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A solidez da súmula vinculante e a fragilidade da súmula impeditiva de recursos

02/02/2005 às 00:00
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Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, foi introduzida a possibilidade de adoção de súmula vinculante pelo STF. O artigo 103-A foi acrescido ao texto constitucional conferindo poderes ao Tribunal para "aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta".

A súmula vinculante é instrumento válido para acelerar a solução das ações. Sua adoção, mormente quando o próprio texto constitucional já indica como se lhe fará cumprir, mostra-se oportuna e viável.

Além dessa súmula, de caráter vinculante, há a intenção de se introduzir na Constituição Federal os artigos 105-A e 111-B, que criam a súmula impeditiva de recursos no STJ e no TST, respectivamente. Essa matéria, entre outras, retornou à Câmara dos Deputados para apreciação.

Parece-me infeliz a idéia da súmula impeditiva que em nada contribuiria para a celeridade e segurança da decisão judicial. O § 3º sugerido ao artigo 105 A, enfatiza que:

"São insuscetíveis de recurso e de quaisquer meios de impugnação e incidentes as decisões judiciais, em qualquer instância, que dêem a tratado ou lei federal a interpretação determinada pela súmula impeditiva de recurso".

O caput sugerido ao artigo 105-A, aponta que a aprovação da súmula "constituir-se-á em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra a decisão que a houver aplicado".

Apesar da inegável intenção de se acelerar o andamento dos processos, propostas que visem impedir a utilização de recursos previstos na legislação processual, terão , por certo, efeito contrário.

Repetindo o equivoco do Projeto de Lei do Senado 140/2004 (que altera o artigo 518 do CPC permitindo ao juiz que não receba a apelação quando a decisão recorrida estiver em acordo com decisão ou súmula de tribunais superiores), o impedimento ao recurso, agora em sede constitucional, trará complicações e não simplificações. Tanto a súmula impeditiva quanto a proposição contida no PLS 140/2004, pecam por restringir o recebimento do recurso, quando a decisão que o recebe ou não poderá ser desafiada por agravo de instrumento.

Por outro lado, além de não apontar quem definirá se a decisão recorrida, de fato, deu à lei ou tratado federal a interpretação determinada pela súmula, a sugestão que lhe introduz peca também por desconsiderar que o STF pode rever decisões do STJ e do TST.

Não se pode olvidar que o tamanho da CF, que trata de temas variados, muitas vezes em detalhes, com certeza levará a situações em que a matéria disciplinada por súmula, aprovada pelo STJ, poderá receber interpretação diversa do STF.

Diversas das súmulas do STJ hoje em vigor, a par de terem sido proferidas em razão de decisões do Tribunal que interpretavam a legislação federal, cuidam de matérias que, mesmo sucintamente, são objeto de previsão na CF.

Exemplo da situação em que se deu modificação de súmula do STJ, em virtude de decisão do STF, é a cancelada súmula 157 do STJ, que tornava "ilegítima a cobrança de taxa pelo município, na renovação de licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial".

Decisão em sentido contrário do STF levou o próprio STJ a afastar a aplicação dessa súmula. Ao julgar o REsp. 261.571 o Superior Tribunal pontificou como "afastada a incidência do enunciado da Súmula 157/STJ", em razão de decisão do STF que "proclamou a constitucionalidade de taxas, anualmente renováveis, pelo exercício do poder de polícia".

Mesmo destino teve a súmula 198 do STJ. Segundo seu verbete "na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide ICMS". Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 203.075-DF, o STF decidiu, por maioria de votos, que "a incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física".

A possibilidade de reversão do entendimento de uma súmula impeditiva de recursos pelo STF é um indicativo de que o instituto é frágil e não deve ser adotado no STJ ou no TST. Não estamos diante da reforma de uma decisão por recurso próprio, mas sim da modificação do entendimento de uma súmula, de caráter geral e normativo.

O engessamento decorrente de uma súmula impeditiva, que viesse a ser modificada pelo STF, traria prejuízo incontornável para o litigante, gravame maior até do que na declaração de inconstitucionalidade de lei.

Como a lei declarada inconstitucional, a súmula revogada ou modificada por instância "superior" (STF) perderia a eficácia. A diferença é que o litigante ficaria impossibilitado de agir durante a vigência da súmula impeditiva, já que todos os seus recursos tenderiam a ser obstados. Mas não ficaria diante da inconstitucionalidade da lei, pois poderia invocá-la a qualquer tempo.

A vedação ao manejo de recurso contra decisões que tenham dado ao caso interpretação igual à da súmula impeditiva, criaria uma discussão paralela de enquadramento do caso à súmula, em prejuízo ao andamento do processo.

Impende salientar, ainda, que o STF é dotado de competência originária e de competência para julgamento de recurso ordinário em determinados casos, hipótese em que poderá se deparar com questão infra-constitucional regulada por súmula impeditiva de recursos. A inobservância ao comando da súmula no STF, frustrará sua aplicação nas instâncias inferiores.

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O próprio texto sugerido aos artigos 105-A e 111-B já é natimorto. Como ficaria o Recurso Extraordinário diante de um texto que prega o "impedimento à interposição de quaisquer recursos"?. Será que a proposição pretende impedir também o manejo do Recurso Extraordinário?. O STF deve se curvar à sumula impeditiva?.

Naturalmente que não. O STF não se curvaria a uma súmula impeditiva e nem deixaria de apreciar Recurso Extraordinário que considerasse relevante, e em cujo teor vislumbrasse violação da CF.

Portanto, a adoção da súmula impeditiva torna-se desaconselhável.

Conclusão diversa se chega quanto à súmula vinculante, cuja aprovação ficaria a cargo do STF.

O acréscimo do artigo 103-A, à CF, que cria a súmula com "efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal", mostra-se razoável

Na própria sugestão que cria a súmula, já se define como lhe será dada eficácia. O § 3º, do artigo 103-A, prevê a interposição de reclamação ao STF que, se acolhê-la, "anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso".

A súmula vinculante, porque instituída no STF, cria a possibilidade de definição célere do processo, autorizando o manejo da reclamação contra qualquer decisão, encerrando rapidamente a ação. Creio, porém, que uma pequena modificação deve ser introduzida no transcrito parágrafo terceiro. Não é salutar a admissão generalizada da reclamação contra "decisão judicial", que pode levar à sua utilização contra decisão interlocutória, fato complicador e não simplificador.

Outro fator que pesa em prol da súmula vinculante é que o STF, sendo órgão de cúpula do Poder Judiciário, não se sujeitará a qualquer revisão quanto à orientação de sua súmula, conferindo a ela, portanto, mais certeza para aplicação obrigatória.

Muitos criticam essas súmulas, alguns as defendem, outros preferem apenas a súmula impeditiva de recursos. Optando-se porém pela adoção de qualquer delas, é fora de dúvida que a medida deveria se ater ao STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário, único apto a aprovar com segurança qualquer súmula normativa, afastando após a aprovação, eventual questionamento jurídico.

Considerando a natureza normativa de tais súmulas, o que aliás conduz a críticas quanto à "competência legislativa" que se atribui ao Poder Judiciário com sua instituição, torna-se salutar a inserção no texto constitucional, de dispositivo que determine a perda de eficácia da súmula, independentemente de sua revogação pelo STF, quando alterada ou revogada pelo Poder Legislativo a norma que a amparou.

Regulando o tema, sugerimos o seguinte dispositivo:

"A súmula vinculante perderá a eficácia se a norma que por ela foi interpretada vier a ser modificada ou alterada pelo Poder Legislativo".

Com a inserção na CF da súmula vinculante espera-se sua rápida consolidação no direito brasileiro, pois seu efeito será benéfico e conferirá regularidade e segurança às decisões judiciais que cuidam da mesma matéria.

Como reflexo da introdução dessa súmula, que poderá elevar o volume de casos que chegam ao STF, medida válida seria a transferência de parte da competência desse Tribunal, não afeta a temas constitucionais, ao STJ, que está apto a julgar com boa celeridade, como já vem fazendo, as questões que a ele são encaminhadas.

Portanto, a introdução da súmula vinculante, junto ao STF, mostra-se oportuna, ao passo que uma possível instituição da súmula impeditiva de recursos, seria medida equivocada.

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Sobre o autor
Roney Oliveira Junior

procurador do Estado de Minas Gerais, advogado em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JUNIOR, Roney. A solidez da súmula vinculante e a fragilidade da súmula impeditiva de recursos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 575, 2 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6271. Acesso em: 26 abr. 2024.

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