3. RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A responsabilidade civil de que trata o Código de Defesa do Consumidor é a objetiva, de acordo com seu artigo 6º, que traz, entre os direitos básicos, o da obrigação de indenizar o consumidor pelos danos sofridos e o do dever de segurança, já explanados no capítulo anterior.
"[...] a responsabilidade estabelecida no CDC é objetiva, fundada no dever de segurança do fornecedor em relação aos produtos e serviços lançados no mercado de consumo, razão pela qual não seria também demasiado afirmar que, a partir dele, a responsabilidade objetiva, que era exceção em nosso direito, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria responsabilidade subjetiva" (CAVALIERI FILHO, 2003, p. 39).
Quando o fornecedor coloca no mercado de consumo um produto ou serviço, está sujeito à responsabilização objetiva, independentemente de culpa, por todos os danos que puderem vir a sofrer os consumidores, seja por fato – acidente de consumo – ou por vício, artigos 12/14 e 18/20 do CDC, respectivamente.
Marcelo Kokke Gomes (2001, p. 40) bem doutrina:
A teoria objetiva prescinde de culpa. O dever de reparação baseia-se no dano causado e em sua relação com a atividade desenvolvida pelo agente. As atividades são lícitas, a necessidade de sua existência faz com que sejam aceitos pela sociedade os danos que provocam, entretanto, as vítimas não devem ser deixadas ao léu. A prova de culpa do agente, na realidade, inviabilizaria a reparação do dano, aumentando mesmo os seus suplícios, [...] A teoria objetiva confere certeza à reparação do dano, atendendo ao próprio resultado danoso da ação e não da culpabilidade desta.
Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes (2001, p. 115) explanam ter a responsabilidade dos fornecedores, baseada na ausência de culpa, introduzido uma nova fase na economia brasileira, já que os fornecedores terão que abranger, em suas previsões, esse novo elemento gerador de custos.
Na responsabilidade objetiva, o consumidor deve provar o dano e o nexo causal para ter seu direito assegurado.
A alteração da sistemática da responsabilização, retirando-se o requisito da prova de culpa, não implica dizer que a vítima nada tenha que provar. Ao contrário, cabe-lhe provar o dano e o nexo de causalidade entre este e o produto ou serviço. Lembre-se contudo que em relação a estes elementos o juiz pode inverter o ônus da prova quando ‘for verossímil a alegação’ ou quando o consumidor for ‘hipossuficiente’, sempre de acordo com ‘as regras ordinárias de experiência’ (art. 6º, VIII). Recorde-se, por último, que o consumidor não precisa provar o defeito (art. 12, §3º, II) (BENJAMIN in BENJAMIN et. al, 1991, p. 59).
Considerando que o presente trabalho trata da responsabilidade das agências de turismo, e o fato de essas prestarem ao consumidor um serviço, será delineada a responsabilidade oriunda de fato e vícios se atendo aos ocasionados pelos serviços expostos no mercado de consumo.
3.1. Responsabilidade pelo fato do serviço – acidente de consumo
A responsabilidade ocasionada por defeitos nos serviços é trazida pelo artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido. [...] (BRASIL, 2003, p. 16).
Ocorre defeito do serviço quando este possui um vício que o torne inadequado, e este vício gere outros danos ao patrimônio jurídico e moral do consumidor, como é o caso de um consumidor que não tem seu cartão aceito em algum estabelecimento por ter a fatura vencido, quando na verdade ela já foi paga, ou um alagamento na residência ocasionado por uma pia entupida consertada por encanador dias antes. O defeito vai além do serviço e atinge o patrimônio jurídico e/ou moral do consumidor (RIZZATTO NUNES, 2000, p. 180-183).
Podemos dizer que em casos de turismo, os defeitos previstos no art. 14 podem ocorrer desde acidentes no transporte, como, por exemplo, a queda de um avião, a batida de um transporte de turismo, intoxicação alimentar no restaurante do hotel e outros (FEUZ, 2003, p. 103).
O defeito do serviço pode ser de prestação – quando se manifesta no ato da prestação do serviço, um desvio do padrão de qualidade –, de concepção – surgido na formulação do serviço, na escolha de seus métodos e na fixação de seu conteúdo –, e de comercialização – no caso de informações insuficientes ou inadequadas (BENJAMIN in BENJAMIN et. al, 1991, p. 79).
Zelmo Denari (2001, p. 174), a respeito do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor afirma que "[...] além dos defeitos intrínsecos, o dispositivo responsabiliza os prestadores de serviço pelos defeitos extrínsecos quando os respectivos contratos de prestação de serviços ou os meios publicitários não prestam informações claras e precisas a respeito da fruição".
Quando se fala de responsabilidade objetiva do fornecedor em relação aos serviços,
Responsabilizam-se independentemente da apuração de culpa todos os fornecedores de serviços, quer imediatos como mediatos, solidariamente, pelos danos ocasionados aos consumidores em função de defeito na prestação do serviço ou por incompletude nas informações acerca da segurança na execução ou fruição (ARRUDA ALVIM, 1995, p. 137).
Quando o defeito é causado por informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e os riscos dos serviços, temos como um ótimo exemplo o de uma pessoa que vai até uma agência de viagens e fecha um pacote com roteiro completo de viagens, incluindo passagens, categoria determinada de hotéis, visitas a museus e shows, excursões com transporte incluso etc. e, ao chegar ao destino, depara-se com categoria inferior de hotel, paga pelas visitas aos museus e shows, não consegue fazer as excursões por falta de reserva, paga mais cara a passagem de volta por falta de marcação com 72h de antecedência, da qual não fora avisado etc. Os prejuízos sofridos são imensos e evidentes, inclusive com pagamentos efetuados em dobro (RIZZATTO NUNES, 2000, p. 184-185).
Desse modo, o serviço será defeituoso quando não proporcionar a segurança que o consumidor legitimamente espera, em relação ao modo de seu fornecimento, ao resultado, aos riscos e à época em que foram fornecidos (ATHENIENSE, 2002, p. 56).
3.2.Responsabilidade por vício do serviço
O artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2003, p. 19) estabelece a responsabilidade do fornecedor pelos vícios dos serviços:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.
Em relação aos vícios de qualidade dos serviços por inadequação, o Código se restringiu a traçar linhas gerais a serem adaptadas ao caso concreto, sempre de acordo com os princípios da vulnerabilidade e da garantia de adequação (BENJAMIN in BENJAMIN et. al, 1991, p. 105), já tratados no 1º capítulo do presente trabalho.
A responsabilidade por vício de qualidade se impõe àquele que presta o serviço, não importando a sua culpa, de seus prepostos, de seus auxiliares ou representantes. O fornecedor responderá igualmente, em quaisquer dos casos, exemplo disso é o caso dos contratos de viagem turística executado por auxiliares (MARQUES, 1995, p. 417).
Rizzatto Nunes (2000, p. 271) explana a respeito da solidariedade:
Ainda que a norma [art. 20 do CDC] esteja tratando de fornecedor direto, isso não ilide a responsabilidade dos demais que indiretamente tenham participado da relação. Não só porque há normas expressas nesse sentido (art. 34 e §§ 1º e 2º do art. 25) mas também em especial pela necessária e legal solidariedade existente entre todos os partícipes do ciclo de produção que geraram o dano (cf. o parágrafo único do art. 7º), e, ainda mais, pelo fato de que, dependendo do tipo de serviço prestado, o fornecedor se utiliza necessariamente de serviços e produtos de terceiros.
Sérgio Cavalieri Filho (2003, p.496), num mesmo sentido, "[...] há responsabilidade solidária entre todos os fornecedores, [...] podendo o consumidor, à sua escolha, exercitar sua pretensão contra todos ou contra aquele que mais lhe for conveniente".
De acordo com o artigo em comento, há vício, no serviço prestado, quando houver diversidade em relação à oferta ou mensagem publicitária e sua execução, aludindo o dispositivo, inclusive, aos vícios de quantidade mesmo sem referência expressa (DENARI in GRINOVER et. al, 2001, p. 192).
De acordo com Roberto Senise Lisboa (2001, p. 213-214), os vícios de informações dos serviços podem ser pela diversidade entre a informação e o resultado, entre a publicidade e o serviço oferecido; ou pela omissão sobre a quantidade, a qualidade, os prazos de validade, o preço, a composição, a garantia, as origens e os riscos.
A respeito dos vícios de informação, Cláudia Lima Marques (1995, p. 419) salienta que
[...] esta novidade do CDC será especialmente utilizada em se tratando de contratos de viagem turística ou contratos denominados de ‘organização de viagens turísticas’, nos quais a oferta é feita pela agência de turismo e a prestação de serviços é executada por outras pessoas, consideradas juridicamente como seus ‘auxiliares’ no país ou na cidade para onde o consumidor se deslocou.
Quando ocorrer vício no serviço, o consumidor tem as alternativas do artigo 20, incisos I, II e III, à sua escolha e, além delas, poderão, ser devidas as perdas e danos, se devidamente provados, assim como o nexo de causalidade entre estes e o vício (ARRUDA ALVIM, 1995, p. 158).
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (In BENJAMIN et. al, 1991, p. 107) bem salienta em relação às opções do consumidor e em relação às perdas e aos danos que
[...] qualquer que seja a opção escolhida, sempre tem direito a perdas e danos, desde que comprovados. Mesmo no abatimento proporcional do preço, já que tal pode se dar levando em consideração unicamente a depreciação do próprio bem de consumo (produto ou serviço). Não inibe esse raciocínio o fato de que só o inciso III prevê, expressamente, o pagamento de perdas e danos. É que o princípio, embora repetido no inciso III, tem assento também na parte geral do código (art. 6º, VI), informando, por conseguinte, toda a parte especial e servindo, em particular, para preencher as omissões do legislador.
Nas perdas e danos poderá estar incluído o dano moral, que será tratado a seguir.
3.3.Dano moral no vício do serviço
O dano moral é inegável, quando se trata de fato do serviço, já que, de modo geral, sempre será abalada a esfera psíquica do consumidor quando houver acidente de consumo.
Já, em relação ao dano moral, no vício dos serviços, há uma certa divergência doutrinaria e jurisprudencial, haja vista que nem sempre que o consumidor constata um vício na prestação de determinado serviço haverá dano extrapatrimonial, isso dependerá do caso concreto.
Simone Hegele Bolson (2002, p. 141) bem afirma que o vício do serviço – seja por inadequação ou por quantidade – pode ocasionar danos morais, autorizado pelo artigo 6º, inciso VI, do CDC:
O dano moral poderá advir dos vícios dos produtos ou serviços quando esses atingirem os direitos de personalidade do homem consumidor, conquanto a ocorrência de dano patrimonial seja a mais comum, justamente porque, a priori, os vícios dos produtos e serviços atingiram o bolso do consumidor (esfera econômica) [...]
Tem-se a caracterização do dano moral quando a pessoa vê seu íntimo abalado, quando lhe é causado algum tipo de aborrecimento, humilhação, vergonha etc. No caso específico dos contratos de turismo, há o dano moral quando o serviço não é prestado adequadamente, pois, mesmo não ocorrendo um acidente de consumo, ao agredir a expectativa legítima do consumidor, ele verá frustrado seu maior objetivo, ao realizar a viagem turística, que é o de lazer e diversão. Desse modo, deve o consumidor ser efetivamente reparado por danos morais sempre que houver vício ou defeito (FEUZ, 2003, p. 110-111).
Nesse sentido, vejamos as seguintes decisões do STJ, de 13 de agosto de 2001:
Recurso Especial n.º 304.738 – SP
RESPONSABILIDADE CIVIL. AGÊNCIA DE TURISMO. PACOTE TURÍSTICO. SERVIÇO PRESTADO COM DEFICIÊNCIA. DANO MORAL. CABIMENTO. PROVA. QUANTUM. RAZOABILIDADE. RECURSO PROVIDO.
I - A prova do dano moral se satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum. Não há negar, no caso, o desconforto, o aborrecimento, o incômodo e os transtornos causados pela demora imprevista, pelo excessivo atraso na conclusão da viagem, pela substituição injustificada do transporte aéreo pelo terrestre e pela omissão da empresa de turismo nas providências, sequer diligenciando em avisar os parentes que haviam ido ao aeroporto para receber os ora recorrentes, segundo reconhecido nas instâncias ordinárias.
II – A indenização por danos morais, como se tem salientado, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros.
III - Certo é que o ocorrido não representou desconforto ou pertubação de maior monta. E que não se deve deferir a indenização por dano moral por qualquer contrariedade. Todavia, não menos certo igualmente é que não se pode deixar de atribuir à empresa-ré o mau serviço prestado, o descaso e a negligência com que se houve, em desrespeito ao direito dos que com ela contrataram
(BRASIL, 2004a, não paginado, grifo nosso).
Recurso Especial n.º 305.566 – DF
RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO EM VÔO INTERNACIONAL. AGÊNCIA DE TURISMO. FRETAMENTO. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA AFRETADORA. DANO MORAL. CABIMENTO. QUANTUM. RAZOABILIDADE EM FACE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS DO CASO CONCRETO. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO.
I – Nos termos da orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção, a empresa afretadora responde pelo dano oriundo da deficiente prestação do serviço de transporte, incidindo o Código de Defesa do Consumidor.
II – Ausente prova de caso fortuito, força maior ou que foram tomadas as medidas necessárias para que não ocorresse o dano decorrente do atraso do vôo, cabível é o pedido de indenização por danos morais.
III – A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
(BRASIL, 2004b, não paginado, grifo nosso).
Tal entendimento foi trazido, também, por unanimidade, pela jurisprudência do STJ em RESP nº 328182/RS de 2002, relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, que versava sobre vício de qualidade, falta de informação, má execução dos serviços de traslado e hotel contratado através de agência de turismo:
Recurso Especial nº 328182/RS.
DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. VÍCIO DE QUALIDADE.ART. 20, CDC. VIAGEM TURÍSTICA. DANO MATERIAL E DANO MORAL. DISTINÇÃO. OPÇÃO DO CONSUMIDOR. ADEQUAÇÃO À REPARAÇÃO DO DANO. RECURSO DESACOLHIDO.
I - Na prestação de serviços de viagem turística, o desconforto, o abalo, o aborrecimento e a desproporção entre o lazer esperado e o obtido não se incluem entre os danos materiais, mas pertencem à esfera moral de cada um dos viajantes, devendo a esse título ser ressarcidos.
II - Os danos materiais, que sabidamente se distinguem dos morais, devem recompor estritamente o dispêndio do consumidor efetuado em razão da prestação de serviços deficiente, sem o caráter de punir o fornecedor.
III - O direito de opção mencionado no art. 20, I a III do Código de Defesa do Consumidor, relaciona-se com a suficiência da reparação do dano, não devendo afrontar nem a proporcionalidade entre a conduta do fornecedor e o dano causado, nem o princípio que veda o enriquecimento indevido
(BRASIL, 2004c, não paginado).
A ação foi proposta com intuito de ver ressarcidas despesas pela má execução dos serviços, já que o translado e o hotel não condiziam com o que fora contratado através da agência, o que acarretou gastos extraordinários.
3.4.Excludentes de responsabilidade
As excludentes de responsabilidade são as do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (2003, p. 16):
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Tais excludentes deverão ser utilizadas tanto quando se tratar de vício – artigo 20 CDC – ou defeito – artigo 14 CDC – dos serviços, apesar da localização.
De acordo com tal entendimento estão Roberto Senise Lisboa (2001, p. 265), que dá ao tópico de seu livro referente ao assunto o título "Excludentes de responsabilidade objetiva pelo fato e pelo vício"; Marcelo Kokke Gomes (2001, p. 197), que diz que deve ser conjugada a excludente de acordo com as peculiaridades específicas e com a responsabilidade – por vício ou por fato – à qual se relaciona; e Rizzatto Nunes (2000, p. 287), quando afirma que as excludentes aproveitam para o artigo 20, por analogia, aplicar "[...] uma vez que este não prevê as saídas para a proteção do direito do fornecedor. Mas, claro, elas são óbvias e decorrem da regra geral da responsabilidade objetiva estabelecida no CDC".
Em relação à adoção de novas técnicas, a prestação de serviços deve ocorrer de acordo com a devida segurança que validamente se espera. Se, na época em que foi fornecido, não estiver de acordo com os padrões de segurança, será considerado defeituoso. Diferentemente ocorre em relação à qualidade, que pode ser melhor ou pior sem tornar o produto defeituoso, desde que não influa negativamente no padrão de segurança legitimamente esperado (ARRUDA ALVIM, 1995, p. 138).
Rizzatto Nunes (2000, p. 192) considera que o § 2º do artigo 14 está deslocado, pois:
É regra que deveria estar no art. 20, uma vez que a hipótese aventada da ‘adoção de novas técnica’ em detrimento de serviço mais antigo pode apenas gerar vício. Ou, em outras palavras, a regra salvaguarda somente o vício eventual dos serviços executados com técnicas menos modernas. Defeito, conforme já comentamos, se ocorrer, independerá de ser a tecnologia mais ou menos moderna.
A norma somente poderia, como pode, excetuar problema por avanço tecnológico em caso de vício, não de defeito. Repita-se, com ou sem outro serviço executados com nova e melhor técnica, havendo acidente de consumo – e, assim, defeito –, haverá responsabilidade em indenizar.
Para que ocorra a excludente de responsabilidade disposta no artigo 14, § 3º, inciso I, do Código Protetivo, deve o fornecedor comprovar que seu serviço era dotado de toda segurança que legitimamente se espera e que não havia defeitos juridicamente relevantes. Só assim conseguirá romper o nexo de causalidade entre o serviço e o dano produzido (GOMES, 2001, p. 212).
Se o produto ou serviço não é defeituoso, e o ônus dessa prova é do fornecedor, não haverá também relação de causalidade entre o dano e a atividade do fornecedor. O dano terá ocorrido de outra causa não imputável ao fabricante do produto ou ao prestador do serviço. Há igualmente, aqui, uma presunção que milita contra o fornecedor, ao qual caberá ilidi-la (CAVALIERI FILHO, 2003, p. 484).
Para que haja exclusão de responsabilidade por culpa de terceiro ou do consumidor, deve ela ser exclusiva. Se tiver a mínima participação do fornecedor, a responsabilidade será inteiramente sua, mesmo que o consumidor participe culposamente na produção do dano (GOMES, 2001, p. 208-209).
Rizzatto Nunes (2000, p. 196-197) expõe, em relação à culpa exclusiva de terceiro, que
Se a pessoa que causou o dano pertencer ao ciclo de produção do serviço – porque serviço também tem seu ciclo de produção –, executado pelo prestador responsável, tal como seu empregado, seu preposto ou seu representante autônomo, ele continua respondendo. Essa hipótese, a par de passível de ser estabelecida por interpretação do sistema de responsabilidade estatuída, tem, conforme já observamos, correspondência na regra do art. 34 (‘O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos’), bem como naquelas outras também já apontadas do parágrafo único do art. 7º e nos §§ 1º e 2º do art. 25.
Alguns autores como Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Alvim, James Marins, Cláudio Bonatto, Paulo Valério Dal Pae Moraes e Arystóbulo de Oliveira Freitas incluem, ainda, dentre as excludentes de responsabilidade, o caso fortuito e a força maior, uma vez que entendem não ser taxativo o rol de excludentes, dada a possibilidade de aplicação subsidiária do Código Civil (LISBOA, 2001, p. 269).
Zelmo Denari (In GRINOVER et. al, 2001, p. 171) considera o caso fortuito e a força maior como excludentes apenas quando se instalam após o ingresso formal no mercado de consumo:
[...] quando o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto [serviço] no mercado de consumo, ocorre uma ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso. Nem tem cabimento qualquer alusão ao defeito do produto [serviço], uma vez que aqueles acontecimentos, na maior parte das vezes imprevisíveis, criam obstáculos de tal monta que a boa vontade do fornecedor não pode suprir. Na verdade, diante do impacto do acontecimento, a vítima sequer pode alegar que o produto [serviço] se ressentia de defeito, vale dizer, fica afastada a responsabilidade do fornecedor pela inocorrência dos respectivos pressupostos.
Para a caracterização da força maior e do caso fortuito, deve haver a inevitabilidade e a imprevisibilidade como requisitos fundamentais de existência, a fim de não violar o princípio da responsabilidade civil objetiva (BONATO, DAL PAI MORAES, 2001, p. 122).
3.5. O papel das agências de turismo
A agência de turismo, como fornecedora do serviço "pacote turístico", deve ser considerada responsável pelos danos ocasionados pela má prestação de quaisquer um dos serviços contratados, já que é a intermediária da relação de consumo e o consumidor, ao contratar seus serviços, está aderindo a outros intermediados por ela.
Segundo Cláudia Lima Marques (1995, p. 126-127),
[...] a relação contratual do consumidor é com a agência de viagem, podendo exigir desta a qualidade e a adequação da prestação de todos os serviços que adquiriu no pacote turístico contratado, como se os outros fornecedores seus prepostos fossem. [...] tratando-se de um contrato de organização de viagens, responsabilizam a agência de viagens pela conduta de qualquer prestador de serviços envolvido na viagem turística, prestador este que é considerado um ‘auxiliar’ da agência(...) foi o reconhecimento pela jurisprudência de uma nova responsabilidade (própria e solidária) para as agências de viagens, as quais comercializam os chamados "pacotes turísticos" e passam por responsáveis pela atuação de toda uma cadeia de fornecedores por eles escolhidos e previamente contratados.
Um pacote turístico abrange uma cadeia de fornecedores, na qual um número indeterminado de agentes está vinculado a uma parte específica da prestação, compreende não só a viagem em si, mas hospedagem, alimentação, traslados, seguro, excursões e visitas etc. O consumidor adere a esse pacote que já está previamente constituído, decorrendo daí a total responsabilidade das agências de turismo (CABRAL, 2002, não paginado).
Dando suporte a tal entendimento, vale citar os seguintes artigos do Código Protetivo (BRASIL, 2003, p. 13-23, grifo nosso):
Art. 7° [...] Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.
Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
A responsabilidade das agências de turismo envolve a garantia de qualidade dos hotéis, do transporte e da alimentação oferecidos, e o consumidor que se sentir lesado em seus direitos e expectativas poderá ingressar em juízo contra a agência que vendeu o pacote turístico e, ainda, contra toda a cadeia de fornecedores envolvida, em demanda fundada em responsabilidade solidária e objetiva, de modo a reequilibrar os direitos do consumidor diante do fornecedor, no mercado de consumo (CARVALHO, 1999, não paginado).
Wander Marotta (2001, p. 221) bem explana a respeito:
[...] segundo a norma, tanto quem vende – intermedeia – quanto quem organiza – opera – a excursão é responsável pelo que vende; agentes outros do contrato são ou ‘prepostos’, stricto sensu, ou ‘representantes autônomos’, o que, no caso, é desimportante, visto que ignorar o fornecedor os defeitos do serviço ou produto de seu representante, ou ‘agente vinculado’, não lhe exclui a responsabilidade.
A solidariedade legal imposta pelo Código de Defesa do Consumidor a torna indivisível, devendo o consumidor ver seus danos – materiais ou morais – ressarcidos sem repartição de responsabilidade, não importando o ajuste celebrado, por tratar-se de um contrato de adesão, devendo a agência ser responsabilizada pela atuação dos outros fornecedores que representa (ATHENIENSE, 2001, p. 241).
Notadamente, pela posição dos doutrinadores exposta acima, cumpre à agência que vende o pacote turístico o risco pela eleição e pela qualidade do estabelecimento prestador dos serviços hoteleiros, de transporte, de alimentação, que sejam ofertados ao consumidor, até porque o risco da atividade econômica é do fornecedor, e não do consumidor.
E, ainda, segundo a Deliberação Normativa nº 161/85 (BRASIL, 2002, não paginado) da Embratur, em seu Anexo I, itens 1.2, 1.3 e 2.2:
1.2 A agência de turismo é diretamente responsável pelos atos de seus prepostos, inclusive os praticados por terceiros por eles contratados ou autorizados, ainda que na condição de autônomos, assim entendidas as pessoas físicas por ela credenciadas, tácita ou expressamente, limitada essa responsabilidade enquanto os autônomos ou prepostos estejam nos estritos limites de exercício do trabalho que lhes competir, por força da venda, contratação e execução do programa turístico operado pela agência. [...]
1.3 A agência de turismo é responsável: a) pelo transporte, hospedagem, refeições, translados, passeios locais e demais serviços turísticos, quando incluídos no programa da viagem ou excursão; b) pelo transporte e garantia das bagagens dos participantes [...]
2.2 Cumprir o programa de viagem ou excursão, na forma em que foi acordado, bem como nas condições previstas em qualquer oferta ou divulgação do programa de viagem ou excursão, especialmente as referentes: a) aos serviços oferecidos;
Os contratos de turismo fazem jus a peculiar zelo, seja pelo acepção social e econômica já alcançada, seja pelas características especiais que os revestem. É inerente a tais contratos a expectativa de realização plena de lazer, cultura, diversão e prazer, além da obrigação de resultado em virtude da transferência das preocupações da responsabilidade da organização da viagem e todos os eventos que a compõem, obrigando, assim, o fornecedor ao resultado útil e o consumidor somente ao pagamento de um valor (SPODE, 2000, p. 142).
Apesar de a doutrina majoritária e a jurisprudência se posicionarem no sentido de responsabilização dos agentes e operadores de turismo,
[...] conflitos nesse campo são inúmeros, não sendo infrequente a tentativa do operador de turismo de se exonerar de qualquer responsabilidade, derivada da má prestação ou inexecução dos serviços por ele próprio recomendados – como se o problema fosse sempre de terceiros: a empresa aérea que não embarcou o passageiro em virtude da prática de overbook (confirmação de reservas de assentos em número superior à lotação do avião) ou que permitiu o extravio das malas; o hotel que não honrou as reservas; os espetáculos que não puderam ser assistidos por ausência de confirmação nas reservas (TEPEDINO, 1998, p. 94).
Paulo R. Roque Khouri (2002, p. 180-181) tem uma posição diferente em relação à responsabilização das agências de turismo. Para ele, a responsabilização deve se dar somente àquele que introduziu o serviço no mercado, e não à prestadora do serviço de representação/intermediação. A agência deve responder apenas pelo fato de seu serviço e não pelo de outrem.
Tal posicionamento, a nosso sentir, não merece prosperar, pois fere os princípios basilares do Código Protetivo e dificulta o ressarcimento do consumidor lesado que se utilizou da agência de turismo a fim de garantir uma viagem tranqüila.
Por todo o exposto, deve-se concluir que tem a agência de turismo responsabilidade ante os consumidores que dela se utilizarem para contratar serviços, não tendo fundamento legal as inúmeras tentativas de exoneração de responsabilidade pelo fornecedor.
3.5.1. Tendência atual do STJ
Conforme demonstrado, a doutrina é clara com relação à responsabilização das agências de turismo, confirmando tal responsabilidade o Supremo Tribunal de Justiça assim tem decidido:
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 512.271/RJ.
Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Pacote turístico. Ingressos para evento esportivo. Código de Defesa do Consumidor. Prazo decadencial. Denunciação à lide. Precedentes da Corte.
1. O acórdão recorrido está em perfeita harmonia com o entendimento desta Corte no sentido de que "a ação de indenização pela falta de entrega dos ingressos para a final da Copa do Mundo, incluídos no pacote turístico comprado pelos autores, está subordinada ao prazo de cinco anos previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, e não ao do art. 26 do mesmo Código´´ (REsp nº 435.830-RJ, 3ª Turma, da minha relatoria, DJ de 10-03-03)" (fl. 533).
2. Inexistindo "qualquer avença devidamente instrumentalizada entre os denunciantes e denunciadas", não se admite a denunciação à lide.
3. As alegações da agravante no sentido de que a responsabilidade pela não-entrega dos ingressos seria de terceira empresa deverão ser feitas em sede própria, já que assegurado o direito de regresso. A argumentação de que existiria prova do contrato enseja reexame de matéria probatória, inviável em sede de recurso especial.
4. Agravo regimental desprovido
(BRASIL, 2004d, não paginado, grifo nosso).
O recurso em questão, interposto pela agência, foi rejeitado por unanimidade. Tratava-se de ação pelo não-fornecimento de ingressos para os jogos da segunda etapa da Copa do Mundo de 1998, conforme avençado entre o consumidor e a agência de turismo. O acórdão já ementado possuía a seguinte disposição: "Havendo pluralidade de prestações de serviços, são todos eles solidariamente responsáveis pelo cumprimento da avenca. Danos morais caracterizados, a exigirem a devida reparação [...]" (BRASIL, 2004d, não paginado).
Em Recurso Especial nº 435.830 – RJ, publicado no Diário Oficial da União, em 10/03/2003, não provido por unanimidade, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito salienta, em seu voto, com relação a falta de entrega de ingressos para o final da copa de 98:
Para o acórdão recorrido o contrato estabeleceu, efetivamente a entrega dos ingressos para a final, com ou sem o Brasil, não havendo falar em fato de terceiro porque a empresa assim considerada pela ré era a detentora da distribuição em nome da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, havendo, no caso, a responsabilidade solidária da ré, nos termos do art. 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor
(BRASIL, 2004e, não paginado).
A Ministra Nancy Andrighi também estava de acordo com a responsabilização das agências de Turismo e negou provimento ao Recurso Especial nº 278.893 – DF – interposto por operadora de turismo que queria ver-se livre de responsabilidade perante o fornecedor.
Tratava-se de ação concernente a não-disponibilização de ingressos referentes ao jogo inaugural da copa de 98, entre o Brasil e a Escócia. E, conforme decisão já perpetrada pelo acórdão recorrido, "Responde a operadora de turismo pelo dano moral causado ao cliente que adquiriu pacote turístico visando assistir a abertura da Copa do mundo, na França, e se viu impedido de assistir ao jogo porque a ré não disponibilizou os ingressos" (BRASIL, 2004f, não paginado).
No Recurso Especial nº 291.384 – RJ, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar decidiu:
RESPONSABILIDADE CIVIL. Agência de viagens. Código de Defesa do Consumidor. Incêndio em embarcação.
A operadora de viagens que organiza pacote turístico responde pelo dano decorrente do incêndio que consumiu a embarcação por ela contratada.
Passageiros que foram obrigados a se lançar ao mar, sem proteção de coletes salva-vidas, inexistentes no barco. Precedente (REsp 287.849/SP). Dano moral fixado em valor equivalente a 400 salários mínimos. Recurso não conhecido
(BRASIL, 2004g, não paginado).
O acórdão se referia a ação de danos morais e materiais para o ressarcimento de prejuízos ocasionados por naufrágio de embarcação, programada na viagem de turismo, em que os passageiros tiveram que se jogar ao mar sem qualquer proteção, como coletes salva-vidas, sendo resgatados por embarcação que passava pelo local. A agência tentou se esquivar da responsabilidade, alegando que a embarcação não pertencia a sua empresa, mas não obteve sucesso, já que, por unanimidade, os ministros decidiram pela responsabilidade solidária da agência de turismo.
Na decisão acima, o ministro traz como precedente o Recurso Especial nº 287.849 – SP, em que também é o relator, vejamos:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens.
- Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC.
- A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor. Art. 12, § 2º, III, do CDC.
- A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo.
Recursos conhecidos e providos em parte
(BRASIL, 2004h, não paginado, grifo nosso).
Nesse caso, o consumidor ficou tetraplégico quando bateu sua cabeça no piso da piscina do hotel, contratado pela agência de viagens, que se encontrava vazia, sem nenhum aviso, cobertura ou obstáculo.
No relatório do acórdão, o ministro dispõe:
Nem se argumente, como quis a empresa de turismo (fl.170 – 1º volume) que deveria ser excluída da relação processual, ou seja, que o autor seria carecedor em relação a ela. Foi ela que, tendo como objeto social a exploração do turismo (fl. 177 – 1º volume), escolheu mal o hotel, notadamente em se considerando que se tratava de excursão de jovens.
O Ministro Aldir passarinho Júnior votou de acordo com o relator:
Quanto a responsabilidade da agência, em função da explicitação de que se tratava de um pacote turístico, entendo que ela existe, porque há a responsabilidade pela culpa in iligendo. Se o pacote da agência compreende a prestação de serviços por terceiros, seja no transporte, seja no hotel, restaurantes, e outros que possam acontecer, a agencia tem, efetivamente, sua co-participação nessa prestação de serviço, ainda que o defeito dessa prestação, na hipótese dos autos, advenha da rede hoteleira, em função do acidente ocorrido na piscina.
Assim, por todo o exposto doutrinaria e jurisprudencialmente, tem-se a agência de turismo como responsável pelos acidentes e vícios dos serviços que intermedeia com a venda dos chamados pacotes turísticos.
3.6.O direito de regresso
O direito de regresso está disposto no artigo 13, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "Art. 13. [...] Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso" (BRASIL, 2003, p. 16).
Sérgio Cavalieri Filho (2003, p. 494-495) demonstra ser o direito de regresso uma conseqüência natural da solidariedade existente entre os fornecedores e salienta:
O fato de ter o legislador, talvez por desatenção, inserido o dispositivo que trata do direito de regresso como parágrafo único do artigo que cuida da responsabilidade subsidiária do comerciante (art. 13) não deve levar ao entendimento de que a sua aplicação fica limitada aos casos de solidariedade entre o comerciante e o fabricante, produtor ou importador. Neste ponto há consenso entre todos os consumeristas do Código no sentido de ter sido infeliz a localização do dispositivo. Na realidade ele é aplicável a todo o caso de solidariedade, possibilitando ao devedor que satisfaz a obrigação voltar-se contra os coobrigados.
A norma do artigo 13 serve para todas as hipóteses em que um dos fornecedores co-responsáveis pagar ao consumidor a verba indenizatória, independentemente de se tratar de indenização referente a defeito ou vício (RIZZATTO NUNES, 2000, p. 177).
Como nem sempre quem paga causou o dano sozinho, ou nem sequer causou o dano, o código trouxe o direito de regresso, para que o fornecedor possa receber de volta aquilo que antecipou ao consumidor. Numa apropriada sub-rogação do crédito, vindo o antigo devedor a se tornar credor (BENJAMIN in BENJAMIN et. al, 1991, p. 75).
Sobre o tema, Roberto Senise Lisboa (2001, p. 240) explana:
A responsabilidade perante o consumidor é [...] solidária, por expressa disposição legal (art. 7.º, par. ún., da Lei 8.078/90), viabilizando-se em prol do fornecedor que proceder ao pagamento da indenização o direito de regresso em face dos demais fornecedores que participaram para o fato. [...] Sendo pertinente a ação de regresso, receberá o demandante a indenização do outro fornecedor, de acordo com o grau de sua participação para a ocorrência do dano em desfavor do consumidor.
O fornecedor que efetuar o ressarcimento ao consumidor tem direito a requerê-lo posteriormente dos verdadeiros responsáveis, integral ou parcialmente, de acordo com sua efetiva participação no evento danoso (GOMES, 2001, p. 81).
Cláudia Lima Marques (1995, p. 445, grifos da autora), com relação à responsabilidade dos fornecedores entre si, elucida:
A natureza da responsabilidade é então novamente subjetiva, nos moldes tradicionais, com toda dificuldade de prova que isso significa. Parece-nos que na inclusão da possibilidade de exercer o direito de regresso contra o verdadeiro causador do dano, em norma de ordem pública do CDC, afasta as estipulações contratuais entre fornecedores de renúncia à este direito. A ratio da norma do CDC, em uma das poucas passagens que invade o regime das relações comerciais entre os fornecedores, é assegurar que seu ideal de socialização de custos sociais da produção funcione[...].
Ainda sobre o tema, o Código veda a denunciação à lide: "Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide" (BRASIL, 2003, p. 44).
O disposto no artigo 88 do CDC visa a economia processual, ao consentir ser a ação de regresso intentada nos mesmos autos, e ainda vedar o prolongamento do processo com ação paralela, ao proibir a denunciação da lide. Está também vedado o chamamento ao processo, mesmo sem expressa previsão, pois a norma pretende impedir a aglutinação de ações indiretas no mesmo feito (RIZZATTO NUNES, 2000, p. 178).
3.7. Projeto de Lei nº 5.120-C/01 em trâmite no Congresso Nacional
O Projeto de Lei nº 5.120-C/01, de autoria do deputado Alex Canziani, em trâmite no Congresso Nacional, visa impedir a responsabilização das agências de turismo, desrespeitando o Código de Defesa do Consumidor. Vejamos alguns artigos que ferem o Código Protetivo:
Art. 11. As relações contratuais entre as Agências de Turismo e os consumidores obedecem, naquilo que não conflite com esta Lei, ao disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e na legislação civil vigente e serão objeto de contratos escritos, contratos de adesão, de condições gerais ou de condições específicas para determinadas viagens.
Art. 13. A Agência de Viagens vendedora de serviços turísticos de terceiros, incluindo os comercializados pelas operadoras turísticas, é mera intermediária desses serviços e não responde pela sua prestação e execução.
Art. 14. Ressalvados os casos de comprovada força maior, razão técnica ou expressa responsabilidade legal de outras entidades, a Agência de Viagens e Turismo promotora e organizadora de serviços turísticos será a responsável pela prestação efetiva dos mencionados serviços, por sua liquidação junto aos prestadores dos serviços e pelo reembolso devido aos consumidores por serviços não prestados na forma e extensão contratadas, assegurado o correspondente direito de regresso contra seus contratados.
Art. 15. As Agências de Viagens e Turismo não respondem diretamente por atos e fatos decorrentes da participação de prestadores de serviços específicos cujas atividades estejam sujeitas a legislação especial ou tratados internacionais de que o Brasil seja signatário, ou dependam de autorização, permissão ou concessão.
Tal projeto viola a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XXXII, que determina que o Estado promoverá a defesa do consumidor, pois isentará de responsabilidades a agência de turismo, pelo não-cumprimento ou pela má execução dos serviços intermediados por ela.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), com apoio da Associação Férias Vivas, está fazendo campanha contra o projeto e alertar os consumidores da supressão de suas garantias (IDEC, 2004, não paginado).
Luciana Rodrigues Atheniense (2002, p. 144-145) salienta que
O turista/consumidor lesado não pode ficar à mercê dos interesses de determinados grupos poderosos que, através de projetos e regulamentações internas, buscam esquivar-se de suas responsabilidades perante produtos/serviços que oferecem e prometem aos seus clientes. É inadmissível, portanto, deparar-se com ‘normas e projetos’ que podem frustrar a expectativa do turista/consumidor em ser ressarcido pelos seus direitos legítimos, ocasionados pela má execução dos serviços/produtos oferecidos e, sobretudo, prometidos pelas Agências de Viagem.
Esse projeto é uma tentativa de subtração da responsabilidade que o poder judiciário vem reconhecendo em prol do consumidor lesado. Essas decisões são uma conquista que devem ser preservadas. No caso de aprovação do projeto, a agência vai se ver livre da preocupação de eleger um serviço de transporte, de hotel etc., que possua qualidade e excelência, e, com isso, o consumidor vai ter suas garantias suprimidas (FÉRIAS VIVAS, 2004, não paginado).