Recusam-se veementemente as universidades públicas a receber em seus quadros alunos que, originários de instituições privadas, tenham a sua matrícula assegurada em razão de circunstâncias relacionadas ao serviço público, civil ou militar, decorrente de remoção determinada nos moldes da legislação em vigor. Sustentam a ausência de vagas para essa forma de ingresso e proclamam-se afetadas em sua autonomia quando isso lhes é imposto pela autoridade administrativa ou pelo Judiciário. A abordagem desse tema não dispensa, todavia, que se leve em conta, de primeiro, que a educação constitui um direito de todos, incumbindo ao Estado, com o auxílio da família e da sociedade, prestá-lo de forma completa e adequada em qualquer nível, de modo a proporcionar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205), especialmente considerando que constituem fundamentos da República a cidadania, a dignidade da pessoa humana, assim como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º).
Certo é que, criando fórmula peculiar para a resolução do que se tem como um problema - porquanto não se visualiza o ingresso por transferência nos moldes apontados como um direito do indivíduo - ignora-se, venia concessa, o conjunto normativo ofertando injusta e injurídica negativa de acesso a todos aqueles que tenham origem em instituições que, embora autorizadas pelo poder estatal e por ele fiscalizadas e avaliadas, supostamente não detém nível e natureza idênticos àqueles das entidades públicas. Não se pode, no entanto, concordar com tais deliberações porque não traduzem, permissa venia, a orientação que melhor se adequa e dimana do ordenamento jurídico em vigor e, por isso, merecem ser revistas para o efeito de garantir a todos aqueles que, nas circunstâncias em lei estatuídas, venham a preencher os requisitos impostos, a obterem matrícula em instituições públicas ou privadas, seja qual for a entidade de origem.
Observe-se que a respeito preceitua a Lei nº 9.536/97 que a transferência ex officio, a que se refere o parágrafo único do art. 49 da lei nº 9.394/96, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino (art. 1º). Gira o debate atual em torno do fato de se ter entendimentos externados no sentido de que a transferência obrigatória só é possível de instituições públicas para públicas e de privadas para privadas, sob o fundamento de que a lei ao se referir a sistemas de ensino quis referir-se a entidades vinculadas aos sistemas de ensino federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal.
Tal entendimento, todavia, não se sustenta, porque os dois sistemas fundamentais de ensino a que se refere a norma em comento são justamente o público e o privado, consoante sustentação feita pela melhor doutrina [1]. O sistema público é que se subdivide em federal, estadual ou municipal. Dessa forma, a Lei 9.536/97 ao referir-se a instituições vinculadas a "qualquer sistema de ensino" quis dizer exatamente sistema de ensino público (federal, estadual ou municipal) ou particular. Restringir o significado da expressão importa em desvirtuar com evidente má-fé o conteúdo da norma e desconsiderar o que expressamente afirma o texto legal, criando, por mera interpretação, uma restrição que em lei não se acha contemplada e que serve apenas para negar a garantia constitucional inscrita no art. 206 da vigente Carta Política.
Se houvesse a intenção em limitar as transferências obrigatórias a instituições de idêntica natureza, teria não só a Constituição, como também a lei federal claramente explicitado tal condição. Se assim não se fez é porque não se desejava acolher essa inadmissível e inaceitável limitação. Não enseja o dispositivo outra interpretação que não aquela que, garantindo o direito de acesso do indivíduo à educação, assegura a transferência ex officio efetivada entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino - público ou privado.
Por outro lado, em nenhum momento a transferência nos moldes em que ora é debatida, para a universidade pública, fere o princípio da isonomia. Muito pelo contrário, na realidade ela está amparada e plenamente compatibilizada por esse princípio, especialmente quando se observa que a situação vivida pelo servidor em tais circunstâncias (e em consequência por seus familiares) é diferenciada em relação aos demais, vendo-se, por necessidade do serviço compelido a alterar constantemente o seu domicílio. Desta mesma forma, para compensar as diferenças existentes, a lei estabelece um tratamento desigual ao servidor público, essa desigualdade não é nem inconstitucional, nem imoral, uma vez que busca apenas compensar aquele servidor pelos inconvenientes decorrentes das movimentações impostas pelas necessidades do serviço público, movimentações que são ditadas pelos os interesses da própria sociedade.
Não há nessa norma, como se percebe, qualquer espécie ou a mínima intenção de restringir o direito de acesso ao ensino superior, seja ele público ou privado. Restringir, por mera interpretação, importa em criar condição e ilegítima e inconstitucional, violando o direito líquido e certo do indivíduo que se enquadre em tal situação. Mostram-se plenamente compatíveis com a sustentação que ora é feita arestos diversos prolatados pelos Tribunais, dentre os quais o Colendo Superior Tribunal de Justiça. [2][3][4]
Forçoso reconhecer, pelas orientações contidas em tais decisões, que adaptam-se elas completamente as normas inscritas nos arts. 206 a 214 da Constituição Federal, que ao se referir à educação permitem defini-la como atividade que é cometida precipuamente ao Estado, como função essencial, e que tem por objeto proporcionar a cada pessoa pleno desenvolvimento, preparando-a para o exercício da cidadania e qualificando-a para o trabalho. É a educação, como se pode ver, um direito social difuso. Pode e deve ser exigido por cada pessoa e pela sociedade. É direito de todos e dever do Estado e da família.
Notas
1 Celso Ribeiro Bastos - Curso de Direito Constitucional, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 479.
2 STJ – 1ª Seção – ERESP 109721/PR – Rel. Min. Ari Pargendler – pub. DJ de 10.2.1999, pág. 110.
3 STJ – 1ª Turma – RESP 143340/CE – Rel. Min. Garcia Vieira – pub. DJ de 03.4.2000, pág. 113.
4 TRF 1ª R. – REO-MS 1997.01.00.035295-2 – DF – 1ª T. – Rel. Conv. Juiz Velasco Nascimento – DJU 24.09.1998 – p. 86.