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Providências preliminares, saneamento e julgamento conforme o estado do processo

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III – Da audiência de saneamento e organização em cooperação com as partes:

Inovando, o NCPC permite que o juiz saneie e organize o processo em cooperação com as partes (art. 357, §3º c/c 6º, NCPC).

O juiz é um terceiro estranho ao litígio. Inegável que as partes são os sujeitos processuais que mais bem conhecem a controvérsia. Ao chamá-las para dialogar, o juiz coloca-se numa posição mais humilde. Logo, o saneamento dialógico ou plurilateral tende a ser mais fácil e útil, lídimo qualificador da prestação jurisdicional.

Não se trata de audiência de conciliação ou mediação nem de instrução e julgamento. A audiência é específica para se atingir um consenso sobre quanto à organização do processo.

O juiz poderá convocá-la independentemente da complexidade da causa[19]. O saneamento compartilhado tende a ser mais frutuoso sempre. No mínimo servirá como mais um momento para se tentar a autocomposição. Porém, ainda se mostra mais frequente, na prática, ver juízes saneando processos complexos por escrito em seus gabinetes, do que vê-los saneando de forma compartilhada processos singelos.

Pergunta-se: saneado e organizado o processo em audiência, ainda assim as partes poderiam pedir esclarecimentos no prazo de cinco dias? Didier Jr. (2017, p. 779), Marinoni; Arenhart; Mitidiero (2015, p. 382) entendem que os esclarecimentos devem ser solicitados até o fim da sessão, sob pena de preclusão, opinião com a qual discordamos. Isso porque, o juiz procurará atingir soluções de consenso quanto às questões controvertidas e os meios de prova e, não sendo possível, prevalecerá o entendimento do magistrado. Logo, não se pode subtrair das partes a única forma que têm de buscar esclarecimento ou integração da decisão saneadora. [20]

As audiências de saneamento deverão ser marcadas com intervalo mínimo de uma hora entre elas (art. 357, §9º, NCPC), a fim de evitar que o ato não receba a atenção que merece, conspirando contra a efetividade e a cooperação.

Para esta audiência as partes também deverão levar os respectivos róis de testemunhas (art. 357, §5º, NCPC), mesmo sem saber se haverá prova testemunhal. Nada impede que o rol seja posteriormente modificado em função do disposto no §6º do mesmo dispositivo, já comentado alhures, ou da ocorrência de alguma das situações previstas no artigo 451, NCPC.


IV – Do acordo de saneamento e organização do processo:

Inovando novamente, o NCPC permite que as partes levem ao juiz, para homologação, uma organização consensual do processo (art. 357, §2º, c/c art. 6º, NCPC).

Está-se diante de um típico negócio jurídico bilateral (negócio processual[21]) entabulado pelas partes que chegam a um consenso em torno da controvérsia, da divergência fática e jurídica da demanda. É um dissenso acordado que prestigia o dever de cooperação.

Elas podem escolher o direito aplicável a caso, à moda do processo arbitral. Podem, ainda, encartar distribuição convencional do ônus da prova, nos caso permitidos, perito consensual, calendário processual, etc.[22]

Essa inovação reclama também uma mudança de postura dos advogados, que devem redimensionar a sua atuação e abandonar a cultura do litígio.

Observados os pressupostos gerais da negociação processual, o órgão jurisdicional (em qualquer de suas instâncias) também fica vinculado a essa delimitação, caso a homologue, nos exatos termos em que vincula a decisão de saneamento e organização do processo prolatada unilateralmente pelo juiz ou dialogada com as partes em audiência.

O que levaria o juiz a não homologar esse acordo de saneamento? Em caso de fraude ou de ausência do mínimo de verossimilhança nos fatos consensualmente havidos como ocorridos, sob pena de impor ao órgão jurisdicional o dever de julgar com base em absurdo. Enfim, se o juiz entender que sem determinada questão de fato ou de direito não tem como decidir com qualidade a demanda judicial então não deve homologar o acordo de saneamento e organização trazido à baila pelas partes. A autonomia da vontade cede espaço ao interesse público que também norteia o processo.  


V – Conclusão:

O processo não é “coisa das partes”, como diziam os antigos. Muito menos “coisa do juiz”, como se pretendeu no momento de sistematização científica e afirmação publicística do direito processual.

A velha dicotomia adversarial-inquisitorial cede lugar ao modelo cooperado de processo, o que deve ser observado na nova sistematização das providências preliminares, do julgamento conforme o estado do processo e, sobretudo, do saneamento e ordenamento em suas variadas formas.

O NCPC, sem dúvida alguma, deflagra um novo paradigma: o juiz como gestor do processo. Ele não poderia ficar meramente a reboque das partes. Precisa organizar o processo, assim como qualquer outro agente público tem de se esforçar para que a sua atuação, respeitando os direitos e garantias fundamentais, seja racional e eficiente.

De todo o exposto, mais do que uma exigência de simples organização do modo de atuação do agente jurisdicional, a nova disciplina das providencias preliminares, do julgamento conforme o estado do processo e do saneamento impõe um esforço conjunto entre todos os partícipes do processo, sem protagonismos, para que se obtenha, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva.


VI – Referências bibliográficas:

BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 19ª ed. Salvador: JusPodvm, 2017, v. 01.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Saneamento do processo e audiência preliminar. Revista de Processo, v. 40, p. 109, out. 1985.

_________. O Novo Processo Civil Brasileiro. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: JusPodvm, 2016.


Notas

[1] Determinação de Emenda da Inicial (art. 321, NCPC); controle das questões da admissibilidade do procedimento (art. 485, §3º, NCPC); complementação do preparo recursal (art. 1.007, §2º, NCPC) são exemplos de saneamento difuso.

[2] Resposta do réu é a designação genérica e não se confunde com a defesa, que é apenas uma forma de o réu responder à demanda. São exemplos de resposta do réu, além da contestação: a) reconhecimento da procedência do pedido; b) arguição de impedimento ou suspeição; c) reconvenção; e d) inércia/silêncio do réu.

[3] Se a réplica do autor contiver fatos novos, instruída ou não com documentos, o juiz deverá abrir vista ao réu para a tréplica, em homenagem ao contraditório. A fim de evitar esse vaivém, o juiz poderá limitar tais alegações. Caso contrário, não haverá escapatória: terá que garantir o contraditório. (REDONDO, 2013, p. 88 apud DIDIER JR, 2017, p. 770).

[4] Na praxe forense, entretanto, percebe-se indevida generalização da réplica, abrindo-se prazo para manifestação do autor mesmo quando a resposta do réu seja fundada tão somente na defesa direta. Tal postura, além de contrariar o texto legal, não encontra nenhuma justificativa plausível, merecendo críticas.

[5] O art. 348 do NCPC continuará a ser aplicado de forma ampliativa como era seu antecessor, permitindo que o juiz determine às partes a especificação de provas mesmo diante de réu não revel. Por outro lado, mesmo revel, poderá o réu intervir no processo, assumindo-o no estado em que se encontra, requerer e participar da produção das provas, como prevê o art. 349 do NCPC em sintonia com o Enunciado nº 231 da Súmula jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF).

[6] Em sentido contrário, há quem entenda que o prazo para especificação das provas deveria ser de 15 (quinze) dias, a exemplo do prazo expresso para as demais providências preliminares (NEVES, 2016, p. 620).

[7] A rigor, toda sentença “termina”. Daí melhor a expressão “sentença que não examina o mérito”.

[8] O NCPC consagra expressamente no art. 4º o princípio da primazia da decisão de mérito, deixando claro que a solução de mérito prefere à solução que não é de mérito.

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[9] Há um claro equívoco quando se diz: “julgo extinto o processo sem julgamento do mérito”. A expressão que melhor representa seria “extingo o processo sem exame do mérito”.

[10] O dispositivo não merece elogios e demanda uma recapitulação das definições dos pronunciamentos do juiz constantes do art,. 203, §§1º e 2º do NCPC. Se o provimento terminativo parcial não tem o condão de extinguir o processo ou qualquer de suas fases, logo a sua natureza jurídica será de decisão interlocutória e não de sentença recorrível por agravo de instrumento, como poderia transparecer.

[11] Somente poderá ser homologada a autocomposição se a situação jurídica litigiosa a permitir. O órgão jurisdicional deverá observar se a própria autocomposição é possível, se não há colusão ou simulação das partes (art. 142, NCPC) e se os advogados têm poderes específicos para tanto (art. 105, NCPC). Por fim, o negócio jurídico produz efeitos entre as partes independentemente da homologação, cuja eficácia se restringe a determinar a extinção do processo e dar azo à formação da coisa julgada. As partes podem condicionar a eficácia da transação à homologação judicial, mediante disposição expressa no termo de autocomposição.

[12] É possível que a autocomposição verse sobre aspecto que esteja fora dos limites do objeto litigioso, podendo as partes incorporar outra lide, estranha a que está sendo discutida assim como outros sujeitos (art. 515, §2º, NCPC).

[13] Enunciado nº 297 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): O juiz que promove julgamento antecipado do mérito por desnecessidade de outras provas não pode proferir sentença de improcedência por insuficiência de provas. (Grupo: Petição inicial, resposta do réu e saneamento).

[14] Adota-se aqui o entendimento de que revelia é a ausência de contestação tempestiva.

[15] Curioso que temos no sistema, por conta do art. 356, §5º, NCPC, dois recursos distintos ao segundo grau para reexame de decisões de mérito, aptas à coisa julgada material e, consequentemente, alvos de ação rescisória.

[16] Ao consagrar decisões parciais, o NCPC consagra também a chamada coisa julgada múltipla.

[17] Caso tenha sido determinada prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a quinze dias para que as partes apresentem o rol (art. 357, §4º, NCPC). O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a dez, sendo três, no máximo, para cada fato probando, repetindo a regra do CPC/1973. Todavia, e aqui é uma novidade, o juiz poderá limitar ou ampliar o número de testemunhas, considerando a complexidade da causa dos fatos individualmente considerados (Enunciado nº 300 do FPPC).

Caso tenha determinada a produção de prova pericial, o juiz observará o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecerá, de logo, calendário para sua realização (357, §8º, NCPC),

[18] Se o juiz decidir redistribuir o ônus da prova em momento posterior, o que não é o ideal, deverá reabrir a instrução, por amor ao contraditório e à ampla defesa.

[19] Enunciado nº 298 do FPPC: A audiência de saneamento e organização do processo em cooperação com as partes poderá ocorrer independentemente de a causa ser complexa. (Grupo: Petição inicial, resposta do réu e saneamento).

[20] Nesse sentido, também pela aplicação do §1º do art. 357 do NCPC, mesmo no saneamento compartilhado (NEVES, 2016, p. 630).

[21] Contra essa designação de “negócio processual”: NEVES, 2016, p. 631.

[22] Como ocorre em transação firmada entre as partes sobre o objeto litigioso, seja extra-autos submetido a posterior homologação pelo juízo ou em audiência, o saneamento consensual não precisa ser adstrito aos delineamentos objetivos postos no processo, isto é, pode ser mais amplo e agregar questões de fato e de direito até então não deduzidas.

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Sobre o autor
Eluiz Antonio Ribeiro Mendes e Bispo

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, onde exerce o magistério superior desde 2007. Advogado militante e sócio fundador da banca “Danilo Borges Advogados” (OAB/MG 2.441). Especialista em Direito Público e Direito Econômico-Empresarial. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BISPO, Eluiz Antonio Ribeiro Mendes. Providências preliminares, saneamento e julgamento conforme o estado do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6164, 17 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62897. Acesso em: 5 mai. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado a partir da palestra ministrada no "Seminário Novo Código de Processo Civil - Reflexões no Primeiro Ano de Vigência" promovido pela EJEF - Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) em parcerias com instituições de Ensino Superior e com a 11a Subseção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil.

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