apenas convencionam que uma pequena parcela será destacada das prestações de forma a permitir que ela seja arcada pelo próprio arrendatário no caso da opção de compra, ou por terceiro na extinção do contrato. O arrendatário, neste caso, é mero garante do valor. A arrendadora não arca com os riscos da venda, a ela só interessa receber de volta o seu investimento, seu interesse no objeto é puramente como garantia. A arrendatária é que pode ter algum tipo de interesse na sua propriedade.

          Quando a taxa de depreciação do bem é muito baixa, tendo o bem arrendado ainda relevante valor econômico ao final do leasing, é comum que se renove o contrato de arrendamento, pois o valor residual seria alto (parcela de depreciação não incluída + valor relativo do bem depreciado). É sobre este valor que será calculado o novo arrendamento, levando-se em consideração tudo o que já foi pago.

          Por fim, para que o arrendatário se ponha em pé de igualdade ou pelo menos em uma posição mais favorável com relação ao arrendador, certas prerrogativas lhe são garantidas:

          - Escolher o bem a ser arrendado e todas as suas especificidades;

          - Ser informado do valor pago ao fornecedor e a forma de pagamento;

          - Ser informado do valor das taxas e remunerações implícitas nas contraprestações;

          - Saber de antemão o quantum do valor residual ou sua fórmula de cálculo (74);

          - Ter seu ius fruendi garantido pelo arrendatário;

          - Aceitar ou não a substituição do bem arrendado no curso do contrato (75);

          - Optar pela renovação do contrato, a devolução do bem ou sua aquisição (76);

          O arrendamento mercantil traz embutido em si um financiamento de um bem que o arrendatário quer ter acesso sem imobilizar capital, ou que não dispõe de capital para adquirir. Exatamente por isso a ele cabe o direito de escolher o bem que melhor lhe serve, podendo determinar-lhe todas as características, inclusive o fornecedor. Todo e qualquer detalhe referente ao bem pode e deve ser determinado pelo arrendatário, pois só a ele interessam; mesmo porque a propriedade do arrendador é a título de garantia e com o adimplemento da obrigação há a possibilidade de aquisição pelo arrendatário.

          Apesar de poder determinar todas as características do bem, não lhe cabe a prerrogativa de determinar a forma de pagamento, pois não será ele a diretamente realizá-lo, esta negociação cabe ao arrendador que terá de despender o capital de imediato, financiar a aquisição. No entanto, todos os detalhes deste acordo devem ser repassados ao arrendatário, pois o preço acordado será elemento essencial de cálculo para as prestações que ele terá de pagar; além disso, certos tipos de acerto podem prejudicar o arrendamento, facultando ao arrendatário impugná-las ou exigir que o arrendador não as assuma. De qualquer forma, o arrendatário deve ser sempre informado de tudo que envolva a negociação.

          O arrendatário também deve ser informado do valor de todas as taxas, custos e juros, bem como sua forma de cálculo, inclusos na contraprestação, discriminadamente, para que tenha a real noção de quanto está pagando à arrendadora e para que possa negociar esses preços.

          Ao final do contrato cabe ao arrendatário exercer ou não a opção de compra, para tanto, ele deve pagar o chamado valor residual. Este representa um percentual da depreciação do bem arrendado que não foi diluído nas contraprestações, acrescido do relativo valor econômico do bem (nos casos de bens com baixas taxas de depreciação, e.g. automóveis). Como é uma despesa que o arrendatário terá de arcar, ele deve ser informado de antemão o seu valor ou sua fórmula de cálculo, não só para poder se planejar caso o valor seja considerável, como para poder se proteger de cobranças indevidas que não correspondam com ao valor residual propriamente dito. Na hipótese de o contrato estar sendo encerrado antecipadamente, deve-se excluir das prestações e do valor de opção os juros, pois estes não são devidos quando do pagamento antecipado. Se impossível a determinação do quantum a ser pago, pelo menos a fórmula de seu cálculo deve ser informada no instrumento do contrato. O valor da opção de compra deve ser sempre determinado ou determinável.

          1.6. Da Propriedade em Garantia do Arrendador

          O arrendador normalmente é uma instituição financeira, o que ressalta o caráter financeiro do contrato de leasing. A ele interessa o retorno do capital empregado na aquisição do bem, que não lhe tem qualquer utilidade senão como garantia de adimplemento da obrigação principal por parte da arrendatária, qual seja, o pagamento de todas as contraprestações. Exatamente por isso a sua propriedade é extremamente limitada, não passando de um mero direito real em garantia. Relembremos alguns conceitos envolvendo propriedade e raciocinemos.

          1.6.1. Da Propriedade

          A propriedade é o direito real por excelência, direito subjetivo padrão ou direito fundamental (77). Há, de forma geral, três formas de conceituá-la (78):

          a) Tentando reduzi-la aos seus elementos essenciais positivos (direito de usar, gozar, reivindicar, alienar, etc): todo esses direitos os encontramos em várias combinações. A tendência é que se reduza o conteúdo da propriedade a esses elementos essenciais, procurando a sua definição na sua enumeração – uns definindo unicamente a plena propriedade, enquanto outros, procurando restringir esses elementos aos que, sem eles, a propriedade não pode ser considerada como tal, reduzem, assim, a definição de propriedade ao mínimo;

          b) Um segundo grupo pretende destacar o elemento genérico da vontade do proprietário relativamente à coisa. O elemento ativo, o conteúdo do poder do proprietário consistiria nesta possibilidade de manifestar livremente a sua vontade acerca da coisa – de tal modo se tem quase a definição da propriedade no momento dinâmico da exteriorização da vontade do proprietário;

          c) Um terceiro grupo põe em evidência o momento estático dessa relação jurídica da propriedade, isto é, o elemento da pertinência da coisa ao proprietário, sem qualquer preocupação com a possível manifestação da vontade do homem sobre a coisa.

          O critério de propriedade no direito positivo está no nosso Código Civil, o qual, em seu artigo 524 se limitou a traçar o seu conteúdo: "a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua", e a Constituição a sua garantia, artigo 5º, inciso XXII, desde que ela obedeça a sua função social (inciso XXIII). Com o conteúdo legal e proteção (e restrição) constitucional, nos passos do primeiro grupo retratado por Scialoja, podemos tomar como conceito de propriedade o seguinte: a propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, nos limites do seu fim social, e reinvindicá-la de quem injustamente a detenha.

          O uso (ius utendi), o gozo (ius fruendi) e a disposição da coisa (ius abutendi) são os elementos que compõem a propriedade, são atributos ou faculdades que lhe são inerentes. Quando estão reunidos em uma única pessoa, tem-se a chamada propriedade plena (plena in re), mas se houver um desmembramento e uma dessas faculdades a outrem for passada ou do proprietário for tirada (e.g. cláusula de inalienabilidade), então teremos a propriedade limitada. Essa restrição pode ser voluntária ou legal, sendo que hoje poder-se-ia falar também na restrição social da propriedade.

          O direito de usar é a faculdade de colocar a coisa a serviço do titular, sem modificação da sua substância (79), seja em benefício próprio ou de terceiro. O direito de gozar é a faculdade de beneficiar-se dos frutos, sejam os que da coisa naturalmente advêm ou os civis. Já o direito de dispor é a faculdade de gravar de ônus, colocar a disposição de terceiro, alienar ou abandonar a coisa; e o direito de reavindicar a coisa (rei vindicatio) consiste no poder que o proprietário tem de buscar a coisa nas mãos alheias, retomá-la. Esses elementos são essenciais à propriedade, mas podem ser destacados em favor de terceiros, desde que o direito à substância da coisa, em torno da qual se congregam as faculdades elementares, não seja afetada (80).

          Como veremos adiante, a propriedade do arrendador é tão restringida que é questionável se sua substância não foi realmente atingida no contrato de arrendamento mercantil.

          1.6.2. Dos Limites à Propriedade

          A propriedade, hoje, não tem mais o caráter absoluto que tinha no passado. É um direito real de conteúdo virtualmente limitado, e a sua plenitude não é incompatível com tais limitações. No Brasil, o artigo 147 da Constituição de 1946 garantia a propriedade, "salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social (...)"; a de 1967 no artigo 157 seguia a mesma tendência e o atual artigo 5º, inciso XXIII, a subordina finalisticamente à sua função social (81). Da mesma forma existem inúmeras restrições legais à propriedade, como o direito de vizinhança, as servidões, o direito sanitário, etc...

          Além desses limites, por assim dizer, de ordem pública, como já mencionamos, uma das faculdades da propriedade é de disposição de seus elementos. Por isso, é possível que por razões particulares o proprietário resolva reduzir seu direito de propriedade, impingindo-lhe certos ônus reais (res – sobre a coisa). Esses ônus caracterizam-se como direitos reais, que podem ser sobre coisa alheia, em garantia e de aquisição (82). Sendo esses dois últimos exatamente os que nos interessam para o presente raciocínio.

          1.6.3. Direito Real em Garantia

          O conceito dos direitos reais de garantia sofreu oscilações históricas, apresentando-se, na origem, como todo direito sobre a uma coisa, estabelecido para garantia de um crédito (83). É a sujeição de uma coisa, em vínculo real, à garantia de cumprimento de uma obrigação. A garantia real opõem-se à garantia pessoal ou fidejussória, que implica a submissão de uma segunda pessoa à dívida.

          Os direitos reais – seja o mais amplo deles, a propriedade; seja qualquer dos direitos reais de gozo, como, por exemplo, o usofruto – podem servir, desde a criação no direito moderno dos negócios fiduciários do tipo romano ou do tipo germânico, de garantia a um crédito, enquadrando-se na categoria que Pontes de Miranda (84), inspirando-se em autores alemães, denominou direitos reais em garantia, para distingui-la da dos tradicionais direitos reais de garantia, que são o penhor, a anticrese e a hipoteca, isto é, direitos reais limitados ou direitos reais sobre coisa alheia (85). Mais adiante tentaremos demonstrar como o contrato de arrendamento mercantil introduziu no ordenamento brasileiro a noção de propriedade em garantia.

          Em princípio, a garantia real somente se compreendia com a transmissão do domínio da coisa, surgindo o conceito técnico de direito real em garantia apenas quando passou-se a admitir o ônus sem a transmissão de propriedade (86). A primeira manifestação foi a fiducia, na qual o devedor transmitia ao credor uma coisa em plena propriedade, convencionando-se simultaneamente que o credor dela não podia dispor, devendo restituí-la com o adimplemento da obrigação principal. Para evitar seus inconvenientes, foi instituído o pignus, que consistia na entrega da coisa ao credor como depositário, mero possuidor, e não proprietário. Mas ele privava o proprietário do uso da coisa, por isso foi desenvolvida a hypotheca, que era a possibilidade de o proprietário se servir da coisa enquanto ela servia de garantia ao credor, sem necessidade de transmissão da posse ou domínio. Por último, surgiu a possibilidade de a coisa servir como garantia mas sem que se cogitasse da sua venda no caso de inadimplemento, a obrigação seria garantida pelos frutos que a coisa gerasse.

          Os ordenamentos modernos passaram a admitir três tipos de garantia real: a) a coisa dada em garantia sai da posse imediata do dono para às mãos do credor ou terceiro, podendo ser levada a venda caso a obrigação não seja cumprida devidamente, é o penhor; b) a garantia se constitui na coisa sem que o proprietário perca a posse imediata ou a propriedade, podendo, entretanto, o credor promover sua venda em caso de inadimplemento da obrigação, é a hipoteca; c) o credor pode adquirir o direito de receber os proveitos, no todo ou em parte, da coisa dada em garantia que lhe será entregue ou a terceiro, até que lhe baste para a satisfação do crédito, é a anticrese (87).

          No entanto, com as mudanças do mundo moderno, esses tipos de garantia real não satisfaziam mais as necessidades econômicas da sociedade. Era necessário garantir de forma mais eficaz o crédito. Para isso foi criada a alienação fiduciária em garantia, que não passa do resgate do antigo instituto da fiducia, só que desta vez, há a transmissão da propriedade em garantia e da posse mediata, mas não da posse imediata, esta, bem como o direito de usar a coisa, ficam com o alienante-devedor. Com o adimplemento da obrigação, a posse imediata do devedor consolida-se em propriedade plena de novo, sem que haja necessidade de qualquer novo ato de ambas as partes.

          Por algum tempo essas garantias nos serviram adequadamente, mas os comerciantes começaram a enfrentar certas situações em que nenhuma dessas formas de garantia se enquadravam bem, ou que apesar de ser possível utilizá-las, acarretariam gastos demasiados. Surgiu, então, o arrendamento mercantil, em que o credor adquire uma coisa em nome próprio, mas com a única finalidade de transferi-la para o arrendatário, que ao final do contrato poderá ter sua posse imediata consolidada em propriedade. A sua principal distinção da venda com reserva de domínio é o caráter de financiamento do leasing, que inclui em suas prestações não só o preço do bem (posto que não é venda), mas também taxas de administração, juros e lucro. Da locação é ainda mais visível a sua distinção, uma vez que quem loca não transfere ao locatário o pleno uso econômico do bem, nem lhe promete a venda.

          Além disso, no arrendamento mercantil, as grandes vantagens são fiscais e contábeis, esse é o verdadeiro passo evolutivo deste instituto. Ele coloca em segundo plano o direito sobre a coisa, ainda assim, consiste em melhor garantia de crédito do que os demais institutos. É mais vantajoso para ambos os contratantes e ao mesmo tempo garante o crédito com a propriedade. Enquanto os institutos anteriores limitavam ou retiravam a propriedade do devedor, o mecanismo do leasing é impedir que o bem adentre no seu patrimônio até que se cumpra a obrigação principal. Exatamente pelo fato de a propriedade ser limitada pela sua finalidade pignoratícia, devemos encará-la com certos cuidados. A propriedade limitada pela sua finalidade de garantia deve cumprir sua função social como tal.

          1.6.4. Propriedade em Garantia

          Dissemos anteriormente que a propriedade é composta pelos elementos essenciais: uso, gozo, disposição e poder de reivindicar. Afirmamos também, em consonância com Lafayette (88), que o proprietário poderia ter uma ou algumas dessas faculdades limitadas, desde que não se alcançasse a substância da propriedade. Analisemos então a propriedade, quando ela é dada em garantia e, no caso do arrendamento mercantil, quando ela é adquirida em garantia.

          Temos de plano um problema conceitual, quem aliena não grava, posto que aquele que grava em garantia começa a expor o bem à alienação, se a garantia consiste em subordinar ao seu fim o valor do bem. Para a extração do valor tem-se de alienar (89). Da mesma forma quem adquiri propriedade a adquiri para si, sendo inovadora, para não dizer estranha, a noção de que alguém possa tornar-se proprietário de um bem apenas para garantir-se, como ocorre na alienação fiduciária e ainda mais inovador a aquisição de propriedade no leasing, pois que além de garantia é forma de financiar outrem. A despeito desse dilema, aliena-se para garantir e adquiri-se propriedade para financiar.

          No direito inglês a equity é invocada pelos juízes e juristas no mortagage of personal property, que é venda a título de garantia, não propriamente penhor (gage); no direito alemão os juristas e juízes admitem que a Sicherungsübereignung, Sicherungsübertragung, se construíra ao lado da lei.

          O direito inglês utiliza três expedientes para justificar a propriedade em garantia: a condição resolutiva, o pacto de retrovenda e a condição suspensiva. Nas duas primeiras hipóteses, o bem efetivamente entra no patrimônio do adquirente; na terceira, o bem entra no patrimônio do credor no inadimplemento. Jurisprudencialmente, introduziu-se a remição, a equity of redemption, a favor do alienante, e a pretensão de cobrar a diferença entre o valor do bem e a dívida, e terminou-se por ver na situação jurídica do adquirente apenas a de quem tem em seu patrimônio bem em garantia. É o que chamo de propriedade em garantia, trata-se de um direito real – a propriedade – restrito ontologicamente e teleologicamente à sua finalidade pignoratícia, é um verdadeiro direito real em garatia (90)!

          Para fundamentar essa pretensão, o direito anglo-saxão trabalha com conceitos estranhos ao sistema jurídico brasileiro, a equitable mortgage, que teria o credor, titular de direito sobre a legal property. Um teria a legal ownership; outro, a equitable ownership. Mas o negócio jurídico só funcionaria assim se fosse registrado. Temos plena consciência de que nosso sistema jurídico repudia a propriedade sobre a mesma coisa por dois sujeitos, ainda que no sentido expresso pelos ingleses. Mas a idéia por detrás dela não nos é de todo estranha. Na realidade, vislumbra-se nesta construção alienígena uma correta aplicação dos princípios da isonomia e da proibição do enriquecimento ilícito. É por isso que os sistemas da civil law vêm a mais de dois mil anos lutando pela proibição da existência do pacto comissório (91), que seria a possibilidade de o proprietário a título de garantia poder ficar com o bem como adimplemento da obrigação.

          Na Itália também há quem distinga (92), na propriedade que se transmite ao credor por força do negócio fiduciário, a proprietà formale que pertenceria ao fiduciário e a proprietà materiale que seria do fiduciante. Seguindo o molde dos ingleses.

          No direito germânico houve quem enxergasse na propriedade a título de garantia um direito real em garantia (Reichsgericht – 1910), chegou-se até a falar em penhor oculto. Surgiram até mesmo proposições do tipo "o direito cedido não sai do patrimônio do cedente e não entra no patrimônio do cedido", o que para doutrinadores como Pontes de Miranda são efetivamente chocantes (93). Por outro lado, os conceitos de propriedade formal jurídica e propriedade material econômica ressoariam como confissão de fracasso na construção jurídica, sem as escusas do empirismo inglês.

          Para ele a transmissão da propriedade em garantia contém a transmissão da propriedade mais o acordo de não poder o adquirente dispor da propriedade do bem e ter de restituí-lo ao se solver ou se extinguir por outro modo a dívida. A actio fiduciae protegia o transmitente. No sistema brasileiro, se houvesse cláusula de segurança, na pior das hipóteses, teríamos a propriedade resolúvel. O proprietário o seria pleno iure, podendo transferir o que tem, seria proprietário como qualquer outro. E segue dizendo:

          Êsse ponto é o que mais importa para se fixar o conceito de transmissão em segurança. O que é matéria do direito das coisa fica; o que já passou no direito das obrigações, sem penetrar no direito das coisas, fica no direito das obrigações. Compreende-se que antes da disciplina jurídica dos direitos reais de garantia se haja lançado mão dêsse expediente, que exerceu função de segurança; e também que dêle se valessem os antigos e se valham hoje os interessados quando as circunstâncias lhes apontam inconvenientes, in casu, das constituïções de direitos reais de garantia. [...] A obrigação de restituir, logo após ser solvida integralmente a dívida, existe e é pessoal (94).

          O referido doutrinador, em uma tentativa de sistematizar juridicamente de forma correta a prática de transmissão da propriedade em segurança, divide o fenômeno em duas partes, a real e a pessoal. Ele mesmo chega a afirmar que quem aliena faz mais do que precisa, bastando-lhe gravar, mas no caso concreto nem sempre é possível ou interessante às partes que o façam, sendo necessária ou exigida a transmissão. Nesta hipótese, de transmissão em segurança da propriedade, afirmar que o credor-proprietário não tem limitações reais, mas obrigações pessoais, como a de retransmitir a propriedade é o mesmo que afirmar que em caso de não cumprir o acordo, o devedor-alienante não poderia adjudicar o bem, nem reavê-lo de outra forma. Deu por que quis, os prejuízos que se resolvam nas perdas e danos; "o comerciante fica com os móveis do escritório, (...), e ao solver a dívida tem pretensão contra o credor, que o deixou de ser, para haver a propriedade dos bens. Mas pretensão pessoal" (95).

          Com a devida vênia, razão não o assiste, uma vez que seria excesso de formalismo e liberalismo querer tornar a propriedade um direito absoluto resolvendo os problemas decorrentes em simples indenização pecuniária. Tanto assim o é que a lei, em inúmeras oportunidades veda a cláusula comissória, e apesar de haver doutrinadores que defendam a inadequação da vedação (96), ela demonstra o reconhecimento pelo sistema jurídico brasileiro de que na transmissão da propriedade em segurança (alienação fiduciária), a propriedade restringe-se à parcela ideal correspondente ao valor do crédito, e não à coisa em si. Seria como se fosse um condomínio entre alienante-devedor e proprietário-credor, em que a parcela ideal deste se reduziria à medida em que o débito fosse sendo quitado, na proporção do valor restante, até se extinguir.

          Até agora tratamos da transmissão da propriedade em segurança, mas tentemos olhar a propriedade do arrendador no contrato de arrendamento mercantil com as noções que acabamos de discutir. Haveria qualquer diferença se o arrendatário comprasse o bem com capital emprestado pelo arrendador e depois lhe desse o bem em garantia? Em termos práticos, salvo o trabalho e o número de impostos em cada transação, não! Pois é exatamente isso que este novo contrato faz, ele abrevia passos em nome da eficiência. Quem escolhe o bem é o arrendatário, quem usa o bem é o arrendatário, quem realmente recebe o bem do fornecedor é o arrendatário, quem paga os impostos sobre o bem é o arrendatário e quem exaure a importância econômica da coisa é o arrendatário!

          Olhando desse modo, fica difícil não enxergar, nos termos de Lafayette, verdadeiro atentado à substância da dita propriedade do arrendador. Ele não a possui em momento algum, seja o bem móvel ou imóvel; neste último a coisa ainda é registrada em seu nome, prova de aquisição (artigo 530, Inciso I do CC), mas no primeiro, apenas através de uma ficção jurídica, ou seja, uma invenção – a traditio ficta, é que ele será proprietário, vez que o artigo 620 do Código Civil brasileiro exige a tradição para que ocorra a aquisição. Ele não pode usar o bem, não pode gozar do bem, nem dispor do bem e mesmo que seja inadimplida a obrigação, terá de vendê-lo, pois que é vedada em nosso ordenamento a cláusula comissória.

          É por isso que tanto na alienação fiduciária, quanto no arrendamento mercantil, o detentor da propriedade o é a título de garantia. Não chegamos a afirmar, como os ingleses, que existem dois direito de propriedade (legal e equitable ownership), nem chegaremos ao ponto de sustentar a existência de um condomínio entre devedor e credor nas porções inversas do crédito, mas sim um direito real de propriedade limitado pelo fim de garantia (97). É um direito real em garantia, uma propriedade ontologicamente e teleologicamente limitada. Em ambos os casos o proprietário é credor, credor com garantia real sim, mas mero credor, e em momento algum ele sai dessa condição. Em ambas as hipóteses, temos a propriedade em garantia como uma propriedade resolúvel, nos moldes dos negócios jurídicos germânicos, portanto, passíveis de seqüela. No leasing, o arrendador adquire o bem como forma de financiamento do arrendatário, este é que não tem ou não pode imobilizar o capital necessário para a aquisição, recorrendo, então, à aquele (normalmente instituição financeira) para que adquira o bem e o arrende. A propriedade do arrendador serve única e exclusivamente como garantia de que o arrendatário quitará o seu débito.

          Caso contrário, teríamos que concordar plenamente com Pontes de Miranda e Caio Mário, para então ser contrário à vedação da cláusula comissória, pois a lei estaria realmente tentando vedar que o proprietário se tornasse aquilo que já seria, proprietário. E a porção não correspondente entre débito e valor do bem deveria ser restituída, mas por pretensão pessoal, não real. Não é o que acontece.

          O arrendador adquire o bem em nome próprio, mas para uso e gozo do arrendatário. Alguns poderiam alegar que as contraprestações seriam frutos civis e que o arrendador, como proprietário, estaria delas gozando em sentido genérico. Mas como a própria Resolução 2.309 afirma, é condição para a caracterização do leasing financeiro que "as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para a arrendadora recuperar o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos". Como se vê, entre as contraprestações e o bem não há qualquer relação direta, apenas o capital despendido para a aquisição deste é que é um dos elementos do cálculo daquelas, e uma vez firmado o contrato, a variação do preço no mercado pouco importa para a determinação das prestações, a taxa de depreciação será fixada pela Secretaria da Receita Federal. A relação entre bem e prestação não é exatamente a de coisa e fruto, a relação entre o custo de aquisição (capital) e as prestações se aproxima mais dessa idéia.

          Quanto a possibilidade de disposição, sendo o contrato registrado, não pode o arrendador dispor do bem. Pelo menos tem essa prerrogativa muito reduzida, pois o adquirente se vinculará ao contrato de arrendamento mercantil e ao seu desfecho: encerramento e liquidação da dívida (VRG), aquisição (valor de opção) ou renovação. A propriedade do arrendador se aproxima da propriedade do credor no negócio fiduciário germânico, o terceiro adquirente, em sendo o contrato registrado, terá sua propriedade submissa à condição resolutiva. Caso assim não o fosse, ela se aproximaria do absolutismo do tipo romano, no qual

          [...] a propriedade fiduciária é plena, tanto que o credor pode aliená-la a terceiro, sem que o devedor, ao pagar a dívida, tenha outro direito contra ele que não o de exigir perdas e danos por não poder o credor retransferir-lhe a coisa como se obrigou pelo pactum fiduciae; e contra terceiro nenhum direito assiste ao devedor. Em caso de negócio fiduciário do tipo germânico, a propriedade fiduciária que dele resulta nada mais é do que uma propriedade limitada, porque subordinada a condição resolutiva (o pagamento do débito pelo devedor), motivo por que, se o credor, antes de ocorrida a condição, a transferir para terceiro, este a adquirirá também como propriedade resolúvel, perdendo-a para o devedor, se a dívida for solvida (98).

          As garantias antigas separavam do patrimônio do devedor o bem gravado, ou mesmo o retiravam de sua propriedade, no contrato de arrendamento mercantil evita-se que ele entre no patrimônio do devedor, pelo menos até que as obrigações estejam adimplidas. Há uma verdadeira cláusula suspensiva para a aquisição do bem ou, observando-se o outro pólo da relação, uma condição resolutiva da propriedade.

          1.7. Direito de Real Aquisição do Arrendatário

          Apesar de ser um elemento típico, mas não essencial, do contrato de arrendamento mercantil, a opção de compra do arrendador é um elemento indentificador do pacto. Nesta opção de aquisição está imbutida uma promessa de compra e venda do bem objeto do arrendamento, exsurgindo uma série de perplexidades. A principal delas é a possibilidade ou não de suprimento, por sentença judicial, de uma declaração de vontade não emitida pelo arrendador, no caso de exercício da opção.

          O arrendador, quando da assinatura do contrato, já externa sua vontade, para o arrendamento e para a aquisição ou realiza mera promessa de venda? Essa questão merece um estudo mais aprofundado, mas apenas para provocar a discussão, trabalhemos com um hipótese em que fique clara a necessidade de nova externação de vontade por parte do arrendador. O arrendamento de bem imóvel. Como se sabe, o Brasil segue o sistema romano-germânico, no qual adota-se a duplicidade formal para a aquisição (contrato translatício e tradição ou transcrição), logo, mesmo que o arrendatário exerça sua faculdade, é necessário que o arrendador externe nova declaração de vontade. Poderia essa declaração de vontade ser suplantada por sentença judicial?

          Frederico Marques (99) já defendia a muito que se a declaração de vontade se apresenta como infungível, o seu efeito na esfera das relações intersubjetivas que o direito regula pode, no entanto, ser isolado, pelo que tal infungibilidade é apenas de ordem jurídica, e não a de ordem natural como sucede com as obras e serviços que se exigem ratione personae, tais como o quadro de um pintor, o concerto de um músico, a estatueta de um escultor, etc. Os órgãos do Judiciário, em certas ocasiões, podem suprir a vontade do obrigado inadimplente, quando existe obrigação anterior de emitir essa declaração e o obrigado se recusa a cumpri-la.

          A legislação evoluiu neste sentido, de forma tal que não há mais que se discutir essa possibilidade. O Decreto-Lei 58 de 1937 prevê a adjudicação compulsória, por sentença, ao promitente comprador, do imóvel loteado prometido à venda, em caso de recusa da escritura pelo vendedor. Foi seguido pelo artigo 346 do CPC de 1939, que regulou o procedimento para a referida ação, e pelo artigo 1.006. A Lei 649, de 1949, alterou a redação do artigo 22 do Decreto-Lei, estendendo seus efeitos aos compromissos de compra e venda, sem cláusula de arrempendimento, de imóveis não loteados. O novo CPC também tratou do assunto no artigo 632 e seguintes, das obrigações de fazer. A Lei 6.014 de 1973 adaptou ao novo regime o artigo 22 do DL 58, e a Lei 6.766 de 1979 estendeu a proteção aos pré-contratos, propostas de compra, reserva de lotes e instrumentos similares, mediante aplicação dos artigos 639 e 640 do CPC.

          Hoje, podemos afirmar sem maiores constrangimentos que, é possível vislumbrar um direito real no contrato de arrendamento mercantil, e tal qual o da promessa de compra e venda, faz parte de uma nova categoria de direitos reais, os chamados direitos reais de aquisição. É unânime nos autores que trabalham o leasing reconhecer nele imbuída a promessa de compra e venda, é a chamada opção de compra ao final do contrato. Antes ela representava um direito expectativo, mera promessa, e muito se discutiu se em caso de arrependimento era devido perdas e danos ou não (100), mas essa concepção liberal não mais encontra respaldo em nosso sistema jurídico, principalmente com a nova ordem constitucional e a consagração da função social da propriedade.

          Independentemente dos requisitos legais específicos e sua restrita aplicação, acreditamos que, uma vez resgistrado o contrato de leasing, goza o arrendatário de direito real sobre a coisa arrendada (Lei 6.766, artigo 25), e se negando o arrendador a cumprir sua promessa, cabe ao arrendatário o direito à adjudicação compulsória. Mister explicitarmos que real é o direito do arrendatário sobre o imóvel quando do registro do contrato, mas como bem explica Darcy Bessone (101), o "direito à adjudicação compulsória, simples forma coativa e específica de execução de uma obrigação de fazer, inclui-se na categoria dos direitos pessoais", condicionado ao pagamento do preço avençado e independente da averbação ou registro do contrato.

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Sobre o autor
Ivo Teixeira Gico Junior

Doutor pela USP, Mestre com honra máxima pela Columbia Law School, Coordenador do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Publico – IDP e sócio fundador do escritório Dino, Siqueira & Gico Advogados. Autor do livro "Cartel – Teoria Unificada da Colusão".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Elementos do contrato de arrendamento mercantil (leasing) e a propriedade do arrendatário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/627. Acesso em: 20 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado anteriormente na Revista de Informação Legislativa, nº 143, ano 36, Julho/Setembro,1999, p. 277-308.

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