Capa da publicação Carta psicografada como meio de prova no processo penal
Artigo Destaque dos editores

A admissibilidade da carta psicografada como meio de prova no processo penal

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

3. Princípio da Verdade Real

É um princípio próprio do processo penal. Na busca do cumprimento do princípio da verdade real, o juiz poderá, na lide penal, ser também produtor de provas, sempre que considere que o conjunto probatório trazido por autor e réu não sejam suficientes para a sua convicção a respeito da veracidade dos fatos, para que possa tomar uma decisão justa.

Sobre o tema, Fernando Capez (2014, p.71), elucida: “[…] No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos”.

Este princípio deriva do princípio da liberdade de provas e baseia-se na não aceitação da limitação quanto à busca aos meios probatórios, devido à gravidade das questões penais, que versa sobre direitos indisponíveis. Isto posto, cabe também ao juiz buscá-las, não mais se admitindo que aja como um mero observador e se limitando apenas às provas formais apresentadas pelas partes nos autos, para saber genuinamente, o mais próximo possível da realidade, como os fatos ocorreram no momento da consumação do crime. Em vista disso, seria contrassenso a não possibilidade de empregar também a prova psicografada como uma das provas judiciais.

Mougenot (2014, p. 92) explica que:

O dever de produção de provas não é apenas das partes, portanto. Havendo interesses maiores em discussão, as provas são produzidas em favor da sociedade. Para tanto, além das próprias partes, também o órgão julgador deverá diligenciar na busca de todos os elementos que permitam a reconstrução dos acontecimentos levados em juízo. Nesse sentido, o juiz, por expressa previsão legal, poderá determinar a produção de provas que repute relevantes.

Com base no artigo 369 do código de processo civil, é expresso o direito as partes em provar a verdade dos fatos utilizando todos os meios legais e os moralmente legítimos, mesmo que não especificados no código, para influir eficazmente na convicção do juiz.

O doutrinador Guilherme Nucci (2016, p.57) nos ensina: “O princípio da verdade real significa, pois, que o magistrado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente”. Neste sentido, o Código de Processo Penal alude em seu artigo 156, II que poderá o juiz determinar, de ofício, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, que se realizem diligências para suprir dúvidas sobre qualquer ponto relevante.

E, ainda, corrobora com este princípio o artigo 234, que assim se manifesta: “se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível”.

Em caso de inércia da parte em ação penal pública, o juiz deve determinar de ofício que as partes produzam as provas necessárias para a instrução da ação, sempre com o intuito da busca da verdade real. Por este princípio, podemos constatar, portanto, que o juiz não pode deixar de solucionar e motivar a lide alegando que o conjunto probatório não foi suficiente para formar a sua convicção.


4. A PERÍCIA GRAFOTÉCNICA

A perícia caligráfica é também conhecida como grafoscopia, grafotécnica ou documentoscopia. Possui como esteio ciências e disciplinas afins, tais como a caligrafia, a criptografia e a paleografia. A base da perícia grafotécnica é a confrontação do escrito em questão com outro muito semelhante, com a finalidade de comprovar a veracidade ou falsidade de documentos.

Na legislação brasileira, a perícia é tida como um meio de prova. Porém, em verdade, vai mais além. Ela tem papel de extrema magnitude, situando-se diretamente entre a prova e a sentença.

No entendimento de Gustavo Badaró (2016, p.438): “Perícia é um exame que exige conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos e que serve ao convencimento judicial”. A perícia caligráfica integra o rol de exames periciais solicitados pelos magistrados, tendo que vista que estes não possuem a capacitação técnica necessária para a realização deste tipo de exame, principalmente em casos mais difíceis.

Cabe ao perito apresentar um laudo ou um parecer explicando fatos e fazendo sua interpretação a partir dos seus conhecimentos, tendo a sua avaliação peso técnico e até mesmo jurídico, pois através das interpretações das provas o juiz formará o alicerce que servirá de base para as suas convicções e, consequentemente, determinar a sentença. Sendo assim, pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que os exames científicos e periciais e os laudos técnicos explicitam detalhes substanciais para o descobrimento de verdades, provavelmente inalcançáveis sem este trabalho meticuloso.

Ainda na percepção de Gustavo Badaró (2016, p.438), reputa-se que:

Característica fundamental da perícia é que o perito emite um juízo de valor sobre os fatos, externando a sua impressão sobre a possibilidade de terem sido causados por outros acontecimentos e de explicarem, justificarem ou virem a produzir outros [...] enquanto a prova testemunhal se decompõe em observação e declaração, a perícia é constituída de observação, avaliação e declaração.

Na compreensão de Carlos Augusto Perandréa (1991, p.23), criminólogo renomado, perito credenciado pelo poder judiciário em documentoscopia desde 1965 e professor de Identificação Datiloscópica e Grafotécnica da Universidade Estadual de Londrina desde 1974, a grafoscopia possui a seguinte significação: “[...] um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação da autenticidade gráfica e da autoria gráfica” (DUBUGRAS, [1991?]).

Perandréa elaborou mais de setecentos laudos técnicos em toda a sua vida profissional, e nenhuma contestação sobre eles. Iniciou seus estudos com Chico Xavier, depois expandiu para outros médiuns, seguindo todos os parâmetros exigidos pela ciência grafoscópica, analisando documentos originais da pessoa em vida, assim como a escrita dos próprios médiuns, confrontando as grafias (DUBUGRAS, [1991?]).

O leigo costuma deduzir que um escrito é verdadeiro quando o desenho das letras é semelhante, onde mínimos detalhes não têm nenhum significado, pois desconhece um universo de pormenores informativos. Considera-se que grafias semelhantes são como irmãos gêmeos, que apesar de parecerem iguais e possam ser facilmente confundidos, se olhados com atenção, é factível perceber que cada um apresenta as suas particularidades. É importante ter em mente que é irreal que escritos traçados por diferentes mãos possuírem gênese gráfica idêntica.

Com a prática da escrita e o desenvolvimento pessoal de cada um, impulsionado por coeficientes como habilidade artística, tônus muscular e maneirismos, cada indivíduo cria a sua escrita única e singular, que torna-se um hábito automático enraizado ao cérebro (PERÍCIA...2012).

Convém observar ainda a existência de duas forças básicas – vertical e horizontal – que delimitam a nossa escrita: a vertical, que é a pressão do instrumento escritor contra o suporte, e a horizontal, que é o movimento, retilíneo ou circular, do instrumento escritor sobre o suporte (MONTEIRO, 2007).

Em seu livro “Les Lois de L’ecriture” (1927), o estudioso e tratadista francês Edmond Solange Pellat elencou as quatro leis do grafismo, cujo postulado geral é: “A escrita é individual e inconfundível, e suas leis independem do alfabeto utilizado para a sua produção”.

Leis da escrita:

1ª lei:  “O gesto gráfico está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente e se encontra suficientemente adaptado à sua função.”

2ª lei: “Quando se escreve, o ‘eu’ está em ação, mas o sentimento quase inconsciente de que o ‘eu’ age passa por alternativas contínuas de intensidade e de enfraquecimento. Ele está no seu máximo de intensidade onde existe um esforço a fazer, isto é, nos inícios, e no seu mínimo de intensidade onde o movimento escritural é secundado pelo impulso adquirido, isto é, nas extremidades”.

3ª lei: “Não se pode modificar voluntariamente em um dado momento sua escrita natural senão introduzindo no seu traçado a própria marca do esforço que foi feito para obter a modificação”.

4ª lei: “O escritor que age em circunstâncias em que o ato de escrever é particularmente difícil, traça instintivamente ou as formas de letras que lhe são mais costumeiras, ou as formas de letras mais simples, de um esquema fácil de ser construído”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

As leis da escrita são imprescindíveis para o trabalho dos peritos. Com base nelas, fica evidente que cada pessoa possui uma grafia sui generes, sendo impossível de ser modificada pelo próprio indivíduo, posto que intensidade, direção e sentido estão relacionados a características individuais. Conforme ressaltado, o ato de escrever ocorre a partir do movimento natural do cérebro, que domina o sistema motor composto por ossos, músculos e nervos, cuja tonicidade e controle varia de pessoa para pessoa. A escrita inicia através de um comando, todavia prossegue por um instinto natural. É o cérebro que norteia os músculos e forma as letras e demais símbolos sem a intervenção de tremores, paradas súbitas, sobrecarga de tinta, desvios, tampouco alterações em relação à dinâmica, direção, pressão ou progressão (MONTEIRO, 2007).

A grafotécnica detecta exatamente a unidade gráfica que é emitida pelo movimento involuntário do cérebro e que determina o movimento dos punhos, ou seja, qualquer mudança voluntária alterará o grafismo, sendo possível descobrir um falsário, já que ele nunca conseguirá reproduzir, em parte ou no todo, a gênese gráfica de outra pessoa (MONTEIRO, 2007).

Defende Monteiro (2007, p.20) que:

Sempre que o indivíduo tentar macular sua escrita esta sofrerá alterações, acarretando um esforço se empregado de forma diferenciada. Quando o escritor não emprega esforço oriundo do movimento voluntário do cérebro, sua escrita se dá de forma genuína.

O grafologista tcheco e fundador da Sociedade de Grafologia Profissional da Holanda, Robert Saudek (1929, p.101), esclarece que: “[…] ninguém é capaz de imitar, ao mesmo tempo, cinco elementos do grafismo: riqueza e variedade de formas, dimensão, enlaces, inclinação e pressão”.

Em 1930, o médico francês, Jules Crepieux-Jamin, na sua obra “ABC de la Graphologie” (PUF 1930), constatou que “[...] nenhuma escrita é idêntica a outra. Cada indivíduo possui uma escrita característica, que se diferencia das demais e que é possível reconhecer”.

Ainda neste sentido, Federico Carbonel afirma que: “Assim como não existem duas pessoas com exata fisionomia, também não existem dois escritos traçados por distintas mãos com idêntica ou exata fisionomia.”

Nessa conjuntura, ignorar a credibilidade da perícia e toda a sua comprovação científica quanto aos quesitos técnicos analisados e pareceres, é negar este preciso, sério e em alguns casos, indispensável auxiliar do judiciário, acabando com o respaldo jurídico que representa no processo judicial. A análise de gêneses gráficas é discriminatória, tal como a íris, a impressão digital e o teste de DNA, sendo um instrumento precioso para a produção de prova material.

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Luciana de Moraes Dantas

Graduada em Ciencias Contabeis (Instituto de Estudos Superiores da Amazonia). Graduada em Direito (Faculdade Estacio do Para). Pos- Graduada em Direito Penal e Processual Penal (Universidade Candido Mendes). Pos-Graduada em Direito Tributario e Processual Tributario (Universidade Candido Mendes).

Kelly Serejo Fonseca

Professora orientadora de Ciências Criminais da Faculdade Estácio do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Luciana Moraes ; FONSECA, Kelly Serejo. A admissibilidade da carta psicografada como meio de prova no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5348, 21 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62801. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos