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A manutenção da subcidadania como um bloqueio a efetivação do princípio da igualdade: privilégio da delação premiada no Brasil

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07/11/2019 às 15:05
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2. APLICABILIDADE PRÁTICA DA DELAÇÃO PREMIADA E MANUTENÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS

A delação premiada se tornou amplamente conhecida por sua copiosa utilização no âmbito da Operação Lava Jato. Convenha-se que veio a calhar a promulgação da nova lei em 2013 que trata das organizações criminosas e particularmente definiu critérios muito mais extensos e facilitadores para o instituto, até então aplicado com reservas e moderação.

A Operação Lava Jato, talvez por seu ineditismo, peculiaridades e abrangência, sem dúvida tem causado muita discussão em diversos sentidos, seja jurídico, político, social, econômico e não cabe aqui sequer delinear as principais controvérsias que ainda se perdem em critérios de legitimidade, legalidade, finalidade, entre outros.

No entanto, importante observar como esse instituto tem sido útil para afirmar as desigualdades sociais entre as classes econômicas existentes no Brasil. Para tanto, a fim de limitar o assunto mas apresentar um exemplo substancial, que contextualize basicamente os demais casos que vem ocorrendo nessa ação investigatória e possivelmente ocorrerá em outras oportunidades similares, assenta-se a delação premiada feita pelos sócios da empresa JBS, importando aqui apenas as consequências, ou melhor, os privilégios que se teve com tal mecanismo.

A empresa JBS que estava sendo investigada pelo pagamento de milhões em propina para diversos políticos e gestores públicos do Brasil em troca de financiamentos de fundos de pensão de estatais e bancos, firmou acordo de delação premiada com o Ministério Público, confessando tais práticas, além de apresentar diversos elementos comprobatórios das informações confirmadas.

Como benefício de tal colaboração, foi concedido o perdão judicial aos donos da referida empresa, que não vão sequer responder criminalmente pelo esquema de propinas, uma vez que não haverá denúncia pelo Ministério Público, como parte do acordo já homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, terão o prazo de dez anos para pagar uma multa de 225 milhões, que é considerada pequena quando comparada com o que teriam ganhado com a especulação no mercado financeiro.

Sem querer entrar no mérito se os benefícios foram excessivos ou não, comparados aos outros acordos fechados com os principais delatores da Operação Lava Jato, como o de Marcello Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht, que foi apenado com dez anos, sendo a prisão inicial em regime fechado por apenas dois anos e meio e o acordo de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, que foi apenado com três anos no regime aberto e um ano em regime domiciliar ou por tornozeleira eletrônica, quer-se aqui comparar tais benefícios aos demais casos criminais que ocorrem diariamente no Brasil.

As penas efetivas, em regra, são menores do que de um furto de relógio, na rua, promovido em coautoria por agente reincidentes, conforme prevê o Código Penal, artigo 155, inciso IV (LOPES JR e ROSA, 2016).

Percebe-se que tal instituto da delação premiada, conforme regulamentado pela Lei 12.850/2013, privilegia uns em detrimento de outros, pois não produz consequências penais efetivas e equiparáveis a outros indivíduos.

Veja-se, inicialmente, os fatores limitadores para a utilização desse instituto. O delator precisa ser de uma organização criminosa, cujas infrações penais sejam sancionadas com penas máximas superiores a quatro anos e ter obtido algum tipo vantagem, sendo que, em contrapartida e beneficamente, teve aumentado o rol de resultados e o número de benefícios, que, na verdade, são livremente negociados com o órgão acusador.

Dito isso, tem-se observado que o padrão brasileiro de negociação (vide operação lava jato) faz com que o acusado devolva uma pequena parcela dos valores frutos da conduta criminosa, entregue alguns envolvidos e fique em prisão domiciliar durante um tempo, excluindo parente e amigos das malhas de operação (LOPES JR e ROSA, 2016).

Enquanto isso, de acordo com o último levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN realizado em 2014, a população penitenciária brasileira chegou a 622.202 pessoas em dezembro do citado ano, sendo que pela natureza dos crimes, 28% dos detentos respondiam ou foram condenados por crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio.

Esse mesmo levantamento apontou o perfil socioeconômico dos detentos mostrando que 55% têm entre 18 e 29 anos, 61,6% são negros e 75,08% têm até o ensino fundamental completo.

O que se depreende dessas informações é que a prisão só é feita para aqueles que menos acesso tem a direitos básicos de sobrevivência, que muitas vezes se encontram no mundo do crime por falta de opção, o que talvez não justifique a despenalização ou a redução da pena, mas certamente também não justifica o tratamento desigual e a limitação de direitos.

A delação premiada, nos moldes da lei 12.850/2013 permite amplos benefícios a uma parcela muito limitada de infratores, que seguramente praticaram crimes muito piores que aqueles que preenchem o sistema carcerário e não tem qualquer instituto processual a seu favor.

Nota-se que a criminalidade econômica tem um tratamento diferencial, no qual a criminalização está voltada para a posição social do infrator e não para a gravidade do crime, pois os supostos autores não tem consequências penais ao menos aproximado as que são aplicadas aos indivíduos selecionados por preconceitos ou estereótipos de controle social.

Depreende-se ainda que não existe efeito preventivo do crime nessas circunstâncias e nem mesmo efeito ressocializador com penas. Na verdade, o crime compensa para aqueles que são beneficiados com a delação premiada, pois raramente terão que suportar as penas que aqueles, com condutas tão menos agressivas e condenáveis, sofrem diante das mazelas do sistema penitenciário, que na prática também não tem alcançados os efeitos almejados da pena, mas ao menos na teoria é o que se intenta e deveria ser aplicado a todos.

Com isso, fica a dúvida de qual a diferença existente entre crimes praticados por organizações criminosas e aquele mesmo crime praticado por apenas um indivíduo? Se a função da pena é prevenir o crime e ressocializar o criminoso e para tanto se estabelece a pena necessária a cada tipo de ilícito, porque alguns infratores têm penas mais brandas pela mesma conduta? A ineficiência do Estado em cumprir o seu papel investigatório justifica o privilégio dado aos infratores que colaborarem (duvidosamente) com a investigação ou com o processo criminal?

Compartilha-se ainda da preocupação exposta por Aury Lopes Junior e Alexandre Morais da Rosa (2015), em sustentar que as práticas aplicadas com a utilização da colaboração premiada está formando um outro direito penal e processo penal, restando saber a serviço de quem está esse outro e quais os limites de incidência.

Por tal desproporção de tratamento, é preciso compreender o que ampara todos esses privilégios concedidos. A razão remota questões intricadas e enraizadas nas sociedades modernas periféricas, que concebe a desigualdade com um fator natural e costumeiro, alimentando, ainda que involuntariamente, o que o constitucionalismo busca coibir.

2.1 A naturalização da desigualdade reforçada pelas políticas criminais: Apontamentos pertinentes feitos por Jessé Souza em “A construção social da subcidadania”.

Jessé Souza em sua obra “A construção social da subcidadania” aponta questões de grande importância e úteis para a explicação de fenômenos de desigualdades sociais, geradas e alimentadas inclusive por medidas como a aplicação da delação premiada para alguns acusados no processo penal como vem ocorrendo no Brasil.

Segundo esse renomado estudioso do assunto, as desigualdades sociais estão ligadas ao habitus que o indivíduo pertence, os quais são adaptados as demandas existentes em cada tipo de sociedade.

Com base na teoria de Bourdieu sobre o habitus, que representa a incorporação nos sujeitos de esquemas avaliativos e disposições de comportamento a partir de uma situação socioeconômica estrutural (2006, p. 165), Jessé Souza propõe uma nova subdivisão de categoria do habitus, denominando habitus primário, habitus precário, que seria o habitus primário para baixo e habitus secundário, que ele considera como o limite do habitus primário para cima.

O habitus primário é considerado os esquemas avaliativos e disposições de comportamento internalizados e incorporados, que permitem o compartilhamento de uma noção de dignidade efetiva, homogeneizada por todos as classes de uma sociedade, de modo tão significativo que fundamenta o reconhecimento social infra e ultra jurídico, permitindo a eficácia social da regra jurídica da igualdade e consequentemente da noção moderna de cidadania (SOUZA, 2006, p. 166).

Esse consenso internalizado na sociedade, possibilitando sua percepção na vida cotidiana, garante a eficácia legal da igualdade, ideal a ser perseguido.

No entanto, reconhecendo que não se pode generalizar as condições sociais, econômicas e políticas dos sujeitos e conceber apenas essa categoria básica, Jessé Souza propõe a existência de outras duas realidades que chama de habitus precário e habitus secundário.

O habitus precário seria aquele tipo de personalidade ou disposições de comportamento que não atendem as demandas objetivas para que um indivíduo ou grupo possa gozar de reconhecimento social com todas as suas dramáticas consequências existenciais e políticas (SOUZA, 2006, p.167).

Pode ser composto por setores mais tradicionais da classe trabalhadora de países desenvolvidos, como também pela “ralé” nos países periféricos como o Brasil, que se traduz em grupos condenados a uma vida marginal e humilhante a margem de uma sociedade incluída, cuja permanência e naturalização se mantem devido a disseminação efetiva de concepções morais e políticas que contribui para manutenção dessa marginalização, perfazendo um fenômeno de massa permanente nessas sociedades.

Por sua vez, o habitus secundário, segundo Jessé Souza (2006, p.167-168) representa uma fonte de reconhecimento e respeito social, desfrutado por uma determinada camada da população de uma sociedade. Se institui por critérios classificatórios de distinção social a partir do que Bourdieu chama de “gosto”, espécie de preferências que determinam uma personalidade como sendo distinta e superior, consensualmente pactuadas e compartilhadas, da qual a classe trabalhadora ou “ralé” que não participa desses critérios de distinção, são considerados quase que como uma não-pessoa (SOUZA, 2006, p.173).

Para perceber essas diferenças de habitus, Souza (2006, p. 174) apresenta o caso de um atropelamento, na qual sociedades avançadas onde existe o habitus primário, um cidadão de classe média que atropele seu compatriota das classes baixas, será com altíssima probabilidade, efetivamente punido de acordo com a lei.

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Contudo, aduz que “se um brasileiro de classe média atropela um brasileiro pobre da ‘ralé’, por sua vez, as chances de que a lei seja efetivamente aplicada nesse caso é, ao contrário, baixíssima” (Idem ibdem).

Isso porque em países periféricos como o Brasil, existe toda uma classe de pessoas excluídas e desclassificadas, que não participam do contexto valorativo que garante o respeito social objetivo compartilhado, a qual é condição necessária para estabelecer a ideia de igualdade compartilhada para constituição de um habitus primário.

Percebe-se, portanto, que o habitus se revela em atitudes irrefletidas e inconscientes que guiam as ações e os comportamentos efetivos no mundo, por meio de valores naturalizados e implícitos, sugerindo que algumas pessoas estão acima ou abaixo da lei.

Não existe uma intencionalidade, mas uma dimensão que não precisa ser linguisticamente mediada, perfazendo-se através de

[...] acordos e consensos sociais mudos e subliminares, mas, por isso mesmo tanto mais eficazes que articulam, como que por meio de fios invisíveis, solidariedades e preconceitos profundos e invisíveis. (SOUZA, 2006, p. 175)

Como o caso do atropelamento apresentado por Jessé Souza, podemos notar como a delação premiada, notadamente nos casos da Operação Lava Jato, tem sido usada para manter essa estrutura de habitus precário e habitus secundário, se distanciando da ideia do habitus primário, tão desejado para efetivação da cidadania.

O habitus primário é reforçado pela desigualdade de tratamento na aplicação das penas e inclusive pelo legislador, que aprova leis com mecanismos de aplicação limitada a uma parcela de infratores que já se encontram em situação mais benéfica socialmente, deixando aqueles que verdadeiramente precisariam de institutos despenalizadores desamparados e sofrendo com as mazelas do sistema e das políticas criminais.

Igualmente, o habitus secundário é reforçado pela falta de compartilhamento de uma noção de dignidade, no qual sobressai preferências e interesses particulares de um determinado grupo.

Nesse sentido, Nelson Camatta Moreira (2010, p. 133) explica que

A “esquematização” da sociedade brasileira, refletida nos rumos do Estado, estava preparada para favorecer uma determinada classe dominante e, no campo jurídico, as escolhas feitas em cada momento, entre interesses, valores e visões de mundo diferentes e antagonistas, tinham poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes, de tal modo que o ethos dos agentes jurídicos que está na origem e na lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para justificá-los como para inspirá-los estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dominantes.

Essa problemática estava e ainda está presente em pequenas porções nos dias atuais, como se percebe analisando o instituto jurídico da delação premiada.

Ao conceder benefícios despenalizantes a uma só classe de infratores, claramente baseado nos “gostos” em comum dos indivíduos envolvidos, se reforça a existência de classes na sociedade, fundamentando um desprezo e não reconhecimento social de outros indivíduos, impedindo a eficácia da regra jurídica maior da igualdade e contribuindo, dessa forma, para a manutenção da subcidadania.

Tal reconhecimento, como se verá, é a chave para efetivar o habitus primário em busca de anular os demais habitus existentes nas sociedades periféricas como o Brasil, sendo necessário sua perseguição para alcance dos fins almejados pelo Estado de Direito.

2.2 O reconhecimento como resposta para efetivação da igualdade por meio das matrizes de Axel Honneth

Como visto, condutas despenalizantes com as adotadas nos acordos de delação premiada, prefere uma determinada classe social e mantém aqueles que já fazem parte da ralé em constante desigualdade de direitos e consequentemente na ausência de reconhecimento dessas pessoas, que enfrentam um desprezo completo.

Nesse sentido, a obra “Luta por reconhecimento” de Axel Honneth, busca demonstrar a importância do reconhecimento intersubjetivo como forma de autorrealização dos indivíduos e construção da igualdade. 

Esse filósofo obtém referencial teórico na teoria do reconhecimento de Hegel, que por ter sido desenvolvida de forma abstrata e metafísica é complementada pelas ideias da psicologia social de Herbert Mead que envolve um processo de reconhecimento recíproco, no qual conduz a uma concepção intersubjetivista da autoconsciência humana (MOREIRA, 2010, p.54).

Assim, o sujeito só possui condições de adquirir uma autoconsciência a partir da representação simbólica da perspectiva do outro.

Esse reconhecimento recíproco intersubjetivo pode ser atribuído em três etapas: primeiramente nas relações amorosas, em seguida nas relações jurídicas e por fim nas relações de estima social (HONNETH, 2011, p.159).

O amor representa a primeira etapa do reconhecimento recíproco, devendo ser entendido como “todas as relações primárias, na medida em que elas consistam em ligações emotivas fortes entre poucas pessoas, segundo o padrão de relações eróticas entre dois parceiros, de amizades e de relações entre pais/filho” (HONNETH, 2011, p.159).

Nessa etapa, conforme explica Moreira (2010, p. 57), os sujeitos se confirmam mutuamente na natureza concreta de suas carências, reconhecendo-se que estão unidos pelo fato de serem dependentes do respectivo outro.

Na segunda etapa, tanto Mead quanto Hegel, concebem a relação jurídica como uma forma de reconhecimento recíproco, pois um sujeito se considera portador de direitos quando sabe que possui obrigações frente ao outro, que também é um sujeito de direito. Nesse sentido:

Para o direito, Hegel e Mead perceberam uma semelhante relação na circunstância de que só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos de observar em face do respectivo outro: apenas da perspectiva normativa de um “outro generalizado”, que já nos ensina a reconhecer os outros membros da coletividade como portadores de direitos, nós podemos nos entender também como pessoas de direito, no sentido de que podemos estar seguros do cumprimento social de algumas de nossas pretensões (HONNETH, 2011, p. 179).

Dessa forma, o direito permite a “configuração do autorrespeito que introduz a dimensão da alteridade no âmbito das interações sociais, através de um processo de reconhecimento mútuo”, constituindo uma etapa fundamental para afirmação da visibilidade, indispensável para a cidadania (MOREIRA, 2010, p. 57-58).

Por fim, num terceiro estágio, surge outra forma de reconhecimento recíproco através da estima social, que está atrelada a uma autocompreensão cultural de uma dada sociedade, formada por valores e objetivos éticos, que levam os indivíduos a serem estimados por todos os outros na mesma medida, e ainda

A autorrelação prática a que uma experiência de reconhecimento desse gênero faz aos indivíduos chegar é, por isso, um sentimento de orgulho do grupo ou de honra coletiva; o indivíduo se sabe aí como membro de um grupo social que está em condições de realizações comuns, cujo valor para a sociedade é reconhecido por todos os demais membros (HONNETH, 2011, p. 209).

Dessa forma, todo sujeito tem possibilidade de experienciar a si mesmo, em suas relações e capacidades, de maneira que se sinta valioso para a sociedade e consequentemente gere uma autoestima.

No entanto, nas sociedades modernas, conforme expõe Honneth (2011, p.207), as relações de solidariedade estão em luta permanente, no qual os diversos grupos buscam elevar por meio de força simbólica, o valor das capacidades associadas a sua forma de vida.

Por essa razão, ao traçar a teoria do reconhecimento sustentada nessas três fases do reconhecimento intersubjetivo existentes na sociedade, baseadas nas relações originadas do amor, do direito e da solidariedade, Honneth aponta os sentimentos gerados por esse reconhecimento, que são a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima respectivamente, que, no entanto, estão sujeitos a uma violação, a um reconhecimento recusado.

A primeira forma de desrespeito ligada a etapa das relações amorosas, são os maus tratos físicos, que destroem a autoconfiança elementar de uma pessoa, pois além da lesão física, viola a capacidade de coordenação autônoma do próprio corpo, ligada ao sentimento de estar sujeito a vontade do outro, sem proteção, ferindo a confiança apreendida através do amor, que gera a perca da confiança em si e no mundo (HONNETH, 2011, p. 215).

A segunda forma de desrespeito está naquelas experiências de rebaixamento que afetam o autorrespeito moral, como o fato do sujeito permanecer estruturalmente excluído da posse de determinados direitos no interior da sociedade.

Honneth (2011, p. 216) concebe direitos e sua denegação como sendo

[...]aquelas pretensões individuais com cuja satisfação social uma pessoa pode contar de maneira legítima, já que ela, como membro de igual valor em uma coletividade, participa em pé de igualdade de sua ordem institucional; se lhe são denegados certos direitos dessa espécie, então está implicitamente associada a isso a afirmação de que não lhe é concedida imputabilidade moral na mesma medida que aos outros membros da sociedade.

Com isso, a denegação de pretensões jurídicas socialmente vigentes significa ser lesado na expectativa de ser reconhecido como sujeito capaz de formar juízo moral, experimentando a privação de direitos.

Por fim, constitui-se ainda um último tipo de rebaixamento, referente as ofensas e degradações, ligadas a honra e a dignidade de indivíduos ou grupos, gerando uma perda de autoestima pessoal, ou seja, uma perda de possibilidade de se entender a si próprio como um ser estimado por suas propriedades e capacidades características (HONNETH, 2011, p. 217-218).

Tais violações, conforme assevera Honneth (2011, p.220) podem representar a base motivacional para a luta por reconhecimento, conduzidas pelas reações emocionais negativas como a vergonha e o desprezo, tornando-se o motivo da resistência política em busca do reconhecimento social que lhe é negado de maneira injustificada.

Essas constatações de Honneth faz perceber que existe uma violação de direitos dos indivíduos ao estabelecer o instituto da delação premiada com restrições a um determinado grupo da sociedade e sem rigores impostos aos demais infratores do direito penal, pois o excluí da posse de determinados direitos no interior da sociedade.

E por essa razão, fundamental que se perceba essas violações e através da resistência política busque-se eliminar as injustiças e os desrespeitos gerados, estabelecendo o reconhecimento recíproco que deve conduzir a vida em sociedade.

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Sobre o autor
Claudio Ribeiro Barros

Advogado, Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória e graduação em Administração pela Fundação de Assistência e Educação - FAESA, M.B.A - Master in Business Administration - em Gestão Empresarial pela UVV, especialização em Criminologia pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, especialização em Docência do Ensino Superior pelo Cesv, especialização em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário pela UNESA, Mestrado em Andamento Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Atua como professor na graduação de Direito no Centro de Ensino Superior de Vitória, e Professor na Pós Graduação. Participou da Comissão Legislativa da lei 8.666/93 de Licitações e Contratos. Atualmente está produzindo duas obras literárias: Direito Penal Mínimo - Desnecessidade da Tutela Penal nos Crimes Contra a Administração Pública (fase inicial de elaboração e pesquisa), e Curso de Direito Penal Simplificado - Parte Especial (finalizando).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Claudio Ribeiro. A manutenção da subcidadania como um bloqueio a efetivação do princípio da igualdade: privilégio da delação premiada no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5972, 7 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63632. Acesso em: 26 abr. 2024.

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