O ano de 2017 mostrou-se um período de muitas mudanças relevantes no ordenamento jurídico brasileiro. Dentre as várias alterações e novidades na legislação, iremos destacar aqui a Lei Complementar no 155/16 que apesar de sancionada em 2016, entrou em vigor no início de 2017. Essa lei que, segundo sua própria ementa, veio para alterar a Lei Complementar no 123/06 para reorganizar e simplificar a metodologia de apuração do imposto devido por optantes pelo Simples Nacional, acabou também por regulamentar um personagem de grande relevância no mundo atual dos negócios que é o investidor-anjo, conforme trataremos na breve exposição a seguir.
No mundo das startups é muito comum a existência de empreendedores com grande potencial, mas que acabam esbarrando no problema da falta de recursos econômicos para desenvolver e dar início ao seu negócio. A realidade desse tipo de negócio mostra que quase sempre somente uma boa ideia não é suficiente para o estabelecimento, consolidação e crescimento do negócio no mercado ao qual este pretende se inserir.
Diante disso, torna-se também importante angariar investimentos para impulsionar a ideia do empreendedor. Porém, reunir os recursos necessários ao desenvolvimento de uma atividade empresarial nem sempre é tarefa das mais fáceis.
Tal circunstância dá destaque à figura do investidor-anjo que é quem muitas das vezes, através de seus investimentos/recursos econômicos irá permitir que tais empreendedores possam dar início ou continuidade à operacionalização de suas ideias. A figura do investidor-anjo já há algum tempo, está consolidada no mundo das startups.
Com o objetivo de simplificar o ambiente de investimentos foi editada a Lei Complementar no 155/16, como já dito, em vigor desde o início de 2017, que também visa regulamentar a figura do investidor-anjo; figura essa que já era tratada, informalmente, na praxe do mercado, como a pessoa física ou jurídica que aporta recursos em negócios embrionários.
Com a nova lei ficaram estabelecidas as regras de funcionamento do investimento-anjo para as microempresas ou empresas de pequeno porte. Tendo como uma das principais finalidades o incentivos às atividades de inovação e os investimentos produtivos, a nova lei pode facilitar o caminho de quem está buscando capital para desenvolver a sua startup.
Nos termos do art. 61-A da Lei Complementar no 123/06, acrescentado pela Lei Complementar no 155/16, entende-se por investidor-anjo a pessoa física ou jurídica que visando fomentar a inovação e investimentos produtivos, aporta recursos numa sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, mas, não recebe em troca qualquer participação societária. Dessa forma, o investidor-anjo não se torna sócio da empresa não tendo, portanto, qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa.
Essa é talvez a principal novidade da lei, que gera benefícios para o empreendedor e o investidor, estabelecendo a distinção entre investimento-anjo e participação societária.
Essa distinção representa uma importante garantia para os investidores uma vez que os mesmos não se tornam responsáveis pelas obrigações da empresa. O investidor-anjo não pode, por exemplo, ser acionado para pagar uma dívida trabalhista ou fiscal da startup na qual investiu.
Em seu inciso II, do artigo 61-A, a nova lei dispõe que não se aplica ao investidor-anjo o art. 50, do Código Civil, que trata das hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica (instituto que em certos casos, desconsidera a separação existente entre o patrimônio de uma empresa e o patrimônio de seus sócios para os efeitos de determinadas obrigações, com a finalidade de evitar sua utilização de forma indevida, ou quando este for obstáculo ao ressarcimento de dano causado de maneira fraudulenta a terceiros). Com isso, o legislador explicita sua intenção de proteger o investidor-anjo e, assim, estimular a ocorrência dos investimentos desse personagem hoje tão comum no ambiente das startups.
Além dessa proteção ao investidor-anjo, a nova lei também protege o empreendedor, ao assegurar que o controle societário da startup permanecerá em suas mãos. O investidor-anjo não tem o poder de se envolver na condução dos negócios sociais da empresa e muito menos na sua administração. Dessa maneira, além de criar um ambiente mais seguro para o investimento em startups, protege-a de interferências externas.
Outro ponto positivo para o empreendedor é que o capital aportado não integra o capital social da empresa investida, tampouco é considerado receita da sociedade para fins de enquadramento no Simples Nacional. Assim, não implica em exclusão do Simples Nacional se o aporte for vultuoso, bem como não gera a incidência de qualquer tributo.
Para usufruir dos benefícios da Lei Complementar no 155/16, é importante que empreendedor e investidor-anjo cumpram as exigências nela previstas.
O primeiro requisito legal é a celebração de um “contrato de participação”, entre o empreendedor e o investidor-anjo, com a finalidade de fomento à inovação e aos investimentos produtivos. Está disposto na lei que o contrato de participação não seja superior a 7 anos. Trata-se de uma regra em benefício do investidor-anjo, fixando um prazo máximo para ele realizar os ganhos ou as perdas do seu investimento.
Em relação à remuneração do investidor-anjo, a Lei Complementar no 155/16 define os seguintes parâmetros: (i) o prazo máximo para a remuneração pelos aportes feitos é de 5 anos; e (ii) a remuneração não poderá ser superior a 50% dos lucros obtidos.
De acordo com a lei, “o investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital”. O objetivo da medida é garantir um mínimo de estabilidade ao empreendedor, impedindo que o dinheiro investido migre a qualquer momento para outro negócio.
Para o caso de os sócios decidirem vender a empresa, a lei estabelece que o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição em igualdade de condições com terceiros. É uma medida de proteção dos interesses de quem primeiro acreditou na startup, dando-lhe a oportunidade de comprar a empresa antes de ela ser vendida a terceiros.
O investidor-anjo também terá “direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares”. Aqui, a legislação inclui entre os direitos do investidor-anjo a conhecida cláusula tag along (bastante utilizada nas sociedades anônimas). Dessa forma, em caso da venda das ações de um acionista a terceiros, o investidor-anjo também poderá vender sua participação na startup pelas mesmas condições que os sócios estão vendendo. Protege-se, assim, o investidor-anjo da obrigação de continuar investindo numa empresa que será gerida por novos sócios, com os quais pode não estar de acordo.
Certo é que a nova lei trouxe importantes benefícios, mas é preciso estar atento na hora de definir os termos do contrato de participação, respeitando o que a lei exige e garantindo que as cláusulas expressem adequadamente a vontade do empreendedor e a do investidor-anjo.
A Lei Complementar no 155/16 é positiva e pode contribuir para o desenvolvimento de um ambiente de negócios mais seguro para empreendedores e investidores, pois além de facilitar o acesso dos pequenos players (dos negócios embrionários) como as startups, a fontes de recursos além das instituições financeiras, possibilita o aporte de recursos e tende a facilitar o aumento de investimentos em negócios ainda não consolidados, por mitigar os riscos da operação.