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A Medida Provisória nº 232/04 e o princípio da isonomia tributária

04/02/2005 às 00:00
Leia nesta página:

1. Introdução.

O Governo Federal ao longo dos últimos anos vem empreendo incansáveis esforços no sentido de aumentar, cada vez mais, a arrecadação tributária. Entre tais medidas, encontramos a famosa e execrada Medida Provisória nº 232 de 30/12/2004, a qual, em seu artigo 10, alterou procedimentos de impugnação dos Autos de Infração e das Notificações de Lançamento de Débito Fiscal.

Diante a tais disposições normativas editadas ao apagar das luzes do ano de 2004, imediatamente, diversos tributaristas insurgiram contra as novas regras implementadas pela citada Medida Provisória, apontando quais as supostas inconstitucionalidades.

Desta forma, creio ser de suma importância a análise racional das normas tributárias de forma a averiguar sua real validade perante nossa Constituição, sem apelos emotivos.

Portanto, faremos uma breve recapitulação sobre o "Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade" trazidos ao mundo jurídico pelo brilhante professor Celso Antonio Bandeira de Mello no livro homônimo (1).


2. Breve Explicação sobre o "Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade"

Trazemos abaixo os ensinamentos do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello que nos explica quais os critérios para a identificação do desrespeito à Isonomia. Gostaria de salientar que é de imprescindível importância o estudo e a disseminação no meio jurídico destes ensinamentos, vejamos.

Devemos entender que o Princípio da Igualdade, previsto no artigo 5º caput da nossa Carta Magna, nas palavras do filosofo Aristóteles, prescreve que "a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais". Porém diante desta afirmação, surge a principal indagação "quem são os iguais e quem são os desiguais?", ou melhor, "qual o critério legitimamente manipulável que autoriza distinguir pessoas e situações para fins de tratamentos jurídicos desiguais?".

Assim, somente após obtermos respostas às tais indagações é que conseguiremos lograr adensamento do citado primado constitucional para que possamos ter a sua segura aplicação aos fatos e atos jurídicos.

Segundo o eminente professor, para que os aspectos de diferenciações possam ser adotados sem que haja quebra da Isonomia, é mister a análise de três aspectos, são eles:

i) O Fator de Desigualação.

Neste ponto, há dois requisitos a serem observados: (a) A lei não pode adotar um critério tão específico que singularize um sujeito específico que é acolhido pelo regime peculiar da norma; e (b) as pessoas e situações desequiparadas pela regra devem ser efetivamente distintas entre si, ou seja, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados.

ii) Correlação Lógica entre o Fator de Discrímen e a Desequiparação procedida.

Este segundo requisito reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator de desequiparação e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado, ou seja, deve-se verificar se há justificativa racional, fundamento lógico para, à vista do aspecto diferencial adotado, atribuir o tratamento específico em razão da desigualdade.

iii) Consonância da Discriminação com os Interesses Protegidos na Constituição.

Em outras palavras, não basta que a diferença possua suficiência para discriminações legais, e que possa-se estabelecer racionalmente um nexo entre a diferença e um conseqüente tratamento diferenciado. Requer-se, ainda, que o vínculo demonstrável seja constitucionalmente pertinente, ou seja, que tal tratamento diferenciado seja compatível com o sistema constitucional.

Concluindo, mister se faz averiguar, de um lado, aquilo que é adotado como critério de descrímen; de outro lado, deve-se investigar se há correlação lógica entre o tratamento jurídico diferenciado e o traço desigualador acolhido, em razão da desigualdade proclamada; e finalmente é imprescindível verificar se o fundamento racional é afinado com os preceitos constitucionais.

Visto em suma como averiguar se determinada norma é acolhida ou não pelo "Princípio da Isonomia", passemos a aplicar às determinações do artigo 10 da Medida Provisória nº 232/04.


3. O art. 10 da MP 232/04 e o "Princípio da Isonomia".

É mister trazermos à baila as disposições do referido art. 10 da MP 232/04 quando altera o art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, in verbis:

Art. 25. O julgamento de processo relativo a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete:

I - às Delegacias da Receita Federal de Julgamento, órgão de deliberação interna e natureza colegiada da Secretaria da Receita Federal:

a) em instância única, quanto aos processos relativos a penalidade por descumprimento de obrigação acessória e a restituição, a ressarcimento, a compensação, a redução, a isenção, e a imunidade de tributos e contribuições, bem como ao Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – Simples; e aos processos de exigência de crédito tributário de valor inferior a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), assim considerado principal e multa de ofício;

b) em primeira instância, quanto aos demais processos;

II - ao Primeiro, Segundo e Terceiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, em segunda instância, quanto aos processos referidos na alínea "b" do inciso I do caput deste artigo.

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Nota-se, após a leitura da atual e anterior redação do art. 25, que fora alterado o procedimento administrativo de julgamento de impugnações, suprimindo uma instância administrativa para os casos em que o objeto da demanda seja de créditos tributários inferiores à R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ou referente ao SIMPLES.

Nesta seara, visando averiguar afronta à Isonomia, devemos indagar se o valor do crédito tributário e a natureza do tributo são fatores capazes de efetivamente diferenciar as pessoas, que pela regra foram desigualadas.

Também devemos analisar se os referidos critérios eleitos pela norma possuem correlação lógica e justificável com tratamento jurídico diverso entre tais pessoas, dispostas pela mesma norma, que neste caso, suprime uma instância administrativa para débitos inferiores à R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ou débitos do SIMPLES.

É notório que o valor e natureza do débito tributário não são suficientes para distinguir e diferenciar as pessoas, até mesmo porque, uma mesma pessoa poderá estar sujeita aos dois tratamentos jurídicos do art. 25. Por exemplo, uma mesma pessoa que impugnar um débito de R$ 10.000,00 (dez mil) e outro de R$ 100.000,00 (cem mil), estará sujeita ao julgamento em instância única administrativa e em duas instâncias ao mesmo tempo.

Conseqüentemente, não encontramos correlação lógica entre a diferenciação nos procedimentos administrativos e o critério de discrímem (valor e natureza do débito).

Portanto, a referida norma administrativa tributária não encontra albergue no "Princípio Constitucional da Isonomia", razão pela qual deve ser declarada nula por sua inconsticionalidade latente.


4. Ampla Defesa Resguardada.

Apesar de muitos juristas argumentarem que a Medida Provisório 232/04, em seu art. 10, violou o "princípio da Ampla Defesa", entendemos o contrário, ou seja, não houve qualquer ofensa ao referido princípio constitucional.

A alteração do art. 25 do Decreto nº 70.235/72 (acima estudado), apesar da afronta à Isonomia, não viola o primado constitucional da ampla defesa prevista no art. 5º inciso XXXV da Constituição Federal.

Entendemos, também, não haver qualquer desrespeito da Ampla Defesa a alteração do art. 62 do Decreto nº 70.235/72 pela Medida Provisória em tela, dando-o a seguinte redação:

"Art. 62 - A propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, importa renúncia às instâncias administrativas.

Parágrafo único. O curso do processo administrativo, quando houver matéria distinta da constante do processo judicial, terá prosseguimento em relação à matéria diferenciada".

Não há desrespeito à Ampla Defesa por ambas modificações, visto que as decisões administrativas possuem a natureza jurídica de "atos administrativos", sendo estes emanados pelo Órgão da Administração Judicante, os quais são passíveis de nova análise pelo Poder Judiciário.

As Decisões Administrativas, inclusive aquelas proferidas em impugnações feitas pelos contribuintes, não tem a natureza jurisdicional, ou seja, não geram Coisa Julgada Material, já que estarão sempre suscetíveis de reapreciação pelo Poder Judiciário, conforme prevê o próprio art. 5º, inc. XXXV da nossa Constituição.

A modificação do art. 62 do Decreto encontra albergue no parágrafo único do art. 38 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80), o qual, seguindo o mesmo entendimento, impede o exercício cumulativo dos meios administrativos e jurisdicionais de impugnação do ato administrativo do lançamento.

Neste sentido, conforme prevê o parágrafo único da nova redação do art. 62, a renúncia das impugnações em esfera administrativa, apenas operam-se nos limites do objeto da ação judicial, devendo prosseguir o processo administrativo com relação aos pontos diversos da ação, caso seja mais abrangente (mesmo entendimento do item "b" do AD(N) Cosit nº 3/96).

Portanto, diante aos argumentos acima expostos, entendemos não haver qualquer desrespeito à ampla defesa prevista no art. 5º, Inc. XXXV da CF/88.


Nota

  1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Ed. Malheiros, 3ª Ed., 10ª. Tiragem.
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Sobre o autor
Antonio Antunes Junior

Advogado, sócio titular do escritório Antunes Advocacia Empresarial, Professor do curso de especialização em direito tributário, palestrante em treinamentos e cursos "in company", membro do Comitê de Jovens Empreendedores da FIESP, assessor do Tribunal de Ética IV da OAB/SP; pós-graduado em Direito Civil e em Direito Tributário, autor de livros e artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES JUNIOR, Antonio. A Medida Provisória nº 232/04 e o princípio da isonomia tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 577, 4 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6285. Acesso em: 23 dez. 2024.

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