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O indulto coletivo de 2017

30/12/2017 às 10:00
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A manifestação da Procuradoria-Geral da República contra o indulto coletivo de 2017 e o acatamento do pedido de liminar pelo STF são um importante passo na luta contra a impunidade.

O indulto pode ser individual ou coletivo. O primeiro não deixa de ser uma forma de graça com outro nome e poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, que será encaminhado, com parecer do Conselho Penitenciário, ao Ministério da Justiça, onde será processado e depois submetido a despacho do Presidente da República. Por sua vez, o indulto coletivo é concedido independentemente de provocação, sem audiência dos órgãos técnicos, pelo Presidente da República, em ocasiões especiais, sendo uma tradição o indulto coletivo, concedido, todos os anos, nas vésperas do Natal.

Trata-se de forma de extinção de punibilidade.

Publicado na edição do dia 23 de dezembro de 2017  do Diário Oficial da União, o decreto de indulto deste ano altera e torna mais brandos os critérios para que um presidiário possa receber a extinção da pena. Foi, sem dúvida, uma medida extremamente liberal.

A principal mudança em relação aos anos anteriores está no tempo máximo de condenação exigida. Até o ano passado, para ser indultado, o preso deveria ter sido condenado a, no máximo, 12 anos de prisão e já ter cumprido o equivalente a um quarto da pena, se não fosse reincidente. Neste ano, porém, os critérios foram afrouxados: o acesso ao indulto seria concedido a todos aqueles que cumpriram um quinto da pena, independentemente de tempo total de condenação, se não forem reincidentes. Para os reincidentes, é preciso ter cumprido um terço da pena para receber o benefício.

Segundo a última edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, disponível no website do Ministério da Justiça, há 73.781 presos por furto. Em tese, a depender do percentual da pena cumprida, são abraçados pelo indulto.O indulto pressupõe decisão judicial ainda que não definitiva e não leva em conta procedimentos administrativos como inquéritos, mas processos criminais.Segundo informa-se, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ajuizou no dia 27 de dezembro do corrente ano uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para contestar trechos do decreto de indulto de Natal assinado pelo presidente Michel Temer. Para Raquel Dodge, o indulto coloca em risco a Lava Jato, “materializa o comportamento de que o crime compensa” e será “causa única e precípua de impunidade de crimes graves”.“O chefe do Poder Executivo não tem o poder ilimitado de conceder indulto. Na República, nenhum poder é ilimitado. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República constitucional brasileira”, escreveu Raquel Dodge.Para Raquel Dodge, o indulto afronta a Constituição Federal. “Sem razão específica, (o decreto) ampliou os benefícios desproporcionalmente e criou um cenário de impunidade no país: reduziu o tempo de cumprimento de pena que ignora a pena aplicada; extinguiu as multas aplicadas; extinguiu o dever de reparar o dano; extinguiu penas restritivas de direito; sem razões humanitárias que justifiquem tais medidas e tamanha extinção da punibilidade”, observou a procuradora-geral da República.

A procuradora argumentou que o presidente não tem "competência para legislar sobre matéria penal", extrapolando "os limites da finalidade" do indulto e da "razoabilidade" de seus parâmetros.

Para ela, o decreto "se destina para favorecer, claramente, a impunidade, dispensando do cumprimento da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o caso dos crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e outros correlatos". 

A presidente do Supremo Tribunal Federal concedeu a liminar solicitada pelo Parquet, suspendendo trechos daquele Decreto. 

Disse a ministra Carmen Lúcia:

"Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”. A norma fere a Constituição Federal ao prever a possibilidade de  exonerar o acusado de penas patrimoniais e não apenas das relativas à prisão, além de permitir a paralisação de processos e recursos em andamento.

Prerrogativa do presidente da República, o decreto de indulto permite que o Estado conceda benefícios ou perdoe a pena de condenados que atendam a alguns critérios, como o cumprimento parcial da pena, por exemplo. No caso do Decreto 9.246, contestado na ADI, a lista de exigências inclui o cumprimento mínimo de um quinto da punição para os não reincidentes e de um terço para os reincidentes.  Na edição anterior do decreto era preciso comprovar o cumprimento de,  no mínimo, 25% da sanção prisional imposta na sentença judicial.

 A ADI enfatiza que tanto o Código Penal quanto a jurisprudência do STF entendem que a pena de multa tem natureza fiscal e perdoá-la seria uma forma de renúncia de receita pelo poder público. “Em um cenário de declarada crise orçamentária e de repulsa à corrupção sistêmica, o Decreto 9.246/17 passa uma mensagem diversa e incongruente com a Constituição, que estabelece o dever de zelar pela moralidade administrativa, pelo patrimônio público e pelo interesse da coletividade”, enfatizou a chefe do Ministério Público Federal.

Em relação ao artigo 11 da norma, que prevê a possibilidade da concessão do benefício mesmo quando ainda há recursos em andamento, a procuradoria geral da República sustenta que a medida desrespeita o Poder Judiciário ao transformar o processo penal em algo menor. Além disso, a norma estende a possibilidade de indulto a pessoas que estejam respondendo a outro processo, mesmo que ele tenha como objeto a prática de crimes como tortura, terrorismo ou de caráter hediondo. Isso contraria o artigo 5º XLII da Constituição Federal, que veda o indulto para esses crimes.

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A manifestação da procuradoria-geral da República e o acatamento do pedido de liminar são um importante passo na luta contra a impunidade.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O indulto coletivo de 2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5295, 30 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63124. Acesso em: 17 nov. 2024.

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