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Os instrumentos jurídicos do Direito Civil disponíveis para fiscalização do cumprimento dos deveres parentais

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10/02/2005 às 00:00

Resumo:

• Recentemente, decisões judiciais no Brasil têm condenado pais ausentes na criação dos filhos, por danos morais causados, gerando discussões sobre o abandono afetivo e maus tratos durante a criação dos menores.


• Os pais possuem deveres constitucionais e legais perante os filhos, devendo assegurar seus direitos fundamentais e garantir seu desenvolvimento físico, mental, moral e social, sob pena de sanções administrativas e civis.


• A relevância do papel paterno no desenvolvimento dos filhos é destacada, ressaltando que a presença e participação ativa dos pais são essenciais para a formação saudável das crianças, influenciando positivamente em sua autoestima, aprendizado e relações sociais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Recentes decisões condenando pai que esteve ausente na criação do filho por dano moral que causou a este deverão criar conseqüências práticas advindas do total abandono na participação da criação dos filhos.

Sumário:1. As novas decisões. 2. O dever constitucional e legal dos pais perante os filhos. 3. Relevância do papel paterno no desenvolvimento dos filhos. 4. Da possibilidade de responsabilização civil dos pais pela má conduta no dever de auxiliar o desenvolvimento de seus filhos. 4.1 Da suspensão e da extinção do poder familiar 4.2 Possibilidade de impor obrigação de fazer e não fazer ao genitor inadimplente 4.4 Enfim - a reparação dos danos 5. Conclusão


1. AS NOVAS DECISÕES

            Recentes decisões de juízes e tribunais no Brasil, condenando pai que esteve ausente na criação do filho, por dano moral que causou a este, com certeza deverão criar, além de nova dialética a respeito, conseqüências práticas advindas do total abandono, mais comum entre os genitores, na participação da criação dos filhos.

            As duas decisões mais recentes e marcantes, amplamente divulgadas no meio jurídico, foram: a decisão do juiz da 31ª Vara Cível Central de São Paulo, Luiz Fernando Cirillo, que condenou um pai a indenizar a filha, em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por abandono, e a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que fez condenação semelhante.

            No primeiro caso, o pai abandonou a autora da ação ainda recém-nascida -- logo após ter-se separado da sua mulher. Conforme consta dos autos, o genitor logo se casou novamente e teve três filhos, a autora da ação e a nova família do pai eram membros da colônia judaica de São Paulo, por isso, se encontravam constantemente. Segundo os advogados, o pai desprezava a filha, fingindo não conhecê-la quando se encontravam.

            A autora da ação alega que, durante anos, se sentiu humilhada e rejeitada perante a colônia. Diz que cresceu envergonhada, tímida e embaraçada. Além disso, conforme a sentença, ela sofre de complexo de inferioridade e tem problemas afetivos e psicológicos.

            Ela pediu a condenação do pai ao pagamento da quantia gasta com despesas médicas, psicólogos e medicamentos — até o trânsito em julgado da sentença — para o tratamento dos transtornos causados pela rejeição e abandono. Além disso, pediu o pagamento das despesas para continuidade do tratamento e ainda a indenização por danos morais.

            O juiz entendeu que, "a par da ofensa à integridade física (e psíquica) decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar".

            No segundo caso, julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, muito embora o pai prestasse pensão alimentícia ao filho normalmente, esteve sempre totalmente distante, não participando da vida do menor, não lhe oferecendo amor, carinho e atenção, fazendo com que ele tivesse um crescimento deficitário na parte psicológica e emocional. O Tribunal entendeu por bem em reformar a sentença de primeiro grau, que negava a indenização, e condenar o pai a indenizar o filho pelo dano moral causado.

            Tais decisões estão a gerar discussões férteis não somente em relação a pais que abandonam filhos, mas também em relação ao abuso emocional e maus tratos dos pais durante a criação e educação dos menores, e as conseqüências comprovadas dos atos falhos.

            Os deveres inerentes ao pátrio poder, hoje denominado poder familiar, não podem ser ignorados pelos pais, que ao decidirem por gerar filhos devem ter a consciência de que serão responsáveis pela criação e desenvolvimento de seres humanos saudáveis, obrigação esta não somente moral ou social, mas também legal.


2. DO DEVER CONSTITUCIONAL E LEGAL DOS PAIS PERANTE OS FILHOS

            A Constituição Federal traz como um de seus fundamentos, no artigo 1º, III, a dignidade humana. E a dignidade somente pode ser preservada mantendo-se o direito à família.

            O artigo 205 impõe a família o dever de educar. O artigo 227, assim estabelece:

            "É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar as crianças e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, á cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

            O artigo 229 imputa aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

            O Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069/1990) em seu artigo 3º prevê: "Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção intergal de que trata esta lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade."

            O mesmo diploma legal prevê sanção administrativa no artigo 249, a qualquer um dos pais que infringir os deveres do pátrio poder.

            Nota-se então que a lei impõe aos pais a obrigação não somente de sustento e manutenção financeira, mas de oferecer todo o amparo para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. O que quer dizer que a falta no cumprimento destes deveres pode ser exigida pelos filhos, seja na forma de punição administrativa, seja na reparação civil, seja até mesmo como obrigação de fazer, sob pena de destituição do pátrio poder.

            E claro que caberá ao juiz na análise do caso concreto, com o indispensável auxílio de equipe multidisciplinar que possa avaliar o cumprimento de todos os deveres nas mais variadas áreas, averiguar a ocorrência ou não de falta nos deveres inerentes ao pátrio poder.


3. DA RELEVÃNCIA DO PAPEL PATERNO NO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS

            Primeiramente insta salientar que nada há de parcial, feminista ou machista, em discorrer somente sobre a importância do papel paterno no desenvolvimento dos filhos, mas simplesmente é desnecessário tecer qualquer comentário sobre a importância da mãe na vida da prole. Aliás, é de se frisar que o abandono materno e a má-conduta na criação e educação por parte da genitora, causa, sem sombra de dúvidas, conseqüências totalmente irreparáveis ao futuro adulto, que também estarão sob o manto da responsabilização civil.

            Todavia, em relação ao pai, por muito tempo admitiu-se que este se mantivesse afastado do acompanhamento do desenvolvimento dos filhos, sem se atentar à importância dessa aproximação e das conseqüências da ausência. E também, sempre foi mais comum que os pais se desincumbissem da criação e educação dos menores, principalmente quando separados da mãe.

            O ideal inegável seria que os pais passassem juntos todo o período de desenvolvimento dos filhos, o que infelizmente em boa parte dos casais não tem sido possível, restando então a alternativa de que mesmo separados, não haja o afastamento em relação aos filhos.

            Anna Freud relata que para a criança, as realidades físicas de sua concepção e nascimento não são a causa direta de sua ligação emocional. Tal ligação resulta da atenção cotidiana às suas necessidades de cuidados físicos, alimentação, conforto, afeto e estímulo. Somente um pai e mãe que atendam a essas necessidades construirão um relacionamento psicológico com a criança com base no relacionamento biológico e, desta maneira, se tornam seus "pais psicológicos", sob cujos cuidados ela pode se sentir valorizada e "querida". Um pai ou uma mãe biológicos ausentes serão ou poderão tornar-se um estranho. Logo, melhor do que possuir um pai biológico distante, é ter um pai psicológico presente.

            Interessante citar trecho do livro do ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Dr. Rodrigo da Cunha Pereira, que ao comentar sobre os filhos que vivem sozinhos com um dos pais: "É de se indagar se essas mães, ou pais, sozinhos, que vivem com seus descendentes, constituíram mesmo uma família. Como já dissemos neste trabalho, para a Psicanálise, o que determina a constituição de uma família é a sua estruturação psíquica. Isto é, importa saber se cada membro ocupa o seu lugar de filho, de pai ou de mãe. A não-presença física do pai, ou a sua permanência, não é definidora da situação; este ou esta mãe não precisam ser, necessariamente, biológicos. Qualquer um pode ocupar esse lugar, desde que exerça tal função. Prova disso é a existência do instituto milenar da adoção. Prova em contrário são os casais que tem filhos dentro de um casamento religioso, civil e nos moldes dos "padrões de normalidade" e que não conseguem estruturar uma verdadeira família: as funções paterna e materna são mal-exercidas; é um eterno desajuste psíquico e social. Muitas vezes o pai ou a mãe biológica não são os que exercem as funções paterna e materna. Não raro essas funções são exercidas pelos avós, vizinhos, amigos, namorados, etc.. em colaboração com os pais, ou em substituição a eles. O essencial para a constituição e formação do ser, para torna-lo sujeito e capaz de estabelecer laço social, é que alguém ocupe, em seu imaginário, o lugar simbólico de pai e de mãe. O importante é que tenha um adulto que possa ser a referência e que simbolize para a criança este lugar de pai e mãe, e que é dado pelas funções exercidas em suas vidas." (1)

            David Blankenhorn, presidente do Institute for American Values, em Nova York, e autor do livro Fatherless America: Confronting our Most Urgent Social Problem, escreve na sua obra a respeito da importância do pai (p.219): "Se as mães cuidam mais das necessidades físicas e emocionais dos filhos, os pais voltam-se mais para as características da personalidade, necessárias para o futuro, especialmente qualidades como a independência e a capacidade de testar limites e assumir riscos." O sociólogo David Popenoe, em Life Without Father (Cambridge: Harvard University Press; p.144) comenta que "enquanto as mães proporcionam uma importante flexibilidade e harmonia na disciplina dos filhos, os pais proporcionam o desenvolvimento e a solidez da personalidade. Os dois lados são importantes para uma educação eficiente, equilibrada e humana."

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            O que quer dizer que cada qual dos pais possui papel importante e vital no desenvolvimento do ser humano, e as seqüelas de uma criação má conduzida é fator principal para o desajustamento social de toda e qualquer pessoa.

            Estudos comprovam que o número de jovens que cometem delitos é maior entre os que foram criados longe do pai.

            Não que se chegue à conclusão de que a presença exclusiva da mãe seja fatal para a formação da personalidade de uma criança, contudo, o que chama a nossa atenção é a ausência do pai. "Os efeitos da interação da mãe com os filhos são significativos. Mas, nossos estudos indicam que a influência do pai pode ser muito mais extrema, seja este efeito bom ou mau", afirma John Gottman, autor do livro "Inteligência emocional e a arte de educar nossos filhos".

            Segundo os estudiosos da área, é o pai quem mostrará ao filho o caminho da masculinidade, aquilo que o garoto deve vir a ser. Sua mãe não se acha preparada para isso; não se deve esperar dela que o faça. Quando o menino acorda para a presença do pai, e percebe o elo profundo que é preciso desenvolver entre ambos, tem início sua viagem rumo à masculinidade. Se para um menino a presença saudável do pai lhe dá condições de desenvolver positivamente sua masculinidade, na vida das meninas os pais (no sentido masculino) são as primeiras pessoas que elas olham para obter uma imagem sobre o que o homem é e como ele deve ser.

            Os pais representam o sexo masculino para as filhas durante os primeiros anos de suas vidas. Elas aprendem a amar ou odiar os homens, em grande parte, através do relacionamento delas com os pais. Elas aprendem a confiar ou não nos homens, em grande parte, pelo que seus genitores demonstram para elas. Elas aprendem sobre uma intimidade correta, sobre compartilhar os bons momentos e sobre o amor com as figuras paternas. E há de se concordar que tal seja uma enorme responsabilidade.

            As pesquisas indicam inclusive dos benefícios da interação do pai no período gestacional, tendo em vista a comprovação das sensações que o feto já possui e seu relacionamento com o mundo exterior através da barriga da mãe, podendo ouvir sons, estar sensível a toques, etc...

            O bebê precisa de cuidados especiais no âmbito do desenvolvimento físico que garantam a sua sobrevivência, e também no que concerne ao seu desenvolvimento emocional. Para Anna Freud, a dependência mental de uma criança do mundo adulto dura pelo menos tanto quanto sua dependência física.

            O desenvolvimento de cada criança se processa em resposta às influências ambientais a que estiver exposta. Suas capacidades emocionais, intelectuais e morais florescem não em um deserto e não sem conflito, dentro de seu relacionamento de família, e este determina suas relações sociais.

            As crianças que crescem envolvidas com seus pais tem maior auto-estima, aprendem melhor e apresentam menores sinais de depressão, é o que concluem os estudos.

            Ainda para Anna Freud, de modo diferente dos adultos, que medem a passagem do tempo pelo relógio e calendário, as crianças têm seu próprio senso íntimo de tempo, baseado na urgência de suas necessidades instintivas e emocionais. Isto resulta em sua grande intolerância a adiamentos de gratificação ou a frustrações e na sensibilidade intensa quanto à duração das separações. Por isso, de acordo com a psicóloga e terapeuta familiar Maria Rita D´Ângelo Seixas, da Unifesp, a criança necessita da presença paterna desde o nascimento. "O pai deve entrar no cotidiano do filho quando ele é bebê, pois, do contrário, ficará mais difícil fazer isso à medida que o pequeno cresce. Com a ausência dele nessa primeira fase da vida, a criança cria um vínculo muito forte com a mãe e, depois, pode ter dificuldades em aceitar a figura paterna, nessa altura praticamente um desconhecido para ela". Sendo assim, é importante que desde a fase intra-uterina o pai comunique-se com o seu filho seja por atos, pensamentos ou palavras de forma a intensificar o vínculo entre ele e o feto.

            A função paterna, além de tudo, tem como tarefa servir de ponte para a apresentação e a aceitação da realidade à criança. O pai, portanto, é a lei, o limite, a realidade.

            Obviamente que o afastamento do pai na criação dos filhos, bem como sua má conduta em relação a estes, causarão danos irreparáveis ao adulto que irá ser formar.


4. DA POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PAIS PELA MÁ CONDUTA NO DEVER DE AUXILIAR O DESENVOLVIMENTO DE SEUS FILHOS

            Antes de iniciar o incurso sobre as responsabilizações no âmbito civil, faz-se mister delimitar o que hoje se entende por poder familiar, vocábulo que substituiu o pátrio poder, diante da condição de igualdade entre homens e mulheres.

            A incursão histórica se faz necessária de antemão. O pátrio poder, hoje reconhecido como poder parental ou familiar, entre os romanos era um conjunto de direitos e não de deveres, e que se estes existiam, eram somente morais. (2) A expressão poder, por muito tempo exteriorizou o querer, e não imposição ou violência. No Brasil, já antes do Código Civil de 1916, os Tribunais conectavam ao pátrio poder, os deveres também a ele inerentes. Atualmente, principalmente após a valorização da criança e do adolescente, os deveres relativos ao poder gerencial dos pais na criação e educação dos filhos têm sido o destaque relativo ao poder parental.

            A infração ao deveres inerentes ao poder familiar, geram, no âmbito civil, situações diversas, que podem ser invocadas pelos prejudicados, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.

            Primeiramente, prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 249: "Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem como determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar.

            Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência."

            Entendido o pátrio poder que traz a incumbência de sustento, guarda e educação dos filhos, bem como acompanhamento e zêlo pelo desenvolvimento satisfatório da criança em todos os âmbitos, impondo o dever de respeito. Silvio de Salvo Venosa, parafraseando Arnaldo Rizzardo, define: "Arnaldo Rizzardo (1994:897) observa que, hoje, preponderam direitos e deveres numa proporção justa e equânime no convívio familiar; os filhos não são mais vistos como esperança de futuro auxílio dos pais. O poder familiar não é o exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto pela paternidade e maternidade, decorrente de lei. Nesse sentido, entendemos o pátrio poder como conjunto de direito e deveres atribuídos aos pais destes e seus bens. Nesse diapasão, João Andrades Carvalho (1995:175) define pátrio poder como "o conjunto de atribuições, aos pais cometidas, tendo em vista a realização dos filhos menores como criaturas humanas e seres sociais." (3)

            È de se ver então, que inserido no conceito de poder familiar, estão todos os atos úteis e necessários ao desenvolvimento saudável dos filhos em todos os seus aspectos.

            Conforme o próprio artigo 17 da Lei 8069/90 dispõe "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais."

            Como a destituição do pátrio poder é medida extremada, só devendo ser tomada caso não haja outra satisfatória a prevenir e punir infrações ao dever do pátrio poder, muitas vezes o apenamento previsto no artigo 249 do ECA é o indicado. Note-se que a lei prevê a aplicação de pena, seja na forma dolosa ou culposa, dando ainda mais relevância ao dever de cuidado dos pais em relação a seus filhos.

            Os pais não estão acostumados a sofrer sanções por suas falhas como genitores, aliás não é incomum se esconderem atrás do discurso de que não "foram preparados para função". Obviamente que não se está a pregar conduta draconiana em relação aos genitores, tendo-se sempre em vista que em termos de relacionamento humano a flexibilidade e compreensão são indispensáveis.

            Contudo, não há como negar que muitos das pessoas que hoje exercem os papéis de mães e pais tem ignorado conscientemente os deveres inerentes a função, causando seríssimos danos aos pequenos seres que conduzem pelo trilho da vida. È sobre estes que deverá recair a pena. Deverão então ser conscientizados através de aplicação de penas, de que possuem deveres como pais que o são.

            Porém, muitas vezes, a pena não surtirá o efeito desejado, havendo previsto então o legislador, medidas que importaram em suspensão até a inibição do exercício do poder parental.

            4.1 DA SUSPENSÃO E DA EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

            Os artigos 1637 e 1638 do Código Civil assim dispõem:

            "Art. 1637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

            Parágrafo único: Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

            Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

            I – castigar imoderadamente o filho;

            II – deixar o filho em abandono;

            III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

            IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente."

            As disposições constantes destes dois artigos são prova inconteste de que o legislador civil estava pouquíssimo preparado para renovar nosso codex civile.

            Os artigos que são cópias quase idênticas das previsões do Código de 1916, não se coadunam com a moderna concepção do poder familiar, restando adstritas a conceituações morais sem qualquer fundo prático, bem como afastadas do caminho que trilham as decisões judiciais atuais.

            De qualquer maneira, é a permissão legal existente à suspensão e extinção do poder familiar, que deverá ser adequada ao que é realmente importante aos menores sujeitos ao poder familiar.

            O Superior Tribunal de Justiça já mitigou o parágrafo único do artigo 1637, emprestando o entendimento de que a suspensão ali prevista não é automática, e somente se dará no caso de crime doloso, cometido contra o próprio filho. Andando muito bem no entendimento de que a condenação criminal por si só não constitui causa suficiente para suspensão ou destituição do poder familiar, devendo esta sempre estar aliada as circunstâncias fáticas outras que indiquem a medida extrema.

            A jurisprudência está firmada no entendimento de que a suspensão ou extinção do pátrio poder somente se dá, em casos absolutamente necessários, resultante da análise das circunstâncias da criação e educação do menor, não importando qualquer ato que não esteja em conexão direta com a infração do dever parental.

            O que quer dizer que a conduta moral ou ética de um dos pais, principalmente em relação a sua vida amorosa e sexual, desde que não esteja se demonstrando prejudicial aos filhos, não é causa de suspensão ou extinção do poder familiar. Aliás, sequer se tem autorizado a mudança de guarda com argumentação semelhante.

            Assim a suspensão e extinção do poder familiar, podem ser requeridos inclusive pela mãe contra o pai ou vice versa, quando identificados atos que incidam em graves infrações aos deveres dos genitores em relação aos filhos.

            4.2 POSSIBILIDADE DE IMPOR OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER AO GENITOR INADIMPLENTE?

            O questionamento interessante é o de que se há a possibilidade de se impor ao genitor inadimplente suas obrigações em relação ao poder familiar, através de medida judicial exigindo-se a obrigação de fazer e de não fazer.

            As obrigações de fazer ou não fazer são decorrentes de lei ou de contrato. No caso dos deveres parentais, estes, embora decorrentes de lei, podem também constar de acordo firmado entre os genitores em relação ao filho, principalmente quanto da ação de separação ou divórcio do casal.

            As obrigações decorrentes da lei são genéricas, dependendo sempre de interpretação jurisdicional. Logo, muita dificuldade haveria em utilizar-se de imposição judicial para a obrigação de fazer ou não fazer no caso dos deveres constitucionais e legais advindos da condição de pai ou mãe. Embora raramente utilizada, não tomemo-la como impossível.

            A obrigação de fazer estampa uma atividade do devedor, e a de não fazer uma inatividade. As obrigações são relações jurídicas entre os diversos membros da sociedade. Como bem explica Silvio de Salvo Venosa: "... a teoria geral das obrigações representa ponto fundamental que se desdobra o campo do Direito Civil e espraia-se pelos diversos caminhos do Direito. É no direito obrigacional que posicionamos um problema fundamental: de um lado, a liberdade do indivíduo, sua autonomia em relação aos demais membros da sociedade e, de outro lado, a exigência dessa mesma sociedade ao entrelaçamento de relações, que devem coexisti harmonicamente." (4)

            Rolf Madaleno em artigo entitulado "A tutela cominatória no direito de família" (5) bem coloca: ´Em recente monografia erlativa aos deveres de fazer e de não fazer, pontua Eduardo Talamini que: "o sistema de tutelas estabelecido a partir do art. 461 não se limita às obrigações propriamente ditas. Estende-se a todos os deveres jurídicos cujo objeto seja um fazer ou um não fazer." Entende que a tutela específica dá suporte a provimentos destinados a cessar ou impedir o início de condutas de afronta a qualquer direito da personalidade ou, mais amplamente, a qualquer direito fundamental de primeira geração, subentendidos direitos como o integridade física e psicológica, a liberdade em suas variadas facetas (como de locomoção, de associação, de crença, empresa, profissão e assim por diante). Além de proteger a igualdade, a honra, a imagem, a intimidade, em todos os sus desdobramentos, quer no âmbito público ou privado... Dentro desse largo espectro de atuação da tutela específica, aparentemente restrita ao campo dos deveres de fazer ou de não fazer do artigo 461 do CPC, encontram-se os direitos contidos no âmbito das relações de família, que importam na prestação de fatos positivos ou negativos, como disso são exemplos o afastamento de cônjuge, respeito à posse provisória, à guarda e à regulação de visitas de filhos."

            O artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso II determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Eis o cerne do problema : quando algumas obrigações estão especificadas em relação ao poder parental, seja na própria lei ou em acordo (contrato), há então a imposição legal a seu cumprimento. Contudo, o que se dará no caso da obrigação latente e abstrata da criação e educação dos filhos em geral?

            Como delimitar a nocividade de comportamentos e a imprescindibilidade de outros? Obviamente que há deveres incontestáveis na esfera do poder parental, fatos notórios que independem de qualquer prova, mas o que dizer dos comportamentos que ainda estão sendo estudados pela psicologia como sendo ou não deveres?

            Haveria um modo de impingir à mãe, ou ao pai, o cumprimento de seus deveres em relação aos filhos, através, v.g, de aplicação de astreintes??

            Entendo que sim.

            Claramente, não estou a afirmar que o direito possua instrumentos capazes de obrigar um pai ou mãe a amar os filhos, mas possui indubitavelmente instrumentos a fim de disciplinar pais e mães que amam os filhos, a fim de que possam exercer o poder parental de maneira adequada.

            Em todas as outras relações, até mesmo no direito matrimonial, o direito já vislumbrou o manejo hábil para o seu disciplinamento, por que não o considerar no relacionamento entre pais e filhos?

            E caso não seja possível a prevenção, resta sempre a reparação, que será tratada a seguir.

            O Código Civil em seu artigo 248 prevê a resolução das obrigações de fazer em perdas e danos, somente no caso em que a prestação se torne impossível. Não deveria ser esta também a conduta em relação ao inadimplemento nos deveres dos genitores?

            Isto é, pelear pelo obrigatoriedade do cumprimento dos deveres parentais, e somente no caso da total impossibilidade, optar pelo futuro ressarcimento.

            Note-se que não se está a negar o poder educativo das indenizações, mas os danos já estarão causados em extensões e dimensões que a pecúnia jamais poderá reparar.

            Existem vários deveres que a meu entender podem ser exigidos pela via da ação do cumprimento de obrigação de fazer, bem como de não fazer.

            A exemplificar: visitação dos filhos pelo pai ou mãe que não possua a guarda, principalmente quando esteja determinada em sentença ou mesmo acordo.

            Pode-se, inclusive, utilizar-se da fixação de multa pelo descumprimento da obrigação, pois muitos pais falham nos seus deveres de visitação, exatamente pela ausência de disciplina. Obviamente que haverá sempre o questionamento do benefício das visitas forçadas pelo "amor ao bolso", todavia, os operadores do direito de família não podem negar que a maioria das visitações não é cessada ou deficitária pela falta de amor, mas sim pela falta de orientação e disciplina, pela mudança na vida de um dos pais, que não consegue se adaptar às obrigações advindas da separação.

            Obviamente que a utilização dos métodos coercitivos para cumprimento de obrigações parentais somente será admitida para garantia dos interesses dos filhos, sendo que uma vez contra indicada a visitação, o afastamento do genitor que estaria colocando em risco a situação da criança ou adolescente é que se fará necessário.

            E na obrigação de não fazer? Não há hoje em dia a concessão, já não incomum, de antecipação de tutela com cominação de multa por infração a fim de proibir que determinada pessoa, por exemplo, manche a honra de outrem?

            Porque os pais não podem ser compelidos a deixar de instigar os filhos contra o outro genitor, por meio de pesadas multas?

            O artigo 461 do Código de Processo Civil prevê a concessão de tutela específica da obrigação, determinando providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            Tenho que tal ação pode perfeitamente ser utilizada no âmbito das relações parentais. Claro que não me furto ao risco humano do convencimento judicial, contudo, a tal estão expostos todos os que não conseguiram sabiamente resolver suas questões sem a ingerência do Poder Judiciário.

            4.4 ENFIM - A REPARAÇÃO DOS DANOS

            Por fim, insta discorrer sobre o objeto que deu vazão a este texto, que é a reparação de danos causados pela má utilização do poder familiar.

            Esta reparação está basilada nos danos advindos da infração nos deveres do poder parental, e mais, no dano moral causado especificamente pela lesão da garantia constitucional da dignidade humana.

            Difícil, como sempre será valorar indenizações. Além disso, estando preenchidos os requisitos para responsabilização civil, como a comprovação de nexo causal, elemento subjetivo e comprovação do dano, que na grande maioria dos casos será mesmo desnecessária, eis que inconteste, restará mais uma vez, a difícil tarefa aos magistrados em valorar os prejuízos emocionais, psíquicos e sociais causados pela conduta desajeitada e por vezes mal intencionada de pais que não se conscientizaram de que a formação de uma sociedade harrmônica e saudável se faz com a criação e desenvolvimento de seres humanos ajustados, amados e bem orientados.

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Sobre a autora
Caroline Said Dias

advogada em Curitiba(PR) Comissão de assuntos externos do IBDFAM/PR, membro da Diretoria do IBDFAM/PR, Diretora Jurídica da AVAFEP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Caroline Said. Os instrumentos jurídicos do Direito Civil disponíveis para fiscalização do cumprimento dos deveres parentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 583, 10 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6301. Acesso em: 22 dez. 2024.

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