O Poder Público tem o dever da promoção do bem comum e um dever maior que o das empresas privadas que tem o dever à responsabilidade social. As empresas públicas devem atender ao comando do art. 37 (caput) não promovendo despedias arbitrárias, imotivadas, ou seja, sem justificação.
Até mesmo as entidades privadas têm que atender ao primado do bem comum, da prevalência do social, contra prática de atos abusivos e em respeito aos princípios preponderantes no direito protetivo trabalho: "in dubio pro operario; norma mais favorável; da condição mais benéfica; irrenunciabilidade de direitos; continuidade; igualdade de tratamento; razoabilidade; primazia da realidade e da boa-fé".
Adotando esses princípios decisão recente e inovadora a ser destacada é a proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) - sendo relator o festejado juiz Jorge Souto Maior - que examinando a situação jurídica discutida nos autos, com apoio na própria ordem jurídica estabelecida em nosso ordenamento jurídico, mas numa interpretação criativa do direito, assegurou a entrega da tutela jurisdicional ao assegurar a reintegração de um trabalhador que depois de muitos anos de trabalho prestado a um estabelecimento bancário conhecido, declarando a nulidade do ato resilitório, por dispensa imotivada que desatendeu o clamor social pela paz social, mormente no que pertine ao compromisso das empresas em sua responsabilização social pela empregabilidade.
EMENTA: DISPENSA IMOTIVADA. DIREITO POTESTATIVO UTILIZADO DE FORMA ABUSIVA E FORA DOS PARÂMETROS DA BOA FÉ. NULIDADE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 7o. I, DA CF/88, DOS ARTS. 421, 422 e 472 DO NOVO CÓDIGO CIVIL, DA CONVENÇÃO 158 DA OIT E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO E DO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Todos os trâmites para validade da Convenção n. 158, da OIT, no ordenamento nacional foram cumpridos. Os termos da Convenção são, inegavelmente, constitucionais, pois a Constituição brasileira, no artigo 7º, I, veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa, e o que faz a Convenção 158 é exatamente isto. O parágrafo 2º, do art. 5º, da CF/88, estabelece que os tratados internacionais – gênero do qual constituem espécies as Convenções da OIT – são regras complementares às garantias individuais e coletivas estabelecidas na Constituição. Assim, a Convenção 158, estando de acordo com o preceito constitucional estatuído no artigo 7º, inciso I, complementa-o. Além disso, a Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 4o, que nas relações internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos (inciso II) e não se pode negar ao direito do trabalho o status de regulação jurídica pertencente aos direitos humanos. Assim, um instrumento internacional, ratificado pelo Brasil, que traz questão pertinente ao direito do trabalho, há de ser aplicado como norma constitucional, ou até mesmo, supranacional. Mesmo que os preceitos da Convenção 158 precisassem de regulamentação (o que não se acredita seja o caso) já se encontrariam na legislação nacional os parâmetros dessa "regulamentação". A Convenção 158, da OIT, vem, de forma plenamente compatível com nosso ordenamento jurídico, impedir que um empregador dispense seu empregado por represálias ou simplesmente para contratar outro com salário menor. No caso de real necessidade, a dispensa está assegurada. Para a dispensa coletiva necessária a fundamentação em "necessidade de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço", "por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos". Quanto ao modo de apuração ou análise dos motivos alegados não há, igualmente, problemas de eficácia, valendo como parâmetro legal a regra e as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais já dadas ao artigo 165 da CLT. A dispensa imotivada de trabalhadores, em um mundo marcado por altas taxas de desemprego, que favorece, portanto, o império da "lei da oferta e da procura", e que impõe, certamente, a aceitação dos trabalhadores a condições de trabalho subumanas, agride a consciência ética que se deve ter para com a dignidade do trabalhador e, por isso, deve ser, eficazmente, inibida pelo ordenamento jurídico. Não é possível acomodar-se com uma situação reconhecidamente injusta, argumentando que "infelizmente" o direito não a reprime. Ora, uma sociedade somente pode se constituir com base em uma normatividade jurídica se esta fornecer instrumentos eficazes para que as injustiças não se legitimem. Do contrário, não haveria do que se orgulhar ao dizer que vivemos em um "Estado democrático de direito".
http://www.trt15.gov.br/voto/patr/2004/015/01584604.doc
Infelizmente, com relação à interpretação do comando do disposto no art. 37 da CF que não permite ao administrador público ofender os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o TST não acompanhou o avanço já alcançado pelos Tribunais Regionais, considerando nula a despedida imotivada, preferindo uma interpretação flexibilizadora do direito, que atende mais ao interesse do capital à consecução de seus objetivos conhecidos: maior produtividade, maximização dos lucros ao menor custo operacional possível ao emprestar interpretação isolada ao disposto no § 1º do art. 173 da CF, assim ementado:
"Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º - A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores" (Cf, art. 173).
Não obstante, a CF não pode ser examinada isoladamente, destacando-se, por exemplo, apenas um de seus dispositivos (art. 173, § 1º) do todo, pois que consabido que a Constituição ao dispor a ordenação normativa suprema da nação estabelece um liame - vínculo dessa ordenação normativa - outorgando-lhe unidade e conteúdo sistemático, no sentido de que para aplicação de determinado postulado do mesmo texto constitucional há que se observar, sendo certo que o princípio de unidade da ordem jurídica aplica-se à própria Constituição, uma vez que esta
"não é um conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas"
(Luís Roberto Barroso, "Interpretação e Aplicação da Constituição", pág. 182 e segs, 1ª Edição Saraiva, São Paulo, 1996).
Ney José de Freitas, juiz do TRT-PR, Professor renomado e reputado conhecedor do direito administrativo e constitucional em seu livro: "Dispensa de Empregado Público & o Princípio da Motivação" ao examinar o disposto no art. 173, § 1º em conjunto com os demais postulados constitucionais, manifesta-se no sentido de que há equivoco no entendimento de que seja inaplicável a adoção da aplicação dos princípios orientadores da administração pública disciplinados pelo comando do art. 37 (caput) da CF para a dispensa dos empregados da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica, posto que a todas se aplica o condicionamento à necessária motivação do ato resilitório:
"A personalidade de direito privado é, assim, mero recurso técnico, incapaz de provocar distúrbios na intimidade dessas pessoas jurídicas, pois são, em essência, sujeitos auxiliares do Estado. Não se cogita de que o expediente tenha o condão de embargar a positividade de certos princípios e normas de direito público, sob pena de converter-se o acidental – a personalidade de direito privado – em essencial, e o essencial – caráter de sujeitos auxiliares do Estado – em acidental. No que se refere às empresas públicas e sociedade de economia mista objeto de interferência do Estado (serviços governamentais), a situação é peculiar. De fato, essas pessoas jurídicas submetem-se, basicamente, ao mesmo regime aplicável às empresas privadas. Contudo, tal afirmação deve receber uma dose de temperamento. A aplicação do mesmo regime das empresas privadas não significa identidade absoluta. A esse respeito aprecie-se a notável lição do Ministro Celso de Mello, quando afirma que esse preceito (CF/88), art. 173) veicula norma de equiparação, que visa deslegitimar qualquer deliberação do Poder Público que, ao conferir privilégio a entidades paraestatais que explorem atividade econômica, importe em tratamento discriminatório incompatível com os postulados constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência entre diversos agentes econômicos. Não há dúvida, portanto, que a norma constitucional pretendeu evitar qualquer tratamento discriminatório entre empresas do Estado de interferência na atividade econômica e empresas privadas, sob pena de afronta ao princípio da igualdade. Atento a esse fato, o sempre citado Celso Antônio afirma que a regra constante do § 1º do art. 173 da CF/88, contém exagero que exige adequação interpretativa. Em verdade, nesse caso, configura-se um típico regime híbrido: incidência do direito privado, em mescla com regras e princípios de Direito Público. A conclusão do autor é certeira no sentido de que o propósito do texto mencionado foi impedir que o Poder Público, atuando em reduto próprio dos particulares, pudesse auferir privilégios, gerando concorrência desleal, o que, sem dúvida, não agrada ao que dispõe o ordenamento constitucional em vigor"
(autor citado, "Dispensa de Empregado Público & o Princípio da Motivação, Editora LTR, pág. 101/102).
Com base nos princípios preponderantes recepcionados pelo direito protetivo trabalho e nas normas que compõem o nosso ordenamento jurídico e nos ensinamentos do Juiz Ney de Freitas a respeito do alcance do regrado pelo art. 173 § 1º da Lex Legum, o TRT-PR chegou a editar a Súmula 03, adotando a exigência do cumprimento dos princípios então exigidos pelo art. 37 (caput), pacificando o entendimento da necessidade da motivação da despedida sob pena de invalidade do ato resilitório, o que provocou diversas decisões reconhecendo o direito de os concursados das empresas vinculadas à administração pública, mesmo indiretamente, incluindo-se as concessionárias do serviço público, não serem demitidos sem motivação a teor do art. 37, Caput do art. 37 da CF. Dentre tantas outras decisões análogas, trascrevemos a seguinte:
"COPEL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – DISPENSA DE SEUS EMPREGADOS CONDICIONADA À NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO – A dispensa de servidor público admitido por concurso público, ainda que regido pela CLT, deve, necessariamente, ser motivada (princípio da legalidade – art. 37, II, da CF), sob pena de invalidade. Do contrário, seria o mesmo que admitir a possibilidade de o administrador admitir num dia e dispensar no outro, fraudando, assim, a ordem de classificação dos candidatos" (STF-MS, 21485-DF, Relator Ministro Néri da Silveira). Inteligência da Súmula nº 03 do TRT da 9ª Região (IUJ julgado em 16.04.01).
Esse entendimento encontra guarida em nosso ordenamento jurídico, desde que se faça uma leitura do texto constitucional numa interpretação unitária de todo o sistema protetivo ao trabalho humano, sendo de se ponderar que a carta política vigente já em seu artigo primeiro traz como fundamentos da República Federativa do Brasil a observância I - a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV - aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
O direito constitucional, assim, não protege o interesse especulativo do lucro, mas sim assegura prevalência sim do social (CF, art. 5º, inciso XXIII e inciso III do art. 170), sendo que o Estado do Bem Estar Social encontra-se assegurado como se extrai do exame do art. 193:
"A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".
Adequando-se ao comando constitucional, por último, até mesmo o Novo Código Civil Brasileiro, antes privativista, agora já se volta para o atendimento do interesse maior da sociedade, na prevalência do social, como se depreende da análise do art. 1.228 dispondo que o proprietário do capital tenha a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, desde que sua utilização fique condicionada às suas finalidades econômicas e sociais:
"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores".
Portanto a luta pelo avanço em prol do interesse maior da sociedade, a prevalência do social há que continuar colimando com a visão lúcida do Ministro Fausto que em seu discurso de posse como Presidente do Tribunal Superior do Trabalho defendeu que a mais Alta Corte de Justiça Trabalhista do País retorne aos trilhos, um retorno ao passando, colocando o Tribunal superior do Trabalho no seu caminho original, no sentido de servir o cidadão na garantia da entrega jurisdicional estatal assegurando-lhe os direitos sociais e humanos e não o atendimento dos interesses econômicos do capital:
"O Direito do Trabalho não foi feito para a economia. Ele existe para proteger direitos sociais." (http://conjur.uol.com.br/textos/18736/impressao/).
Não obstante, o TST, assim não entende, flexibilizando o direito, no sentido de se admitir a dispensa de servidor público admitido por concurso público, por ser regido pela CLT, possa ser demitido, sem motivação, não se aplicando o princípio da legalidade do art. art. 37, II, da CF), o que em nosso entendimento é um retrocesso.
Leia a decisão do TST:
"Dispensa em sociedade de economia mista segue regras da CLT (Notícias TST). A demissão dos empregados das sociedades de economia mista segue as regras estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela legislação complementar. A tese - decorrente de interpretação da Constituição Federal - foi adotada pela Quinta turma do Tribunal Superior do Trabalho ao afastar (não conhecer) recurso de revista e, com isso, reconhecer a validade da dispensa, sem motivação, de uma ex-funcionária da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais, Casemg. Após ter sido admitida por meio de concurso público, a trabalhadora foi demitida sem justa causa - a exemplo do que acontece com os demais empregados regidos pela CLT. No TST, buscava a reintegração aos quadros da Casemg com base no art. 37, inciso II, da Constituição Federal. Essa mesma possibilidade já havia sido negada pela Justiça do Trabalho mineira. O relator da questão no TST, o juiz convocado João Carlos de Souza, esclareceu que a Subseção de Dissídios Individuais - 1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho possui duas Orientações Jurisprudenciais (Ojs) cuidando do tema. A OJ nº 229 considera inaplicável a estabilidade ao empregado de sociedade de economia mista e a OJ nº 247 admite a possibilidade de demissão imotivada do servidor público celetista concursado. "Ademais, o art. 173, § 1º, da Constituição Federal é claro ao afirmar que a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias", acrescentou o relator ao esclarecer o enquadramento jurídico conferido pelo texto constitucional a órgãos como a Companhia de Armazéns e Silos mineira. Na mesma decisão, a Quinta Turma também afastou o pedido de equiparação salarial formulado pela trabalhadora dispensada em relação à outra funcionária que ocupava cargo de mesma denominação. A identidade no título dos cargos não é, contudo, suficiente por si só para assegurar a equiparação. Ao se reportar à decisão regional, o juiz convocado verificou que a trabalhadora demitida elaborava quadros de avaliação mensais sobre o andamento da empresa e o quadro demonstrativo das receitas e despesas com custeio por meio do balancete mensal. A outra empregada elaborava novas rotinas de trabalho, instruções normativas, prestava assessoramento técnico e substituía a chefia em suas ausências. Após a constatação de que as trabalhadoras exerciam funções e tarefas diferentes, apesar de ocuparem cargos com mesma denominação, João Carlos de Souza confirmou a inexistência de direito à equiparação. Baseou-se na Orientação Jurisprudencial nº 328 da SDI-1, onde é dito que a equiparação salarial só é possível quando os trabalhadores exercem a mesma função, "não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação". (RR 707521/00.8). Fonte: www.tst.gov.br