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A inconstitucionalidade e a ilegalidade da Portaria PGFN nº 820/2004

04/02/2005 às 00:00

Resumo:


  • O Parecer PGFN/CRJ/nº. 1.087/2004 esclareceu a possibilidade jurídica de anulação de decisões do Conselho de Contribuintes mediante ação judicial.

  • A Portaria PGFN nº. 820, baseada no Parecer, disciplinou a submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes ao Poder Judiciário.

  • O Parecer e a Portaria foram criticados por possíveis inconstitucionalidades e ilegalidades, levantando debates sobre a atuação da Fazenda Nacional frente às decisões administrativas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Aceitar que a Fazenda Nacional possa questionar em juízo a decisão final em sede administrativa significa esvaziar de sentido qualquer atuação do contribuinte nesta esfera. Aquilo que foi previsto no inciso LV do art. 5º para proteger o cidadão passaria a servir ao Estado.

O Senhor Coordenador-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional, em face da Nota/PGFN/CAT/nº. 087/2004, solicitou parecer acerca da possibilidade jurídica da anulação, mediante ação judicial, de decisão de mérito proferida pelo Conselho de Contribuintes. (1)

Em 15.07.2004, o Procurador da Fazenda Nacional emitiu o Parecer PGFN/CRJ/nº. 1.087/2004, obtendo nesta data a imediata concordância do Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional Substituto, que submeteu o parecer à apreciação de seu chefe. Em 19.08.2004, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional aprovou as conclusões do parecer, submetendo o mesmo à apreciação do Senhor Ministro de Estado da Fazenda, cuja aprovação foi publicada no D.O.U. nº. 162, Seção 1, de 23.08.2004, pp. 15-17.

Este parecer esclareceu que: "1) existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade, ou diante de erro de fato; 2) podem ser intentadas: ação de conhecimento, mandado de segurança, ação civil pública ou ação popular e 3) a ação de rito ordinário e o mandado de segurança podem ser propostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de sua Unidade do foro da ação; a ação civil pública pode ser proposta pelo órgão competente; já a ação popular somente pode ser proposta por cidadão, nos termos da Constituição Federal". (2)

Em 29.10.2004, foi publicada a Portaria PGFN nº. 820, que "disciplina, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário".

A Portaria PGFN nº. 820 foi editada pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional "com base no que consta no Parecer PGFN/CRJ/Nº. 1.087/2004", razão pela qual ambos devem ser analisados simultaneamente.

O art. 1º da Portaria dispõe que: "A submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário, observará, [n]o âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, o disposto nesta Portaria".

Com base no Parecer nº. 1.087/2004, a Portaria nº. 820/2004 admite a possibilidade de submeter as decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário.

Os fundamentos jurídicos expostos no Parecer são assim resumidos: 1) "as decisões do Conselho de Contribuintes, não restam dúvidas, revestem-se da natureza de ato administrativo (...)"; 2) como tal, as decisões do Conselho de Contribuintes revestem-se dos elementos ou requisitos de quaisquer atos administrativos, quais sejam: a competência do agente, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto do ato; 3) para invalidá-los, têm competência tanto a Administração Pública quanto o Poder Judiciário, uma vez que "a anulação consiste na declaração de invalidade do ato administrativo ilegítimo e ilegal, feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário"; 4) "(...) nenhum ato do Poder público poderá ser subtraído do exame judicial (de legalidade ou da lesividade do patrimônio público), seja de que categoria for (vinculado ou discricionário) e provenha de qualquer agente, órgão ou poder", sob o pálio dos incisos XXXV e LXXIII do artigo 5º da Constituição da República; 5) diante dos incisos XXXV e LV do art. 5º, "pode-se afirmar que a norma do art. 45 do Decreto nº. 70.235, de 1972 (recepcionado, este, com status de lei em sentido material), deve ser interpretada conforme a Constituição, no sentido de que não visou a impedir o acesso da Administração Pública ao Poder Judiciário, porque, se assim não for, seria ela (norma do artigo 45) incompatível com o princípio do monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário", ou seja, "a decisão final proferida pelo Conselho de Contribuintes, desfavorável a qualquer dos sujeitos da relação jurídico-tributária, pode ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, seja para controle de legalidade, seja para controle de juridicidade, ou em razão de erro de fato ocorrido no julgamento administrativo".

Com este lastro teórico, o Parecer conclui que: "Nesse contexto, pode-se afirmar que as decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, desfavoráveis a qualquer um dos sujeitos da relação jurídico-tributária, sujeitam-se ao crivo do Poder Judiciário para controle de sua legalidade ou de sua juridicidade, ou em decorrência de erro de fato ocorrido no julgamento administrativo, mormente se e quando ofenderem os princípios administrativos e constitucionais (explícitos ou implícitos) que regem e informam a Administração Pública (v.g. da finalidade, da impessoalidade, da legalidade, da proporcionalidade, da igualdade, da supremacia do interesse público, da moralidade, da eficiência, da probidade, da boa-fé, da motivação da razoabilidade, entre outros)".

A análise necessariamente abrange dois planos distintos: a inconstitucionalidade e a ilegalidade da Portaria PGFN nº. 820/2004, baseada no Parecer PGFN/CRJ/nº. 1.087/2004.

Quanto ao plano da inconstitucionalidade (capaz de nulificar esta portaria), é preciso situar os fundamentos teóricos do parecer à luz dos contextos lógico, literal, sistemático e axiológico inscritos nos dispositivos mencionados da Constituição da República.

É certo que nenhum ato do Poder Público pode ser subtraído da apreciação pelo Poder Judiciário, conforme regra do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República. Ocorre que, esta regra está inserida no Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos) que, por sua vez, inaugura o Título II (Dos direitos e garantias fundamentais). E como tal, integra o "Estatuto do Cidadão", arrolando exemplificativamente os direitos e deveres individuais e coletivos dos cidadãos submetidos à ordem jurídica brasileira. (3)

Pretender que o art. 5º seja capaz de amparar a Administração Pública contra atos praticados pela mesma contra o contribuinte (cidadão) é equivocado, já que a razão de ser daquele elenco é justamente o contrário: proteger o cidadão contra o arbítrio de governos despóticos (no passado) e autoritários ou abusivos (no presente). (4)

Assim, o art. 5º dispõe que: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" do cidadão (inciso XXXV); "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", em favor do cidadão (inciso XXXVI); e "aos litigantes [cidadãos], em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (inciso LV).

Este último dispositivo constitucional assegura o contraditório e a ampla defesa ao cidadão, contra o arbítrio do Estado, inclusive em sua sanha arrecadatória. Ademais, distingue expressamente os processos judicial e administrativo, colocando-os lado a lado em claro reconhecimento ao processo que tramita junto aos órgãos do Poder Executivo.

Ignorar as raízes históricas que originaram o elenco de direitos previsto no art. 5º, subverter a sua interpretação em favor da Administração Pública e contra o cidadão, e a partir daí propor uma interpretação (des)conforme a Constituição para que dispositivos legais estabelecidos desde 1972 (5) sejam adaptados à ‘nova’ realidade subjacente à Lei Maior, é equivocado e perigoso!

Aceitar que a Fazenda Nacional possa questionar em juízo a decisão final em sede administrativa significa esvaziar de sentido qualquer atuação do contribuinte nesta esfera. Aquilo que foi previsto no inciso LV do art. 5º para proteger o cidadão contra ilegalidades e abusos praticados por autoridades fiscais passaria a servir a estas em detrimento daquele.

Seria como uma subversão do Estado Democrático de Direito para o ‘Estado Administrativo Autoritário’, onde a própria Administração Pública teria poder de autuar, julgar, recorrer e, ao final – com a eventual vitória do contribuinte –, poderia ainda recorrer ao Poder Judiciário, sob a justificativa de que esta interpretação foi a "menos autorizada", e não por vício de ilegalidade, fraude etc. É o que pretende a Portaria PGFN nº. 820, com base no Parecer PGFN/CRJ/nº. 1.087.

Isto sim, é manifestamente inconstitucional, até porque a existência de efetivo e independente processo administrativo é uma garantia do cidadão elencada como cláusula pétrea, conforme dispõe o art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República.

E, como se sabe, "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais". Com muito mais razão, é inconstitucional – e, portanto, nula – qualquer portaria que pretenda fazer com que o processo administrativo seja esvaziado e se torne ineficaz, abolindo de seu funcionamento os princípios reitores da Administração Pública elencados no art. 37, caput, da Constituição da República.

Sob o plano constitucional, não há qualquer fundamento válido capaz de corroborar a interpretação dada pelo Procurador da Fazenda Nacional signatário do parecer analisado. (6) Neste sentido, é manifesta a inconstitucionalidade da Portaria PGFN nº. 820/2004, que submete decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário, quando favoráveis aos contribuintes.

Quanto ao plano da ilegalidade deste diminuído diploma legal, algumas considerações devem ser feitas.

Sergio André da Silva relata que há duas correntes doutrinárias no país sobre a possibilidade (ou não) de a Fazenda postular judicialmente a reforma de decisão proferida pelos Conselhos de Contribuintes. (7) A primeira corrente defende a legitimidade do ajuizamento de ação pela Fazenda questionando a legalidade da decisão final proferida no âmbito do processo administrativo fiscal. (8) A segunda corrente é amplamente majoritária. (9)

O principal aspecto que deve ser destacado é a ilegal, imoral e ineficaz adequação da norma que submete decisões dos Conselhos de Contribuintes à apreciação do Poder Judiciário, quando favoráveis ao contribuinte, face ao sistema normativo vigente. (10)

Em uma primeira abordagem, ressalte-se que, a insegurança jurídica ocasionada pela edição da portaria e do parecer decorre da natural desconfiança com a qual o contribuinte vê os instrumentos manejados pela Administração Pública, particularmente em sua crescente sanha arrecadatória. (11)

Além disso, a teoria dos órgãos invoca a identificação dos órgãos públicos (onde se contém funções, cargos e agentes deles distintos) à pessoa jurídica em cuja estrutura integram. (12)

Por um lado, "não se pode perder de vista que, em linha com o disposto no inciso IX do artigo 156 do Código Tributário Nacional, a decisão administrativa irreformável extingue o crédito tributário, entendendo-se por decisão irreformável aquela que seja definitiva na órbita administrativa, não podendo ser objeto de ação anulatória". (13) Por outro, segundo os arts. 42 e 45 do Decreto nº. 70.235/72, "é possível concluir que proferida decisão final no processo administrativo fiscal há a preclusão de seu critério jurídico para a Fazenda, de forma que a mesma se torna imutável para a Administração Pública". (14)

Quando ocorre a decisão final no processo administrativo em favor do contribuinte significa que o próprio Ministério da Fazenda manifestou-se – provocado pela impugnação e recursos do contribuinte – definitivamente sobre a questão, corrigindo ilegalidade ou abuso cometido por autoridade fiscal. (15)

O argumento levantado pela Fazenda Nacional, via parecer, sustenta que é possível o Poder Judiciário anular a ‘ilegalidade’ (decisão administrativa final "menos autorizada") (16), da ilegalidade efetiva (da autoridade fiscal a qual deu ensejo ao processo administrativo originariamente). (17)

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É escandaloso que, "fixada a premissa de que tanto a PGFN quanto a Secretaria da Receita Federal são órgãos específicos singulares integrantes do MF (...), bem como que todas as instâncias administrativas estão sob o crivo e controle direto do próprio MF (...); é de rigor a conclusão de que as decisões proferidas no âmbito do processo administrativo fiscal favoráveis aos contribuintes constituem-se, em última análise, no expresso reconhecimento (pela própria Administração Pública, em sua função judicante), de pretérita ilegalidade perpetrada pela própria Administração Pública (em sua função fiscalizadora – vide art. 142 do CTN)". (18)

Não se critica a possibilidade de revisão de decisão final na esfera administrativa eivada de grave vício (fraude, ilegalidade etc.). Quaisquer decisões tomadas sem amparo no sistema normativo vigente e com motivações escusas e particulares devem ser revistas, inclusive quando proferidas pelo próprio Poder Judiciário.

Muito diferente desta situação, é a possibilidade de a Fazenda Nacional recorrer ao Poder Judiciário porque foi pura e simplesmente derrotada na decisão final da esfera administrativa, tal como prevê a portaria (com base no parecer).

A evidência cabal de que o interesse único que move a Fazenda Nacional nesta empreitada fadada ao fracasso é a previsão estabelecida no art. 2º da Portaria nº. 820, pelo qual seria possível submeter decisões do Conselho de Contribuintes ao Poder Judiciário, desde que expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos e: versem sobre valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais); e/ou cuidem de matéria cuja relevância temática recomende a sua apreciação na esfera judicial; e/ou possam causar grave lesão ao patrimônio público. (19)

Como é intuitivo, a simples observação destas três possibilidades leva à conclusão óbvia: tudo que interessa à Fazenda Nacional será passível de recurso ao Poder Judiciário!

Para reparar este atentado aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, é possível atuar em diversas frentes.

Em uma primeira perspectiva mais ampla, é importante mobilizar o meio jurídico-tributário nacional para que a inconstitucionalidade e a ilegalidade da portaria e do parecer não sejam aceitas pela doutrina e apoiadas pela jurisprudência. (20)

Sob uma ótica legal, é necessário admitir à Administração o direito de anular decisão manifestamente ilegal, (21) já que "tem o poder e o dever de reexaminar seus próprios atos quando viciados e anulá-los (Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal), mas carecerá de legítimo interesse se pretender buscar no Judiciário o que ela própria deve fazer", e na oportunidade que deve fazê-lo. (22)

Ingressando na seara de resposta individual ao teor da portaria e do parecer, é possível invocar em cada caso concreto a desqualificação jurídica da capacidade postulatória do representante da Fazenda Nacional, seja pela falta de interesse processual, seja por ser parte manifestamente ilegítima.

É que, "(...) a União Federal não tem interesse processual para, através de um órgão seu (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), questionar ato praticado por outro órgão seu (qualquer dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda ou a Câmara Superior de Recursos Fiscais), devendo-se reconhecer que com a decisão proferida pelo órgão julgador ocorreu a preclusão do direito da Administração Fazendária de se manifestar em sentido diverso". (23)

Em conseqüência, "a ausência de interesse da Administração Pública em recorrer ao Poder Judiciário (via ‘PGFN’) quando da contestação do expresso reconhecimento (pela Administração Pública – função judicante) de pretérita ilegalidade cometida pela própria Administração Pública (‘função fiscalizadora’) está consignada em duas regras jurídicas, quais sejam: 1ª regra jurídica – construída a partir da análise conjunta do inciso I do art. 267 c/c o inciso III do art. 295 – ambos do CPC (a PGFN carece de interesse processual) e 2ª regra jurídica – construída a partir da análise conjunta do art. 3º c/c o inciso II do art. 295 – ambos do CPC (a PGFN é parte manifestamente ilegítima)". (24)

É possível pleitear ainda, a ilegalidade desta portaria, com base no teor dos arts. 42 e 45, ambos do Decreto nº. 70.235/72, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, cuja recepção é reconhecida pelo parecer, embora o mesmo exponha uma interpretação (des)conforme a Constituição para aplicá-los.

Cuidando-se de controle de constitucionalidade concreto da portaria, é possível argüir a inconstitucionalidade da mesma, quando aplicada ao caso concreto para viabilizar o ingresso da Fazenda Nacional ao Poder Judiciário, contra a decisão final a ela desfavorável no âmbito administrativo. O fundamento do pleito seria a afronta aos dispositivos constitucionais pertinentes mencionados anteriormente.

Além disso, em se tratando de controle de constitucionalidade abstrato da portaria, é possível ingressar com ADI contra a mesma, visando a declaração pelo STF de sua inconstitucionalidade, já que foi editada em afronta à Constituição da República.

Em tese, é possível ingressar também junto ao STF com uma ADPF, (25) embora a jurisprudência da Suprema Corte ainda esteja vacilante quanto às questões processuais básicas de aceitação desta relevante ação constitucional.


Notas

  1. Como antecedente histórico, o Parecer refere-se à derrota do Fisco em julgamento unânime em favor de contribuinte (Fundo de Previdência Privada) perante o Conselho de Contribuintes. Ocorrida a preclusão administrativa, a Procuradoria da Fazenda Nacional interpôs recurso hierárquico visando a anulação da decisão, para o Senhor Ministro de Estado da Fazenda, com fulcro nos arts. 19 e 20 do Decreto-lei nº. 200/67. Admitido o recurso pelo Ministro da Fazenda, o contribuinte impetrou o MS 8810/DF, obtendo como resultado a concessão da segurança, por unanimidade (1ª Seção do STJ). Contra o v. acórdão foram opostos embargos de declaração, visando ao prequestionamento da matéria, de modo a ensejar a interposição de recurso extraordinário, que foram rejeitados. Contra o acórdão embargado foi interposto Recurso Extraordinário, o qual encontra-se aguardando o juízo de admissibilidade, para subida ao STF.
  2. Em resposta à seguinte consulta: "1. Existe a possibilidade de se questionar na justiça as decisões dos Conselhos de Contribuintes? 2. Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, qual a espécie de ação a ser manejada? 3. No caso de ser possível a interposição de ação para questionamento das decisões dos CC, a quem cabe a iniciativa?".
  3. As normas, explícitas ou implícitas, constantes no art. 5º referem-se aos direitos dos cidadãos (individual ou coletivamente considerados) e impõem os deveres correlatos aos mesmos direitos. Neste sentido, é clara a sistematização escolhida pela Constituição da República, quando enuncia em Título próprio os direitos e garantias fundamentais, subdivididos em direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), direitos sociais (arts. 6º a 11), nacionalidade (arts. 12 e 13), direitos políticos (arts. 14 a 16) e partidos políticos (art. 17).
  4. "Não é dado à Administração Pública recorrer ao Judiciário para invalidar a sua própria decisão proferida, regularmente, em processo administrativo fiscal" (cf. Célio Armando Janczeski, Da impossibilidade da Fazenda Pública ir a Juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária. Disponível na Internet: http://www.sinescontabil.com.br [04.11.2004]).
  5. Refere-se aos arts. 42 e 45 do Decreto nº. 70.235/72.
  6. Segundo Sergio André da Silva, é irrelevante analisar a aplicação deste dispositivo constitucional em favor do Estado, já que inexiste "lesão ou ameaça de lesão a direito da União Federal, uma vez que foi ela mesma, por intermédio de um de seus órgãos, que realizou o ato jurídico que seria objeto de contestação judicial, anulando o ato administrativo de exigência fiscal antes praticado pelas autoridades fazendárias" (cf. Questionamento judicial, pela Fazenda Nacional, de Decisão Administrativa Final – Análise do Parecer PGFN/CRJ nº. 1.807/2004, Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº. 109, out 2004, p. 98).
  7. Cf. Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, pp. 91-92.
  8. De acordo com o articulista, filiam-se a esta corrente: Aurélio Pitanga Seixas Filho, Rubens Gomes de Sousa, Carlos da Rocha Guimarães, Ministro José Delgado, Gilberto de Ulhôa Canto, Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas e Yoshiaki Ichihara (cf. op. cit., p. 91).
  9. Contando com o apoio doutrinário de: Sergio André da Silva, Ricardo Lobo Torres, Paulo de Barros Carvalho, Ives Gandra da Silva Martins, Alberto Xavier, Maria Terese Carcombo Lobo, Hugo de Brito Machado, Valdir de Oliveira Rocha, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., Bernardo Ribeiro de Moraes, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Misabel Abreu Machado Derzi, Marco Aurélio Greco, Eduardo Botallo, Dejalma de Campos e Luiz Fernando Mussolini Jr. (cf. op. cit., p. 92).
  10. A portaria amplia a hipótese de manifesta ilegalidade para "(...) expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos (...)" (cf. art. 2º). Sabe-se que: "No julgamento de recurso voluntário, de ofício ou especial, fica vedado aos Conselhos de Contribuintes afastar a aplicação, em virtude de inconstitucionalidade, de tratado, acordo internacional , lei ou ato normativo em vigor" (cf. art. 22-A da Portaria nº. 55/98, de 16.03.98, que aprovou os Regimentos Internos da Câmara Superior de Recursos Fiscais e dos Conselhos de Contribuintes, acrescentado pela Portaria nº. 103/2002).
  11. Sergio André da Silva entende que, "(...) o Parecer PGFN/CRJ nº. 1.087/2004 é um ato de terrorismo contra o processo administrativo fiscal, uma medida que visa dilapidar os instrumentos institucionais de defesa dos contribuintes, ao invés de fortalecê-los, uma clara demonstração de que a Fazenda vê o processo administrativo não como um direito constitucional dos contribuintes, decorrente do princípio do devido processo legal e seus corolários, mas sim como uma espécie de concessão, que pode ser a qualquer instante suprimida" (cf. Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, pp. 93-94). No mesmo sentido, ver: Parecer da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/SP, da lavra de Lúcia Valle Figueiredo.
  12. "Diante dessas considerações, cremos não haver como se sustentar que a manifestação dos Conselhos de Contribuintes é algo completamente alheio à própria Fazenda Nacional, a justificar o questionamento de decisão da corte administrativa perante o Judiciário no caso de decisão que reconheça a ilegalidade do ato administrativo questionado" (cf. Sergio André da Silva, Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, pp. 94 e 96).
  13. Cf. Sergio André da Silva, Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, p. 97. "Se a decisão for favorável ao contribuinte, ela vinculará a Fazenda Nacional e estará definitivamente decidida (artigo 156, inciso IX, do Código Tributário Nacional); se for desfavorável ao contribuinte, este ainda poderá socorrer-se do Judiciário" (cf. José Antônio Spinola Negro, Revisão de decisão contrária ao Fisco, Gazeta Mercantil, 30.11.2004).
  14. Cf. Sergio André da Silva, Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, p. 96. "E mais, o artigo 45 do Decreto 70.235/72 determina que nos casos de decisão definitiva favorável ao contribuinte, deverá a Fazenda exonerá-lo, de ofício, dos vínculos decorrentes do processo administrativo correspondente" (cf. José Antônio Spinola Negro, Gazeta Mercantil, 30.11.2004).
  15. "A decisão administrativa final num processo administrativo equivale à manifestação definitiva da Fazenda sobre aquela determinada questão. Neste caso, é a própria Fazenda que se manifesta pela inexistência do débito" (cf. José Antônio Spinola Negro, op. cit.).
  16. "Em poucas palavras, pode-se dizer que tal atividade é a possibilidade da própria Administração Pública, por meio do Conselho de Contribuintes, de rever seus atos e, quando necessário, repará-los, adequando-os às disposições legais vigentes". "Frise-se que, quando há uma decisão favorável ao contribuinte, significa que a própria Fazenda Pública, por intermédio daquele Tribunal, reconhece que houve equívoco da fiscalização e o retifica" (Leonardo Siade Manzan. Parecer PGFN nº. 1.087, de 19 de julho de 2004: fim do Conselho de Contribuintes? Revista Jurídica Consulex, ano VIII, nº. 188, 15.11.2004, p. 58).
  17. "Nessa linha de convicções, definir se o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal aplica-se ao Estado é irrelevante, pois, no presente caso, sequer é possível falar na ocorrência de lesão ou ameaça de lesão a direito da União Federal, uma vez que foi ela mesma, por intermédio de um de seus órgãos, que realizou o ato jurídico que seria objeto de contestação judicial, anulando o ato administrativo de exigência fiscal antes praticado pelas autoridades fazendárias" (Cf. Sergio André da Silva, Questionamento judicial..., cit., p. 98). No mesmo sentido, ver: Leonardo Siade Manzan, Revista Jurídica Consulex, cit., p. 59.
  18. Marcelo Fróes Del Fiorentino, Inconstitucionalidade e o parecer jurídico da Fazenda Nacional, Valor Online, 13.10.2004.
  19. "Art. 2º. As decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário desde que expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos e, cumulativa ou alternativamente: I – versem sobre valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais); II – cuidem de matéria cuja relevância temática recomende a sua apreciação na esfera judicial; e III – possam causar grave lesão ao patrimônio público".
  20. A indignação que tomou os militantes da área do Direito Tributário no país foi uníssona, no sentido de rechaçar a existência espúria deste diploma maculado de inconstitucionalidades e ilegalidades insanáveis. "Dessa forma, é imperativo que os operadores do Direito Tributário trabalhem pela valorização do processo administrativo tributário, opondo-se a medidas que tenham por finalidade a sua debilitação (...)" (Cf. Sergio André da Silva, Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, p. 99). No mesmo sentido, ver: Luiz Rogério Sawaya Batista, O Parecer da PGFN em face da segurança jurídica. Filme de comédia ou horror? (fonte: Câmara do Japão).
  21. "Com efeito, parece-nos que nos casos em que a decisão decorrer da prática de ato ilícito (...) tem a Administração o direito de reconhecer tal fato, anulando a decisão, sendo certo que, caso o administrado discorde do entendimento manifestado pela Administração, ser-lhe-á garantido o acesso ao Poder Judiciário. Nessa situação, o único limite imponível ao poder da Administração Pública de anular suas decisões seria o prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei nº. 9.784/99".
  22. Cf. José Antônio Spinola Negro, Revisão de decisão contrária ao Fisco, Gazeta Mercantil, 30.11.2004.
  23. Cf. Sergio André da Silva, Questionamento judicial..., Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 109, p. 97. No mesmo sentido, ver: Carolina Sayuri Nagai. Parecer PGFN CRJ 1087/04 – Possibilidade da anulação das decisões do Conselho de Contribuintes (fonte: Câmara do Japão. Disponível na internet).
  24. Marcelo Fróes Del Fiorentino, Inconstitucionalidade e o parecer jurídico da Fazenda Nacional, Valor Online, 13.10.2004.
  25. No mesmo sentido, ver: Parecer da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/SP, da lavra de Lúcia Valle Figueiredo
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Sobre o autor
Fábio Martins de Andrade

Autor dos livros "Direito Tributário - A advocacia no STF em temas estratégicos" (Ed. Lumen Juris, 2018), "Grandes questões tributárias na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal" (Ed. Lumen Juris, 2018), "A polêmica em torno do voto duplo: A inconstitucionalidade do voto de qualidade nas decisões do CARF" (Ed. Lumen Juris, 2017), "Aspectos sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base da COFINS e do PIS" (Ed. Lumen Juris, 2017), "Modulação e Consequencialismo" (Ed. Lumen Juris, 2017), "Modulação & STF: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre modulação" (Ed. Lumen Juris, 2016), "Caso Marbury v. Madison: O nascedouro do controle de constitucionalidade" (Sergio Antonio Fabris Editor, 2016), "Artigos jurídicos em escritos jornalísticos" (Ed. Alameda, 2016), "Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF" (Ed. Quartier Latin, 2011) e "Mídi@ e Poder Judiciário: A influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro" (Ed. Lumen Juris, 2007). Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Mestre em Ciências Penais pela Universidade Candido Mendes – UCAM e Pós-graduado em Direito Penal Econômico na Universidad Castilla-La Mancha - UCLM, Espanha, pós-graduado em Criminologia na Universidad de Salamanca - USAL, Espanha, pós-graduado em Control Judicial de Constitucionalidad na Universidad de Buenos Aires - UBA, com especialização e aperfeiçoamento em Direito Processual Constitucional na UERJ. Membro de diversas instituições, dentre as quais: Instituto dos Advogados Brasileiros, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Associação Brasileira de Direito Financeiro, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, International Fiscal Association, Associação Brasileira de Direito Tributário, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e Associação Internacional de Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Fábio Martins. A inconstitucionalidade e a ilegalidade da Portaria PGFN nº 820/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 577, 4 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6287. Acesso em: 23 dez. 2024.

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