Competência da Justiça do Trabalho na demanda dos servidores celetistas

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Diante dos conflitos de competência entre Justiça do Trabalho e Justiça Comum, nos dissídios que envolvem empregados públicos celetistas, entenda como o STF definiu a questão e porque.

1. REGIMES JURÍDICOS FUNCIONAIS.

De forma simplista e genérica, os regimes jurídicos funcionais são um conjunto de regras de direito que regula determinada relação jurídica. Dentre elas, pode-se destacar o regime jurídico único, regime estatutário e regime trabalhista. Cada uma com sua peculiaridade, estabelece deveres e direitos para os agentes públicos, ou seja, todos aqueles que atuam em nome da administração pública, encaixando-se em um dos regimes jurídicos funcionais.

1.1 Regime Jurídico Único

A Constituição da República dispunha até 1998, em seu artigo 39, caput, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam instituir, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e plano de carreira para os servidores da administração direta, das autarquias e das fundações públicas. Devido a este artigo, pela sua falta de clareza, surgiram muitas controvérsias, dentre elas, a afirmação de que “o único regime deveria ser o estatutário” e, para outra corrente, “a pessoa federativa poderia eleger o regime adequado, desde que fosse único”.

Abolido pela Emenda Constitucional nº19, no ano de 1998, permitiu-se, então, que a União, Estado, Distrito Federal e Município estabelecessem mais de um regime jurídico, como um grupo de servidores trabalhistas e outro grupo de servidores estatutários. Para isso, foi e continua necessário desde que a organização funcional esteja estabelecida em lei.

Redação dada ao novo artigo 39 da Constituição da República alterado pela Emenda Constitucional nº19/1998: “Art. 39. A União, os Estados, o distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Podres”. (BRASIL, 2012, p. 38).

José dos Santos Carvalho Filho leciona a respeito:

Nada impediria, é claro, que a entidade política, adotasse apenas um regime funcional em seu quadro, mas se o fizesse não seria por imposição constitucional, e sim por opção administrativa, feita em decorrência de avaliação de conveniência, para melhor atender as suas peculiaridade. A qualquer momento, no entanto, poderia modificar a estratégia inicial e instituir regime funcional paralelo, desde que, logicamente, o novo sistema seja previsto em lei. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 613).

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em Direito Administrativo:

Na esfera federal, a Lei nº 8.112, de 11-12-1990, alterada pela lei nº 9.527, de 10-10-1997, estabeleceu o regime estatutário como regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas. A lei continuou a aplicar-se, apenas deixando de ser obrigatória para todas as categorias de servidores, já que a Emenda Constitucional nº 19 acabou com a exigência de uniformidade de regime jurídico. Em outras palavras o regime estatutário poderá coexistir com o regime contratual. (DI PIETRO, apud LEAL, 2013, p. 597).

Ao verificar a ADIN nº 2.135-4, o STF deferiu medida cautelar para o fim de suspender eficácia do art. 39, caput, da CR, com a redação dada pela EC nº 19/1998, retornando a redação anterior, pela qual havia sido instituído o regime jurídico único.

A razão de tal medida foi a existência de aparentes indícios de inconstitucionalidade formal, tendo em vista erro de procedimento na tramitação de tal Emenda. A decisão teve eficácia ex nunc, subsistindo a legislação anterior sob o império do dispositivo suspenso.

Assim segue resumo da decisão:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal deferiu parcialmente medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT, pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, e pelo Partido Socialista do Brasil - PSB, para suspender a vigência do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 19/98 ("A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes."), mantida sua redação original, que dispõe sobre a instituição do regime jurídico único dos servidores públicos - v. Informativos 243, 249, 274 e 420. Entendeu-se caracterizada a aparente violação ao § 2º do art. 60 da CF ("A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros."), uma vez que o Plenário da Câmara dos Deputados mantivera, em primeiro turno, a redação original do caput do art. 39, e a comissão especial, incumbida de dar nova redação à proposta de emenda constitucional, suprimira o dispositivo, colocando, em seu lugar, a norma relativa ao § 2º, que havia sido aprovada em primeiro turno. Esclareceu-se que a decisão terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Nelson Jobim, que indeferiam a liminar. (BRASIL, 2007).

Assim sendo, como a matéria votada em destaque não foi aprovada em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários, voltou a prevalecer a antiga redação do art. 39 da Constituição da República.

1.2  Regime Estatutário

Desde 1990, através da Lei nº 8112, o Brasil vivencia o que chamamos de Regime Estatutário. Para o país, segundo vários juristas foi um grande progresso na relação entre o Estado, como empregador, e o servidor público, como funcionário do Estado.

José dos Santos Carvalho Filho define, em seu livro, que “Regime estatutário é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica funcional entre o servidor público estatutário e o Estado.” (CARVALHO, 2014, p. 603), essas regras precisam estar positivadas, impreterivelmente, no ordenamento jurídico.

As regras estatutárias básicas devem estar contidas em lei; há outras regras, todavia, mais de caráter organizacional, que podem estar previstas em atos administrativos, como decretos, portarias, circulares etc. as regras básicas, entretanto, devem ser de natureza legal. A lei estatutária, como não poderia deixar de ser, deve obedecer aos mandamentos constitucionais sobre os servidores. Pode, inclusive, afirmar-se que, para o regime estatutário, há um regime constitucional superior, um regime legal contendo a disciplina básica sobre a matéria e um regime administrativo de caráter organizacional. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 603).

O Regime Estatutário possui duas características essenciais. A primeira é a pluralidade normativa, uma vez que, conforme o próprio nome diz, indica que os estatutos funcionais são múltiplos; como os estatutos funcionais federal, estadual, distrital e municipal.

É importante frisar que todos são autônomos, pois implicam o poder de cada ente organizar seus serviços e seus servidores. Para que isso aconteça, cada pessoa da federação precisa, necessariamente, ter sua lei estatutária e, conseqüentemente, adotará um regime estatutário para seus servidores, de forma que possa identificar a relação jurídica entre as partes.

A outra característica deste Regime, conforme apresentado por José dos Santos Carvalho Filho, é a natureza da relação jurídica estatutária.

Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o poder público e o servidor estatutário. Tratando-se de relação própria do direito público, não pode ser enquadrada no sistema dos negócios jurídicos bilaterais de direito privado. Neste tipo de relação jurídica não contratual, a conjugação de vontades que conduz a execução da função pública leva em conta outros fatores tipicamente de direito público, como o provimento do cargo, a nomeação, a posse e outros do gênero. (CARVALHO FILHO, apud LEAL, 2014, p. 603).

Concluímos que o regime estatutário visa regular relação jurídica estatutária sendo proibido normas que caracterizam a existência de negócio contratual.

1.3  Regime Celetista

Entende-se como Regime Trabalhista aquele constituído das normas que regulam a relação entre os servidores públicos e o Estado. Encontrando-se ele na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452/43), ele é aplicável de forma genérica às relações jurídicas entre empregados e empregadores.

Suas características são opostas aos do Regime Estatutário. Por exemplo: o principio da unicidade normativa, em que suas normas reguladoras encontram-se em um único diploma normativo, a CLT. Percebe-se dessa forma que, independente das pessoas federativas, todas usarão este diploma.

A outra característica refere-se à natureza jurídica entre o Estado e o servidor trabalhista, em que a relação entre ambos é contratual, sendo antagônico do Regime Estatutário. Ou seja, celebra-se, propriamente, contrato de trabalho. Apesar de estar sob este regime, o servidor não deixa de se caracterizar como tal.

Caso ocorra litígio entre União, Estado, Distrito Federal, Município e seus servidores trabalhistas, decorrentes da relação de trabalho, o foro competente para julgar tal demanda é a Justiça do Trabalho, como tipificado no Art. 114, I, CR/88 (Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - As ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;)


2   DO SERVIDOR PÚBLICO

Servidor público, em sentido amplo, é a expressão usada para designar todas as pessoas que prestam serviços para a Administração Direta e Indireta.

Assim, refere Maria Sylvia Zanella Di Pietro que servidor público é:

São servidores públicos, em sentido amplo, pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. (DI PIETRO, 2011, p. 528).

Desta forma, fica caracterizado como servidor público todas as pessoas físicas que mantêm com o Poder Público relação de trabalho.

2.1  Servidor Estatutário

Servidores estatutários são os servidores sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos. Este regime é estabelecido em lei por cada uma das unidades da federação e modificável unilateralmente, desde que respeitado os direitos já adquiridos pelo servidor.

José dos Santos Carvalho Filho leciona a respeito:

Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 601).

Sua forma de ingresso é por meio de concurso público, sendo estes regidos por estatuto, possuindo sua estabilidade após o estágio probatório.

Por essas normas serem de ordem pública, cogentes, não derrogáveis pelas partes, não há possibilidade de qualquer modificação das normas vigentes por meio de contrato, ainda que com concordância do servidor e da Administração.

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2.2  Empregado Público – Celetista

Empregado público ou servidor celetista são pessoas físicas contratadas pelas regras disciplinadas pela Consolidação das Leis do Trabalho que ocupam emprego público destinados a preencher os empregos nas empresas públicas e sociedade de economia mista.

Segundo a Constituição da República em seu artigo 37, II, menciona que a investidura em emprego público depende de aprovação prévia em concurso público.

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro:

São contratados sob regime da legislação trabalhista, que é aplicável com as alterações decorrentes da Constituição Federal; não podem Estados e Municípios derrogar outras normas da legislação trabalhista, já que não têm competência para legislar sobre Direito do Trabalho, reservada privativamente às União (art. 22, I, da Constituição). (DI PIETRO, apud LEAL, 2011, p. 529).

Segundo José do Santos Carvalho Filho:

Servidores públicos trabalhistas (ou celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua relação de trabalho são                           as          constantes       da Consolidação das Leis do Trabalho. Seu regime básico, portanto, é o mesmo que se aplica à relação de emprego no campo privado, com as exceções, é lógico, pertinentes à  posição especial de uma das partes – o Poder Público. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 602).

Esta modalidade é prevista na Lei nº 9.962/2000 o qual abrange o regime adotado aos empregados públicos que trabalham nas sociedades de economia mista e empresa pública submetendo-se a todas as normas constitucionais quanto á investidura, acumulação de cargos, vencimentos, dentre outras estabelecidas da Constituição da República.


4  ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A Constituição da República de 1988 , anteriormente à Emenda Constitucional nº 45, o artigo 114 limitava a competência da Justiça do Trabalho às questões laborais reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho, limitando-se, portanto, aos conflitos oriundos da relação de emprego.

Redação do art. 114, CR/88 anterior a Emenda Constitucional nº 45:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. (SCHIAVI, 2014, p. 204).

Redação do art. 114, I, CR/88 após a Emenda Constitucional nº 45:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (BRASIL, 2012, p. 53).

Com a Emenda Constitucional nº 45/04, a qual alterou “relação de emprego” para “relação de trabalho” além de fixar novas competências materiais à Justiça do Trabalho, nos deparamos com uma nova expressão “relação de trabalho”, o qual tornou mais abrangente que antes, ultrapassando os limites da “relação de emprego”.

Para ficar mais claro para o leitor a diferença entre relação de trabalho e rel de emprego, Mauricio Godinho Delgado explica em seu livro:

Relação de trabalho refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.

A relação de emprego, do ponto de vista técnico-jurídico, é apenas uma das modalidades específicas da relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.(DELGADO, 2014, p. 287-288).

Para configurar relação de emprego, são necessárias as seguintes características: trabalho por pessoa física; pessoalidade; não eventualidade; onerosidade e subordinação.

Com uma alteração no eixo centra da competência da Justiça do Trabalho, o que antes era exceção agora passou a ser regra, ou seja, apreciar as controvérsias que envolvem a relação de trabalho.

Sendo assim, sob o amparo da antiga redação, não se previa a competência da Justiça do Trabalho com relação aos servidores estatutários. Com a Emenda Constitucional nº 45/04 deixou incontestavelmente a competência da justiça do trabalho para dirimir tais demandas. Contudo, o Ministro Nélson Jobim, suspendeu por força da ADI n. 3.395, toda e qualquer interpretação dada ao artigo da Constituição da República de 1988, que abrange a competência da Justiça do Trabalho nas ações propostas por servidor estatutário.

Em seguida, o Supremo Tribunal Federal através do Relator Ministro Carlos Peluzzo manteve a posição.

Assim, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para apreciar praticamente todas as controvérsias que envolvem e circundam o trabalho humano, o que é salutar, pois favorece a efetividade e aplicabilidade da legislação social e facilita o acesso daqueles que vivem do próprio trabalho ao Judiciário Trabalhista.

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Sobre os autores
Ana Luiza Alves

Ana Luiza Alves. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e Pós graduada em Processo pela mesma instituição. 25 anos, Advogada e Analista de Contratos.

Vinicius Alves de Brito

Bacharel em Direito pela PUC Minas. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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